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A liminar em embargos de terceiro: aplicação do art. 1.051 do CPC

17/08/2010 às 15:38
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1. Da aplicação do art. 1.051 do CPC

A despeito da pouca atenção revelada pela doutrina ao instituto dos Embargos de Terceiro, este se trata de mecanismo processual deveras importante, pois que destinado a proteção de um direito fundamental: o Direito de Propriedade. Em verdade, é possível encontrar na doutrina pátria obras de inquestionável fundamento, em que respeitáveis mestres esclarecem questões mais controversas acerca do instituto, no entanto, ainda persistem pontos que se afiguram polêmicos e geram decisões contraditórias em nossa jurisprudência.

A esse exemplo surge a questão da concessão de liminar em Embargos de Terceiro, que vem regulada pelo artigo 1.051 do Código de Processo Civil, o qual oferece ao juiz o poder de deferir liminarmente os embargos se julgar suficientemente provada a posse, determinando a expedição de mandado de manutenção ou de restituição em favor do embargante.

Ou seja, referido artigo determina o deferimento do pedido liminar quando suficientemente provada a posse do Embargante, dispensando e afastando, assim, os requisitos trazidos no art. 273 do mesmo diploma.

Não obstante, nos deparamos com decisões que julgam o pedido liminar, avaliando justamente se preenchidos os requisitos gerais para a concessão de tutela antecipada, a saber, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu [01].

Confira-se:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSÃO DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EMBARGOS DE TERCEIRO. LIMINAR QUE DEFERIU A SUSPENSÃO DA REINTEGRAÇÃO DE POSSE MANTIDA. Estando presentes os requisitos autorizadores da antecipação de tutela deferida em cognição sumária, notadamente o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, que seria a reintegração da agravante no imóvel objeto da lide, vai desacolhida a pretensão recursal para que, suspensa a reintegração de posse da agravante, seja a agravada mantida na posse do imóvel até os esclarecimentos de estilo. AGRAVO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70029744265, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rubem Duarte, Julgado em 28/04/2010)

(grifou-se)

De outra banda, temos, também, decisões que acertadamente se atêm ao disposto no artigo 1.051 do Código de Processo Civil, que regula o instituto:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CAUTELAR DE ARRESTO. EMBARGOS DE TERCEIRO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE CAUÇÃO. A cognição do pedido liminar de reintegração de posse deduzido em sede de embargos de terceiro é de natureza sumária, não exaustiva ou definitiva, exigindo, para o deferimento, a prova da condição de terceiro e de sua posse sobre o bem objeto da medida constritiva. Assim, demonstrados suficientemente tais requisitos, incumbe ao juiz o deferimento, de plano, dos embargos para a manutenção da posse ou restituição dos bens. Eventual discussão sobre caracterização de fraude fará parte do contraditório. Contudo, da leitura do art. 1.051 do CPC, constata-se a obrigatoriedade da prestação de caução idônea, para efeito de garantir a devolução dos bens objeto da liminar. AGRAVO PROVIDO, UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70018538207, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ergio Roque Menine, Julgado em 28/03/2007). (Grifou-se)

EMBARGOS DE TERCEIRO. LIMINAR. HIPÓTESE DE CABIMENTO. Considerando que as alegações feitas pela embargante na petição inicial, em juízo de cognição sumária, mostram-se verossímeis, tendo em vista a prova documental existente e a prova oral colhida em audiência de justificação prévia, é de ser mantida a decisão que concedeu a liminar postulada, condicionando-a à prestação de caução, porque presentes os pressupostos a que se refere o art. 1.051 do CPC. Agravo de instrumento improvido. (Agravo de Instrumento Nº 70012206173, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes, Julgado em 21/09/2005)

Neste procedimento, no entanto, entendemos que, no que tange a concessão de liminar, obrigatória a aplicação do art. 1.051 do Código de Processo Civil, pois que se trata de regra específica, devendo prevalecer sobre a geral (no caso, o art. 273 do mesmo Códex).

Desnecessário aprofundar o estudo da Teoria Geral do Direito, porém, conforme nos ensina a douta professora Maria Helena Diniz [02]:

A antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto.

(...)

Na análise das antinomias, três critérios devem ser levados em conta para a solução dos conflitos:

a)critério cronológico: norma posterior prevalece sobre norma anterior;

b)critério da especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral;

c)critério hierárquico: norma superior prevalece sobre norma inferior.

