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A polêmica sobre o porte de armas por oficiais de Justiça

08/11/2012 às 14:21
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Diariamente os Oficiais de Justiça cumprem mandados em áreas de elevados índices de violência, seja na zona urbana ou na zona rural, o que, dentre outros motivos, justifica o porte de arma por esses profissionais.

Parece que se está esperando um extermínio de Oficiais de Justiça, para que alguém acorde e veja que o Congresso Nacional cometeu um erro ao retirar o direito do Oficial de Justiça a portar arma para defesa pessoal do projeto original do Estatuto do Desarmamento.

Na quinta-feira 18/09/2012, aconteceu em São Paulo um caso com repercussão em toda a mídia nacional, no qual um Oficial de Justiça, cumprindo um mandado em ação de interdição de uma pessoa que, supostamente, tem transtornos mentais, foi vítima de disparo de arma de fogo contra sua vida. Segundo o delegado titular da 6º Distrito Policial, do Cambuci, José Gonzaga Pereira da Silva Marques, o atirador tinha diversas armas em casa e todas registradas (conforme informação do site G1). Ou seja, um doente mental pode ter armas, mas um agente público que exerce atividade de risco não pode. Trata-se de um absurdo criado por pessoas que não têm noção do que é uma atividade de risco e defendem o desarmamento dos cidadãos de bem, e negam o direito ao porte de armas a profissionais que lidam com o crime e se expõem a riscos todos os dias.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional prevê, em seu art. 33, inciso V, que o juiz pode portar arma para defesa pessoal. O art 42 da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público concede o mesmo direito aos seus membros. Já a Portaria nº 535, de 1º de outubro de 2002, do Comandante do Exército, autoriza os membros do Ministério Público, da União e dos Estados e os membros da Magistratura a adquirir na indústria nacional, para uso próprio, pistola calibre .40, ou seja, arma de uso restrito, que pressupõe elevada qualificação técnica e destreza para seu manuseio e uso.

Juízes e membros do Ministério Público não fazem, em seus cursos de formação, preparação para uso de arma alguma, ou curso de defesa pessoal, mas desde nomeados, já podem portar pistolas .40, calibre usado pela Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, e tropas de leite das polícias civis e militares dos Estados. Nem todos os policiais podem portar pistolas .40.

É imperativo atentar que o direito ao porte de armas pelos Magistrados e membros do Ministério Público não se limita apenas ao uso em serviço, ou no território de suas comarcas.


O artigo 6º, inciso II do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) diz que podem portar armas os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal. Ou seja, nos termos do disposto nesse artigo e respectivo inciso da Constituição Federal, os Bombeiros Militares têm direito ao porte de arma. Ainda por força dos mesmos dispositivos legais, igual direito é garantido à Policia Ferroviária Federal, aos integrantes das Polícias Legislativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, além dos Guardas Portuários.

Nenhum desses profissionais, exceto os Bombeiros Militares, exerce suas atividades na rua, como o Oficial de Justiça, mas em ambientes fechados. Mesmo assim, têm direito ao porte de arma de forma indistinta, estando ou não de serviço e podem portar suas armas em todo o território nacional.

Pergunta-se: já que alguns parlamentares, o Poder Executivo Federal e algumas ONGs acham que o Oficial de Justiça não deve ter o direito ao porte de arma, por achar que este servidor pode contar com apoio da polícia para suas diligências, como justificar que um juiz ou um promotor de justiça de uma vara de família, vara de registro público, vara da fazenda pública, vara de sucessão, ou mesmo das varas cíveis, possa portar arma, já que não lidam com o crime? Como justificar que a pistola .40 pode ser usada por um juiz que não tem formação técnica especializada para manuseio de armas? Como aceitar que o Oficial de Justiça não precisa de arma para efetuar uma prisão, mas o juiz que fica no gabinete e decreta essa prisão, e o policial, para também efetuar prisões, precisa de arma? Qual atividade envolve mais risco que justifique a necessidade portar armas para defesa pessoal, a do Bombeiro ou a do Oficial de Justiça? Onde há mais risco de agressão ao servidor público: no combate a chamas, no resgate de um gato entalado em um esgoto, no salvamento de uma pessoa se afogando, na busca de um corpo de uma pessoa afogada; ou na realização de uma prisão, na intimação de um bandido ou um transtornado mental? Os Bombeiros Militares não têm entre as suas atribuições legais efetuar prisões, mas podem portar arma; já o Oficial de Justiça, que realiza prisões, busca e apreensão, penhoras etc. não pode portar arma.

