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Ação popular

01/05/2000 às 00:00
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Um dos dispositivos que melhor justificam o título de Constituição Cidadã, atribuído à nossa Carta Magna é sem dúvida o que está esculpido no inciso LXXIII do art. 5º, verbis: qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

É verdade que suas predecessoras, com exceção da de 1937, oriunda do regime implantado na Nação, como o advento do Estado Novo, também a contemplavam. Assim, já com a carta de 1946 a ação popular voltava a ser dispositivo constitucional.

O diploma que a regula é de 29 de junho de 1965, Lei 4.717, que não foi alterada e que em alguns pequenos detalhes se deve adequar às inovações da mesma constituição cidadã.


Ação popular é assim, um meio do qual se pode valer qualquer cidadão do povo, para comparecer perante o estado juiz, referindo-lhe a existência de ato lesivo ao patrimônio público, onde quer que esteja e independentemente de quem o detenha, estendendo-se ao ataque à imoralidade administrativa ou que fira qualquer outro bem entre os que pertencem ao grupo dos interesses sociais ou individuais indisponíveis.

Tal ação tem as mesmas características de todas aquelas com que alguém se volve ao Poder Judiciário, em busca do reconhecimento da detenção de um direito, ou da tutela de qualquer dos bens assim juridicamente considerados. Toda ação tem como pressuposto, que seu autor tenha interesse e legitimidade para agir. No caso desta, apenas uma condição é requerida da parte de quem a quiser ajuizar e cuja comprovação é exigida no ato: que seja eleitor. Mesmo que tenha apenas 16 anos, já que a lei faculta ao jovem dessa faixa etária, o direito de voto. E mesmo que em outros casos a lei requeira para que esteja em juízo que seja assistido pelo seu representante legal, neste caso, de tanto não depende.

É que, quem adquiriu o direito de ser eleitor e não precisa estar assistido no ato de eleger seus representantes, não precisará igualmente sê-lo, quando agir, fiscalizando-os potencialmente, ou quando, pelas vias legais, estiver exercendo outro direito, o de avaliá-los na observância das normas administrativas, ou dos princípios que a norteiam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Para facilitar o acesso judicial, direi até que como forma de motivação ao agir, o autor não estará sujeito ao pagamento de custas processuais, nem estará sujeito a eventuais ônus da sucumbência, ou às consequências de ser perdedor o que no caso implicaria também em pagamento dos honorários do advogado da outra parte. Exceto em caso de má fé.

Para instruir o seu pedido, poderá requerer as certidões que precisar, não estando contudo, sujeito ao pagamento de nenhuma taxa além de dever ser atendido no prazo da lei. A negativa administrativa não é excluída se implicar em segurança nacional. Mas nem neste caso, se esgota o caminho do êxito e obtenção, pois, pode ser requerido ao Juiz que requisite tal prova e este reconhecendo a procedência do motivo, fará com que o processo tramite em segredo de justiça, que só vai cessar com o trânsito em julgado da sentença que for condenatória.

Os atos atacáveis via ação popular, se classificam em atos nulos quando são lesivos ao patrimônio público ou quando praticados ou celebrados sem observância legal. Podem-se dar por motivo de incompetência ou seja, quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou; pelo vício de forma e consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; por ilegalidade do objeto cuja ocorrência se dá, quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; ainda, por inexistência dos motivos e se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido; e finalmente, por desvio da finalidade o que se verifica, quando o agente pratica o ato visando fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. No primeiro caso, o do art. 2º da Lei. E no outro, quando admissão ao serviço público é feita sem concurso de provas e títulos, compra e venda super ou sub estimada, enfim, sempre que inobservados os princípios que cada um deles reger. Estão individualmente elencados em nove incisos, do art. 4º da mesma lei.

A ação pode ser proposta em qualquer comarca. Na capital, o interesse da União levará o feito à uma das varas da seção judiciária, ou justiça federal. É ajuizada contra a União, o Estado ou o Município, contra a pessoa que recebe subvenção governamental e contra quem se tiver beneficiado das irregularidades que a ensejam.

