Aspectos Preventivos da Investigação Policial e suas Aplicações

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Resumo:


  • As Polícias Militares têm a competência de preservar a ordem pública e realizar investigações nos casos de crimes permanentes.

  • A busca e apreensão domiciliar é um instrumento comum às Polícias Militares e Civis para cumprir suas atribuições constitucionais de segurança pública.

  • A Teoria dos Poderes Implícitos respalda a atuação das Polícias Militares nas investigações preventivas para o restabelecimento da ordem pública.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

RESUMO: Desde os primórdios da civilização existe a polícia, cuja etimologia do vocábulo se refere, literalmente, a governo da cidade, mas que nos dias atuais estaria ligado ao sentido de guardiã da cidade. Partindo do sentido moderno do termo, é sabido que as instituições policiais são variadas, compreendendo, nos termos da Carta Magna, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, e Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares e, mais recentemente, as Polícias Penais Federal, Estaduais e Distrital, cada uma com suas atribuições constitucionais bem definidas. Ocorre, entretanto, que ainda há certo desentendimento, por assim dizer, acerca da distinção feita entre competência investigativa, que veremos ser comum a todas as polícias, e atividade de polícia judiciária, esta sim restrita a alguns órgãos de Segurança Pública. Será buscado, ao longo do presente trabalho, esclarecer que inexiste intromissão e muito menos há que se falar em eventual usurpação de função quando a Polícia Militar, em certos casos, lança-se à coleta de dados, a fim de bem cumprir sua missão constitucional de Preservação da Ordem Pública, cujo conceito também será aqui debatido, dada sua abrangente importância. Será demonstrada ainda a legitimidade de a Polícia Militar lançar mão de institutos processuais penais, especialmente, a Busca e Apreensão, para enfrentamento de crimes em situações específicas, sem ferir de modo algum nem avançar sobre a competência de outros órgãos.

PALAVRAS-CHAVE: Busca e Apreensão. Constitucional. Investigação Ordem Pública. Polícia. Teoria.

ABSTRACT: Since the dawn of civilization there has been the police, whose etymology of the word literally refers to city government, but which today would be linked to the sense of guardian of the city. Starting from the modern meaning of the term, it is known that the police institutions are varied, comprising, under the terms of the Magna Carta, Federal Police, Federal Highway Police, Federal Railway Police, Civil Police, and Military Police and Military Fire Brigades and, more recently , the Federal, State and District Criminal Police, each with well-defined constitutional attributions. It happens, however, that there is still some disagreement, so to speak, about the distinction made between investigative competence, which we will see is common to all police forces, and judicial police activity, the latter being restricted to some Public Security bodies. It will be sought, throughout the present work, to clarify that there is no intrusion and much less to talk about an eventual usurpation of function when the Military Police, in certain cases, launches itself to collect data, in order to fulfill its constitutional mission. of Preservation of Public Order, whose concept will also be discussed here, given its comprehensive importance. It will also demonstrate the legitimacy of the Military Police to make use of criminal procedural institutes, especially the Search and Apprehension, to face crimes in specific situations, without injuring in any way or advancing over the competence of other bodies.

KEYWORDS: Search and Seizure. Constitutional. Public Order Investigation. Police. Theory.


INTRODUÇÃO

Inicialmente, cumpre fazer uso da boa hermenêutica, uma vez que, dada a previsão Constitucional insculpida no artigo 144 § 5º, compete às Polícias Militares a preservação da Ordem Pública, de modo que, havendo infração penal em curso, essa se acha, evidentemente, rompida, carecendo, portanto, de ser restabelecida, todavia, nos casos em que a suposta infração penal de caráter permanente esteja sendo cometida em local sob a proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar, não resta outra forma de averiguá-la e, de fato havendo, fazê-la cessar, senão pela busca domiciliar, devidamente autorizada pela Autoridade Judiciária competente.

