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Apontamentos sobre o recurso de embargos infringentes

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07/09/2004 às 00:00
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Resumo: Versa o presente sobre alguns dos principais aspectos relacionados ao recurso de Embargos Infringentes, notadamente seu cabimento em mandado de segurança e remessa ex officio, além de trazer estudos sobre a necessidade de sua manutenção no sistema recursal brasileiro.


1. Introdução

Alguns temas polêmicos e ainda bastante discutidos pela doutrina e jurisprudência serão tratados neste breve artigo, em especial o cabimento do recurso de embargos infringentes no procedimento de mandado de segurança e em remessa ex officio.

Primeiramente, traremos em "nossos apontamentos" a raiz histórica do recurso, de origem Portuguesa, que bravamente permanece em nosso ordenamento jurídico, não mais existindo em outros, mesmo o Português. Após sua conceituação, analisaremos aspectos relacionados ao cabimento, conforme já falamos, desacordo total e parcial, voto vencido, efeitos, procedimentos, chegando-se até a discussão acerca da necessidade de sua manutenção ou não no sistema.

Para tanto, buscaremos informações em vasta bibliografia, incluindo doutrinadores clássicos e contemporâneos.


2. Embargos Infringentes

2.1. Histórico;

O recurso de Embargos Infringentes tem sua origem no direito lusitano, introduzido no direito processual civil brasileiro por meio das Ordenações do Reino, que foram a base do direito durante o período colonial. Nos informa CANDIDO DE OLIVEIRA FILHO, citado por JOSÉ FREDERICO MARQUES, em clássico chamado Instituições de Direito Processual Civil [1], que o surgimento dos Embargos Infringentes deu-se em decorrência da desorganização judiciária da Monarquia Portuguesa, além de que era costume naquela época, em virtude da dificuldade de interposição das apelações, que as partes recorressem ao juiz prolator da sentença, por meio de pedidos de reconsideração. A praxe de requerer a modificação da sentença não por meio de apelação, o que seria correto, mas sim por pedido de reconsideração, fez com que as Ordenações Afonsinas expressamente previssem os embargos modificativos, que tinham por condão a modificação da sentença, em contrapartida aos ofensivos, que requeriam a revogação da sentença. Estes últimos não foram acolhidos pelas Ordenações.

GABRIEL JOSÉ RODRIGUES DE REZENDE FILHO [2] nos ensina que os embargos infringentes "aparecerem nas Ordenações Afonsinas, com o objetivo de modificação da sentença em algum ponto acessório".

A praxe forense fez com que, em 6 de dezembro de 1813, fosse expedido alvará afirmando que "o meio de embargos é sempre aplicável a toda e qualquer sentença, segundo a legislação pátria" [3]. Em 20 de novembro de 1832, os embargos foram novamente mantidos no ordenamento jurídico através de lei. Ocorre que o Regulamento 737 de 1850 passou a admitir apenas embargos de declaração, visando a declaração da sentença de algum ponto obscuro, contraditório ou omisso; e embargos de restituição de menores.

Com o advento da Constituição de 1891, os Estados-Membros passaram a possuir autonomia para legislar sobre direito adjetivo. Isso propiciou a criação, em vários estados, de normas processuais prevendo o recurso de embargos infringentes. Notadamente, conforme nos noticia JOSÉ FREDERICO MARQUES [4], foi o Estado do Rio Grande do Sul o primeiro a adota-lo.

No princípio possuía este recurso traço notadamente de pedido de reconsideração, trazendo consigo ainda a sua origem, passando mais tarde a trazer consigo os caracteres da devolutividade, e não somente da retratação.

Nossa primeira lei unitária, ou seja, federal, versando sobre os embargos infringentes veio apenas aos 25 de novembro de 1936, através da lei nº 319, sendo que, segundo nos explana JOÃO BONUMÁ, citado por FREDERICO MARQUES [5], "passaram a ser o recurso normal das sentenças proferidas em segunda instancia, sempre que o valor da causa excedesse determinada soma, ou que a sentença de segundo grau não confirmasse por unanimidade a de primeira instância".