Pois bem, no instituto analisado, sendo as possíveis regras conflitantes oriundas de uma mesma codificação, ou seja, não havendo diferença hierárquica nem temporal entre estas, aplica-se o critério da especialidade, não restando dúvidas, assim, da correta aplicação da norma contida no artigo 1.051 do Código de Processo Civil.


2. PRESSUPOSTO NECESSÁRIO À CONCESSÃO DA LIMINAR NOS TERMOS DO ART.1.051 DO CPC

O pressuposto necessário à concessão da tutela antecipada, nos Embargas de Terceiro confunde-se, em verdade, com os requisitos para a oposição dos Embargos em si, ou seja, é necessária a comprovação da qualidade sumária da posse do autor, sua qualidade de terceiro e o rol de testemunhas, se necessário, como preceituam os artigos 1.050 e 1.051 do CPC. Isto por que, para a liminar propriamente dita, conforme preceitua o artigo em comento, a necessidade específica restringe-se à plausível comprovação da posse. Daí por que, com muita propriedade nos ensina o professor José Rogério Cruz e Tucci [03]:

O recebimento da petição inicial implica o deferimento da liminar, porque de nada adianta o processamento dos embargos, sem a suspensão da eficácia do ato judicial atacado. Mas, se recebida a petição inicial, não for deferida a liminar, cabe agravo de instrumento dessa decisão, sendo aplicável a regra do art. 527, III, do CPC (efeito ativo). Essa questão foi bem enfrentada pela 4ª Câmara Cível do TJRJ, no julgamento do Agravo de Instrumento n. 12.524/2005, que concluiu: "A decisão restou, no mínimo, contraditória, pois se os embargos foram admitidos e não rejeitados, de plano, na forma do que preceitua o art. 1.052 do CPC, vez que versavam sobre a totalidade dos bens constritos, o processo principal deveria ter sido suspenso e, conseqüentemente, o leilão que naqueles autos havia sido designado, até a decisão final a ser proferida nos embargos. Não se confunde, por certo, a suspensão do processo principal, ao qual se vincula os embargos, que resulta de sua simples interposição e admissão, com a tutela possessória de que trata o art. 1.051, do mesmo estatuto, esta sim, dependente da observância dos requisitos ali especificados. Recebidos os embargos e versando os mesmos sobre todos os bens, o processo principal se suspende...".

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Ou seja, o pressuposto necessário ao deferimento da medida liminar de manutenção de posse nos Embargos de Terceiros é o insculpido no art. 1.051 do CPC, e não os requisitos para a concessão de tutela antecipada em abstrato, consoante regula o art. 273 deste mesmo diploma.

Isto porque a tutela liminar nos Embargos de Terceiro possui natureza de tutela antecipada, não cautelar. Nesse sentido é a lição de Luiz Guilherme Marinoni:

A decisão liminar nos embargos de terceiro tem natureza de tutela antecipatória (...). A decisão visa satisfazer desde logo o Embargante. Trata-se de tutela antecipada contra a ilícita constrição judicial (arts. 461, §3º, e art. 1.051, CPC) [04].

Como bem destaca o autor, "não é necessária a alegação de dano irreparável ou de difícil reparação para sua concessão (art. 273, I, CPC). A tutela é contra o ilícito" [05]. (grifou-se)

Com relação à natureza da tutela protegida pelo dispositivo em comento, com muita propriedade nos esclarecem os professores Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero [06]:

A tutela inibitória antecipada não tem como pressuposto "fundado receio de dano". Essa tutela tem como pressuposto um "justificado receio" de que o ato contrário ao direito seja praticado (ou que seja repetido ou continuado) antes do trânsito em julgado. O "justificado receio" não é de dano, mas sim de que o ato contrário ao direito seja praticado ou possa prosseguir a se repetir. (grifou-se)

E prosseguem os autores:

A antecipação de tutela nos embargos de terceiro independe da alegação de urgência

. O legislador infraconstitucional presume a urgência na sua concessão. Perceba-se que o art. 1.051, CPC, não exige que o Embargante alegue e prove receio de ineficácia do provimento final para concessão de tutela antecipatória. [07](grifou-se)

Destarte, irrefutável que se afasta os requisitos presentes no artigo 273 do Código de Processo Civil para a concessão de tutela antecipada, em virtude da necessária aplicação do art. 1501 deste diploma.