Não somos contra o direito ao porte de armas dos Juízes e Membros do Ministério Público nem dos Bombeiros, apenas apresentamos argumentos para reflexão com elementos comparativos, considerando os riscos enfrentados por cada profissional.


A Instrução Normativa nº 23 da Polícia Federal, datada de 1º de setembro de 2005 (publicada no Diário Oficial da União em 16.09.2005), que estabelece procedimentos visando o cumprimento da Lei nº 10.826/2003‚ diz em seu artigo 18, § 2°, que “são consideradas atividade profissional de risco‚ nos termos do inciso I do § 1º do art. 10 da Lei nº 10.826 de 2003‚ além de outras‚ a critério da autoridade concedente‚ aquelas realizadas por: I – servidor público que exerça cargo efetivo ou comissionado nas áreas de segurança‚ fiscalização‚ auditoria ou execução de ordens judiciais;” (destaquei).

O Próprio Poder Executivo, que vem se posicionando contra o direito ao porte de armas por Oficiais de Justiça, reconhece, através do Ministério da Justiça e Polícia Federal, que a atividade do Oficial é de risco e por isso faz jus ao porte de arma, mas impede que tal direito seja posto na Lei Federal pertinente.


A Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012, originário do Projeto de Lei da Câmara - PLC nº 03/2010, que iniciou sua tramitação como uma sugestão apresentada pela Associação dos Juízes Federais – AJUFE, alterou o Código Penal, Código de Processo Penal, Código de Transito Brasileiro, Estatuto do Desarmamento, entre outras leis penais, aprovando o porte de armas para os Agentes de Segurança do Poder Judiciário. Contudo, veja-se que o fim deste projeto de lei, que foi aprovado e sancionado, é a proteção dos Magistrados e seus familiares.

Quase três anos antes do PLC nº 03/2010, foi apresentado na Câmara Federal, pelo Deputado Nelson Pellegrino, do PT/BA, o Projeto de Lei da Câmara nº 30/2007, que altera a redação do art. 6º da Lei nº 10.826 (Estatuto do Desarmamento) para estender aos Oficiais de Justiça e outros servidores públicos o direito ao porte de arma para defesa pessoal.

De fevereiro de 2010 a abril de 2011, o PLC nº 30/2007 seguiu uma verdadeira via crúcis por diversas comissões, tendo passado inclusive por audiência pública, trâmites que não foram usados no PLC dos Juízes.

Desde 05/04/2011, portanto há mais de um ano e meio, o PLC nº 30/2007 se encontra na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, onde foi designada como relatora a Senadora Lídice da Mata (PSB/BA) para elaborar parecer. No entanto, onze meses depois, no dia 01/03/2012, a senadora devolveu o processo sem o relatório. Em 11/05/2012, O Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, Senador Paulo Paim, PT/RS, designou relator da matéria o Senador Clóvis Fecuri, DEM/MA, tendo este parlamentar devolvido o PLC sem o relatório. Desde 24/05/2012, o Senador Wellington Dias, do PT/PI, está com o PLC sem lhe dar sequência.

Quando o que se discutia era a segurança dos juízes e seus familiares, o Congresso Nacional e a Presidência da República foram céleres em atender ao pedido, sendo que os magistrados já têm o direito ao porte de arma, mas ainda querem outros servidores para dar-lhe segurança, e precisam mesmo. Mas, quando a matéria versa sobre a segurança dos Oficiais de Justiça, o andamento e a vontade política são bem diferentes.

Igualmente, os membros das Polícias Legislativas do Congresso Nacional têm porte de armas. Não se conhece um só caso de agressão ou violência contra esses profissionais em virtude de suas funções, mas eles podem portar armas, já que estão ali para protegerem Deputados e Senadores.


As pessoas talvez não saibam que o Oficial de Justiça cumpre suas diligências, ou seja, a missão estatal, em veículos próprios: estes são os únicos servidores públicos de qualquer esfera de governo ou de qualquer dos poderes que não têm viaturas públicas para realizar as atividades estatais.