Passava-se a delinear o recurso tal como hoje concebemos, cujo objetivo é a revisão das decisões não unânimes dos tribunais.

Corroborando o pensamento legislativo de que foi fruto a lei nº 319, retro citada, trouxe o Código de Processo Civil de 1939, em seu art. 833 a previsão expressa sobre os embargos infringentes, que entravam definitivamente no ordenamento jurídico pátrio, para não mais sair.

Versava o art. 833 do CPC/39:

"Além dos casos em que os permitem os arts. 783, §2º e 839, admitir-se-ão embargos de nulidade e infringentes do julgado quando não for unânime a decisão proferida em grau de apelação, em ação rescisória e em mandado de segurança. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência.

Parágrafo Único: Além de outros casos admitidos em lei, são embargáveis, no Supremo Tribunal Federal, as decisões das Turmas, quando divirjam entre si, ou de decisão tomada pelo Tribunal pleno" (6).

Originalmente o texto ainda transcrito previa que o acórdão objeto dos embargos infringentes, além de não ser unânime, deveria ainda ter reformada a sentença, demonstrando que o seu cabimento era ainda mais restrito, em virtude de critério adotado da dupla conformidade. Não bastava a não unanimidade do acórdão se este não tivesse alterado a relação jurídica criada pela sentença. Haveria necessidade de reforma por parte do Tribunal para que fossem cabíveis os embargos.

Tal critério, denominado de dupla conformidade foi extirpado do sistema por via do decreto-lei nº 8.570 de 8 de janeiro de 1946, tratado-se, como nos ensina PEDRO BATISTA MARTINS [7], de "radical eliminação do critério da dupla conformidade, que era fundamental no texto primitivo".

Da análise do art. 833 do CPC/39 também visualizamos que a expressão em grau de apelação poderia gerar alguma dúvida quanto à possibilidade de interposição dos embargos em sede de outros recursos, fora a apelação e a ação rescisória, já que a expressão mostra-se bastante ampla. Temos hoje em dia a mesma dúvida, uma vez que o texto introduzido pela lei nº 10.352/01 em muito se assemelha ao antigo texto do CPC/39.

Salienta-se ainda que os embargos infringentes passaram a não ser admitidos, não obstante pensamentos contrários, no procedimento do mandado de segurança, após a entrada em vigor da lei nº 1.533/50, tendo em vista que esta não previu o referido recurso em seu procedimento.

2.2. Conceito;

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [8], reproduzindo o texto do art. 530 do CPC, nos fala que "embargos infringentes são o recurso cabível contra acórdão não-unânime proferido em apelação ou ação rescisória, dirigida ao próprio tribunal que pronunciou a decisão impugnada". Devemos lembrar que a nova redação do art. 530 nos fala que o acórdão deve ser proferido em grau de apelação e reformador da decisão impugnada. De forma a complementar o nosso conceito, podemos dizer, como nos ensinam NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY [9], "que os embargos infringentes têm como finalidade o pedido de modificação do acórdão, com o objetivo de fazer prevalecer o voto vencido".

Podemos agora formular um conceito nosso, utilizando os ensinamentos dos mestres, de forma a condensar um uma só sentença, a importância e o cabimento deste recurso. São os Embargos Infringentes modalidade recursal interposta contra acórdão não unânime, proferido em grau de apelação e em ação rescisória, em havendo reforma da decisão impugnada, tendente a modificar o acórdão, com vistas a manutenção do voto vencido.

2.3. Embargos infringentes em mandado de segurança;

A dúvida quanto ao cabimento ou não do recurso de embargos infringentes no procedimento do mandado de segurança suscita grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Alguns grandes doutrinadores, como JOSÉ FREDERICO MARQUES [10], entendem que tal recurso não seria cabível no procedimento do mandado de segurança, tendo em vista a lei nº 1533/50, a qual instituiu o writ constitucional, ser especial em relação ao CPC e não ter previsto o aludido recurso em seu bojo.