3. DA PROVA SUFICIENTE DA POSSE

A decisão que defere ou não a liminar em Embargos de Terceiro deve cingir-se, como já referido, em analisar se presentes se acham - ou não - os requisitos inscritos no art. 1.051 do Código de Processo Civil, que rendem ensejo ao deferimento da medida pleiteada.

O deferimento da tutela antecipada, neste mecanismo processual, fundamenta-se em uma cognição inicial, sumária, caracterizada pela plausibilidade do direito; não se exige, nesta fase processual, a certeza plena acerca dos requisitos indispensáveis para o deferimento do pedido inicial.

Neste sentido, a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery [08]:

"A verificação da posse nesta fase dos embargos de terceiro é sumária e superficial, destinada apenas a orientar o juiz a decidir se concede ou não a liminar. (...) A prova plena e cabal da posse do embargante deverá ser realizada no momento procedimental apropriado".

Veja-se, portanto, que para os efeitos do alhures citado artigo 1.051 do Código de Processo Civil, não se exige prova plena da posse, mas sim uma plausível comprovação desta.

Com clareza, elucida o douto professor Hamilton de Moraes e Barros [09]:

Diz o art. 1.051 que o juiz deferirá, liminarmente, os embargos, se julgar suficientemente provada a posse do embargante. A prova que se cogita neste artigo 1.050 é tão-somente uma prova informatória. Não é necessário que já seja plena, completa, afastando quaisquer dúvidas e já produzindo certeza. Uma prova assim, dessa natureza e desse poder de convencimento, somente é de exigir-se para a sentença final de julgamento de embargos. Contentar-se-á o juiz com a mera plausibilidade.

Como já se disse, a prova dos embargos, para o seu recebimento liminar, não precisa ser plena, completa. Quando os embargos se fundarem numa relação jurídica não de direito real, mas de direito pessoal, isto é, em direito obrigacional, deve o embargante juntar à inicial o título do seu direito, isto é, o contrato ou o que as suas vezes faça.

Theotonio Negrão sintetiza: "Para o deferimento liminar dos embargos de terceiro, não há necessidade de prova plena da posse, devendo o juiz contentar-se com a mera plausibilidade" [10].

Nesse sentido, o mesmo autor declara: "Basta a verossimilhança das alegações – prova suficiente da posse. A tutela é contra o ilícito e é tomada com base na aparência. A tutela é da aparência do direito". [11]

Não discrepa o saudoso Pontes de Miranda: O recebimento in limine é em virtude de cognição incompleta. Basta que o juiz julgue provada a posse, ou haja prova que permita presunção hominis do direito. [12]

Assim, preenchidos os requisitos para a oposição dos Embargos de Terceiro, acaba-se tendo por consequência a obrigatória concessão da liminar, uma vez que, no momento processual de que se cuida, a prova da posse precisa ser meramente plausível, para ambas as ações.


Notas

  1. Código de Processo Civil, art.273, inc. I e II.
  2. DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 34 a 51
  3. TUCCI, José Rogério Cruz e . Embargos de terceiro: questões polêmicas. . Revista dos Tribunais (São Paulo), São Paulo, v. 94, n. 833, p. 54-65, 2005
  4. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel. Código de Processo Civil, comentado artigo por artigo. p. 915
  5. Ibid. p. 916
  6. Ibid., p. 428
  7. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel, Op. Cit. p. 916
  8. NERY JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislações Extravagantes. 9º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. Art. 1051, nota 1.
  9. BARROS, Hamilton Moraes. Comentários ao CPC. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense, 1974. v. IX, p. 307/308.
  10. NEGRÃO, Theotônio. Código civil e legislação em vigor. 28.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Art. 1051, nota 1b.
  11. Op. Cit. p. 916
  12. MIRANDA, Pontes de. Comentários ao código de processo civil, tomo XV. Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.88.
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Sobre a autora
Fernanda Michel da Rosa

Advogada, graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pós graduada em Direito Civil e Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Fernanda Michel. A liminar em embargos de terceiro: aplicação do art. 1.051 do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2603, 17 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17207. Acesso em: 28 mar. 2024.

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