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Inconstitucionalidade das patentes de revalidação ou "pipeline"

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Agenda 05/09/2010 às 10:09

Patentes de Revalidação e Ofensa ao Direito Adquirido

Os argumentos delineados nos itens acima trazidos evidenciam que as patentes de revalidação ou pipelines instituídas pelos artigos 230 e 231 da LPI concederam direito exclusivo a inventos que já integravam o domínio público quando da publicação da Lei nº 9.279/96.

Ao assim proceder, o Legislador Ordinário atentou também contra o direito adquirido da sociedade de utilizar-se livremente de conhecimento de uso comum, em evidente contradição ao disposto no artigo 5º, XXXVI, da CF/88.

De fato, o art. 6º, § 2º, da Lei nº 5.772/71 (antigo Código de Propriedade Industrial - CPI, vigente até a publicação da Lei nº 9.279/96 e, portanto, lei aplicável às patentes concedidas no exterior antes de 14 de maio de 1997), definia o "‘estado da técnica" nos seguintes termos:

"Art. 6º São privilegiáveis a invenção, o modelo de utilidade, o modelo e o desenho industrial considerados novos e suscetíveis de utilização industrial.

§ 1º Uma invenção é considerada nova quando não compreendida pelo estado da técnica.

§ 2º O estado da técnica é constituído por tudo que foi tornado acessível ao público, seja por uma descrição escrita ou oral, seja por uso ou qualquer outro meio, inclusive conteúdo de patentes no Brasil e no estrangeiro, antes do depósito do pedido de patente, ressalvado o disposto nos artigos 7º e 17".

Dessa forma, publicado o pedido de patente no exterior e transcorrido o período de prioridade de um ano trazido pelos artigos 7º e 17 do antigo CPI [10], o objeto de proteção da referida patente, bem como todo o conhecimento revelado no correspondente pedido de patente, passava, sob a vigência daquele Código, a automaticamente integrar o estado da técnica e ser de domínio público.

Assim, fica claro que "validar" patentes depositadas no exterior após expirado o período de prioridade concedido aos seus titulares constituiu artificialismo adotado pelo legislador infraconstitucional, com vistas à exclusão arbitrária de informações já decaídas em domínio público por sua inserção no estado da técnica.

O fato de a invenção não ter sido ainda comercialmente explorada ("desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento", arts. 230 e 231 da LPI) não exclui em hipótese alguma a revelação de seu conteúdo, o qual, por força do simples depósito do pedido de patente, passou, por força da legislação brasileira então vigente, a integrar o estado da técnica.

E outra não poderia ser a interpretação, haja vista as formas previstas, no artigo 6º, §2º, do antigo CPI, de inclusão de informações no domínio público do estado da técnica: inclui-se tudo que tenha sido "tornado acessível ao público, seja por uma descrição escrita ou oral, seja por uso ou qualquer outro meio, inclusive conteúdo de patentes no Brasil e no estrangeiro".

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Não bastasse isso, o direito subjetivo da coletividade de explorar livremente uma invenção surge automaticamente da mera incorporação do conhecimento revelado pela invenção ao estado da técnica, independendo de manifestação expressa de vontade de terceiro, bem como da realização, no País ou em qualquer outro local, "de sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente" (art. 230 da Lei nº 9.279/96).

Desse modo, ao autorizar a concessão de patentes pipeline, o legislador infraconstitucional afrontou de maneira flagrante a previsão de inviolabilidade do direito adquirido trazida pelo artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, onerando de maneira ilegítima os titulares destes direitos com a exigência de produção de provas não previstas pelo legislador constituinte, sobretudo quando levada em consideração a definição trazida pelo artigo 6º, §2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, cujo teor é adiante trazido:

"§2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem".