Outros doutrinadores, como NELSON NERY JÚNIOR [11], entendem serem cabíveis os embargos, uma vez que as normas do Código de Processo Civil se aplicam subsidiariamente aos procedimentos especiais, no que não lhe for contrário. São suas palavras:

"São cabíveis EI em acórdão não unânime, proferido em apelação nos processo de falência e de mandado de segurança. Aplica-se o CPC subsidiariamente nas ações regidas por leis especiais, como é o caso da LF e da LMS. Não há nenhuma incompatibilidade na aplicação do CPC 530 aos processo falimentares e de mandado de segurança. (...)entendemos ser momento de os tribunais superiores revisarem suas súmulas restritivas dos EI em mandado de segurança".

Também o pensamento de CELSO AGRÍCOLA BARBI [12] se coaduna com o pensamento de NELSON NERY JÚNIOR, com o qual também concordamos. BARBI se refere ao problema da seguinte forma:

"(...) a já mencionada preocupação em não se criar restrições indevidas ao uso do mandado de segurança aconselha, para eficaz defesa do cidadão, o cabimento de embargos infringentes contra acórdão que, em apelação, por maioria dos votos, julgar mandado de segurança (...)".

Não obstante todos os fundamentos trazidos pela doutrina, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal mostra-se contrário à utilização do recurso, tendo inclusive gerado a Súmula nº 597, de seguinte teor: "Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em mandado de segurança, decidiu, por maioria de votos, a apelação".

2.4. Embargos infringentes e remessa ex officio;

Novamente nos deparamos com uma dúvida concernente ao cabimento do recurso de embargos infringentes, agora quanto ao procedimento da remessa necessária, também denominada recurso ex officio ou apelação ex officio.

Tal dúvida inexistia antes do Código de Processo Civil de 1973, pois o anterior versava que ao recurso ex officio seriam aplicadas as mesmas normas referentes ao recurso voluntário. Segundo dispõe CELSO AGRÍCOLA BARBI [13],

"(...) em ação ordinária regida pelo Código de Processo Civil de 1939, vencida a Fazenda Pública, o juiz interpunha a apelação ex officio. Se julgada esta por maioria de votos, era pacífico o cabimento de embargos infringentes pelo vencido, quer fosse a Fazenda quer fosse a outra parte".

Ocorre que o CPC/73 omitiu as regras procedimentos que diziam respeito aos recursos quando da interposição do recurso ex officio, criando a dúvida ora suscitada. Tal dúvida não é suscitada quando há apelação voluntária, e sim, somente quando não há a interposição de apelação voluntária, subindo os autos mediante determinação do juiz, para que se faça o reexame obrigatório.

CELSO AGRÍCOLA BARBI [14] nos informa que ALFREDO BUZAID, idealizador do Código de Processo Civil de 1973, defendeu a tese de que o recurso ex officio, chamado por ele de apelação ex officio, não seria na verdade recurso, pois este presume-se voluntário e interposto pelas partes, o que não ocorre nos casos do art. 475 do CPC. Segundo aquele autor, o juiz não seria legítimo a interpor recurso, por não ser parte, razão pela qual não pugna pela não admissibilidade dos embargos infringentes contra decisão em recurso ex officio.

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Não obstante a fundamentação de ALFREDO BUZAID, entendemos como NELSON NERY JÚNIOR, JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA [15] e CELSO AGRICOLA BARBI, no sentido do cabimento dos embargos infringentes, por possuírem este a essência dos recursos, qual seja, a de proporcionar o reexame da matéria objeto do litígio, de forma a aperfeiçoar a prestação jurisdicional.

2.5. Desacordo total e parcial;

Vimos que o recurso de embargos infringentes serve para atacar os pronunciamentos judiciais de segunda instancia, proferidos em grau de apelação e ação rescisória.

Assim como os demais recursos, a exemplo da apelação, a matéria versada nos embargos pode ser toda aquela discutida na apelação ou ação rescisória, ou apenas parte dela. Isso ocorre porque todo o acórdão ou apenas parte dele, quando a matéria nele contida puder ser separada, tiver sido julgado por maioria. Em sendo julgado todo o acórdão por maioria de votos, o desacordo terá sido total e a matéria versada nos embargos também. Caso contrário, em que parte do acórdão tiver sido votado à unanimidade e parte por maioria, teremos os embargos parciais, relativos apenas à parte julgada por maioria de votos.