Diariamente, os Oficiais de Justiça cumprem mandados em áreas de elevados índices de violência, seja na zona urbana ou na zona rural, e o fazem sozinhos e desarmados. Quando um delegado precisa ouvir um réu ou testemunha e manda intimar essa pessoa, desloca-se uma equipe de três policiais, em viatura ostensivamente identificada como viatura policial e vão todos armados. Se não houver essas três condições, ou seja, equipe, viatura e arma, o delegado simplesmente deixa de determinar a intimação até que possa dispor de todos esses recursos. Quando o inquérito chega ao Judiciário, se transforma em processo e o juiz precisa ouvir o mesmo réu ou testemunha que já foi ouvido na esfera policial, e o Oficial de Justiça tem de fazer a mesma intimação, sozinho, em seu veiculo particular e desarmado.

Os juízes que lidam e temem o crime organizado, e por isso pediram reformas legais para sua proteção pessoal e para seus familiares, ficam diante dos criminosos em suas salas de audiência, cercados de servidores, de polícias, agentes penitenciários, vigilantes privados de empresas terceirizadas e ainda podem ter sob a toga uma pistola .40. O Oficial de Justiça, que intima esse mesmo criminoso integrante de facções organizadas, tem de fazê-lo sozinho e desarmado, entrando em favelas, vilas, sítios, e toda sorte de ambiente onde quer que os criminosos estejam.

Quando a polícia realiza uma operação para prender agentes públicos acusados de condutas ilícitas na administração pública, o que se vê é uma espetaculirização das chamadas operações, com enorme aparato de pessoal, dezenas e por vezes centenas de policiais, fortemente armados, com armas de grosso calibre, inúmeras viaturas, coletes balísticos, cobertura midiática e mais apetrechos, para prenderem poucas pessoas, que na maioria das vezes não são bandidos perigosos, mas vereadores, prefeitos, ou servidores públicos que tem prisões temporárias decretadas apenas para serem interrogados na esfera policial, e muitas vezes acabam por ser inocentados das acusações que lhes foram assacadas. Porém, o Oficial de Justiça que efetua um mandado de prisão não pode ter consigo arma nenhuma.

Se um Oficial de Justiça, hoje impedido de portar arma, amanhã passar num concurso para Promotor de Justiça ou Juiz, poderá portar uma pistola .40. O que mudou em 24 horas para hoje proibir o porte de qualquer arma e amanhã permitir o uso de calibre restrito? Só quem tem direito à tutela estatal para proteção pessoal e familiar são os juízes e membros do Ministério Público?

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O texto da lei já citada, que reforça a garantia de segurança aos juízes, apesar de ter como mote o enfrentamento ao crime organizado, acaba por beneficiar qualquer juiz, mesmo que seja de uma vara do trabalho, ou de família, por exemplo, que não lidam com o crime, mas qualquer Oficial de Justiça está na rua exposto a toda sorte de violência e agressão em razão de sua função. Mesmo os Oficiais de Justiça do Trabalho são alvos de patrões e empregados insatisfeitos com as decisões judiciais trabalhistas.

O fato ocorrido em São Paulo não é fato isolado: inúmeros registros de agressão e homicídios contra Oficiais de Justiça, no exercício da função, ocorreram nos últimos anos. 

O Estatuto do Desarmamento foi incapaz de reduzir os índices de violência. Desde que foi implantado em 2003, as estatísticas do próprio estado mostram que os homicídios só aumentaram.


Aqueles que se posicionam contra o porte de armas para os Oficiais de Justiça alegam que estes profissionais não são treinados para uso de armas, juízes e membros do Ministério Público também não tem treinamento, mas podem portar pistolas .40.

O Estado da Paraíba realizou concurso público para provimento de cargos de Agentes Penitenciários, onde uma das etapas do concurso era o curso de formação, que teve uma duração de 100 horas/aula. Os novos agentes receberam este curso, que durou duas semanas, com aulas de segunda a sexta no período diurno, sendo o curso composto em parte teórica e prática. Os agentes antigos sequer essa “formação” jamais receberam.

Em duas semanas foram dadas disciplinas teóricas e práticas. Na parte prática tiveram aula de defesa pessoal e tiro, sendo o curso de tiro dado em um turno, e dividido em aula teórica e prática. Não há nenhum curso de formação de nenhuma profissão, por mais simplória que seja, cuja duração se dê em duas semanas, exceto quando é o Estado que está formando seus quadros. Como entender que alguém que teve uma tarde de aula de tiro está apto a portar armas. O Estado precisa investir na boa qualificação dos seus servidores.

Os agentes penitenciários precisam sim de portar armas e em tempo integral, é uma insanidade defender a ideia de que este servidores só devem portar armas quando em serviço. O criminoso age na covardia, de emboscada, e não apenas no horário de expediente dos funcionários públicos. Em São Paulo, uma facção criminosa se volta contra policias e agentes penitenciários. Todos os dias temos visto na imprensa um novo caso de crime consumado ou tentado contra policias e agentes penitenciários. 