Neste ponto, vale mencionar que não se trata apenas de desrespeito à prerrogativa de alguns agentes econômicos virem a explorar a invenção decaída em domínio público. Trata-se também da lesão ao direito adquirido pela coletividade de que o objeto da patente estrangeira, bem como os conhecimentos a ela relacionados, permaneça em domínio público. O que equivale dizer: trata-se do direito difuso de que é titular a coletividade, no sentido de que nenhum agente privado venha a se apropriar, a título exclusivo, de objeto de patente concedida no exterior e já decaída em domínio público. Trata-se do direito de que qualquer um a qualquer tempo poderá vir a explorar, comercialmente ou não, os conhecimentos relativos a esta patente. De que a respeito destas patentes e dos conhecimentos a ela relacionados vigorarão os princípios da livre concorrência.

Assim, também sob este aspecto fica evidenciada a inconstitucionalidade das patentes de revalidação ou pipelines no Brasil.


Conclusão

Diante dos argumentos acima expostos, pensamos ser possível concluir que os artigos 230 e 231 da Lei nº 9.279/96 violaram a Constituição Federal de várias maneiras ao permitir a revalidação de patentes estrangeiras de produtos não privilegiáveis sob a égide da legislação anterior.

De fato, as patentes pipeline, como demonstrado acima, lesam não apenas princípios referentes à ordem econômica nacional (como o da soberania nacional e o da livre concorrência), mas também o direito de toda a coletividade a utilizar livremente conhecimentos que já haviam sido incorporados ao estado da técnica, instituindo, de forma injustificável juridicamente, monopólio econômico sem qualquer base constitucional.

Assim sendo, resta-nos apenas esperar que o C. STF, mantendo coerência com entendimento antigo já de décadas, julgue procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4234-1 e declare a incompatibilidade das patentes de revalidação com a ordem constitucional vigente.


Notas

  1. "Art. 9° Não são privilegiáveis: (...) c) as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação;"
  2. BARBOSA, Denis Borges. Inconstitucionalidade das Patentes Pipeline. pág 22. Documento obtido no sítio eletrônico www.denisbarbosa.addr.com, consultado em 26 de agosto de 2010, às 17h25min.
  3. "Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] IV - livre concorrência;"
  4. Eis a definição do Novo Dicionário Aurélio (1999) para invenção: "1. ato ou efeito de inventar, de criar, de engendrar. 2. Coisa nova criada ou concebida no campo da ciência, da tecnologia ou das artes.(...)".
  5. Re 58.535/SP. Julgamento em 05/12/1966. 1ª Turma. Rel. Ministro Evandro Lins. DJ 12-04-1967.
  6. Eis a redação do artigo 141, §17, da CF/46: "Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] §17 - Os inventos industriais pertencem aos seus autores, aos quais a lei garantirá privilégio temporário ou, se a vulgarização convier à coletividade, concederá justo prêmio".
  7. Trata-se de conceito legal, positivado no §1º, do artigo 11 da Lei nº 9.279/96 da seguinte maneira: "Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não compreendidos no estado da técnica. [...] § 1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos arts. 12, 16 e 17".
  8. Publicado no país pelo Decreto nº 1.355/94.
  9. Eis o texto do tratado, com nossos destaques: "27.1 Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2 e 3 abaixo, qualquer invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 4 do artigo 65, no parágrafo 8 do artigo 70 e no parágrafo 3 deste artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente."
  10. "Art. 7º Antes de requerida a patente, a garantia de prioridade poderá ser ressalvada quando o autor pretenda fazer demonstração, comunicação a entidades científicas ou exibição do privilégio em exposições oficiais ou oficialmente reconhecidas.". [...] "Art. 17. O pedido de privilégio, depositado regularmente em país com o qual o Brasil mantenha acôrdo internacional, terá assegurado direito de prioridade para ser apresentado no Brasil, no prazo estipulado no respectivo acordo".
Sobre o autor
Victor V. Carneiro de Albuquerque

Procurador Federal. Especialista em Direito Regulatório pela Universidade de Brasília - UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Victor V. Carneiro. Inconstitucionalidade das patentes de revalidação ou "pipeline". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2622, 5 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17338. Acesso em: 23 nov. 2024.

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