De forma bastante objetivo nos explica JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA [16]:

"compondo-se o acórdão de mais de um capítulo, serão embargáveis os capítulos a cujo respeito houver voto vencido. Assim, v.g., se o pedido compreendia três parcelas, x, y e z, rejeitada a primeira por votação unânime e as duas outras por maioria, só em relação a y e z é embargável o acórdão".

A redação do art. 530, última parte, é clara ao afirmar que se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência. Neste mesmo sentido, OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA [17]:

"se o acórdão contiver inúmeros capítulos, manifestando-se a quebra da unidade apenas em relação a um ou a alguns deles, somente quanto a estes poderão os vencidos, em votação majoritária, opor embargos infringentes (...)".

2.6. Considerações sobre o voto vencido;

A principal finalidade dos embargos infringentes é modificar a decisão proferida pelo Tribunal nos casos do art. 530 do CPC. Modificar a decisão significa fazer com que o voto vencido seja vencedor. Quando o Tribunal, na análise do recurso de apelação, em que o recorrente busca o aumento do quantum indenizatório, satisfaz tal pretensão por maioria de votos, ou seja, dois votos a um, possui o recorrido legitimidade para interpor o recurso de embargos infringentes, com o intuito de fazer com que o voto proferido no sentido de não se aumentar o quantum, seja o vencedor.

Trata-se o voto vencido de pressuposto para o cabimento dos embargos, conforme expõe HUMBERTO THEODOTO JUNIOR [18]. Situação interessante nos é posta por NELSON NERY JUNIOR [19], quanto à necessidade de interposição de embargos declaratórios para que fique claro em que sentido mostra-se o voto vencido, pois este deve ser obrigatoriamente declarado.

Caso a omissão não seja suprida pela interposição dos embargos declaratórios, devem os embargos infringentes versar sobre toda a matéria objeto da apelação ou ação rescisória, conforme preceitua NERY JÚNIOR.

Devemos salientar ainda que os embargos infringentes podem ser interpostos tanto quando a divergência se der relativa à preliminares de mérito ou quanto ao próprio mérito, uma vez que a parte possui direito de ver sua pretensão analisada por completo, não obstante seja essa preliminar ou mérito. [20]

2.7. Efeitos;

Dentre os efeitos comumente aplicados aos recursos, temos o efeito devolutivo e o suspensivo, além do translativo, citado por NELSON NERY JÚNIOR.. No que concerne ao recurso de embargos infringentes, temos estes três efeitos. Na lição do Mestre JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA [21], não se deve falar no juízo de retratação como efeito da interposição dos embargos infringentes, pois como nos fala aquele jurista, dependendo da organização do Tribunal a que é dirigido o recurso, este será julgado por órgão diverso daquele que prolatou a decisão impugnada, tratando-se, neste caso, de verdadeiro efeito devolutivo. Falando-se em efeito devolutivo, devemos conceitua-lo, à luz dos ensinamentos de BARBOSA MOREIRA, trazidos por OVIDIO A. BAPTISTA DA SILVA [22], para quem "chama-se efeito devolutivo a transferência a um órgão de jurisdição superior do conhecimento da matéria decidida pelo magistrado de grau inferior". Em geral os recursos transferem o conhecimento da causa para a instancia superior, devolvendo a matéria impugnada ao órgão superior, para que sobre a mesma seja prolatada nova decisão.

O efeito devolutivo nos embargos infringentes restringe-se à matéria objeto de divergência na decisão anterior, ou seja, apenas aqueles pontos que foram decididos por maioria poderão ser objeto de análise dos embargos, com aquela exceção apontada por NELSON NERY JÚNIOR, quando houver omissão no julgado quanto ao voto vencido, não sanado por embargos de declaração, onde que a matéria versada nos embargos infringentes serão toda aquela trazida pela apelação ou ação rescisória.