Nesta senda, faz-se importante trazer à baila as normas que autorizam a representação judicial por medidas cautelares dessa natureza por parte da Polícia Militar, como a previsão insculpida no artigo 4º, § único do Código de Processo Penal, que alargou a competência para apurar infrações penais à autoridades administrativas diversas da autoridade de Polícia Judiciária, as quais a lei confira a mesma função, depreendendo-se, portanto, sob o melhor entendimento do ciclo de polícia, que nos crimes já ocorridos, a competência recairá sobre a Polícia Civil, que os apurarão por meio de inquérito, e nos crimes permanentes, dada a notória quebra da Ordem Pública, recairá sobre a Polícia Militar.

Releva destacar que em 19 de outubro de 2017, foi publicada no Diário da Justiça Estadual a Deliberação do Conselho Superior da Magistratura CSM-461/2000, dando autorização aos Juízes para conhecerem das Representações oriundas da PMESP e, havendo elementos de convicção suficientes à luz do artigo 245 e §§ do Código de Processo Penal, expedirem Mandados de Busca e Apreensão, os quais deverão ser cumpridos pela própria Instituição, sob a supervisão de Oficial PM, senão vejamos:

Os Juízes estão autorizados a tomar conhecimento de solicitações de mandados de busca e apreensão feitas pela Polícia Militar, devendo ser cumprido por Oficial da mesma, sempre que forem hipóteses fora de inquérito policial em andamento. – Aprovaram, nos termos do voto do Desembargador Xavier de Aquino, pela inexistência de óbice para que se atribua aos magistrados a possibilidade de expedirem mandados de busca e apreensão a serem cumpridos por policiais militares, em situações de urgência específicas, expedindo-se comunicado, v.u (D.J.E., 2017, ed. 2453, p.65).

Por fim, merece destaque o fato do Superior Tribunal de Justiça - STJ em sede do HABEAS CORPUS Nº 598.051 - SP de 02/03/2021, estabeleceu prazo de um ano para treinamento das polícias no intuito de evitar episódios de violações de domicílio e perecimento do corpo probatório em operações policiais, no qual ficou ainda estabelecido que, decorrido o prazo, os Agentes Estatais ficariam sujeitos a terem suas condutas apreciadas, conforme se lê no trecho extraído:

Estabelece-se o prazo de um ano para permitir o aparelhamento das polícias, treinamento e demais providências necessárias para a adaptação às diretrizes da presente decisão, de modo a, sem prejuízo do exame singular de casos futuros, evitar situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, implicar responsabilidade administrativa, civil e/ou penal do agente estatal (STJ. HC 598.051 - SP de 02/03/2021).

Depreende-se, portanto, da leitura do até aqui exposto, que a Deliberação do Conselho Superior da Magistratura Paulista anteviu, por assim dizer, o que viria a ser imposto pelo Superior Tribunal de Justiça no recurso supracitado, conferindo à Polícia Militar, ao menos do Estado de São Paulo, a possibilidade de lançar mão desse valioso recurso processual para cumprir com sua missão constitucional nas situações em que se fizer necessário.


DESENVOLVIMENTO

O tema aqui abordado é deveras polemizado, em desserviço à sociedade, há anos nas cortes, pois, por um lado, existem as Polícias Civis que, quiçá, por infundado receio de ver reduzido seu rol de atribuições, por assim dizer, ainda insistem na narrativa inócua de que, ao representarem por medidas cautelares de Busca e Apreensão, as Polícias Militares estariam esvaziando sua função típica de investigar crimes, o que, por óbvio, não condiz com a realidade sob nenhum aspecto.