Ora, se o argumento para ser negado o porte de arma aos Oficiais de Justiça for o de que eles não são treinados para tanto, parece muito mais inteligente determinar que todos os tribunais firmem parcerias com as academias de polícia, sejam da polícia civil ou militar de cada Estado, e Policia Federal e Polícia Rodoviária Federal, para ofertarem o devido treinamento aos profissionais, como acontece com os vigilantes de empresas particulares, que são autorizados para portar armas.

Mais que conceder aos Oficiais de Justiça o direito ao porte de arma, em tempo integral e com validade em todo o território nacional, deve o Estado fornecer as armas, e armas modernas e novas, como assim é fornecido aos policiais e agentes penitenciários, uma vez que o Oficial de Justiça também é um funcionário público e cumpre missão em nome do Estado. Assim não basta apenas conceder direito ao porte de armas, mas, repito, é preciso fornecer as armas, e não esperar que estes profissionais tenham de adquiri-las por conta própria, já basta ter de cumprir as diligências em veículos particulares. A lei que autorizou o reforço na segurança dos juízes e seus familiares determinou que os tribunais adquiram e forneçam as armas aos agentes de segurança dos magistrados.


O fato de ser concedido aos Oficiais de Justiça o direito ao porte de arma para defesa pessoal não impede que este solicite apoio policial nos casos mais complexo, assim como o policial tem o direito ao porte de arma, mas não cumpre nem um ato sozinho, apesar de estar armado, e jamais vai se poder imaginar, nem por hipótese, que o Oficial de Justiça vai sempre, poder contar com apoio policial para todas as suas diligências. Ou será que vamos preferir recolher corpos de Oficiais de Justiça depois de alvejados?

É o momento das entidades representativas da classe, todos os integrantes da categoria e a população em geral, pressionarem o Congresso Nacional a corrigir esse desmando legislativo, essa excrescência teratológica legal e coferir aos Oficiais de Justiça o direito ao exercício da legítima defesa pelo porte legal de arma, e nem precisa ser pistola .40.

Há quem já se pronunciou, no Congresso Nacional, dizendo ser favorável ao porte de armas pelos Oficiais de Justiça, mas apenas quando estejam em serviço. Isso é uma visão extremamente limitada da realidade de violência urbana vivida em nosso país. Não é demais lembrarmos aqui o caso do juiz da Vara de Execuções Penais do Espírito Santo, Alexandre Martins de Castro Filho, que foi morto com dois tiros, um na cabeça e um no peito, quando chegava a uma academia em Itapuã, Vila Velha, no Espírito Santo, em 24/03/2003, o caso da juíza Patrícia Acioli, da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, Rio de Janeiro, que foi assassinada no início da madrugada do dia 12/08/2012, em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, quando chegava em casa, assim como as centenas de policiais civis e militares e agentes penitenciários que foram mortos fora do horário de expediente, mas um coisa é comum a todos esses exemplos, são pessoas que foram mortas em razão da sua função. Por que o porte de armas apenas quando em serviço? Isso não é lúcido e nem um pouco inteligente.

Deputados Federais, Juízes e membros do Ministério Públicos quando se sentem ameaçados pedem segurança ao Estado, mediante escolta policial, em tempo integral, não apenas quando estão em serviço, pois a ameaça e o risco se prolongam para além do expediente de trabalho. Como chegar à conclusão que o Oficial de Justiça só deve ter o direito ao porte de armas quando em serviço?


Em toda história da humanidade, sempre que se quis dominar um povo, fazer o tão temido controle social, a primeira medida foi sempre desarmar os cidadãos, foi assim no Japão antigo, na Europa no meio do século passado com os fascistas e com os nazistas, e em tantos outros momentos e lugares registrados na História.

Desarmar o cidadão não é a solução.

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Sobre o autor
Joselito Bandeira Vicente

Oficial de Justiça do TJPB em Santa Rita – PB. Bel em Direito pela UFPB. Pós-graduado pela Escola Superior da Magsitratura/TJPB Especializando em Direito Cosntitucional pela ESMA/TJP/UEPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICENTE, Joselito Bandeira. A polêmica sobre o porte de armas por oficiais de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3417, 8 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22967. Acesso em: 28 mar. 2024.

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