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Alguns comentários sobre a Lei 9807/99

(proteção às testemunhas)

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01/11/1999 às 01:00
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Uma Rápida Conclusão Política

Obviamente que não precisa dizer do atraso do Brasil no que tange à proteção das testemunhas e das vítimas, e até dos próprios co-autores e partícipes da ação criminosa. Enquanto nos Estados Unidos já existe, desde há muito, verbas exclusivas destinadas ao programa protetivo, com extrema profissionalização, no Brasil, mesmo com um reclamo social efetivo e constante por uma legislação e agora com a mesma em pleno vigor desde julho, ainda não se percebe uma preocupação e uma sensibilidade para a importância dos programas protetivos pelas autoridades competentes.

Claro que a existência da Lei já um avanço fenomenal em um país mal acostumado com a necessidade de uma base profissional para investigação criminal, merecendo elogios o trabalho realizado pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, responsável direto pela sensibilização do Congresso Nacional para formulação e aprovação da referida Lei. No entanto, tal Lei é essencialmente dirigente, exigindo que se faça um trabalho político, com destinação de verbas e com uma disponibilidade orçamentária que, apesar dos pesares econômicos, não exigirá quantias nem mesmo significativas dos cofres públicos. Tal conclusão é reforçada quando se lembra da importância fundamental de proteção das testemunhas e das próprias vítimas que nem mesmo chegam a ir à Polícia denunciar os crimes testemunhados. Quando muito, apenas denunciam anonimamente, havendo uma investigação que, ao final, acaba "não dando em nada", isto é, sem subsídios probatórios para identificar os criminosos e condená-los.

A denúncia anônima, apesar da vedação constitucional do anonimato, é um poderoso instrumento que a Polícia tem para impedir alguns crimes, assim como encontrar produto de crime e até, em alguns casos, encontrar a vítima e em outros casos raros, levar os criminosos à condenação. A denúncia anônima prova a imensidão de pessoas que, diante de um juiz, poderiam levar, ao menos, indícios, quando não a própria prova desejada para encontrar a verdade real e, encontrando-a, haver condenação e impor justiça.

O Brasil tem algo de especial que necessita efetivamente de um programa sério como está explícito na "mens legis". O povo brasileiro, apesar de pacífico, tem grande potencialidade de colaborar com a Justiça Penal, e só não colabora por razões óbvias (medo, pavor, constrangimento, falta de segurança, presença do "Estado-bandido" ao invés do Estado de Direito em algumas localidades, poder do crime organizado etc.). Não é à-toa que percebemos que existe uma maior conscientização (apesar de ainda pequena, é bem verdade) de que o Estado não conseguirá, sozinho, realizar o bem comum, necessitando da ajuda da população. Os "braços cruzados" do membro da sociedade estão cada vez mais sendo considerados com símbolos de co-autoria pelas misérias, de co-responsabilização pela falta do bem comum.

O Estado precisa, neste diapasão, oferecer meios para que toda a potencialidade brasileira aflore e, junto com ele, alcance os objetivos unânimes. E um dos objetivos unânimes é que no Brasil existe necessidade de uma Segurança Pública melhor, mais aparelhada, mais profissional e uma investigação capaz de acabar com o desastroso estigma da "impunidade brasileira".

Não há argumentos para a não efetivação da novel legislação. Até o argumento, absurdo, de que o investimento na investigação criminal "não dá voto", não tem um mínimo de base política. A sociedade, em função da grandiosidade da criminalidade, quer e está atenta para os governantes que, mesmo não se esquecendo de que se deve instruir as crianças para não punir os homens, não guardam esforços para que a impunidade não seja um sentimento incorporado na consciência popular brasileira. Dá voto sim, e como dá. Mais que voto, dá também coragem ao povo de confiar no sistema burocrático estatal para buscar a punição dos culpados e, assim, acaba por se firmar, na mesma consciência popular, a valorização do crime em detrimento da sua banalização, e a impor freios psicológicos e materiais à atividade criminosa.

Em relação à dotação orçamentária, podemos dizer com toda certeza que não haverá, sequer, um sentimento de perda de verbas públicas, diante da grandiosidade da diferença do custo-benefício. Além do mais, não se trata de construção de obras, mas de organização, com a possibilidade de gasto efetivo somente quando da ajuda financeira à testemunha ou vítima ameaçada ou coagida.

A Lei 9.807/99, se efetivada, será, sem dúvida, um meio de vazão para que a sociedade ajude na investigação criminal. A esperança, portanto, está renovada. Confiemos, então, no seu sucesso, pois o povo brasileiro merece.

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Sobre o autor
Bruno Cezar da Luz Pontes

analista processual do Ministério Público Federal de Goiás, advogado, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Bruno Cezar Luz. Alguns comentários sobre a Lei 9807/99: (proteção às testemunhas). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1005. Acesso em: 28 mar. 2024.

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