O outro efeito inerente à alguns recursos, dentre eles os embargos infringentes, caracteriza-se pela não produção de efeitos por parte do acórdão embargado, seja em apelação ou ação rescisória. Os efeitos que emanariam do acórdão não são produzidos, pois são suspensos pela interposição do novo recurso, dotado de tal efeito. Segundo entendimento de JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA [23], "a interposição dos embargos obsta, pois, a produção dos efeitos do acórdão embargado, quer proferido em grau de apelação, quer em ação rescisória".

Como vimos, os embargos infringentes são dotados dos dois efeitos, devolutivo e suspensivo, sendo que este último, mesmo não estando expressamente previsto em nossa legislação, é amplamente aceito pela doutrina [24] e jurisprudência.

A função prática de sabermos em quais efeitos recebe-se o recurso diz respeito é possibilidade de execução provisória da decisão embargada. Caso os embargos sejam recebidos apenas com efeito devolutivo, pode-se dar início ao processo de execução provisória. Caso contrário, em sendo admitido com efeito suspensivo, não há que se falar em execução provisória, uma vez que qualquer mandamento contido na decisão está suspenso até que sejam decididos os embargos interpostos.

O jurista paulista NELSON NERY JÚNIOR [25] e demais catedráticos da escola paulista de processo civil, costumam identificar um terceiro efeito, por eles denominado translativo. Esse efeito diz respeito, segundo o jurista citado, à análise, pelo Tribunal, de questões de ordem pública, mesmo que não suscitadas pela parte em seu recurso. Nas palavras de seu idealizador [26]: "dá-se o efeito translativo, quando o sistema autoriza o tribunal a julgar fora do que consta das razões ou contra-razoes do recurso, ocasião em que não se pode falar em julgamento ultra, extra ou infra petita. Isso ocorre normalmente com as questões de ordem pública, que devem ser conhecidas de ofício pelo juiz e a cujo respeito não se opera a preclusão".

Pensamos diferentemente do pensamento exposto acima. Para nós, não se trata de outro efeito inerente aos recursos, e sim, apenas do recurso devolutivo. Como dissemos, devolve-se ao tribunal toda a matéria impugnada. Sendo as questões de ordem pública analisadas ex officio, não há necessidade de demonstração expressa pela parte. Quando se fala que toda a matéria impugnada será devolvida à apreciação do tribunal, não se faz necessária menção às questões de ordem pública, sobre as quais não se opera a preclusão, podendo ser analisadas a qualquer tempo e grau de jurisdição.

Em resumo, não se trata de novo efeito, e sim, de uma expansão do efeito devolutivo. Neste mesmo sentido inclina-se FLÁVIO CHEIM JORGE [27], ao afirmar que o efeito translativo não merece tratamento distinto do devolutivo por ser parte integrante deste. Especificamente sobre as questões de ordem pública, analisa:

"assim, é inerente ao efeito devolutivo o conhecimento de questões que sequer foram mencionadas no recurso e que tampouco tiveram uma apreciação exaustiva do magistrado a quo. A interposição do recurso faz com que sejam levadas ao conhecimento do órgão julgador todas as questões de ordem pública, ou mesmo aquelas à respeito das quais o juiz pode se pronunciar de ofício, tais como honorários advocatícios, juros legais, etc".

2.8. Procedimento nos tribunais;

O processamento dos embargos infringentes dá-se de acordo com as normas dos art. 531 a 534 do CPC, as quais passamos a analisar daqui em diante.

O procedimento dos embargos restou deveras simplificado, tornando-se mais ágil com as modificações introduzidas pela Lei nº 10.352/01, que alteraram os artigos 531, 533 e 534 do CPC.

Pela nova regra, o recurso é interposto perante o relator do acórdão embargado (apelação ou ação rescisória) para que isso proceda à citação do embargado para apresentar as contra-razões. Difere do sistema anterior por não mais se fazer o juízo de admissibilidade do recurso antes da apresentação das contra-razões. O novo art. 531 preceitua que o juízo de admissibilidade do recurso será feito após a apresentação das contra-razões pelo embargado.

Tal modificação mostra-se correta, pois o relator possui maiores e melhores condições de proceder ao juízo de admissibilidade após deduzidas as razões pela parte contrária, pois são naquelas que a parte tentará obstar o acesso do embargante, mostrando as falhas ocorridas durante o procedimento, e que podem levar à não admissão do recurso.