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Deverá ser requerida a intimação do Representante do Ministério Público para acompanhamento desde a inicial, por isto, no mesmo despacho que determina a citação, o Juiz deverá ordenar também esta intimação, sob pena de nulidade. E no caso de ter sido deferida requisição de provas por ofício, compete ao Ministério Público diligenciar para que sejam fornecidas no prazo, isto também faz parte de sua função de fiscal da lei.

Aliás, ainda é o Ministério Público que promoverá a responsabilização civil e criminal de quem a tiver, culminando por assumir a Autoria do pedido, caso seja abandonado por quem o fez e no caso de concorrente popular não se habilitar a tanto, inclusive executar a sentença .

Não lhe é vedado posicionar-se pela improcedência a final, como quis o legislador, ficaria descaracterizada sua vocação constitucional. Não pode haver exceção da sua missão de fiscalizar também neste caso, a fiel observância da lei. O fato de diligenciar e buscar as provas será também para efeito de saber em favor de quem deve ser reconhecido o direito e neste sentido dizer, quando da emissão do seu parecer final.

Julgando procedente a ação popular, o Juiz poderá condenar o requerido em perdas e danos, mesmo que não lhe tenha sido requerido, conforme inteligência do art. 11, sempre da mesma lei reguladora. Entretanto, é facultado à administração, exercer o direito regressivo, no caso de culpa, quando forem funcionários os causadores do dano. O valor pode até ser descontado dos vencimentos.


Entretanto, não me lembro de nenhuma ação popular em trâmite nas comarcas ou varas por onde passei. Nos ementários de jurisprudência do Tribunal de Justiça do nosso Estado, desde 1997, registra-se apenas uma revisão em ação popular. Os líderes populares a quem perguntei, pessoas ligadas a movimentos de base, foram unânimes em dizer que nunca cogitaram de propor ação popular. Houve quem acrescentasse que sequer sabiam de tal possibilidade.

Isto significa que a ação popular é um investimento a ser feito. Com certeza, se constituirá em inibição para muitos administradores, prefeitos, vereadores, que vivem à revelia das leis, como se a eles não competisse fazer só o que manda a lei.

A maioria das administrações municipais no nosso e em outros estados têm sido constantemente, como se diz: bombardeadas por acusações de irregularidades. São os gastos com obras que ninguém vê, quando vê, não correspondem ao valor gasto; são despesas que não se revertem em benefício dos munícipes; enfim, não há quem não saiba de ao menos uma irregularidade que aqui e ali se repete, enquanto seus autores prosseguem enriquecendo ilicitamente e fazendo de conta que pensam no povo.

Há muita gente aguerrida e que, se consciente, vai partir para a ação.

O Ministério Público tem obrigação de agir independente de representação até, usando, por exemplo, o Inquérito Civil, meio que lhe deu a Constituição Federal para investigar e obter todos os elementos probatórios que respaldem o pedido que pretender fazer, mediante ação civil pública que da ação popular é concorrente. Nada justifica que se omita por não dispor de provas. Compete-lhe ir buscá-las e são muitos os que têm feito isto.

Que os movimentos populares, as "comunidades eclesiais de base", as associações de moradores, partam para uma grande mobilização onde seja comprovado que cada pessoa, ali, aprendeu o quanto é poderosa e que sua vontade é fator inestimável na inibição dos desmandos que denigrem as administrações públicas e que, finalmente, as verbas públicas sejam aplicadas por inteiro nas ações a que se destinam.

Não há falta de verbas, há desvio delas e principalmente, para bolsos individuais. Falta probidade na administração, mas há falta também de cidadão.

Bem usadas aquelas, exercendo potencialmente seus direitos este, com certeza muita coisa vai mudar.

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Sobre a autora
Marlusse Pestana Daher

promotora de Justiça no Espírito Santo, radialista, jornalista, escritora, especialista em Direito Penal e Processual Penal, membro da Academia Feminina Espírito Santense de Letras, ex-dirigente do Centro de Apoio Operacional às Promotorias do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAHER, Marlusse Pestana. Ação popular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/352. Acesso em: 29 mar. 2024.

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