O art. 532, por sua vez, nos fala sobre a possibilidade de interposição de agravo, no prazo de cinco dias, contra a decisão que inadmitir os embargos. Trata-se de Agravo interno, também denominado agravo regimental ou agravinho. Não há regra expressa, conforme nos informa HUMBERTO THEODORO JÚNIOR [28], sobre a competência para apreciação deste recurso de agravo, cabendo tal definição ao regimento interno dos tribunais e à lei de organização judiciária de cada Estado.

Quanto ao art. 533 do CPC, este apenas desloca a competência para definição do órgão responsável pelo processamento e julgamento dos embargos para o Regimento Interno do Tribunal, enquanto que o art. 534 aconselha que, quando seja necessária a escolha de novo relator, que este não tenha participado do julgamento do acórdão embargado, para que o novo julgamento seja o mais imparcial possível, uma vez que poderíamos ter, inclusive, alguma mácula referente à má-fé do julgador.

2.9. Necessidade ou não de sua manutenção no sistema;

Muito se discute em sede doutrinária a respeito da permanência ou não do recurso de embargos infringentes em nosso sistema recursal. Muitos asseveram que trata-se de recurso inútil e obsoleto, responsabilizando-o ainda pela demora na prestação jurisdicional e pelo acúmulo de recursos nos tribunais, o que segundo SÉRGIO SHIMURA [29], chega a ser desanimador.

O recurso de embargos infringentes, conforme comentado quando nos referíamos ao seu histórico, surgiu nas Ordenações Portuguesa, mas não mas existe naquele ordenamento jurídico, subsistindo todavia em nosso sistema recursal. Essa é uma dos argumentos contra a manutenção do recurso, mas que não resta prosperar.

A questão do referido recurso subsistir apenas no direito brasileiro não significa que ele não possa ter bons resultados práticos e é o que exatamente ocorre, conforme demonstra PONTES DE MIRANDA [30], que entende:

"os melhores julgamentos, os mais completamente instruídos e os mais proficientemente discutidos são os julgamentos das Câmaras de embargos". Ainda segundo o jurista, "muita injustiça se tem afastado com os julgamentos em grau de embargos".

Conforme denota-se da leitura da opinião supra transcrita, o referido autor é a favor da manutenção dos embargos infringentes, pois segundo ele [31],

"o interesse precipuamente protegido pelo art. 530 do Código de 1973 não é o individual. É o interesse público em que haja a mais completa aplicação de todas as leis que presidiram à formação das relações jurídicas, isto é, de todas as leis que incidiram".

Aqueles doutrinadores que se mostram contra a manutenção, o fazem, além das razões acima explicitadas, por considerarem-no como um segundo tempo da apelação, que serviria apenas para trazer maior procrastinação ao feito. Assim pensa JOSÉ FREDERICO MARQUES [32] ao nos falar que "alguns entendem que o recurso de embargos infringentes, no Juízo de segundo grau, não passa de um bis in idem, uma vez que, decidida a apelação, atendido já se encontra o princípio e garantia processual do duplo grau de jurisdição".

Mesmo com tantas opiniões contrárias à sua manutenção, mostram-se os Embargos Infringentes fortes, relutando contra a sua retirada do sistema. Mostrou-se valente mais uma vez na reforma processual trazida pela Lei nº 10.352 [33].

Propugnamos pela manutenção deste tipo recursal em nosso sistema, pois não ser este, claramente, causa do abarrotamento dos Tribunais. Não podemos relevar o princípio da celeridade e simplesmente esquecermos o da efetividade e segurança jurídica. Se extirpássemos o recurso em comento, seria isso o que estaríamos fazendo.

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Sobre o autor
Bruno Avila Guedes Klippel

Advogado, Mestre em Direito pela FDV/ES, Professor da UNIVIX e UNIVILA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KLIPPEL, Bruno Avila Guedes. Apontamentos sobre o recurso de embargos infringentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 427, 7 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5648. Acesso em: 28 mar. 2024.

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