Como dito acima, essa polêmica não é atual e, na verdade, é bem antiga, já tendo sido discutida em processos nos anos 1990, de modo que, desde aquela época, a corrente majoritária se alinhava no sentido de que a competência investigativa merecia ser alargada e bipartida em duas vertentes, conforme postulou o saudoso Jurista e Desembargador do TJSP, Álvaro Lazzarini, ao tratar da competência investigativa das polícias Militar e Civil:

A investigação policial, igualmente sedimentada na doutrina americana, materializa atuação de polícia ostensiva, como nos casos de levantamentos para o racional emprego da polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, objetivando evitar a ocorrência do ilícito penal, bem como materializa atuação da polícia judiciária, quando a investigação destinar-se a apuração da infração penal que não se conseguiu evitar (a investigação policial, nesse caso, poderá ser de polícia judiciária ou administrativa). A investigação policial preventiva, aliás, é atribuição da Polícia Militar, conforme concluiu venerando acórdão da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (LAZZARINI, 1991).

Alinham-se, atualmente, ao pensamento de Álvaro Lazzarini nada menos que esmagadora maioria dos Ministros dos Tribunais Superiores e Desembargadores, de modo que são uníssonos em suas decisões ao afirmarem e demonstrarem que a Policia Judiciária, missão constitucional das Polícias Civis, não se confunde com competência investigativa, sendo a segunda, função estatal típica e comum a ambas as polícias, Militar e Civil, conforme depreendemos claramente da leitura do trecho do da decisão seguir transcrito:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. NULIDADE. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIARES REALIZADAS PELA POLÍCIA MILITAR. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. TRÁFICO DE DROGAS. CRIME PERMANENTE. PRESCINDIBILIDADE DO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Constituição da República diferencia as funções de polícia judiciária e de polícia investigativa, sendo que apenas a primeira foi conferida com exclusividade à polícia federal e à polícia civil, evidenciando a legalidade de investigações realizadas pela polícia militar e da busca e apreensão por aquela corporação realizada, mediante ordem judicial. 2. Em se tratando de crime de tráfico de drogas, considerado de natureza permanente, sequer seria obrigatório o mandado de busca e apreensão para operar-se o flagrante. 3. Recurso a que se nega provimento (STJ, RHC 97.886/SP, D.J.E. 14/08/2018).

Perfilham a esse entendimento também o Ministério Público, como se observa com cristalina transparência no trecho do parecer ministerial a seguir transcrito:

Embora o artigo 144, parágrafo 4º da Constituição Federal tenha conferido à Polícia Civil as funções de polícia judiciária, não foi retirado da Polícia Militar a prática de atos típicos de polícia investigativa.

Por tal motivo, a jurisprudência moderna tem entendido que nada há de anormal - e muito menos de ilegal - que a Polícia Militar, diante da provocação sistemática da população, se lance à colheita de maiores subsídios à concretização da denúncia e, com isso, represente perante o Poder Judiciário, que zelará pela legalidade do aprofundamento das diligências protestadas, tudo com o escopo de municiar o órgão apropriado - o Ministério Público - na formação de sua opinião quanto à existência criminosa e respectiva autoria (TJSP, M.S. 2037218-62.2022.8.26.0000, julgado em 09 de maio de 2022).

Na mesma esteira, o respeitado Jurista Rodrigo Iennaco de Moraes, em sua obra Da validade do procedimento de persecução criminal deflagrado por denúncia anônima no Estado Democrático de Direito, dispõe:

Na doutrina, afirma-se que: Se há notícia anônima de comércio de drogas ilícitas numa determinada casa, a polícia deve, antes de representar pela expedição de mandado de busca e apreensão, proceder a diligências veladas no intuito de reunir e documentar outras evidências que confirmem, indiciariamente, a notícia. Se confirmadas, com base nesses novos elementos de informação o juiz deferirá o pedido; se não confirmadas, não será possível violar o domicílio, sendo a expedição do mandado desautorizada pela ausência de justa causa. O mandado expedido exclusivamente com apoio em denúncia anônima será abusivo (MORAES, 2006. p. 250 - 251).

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Assim sendo, vê-se ainda que a representação pela expedição de Mandado de Busca e Apreensão não é uma faculdade das Polícias, dentre elas, a Militar, diante de situações nas quais as suspeitas de cometimento de crimes estejam ocorrendo em locais tutelados pela inviolabilidade constitucional, mas sim, traduz-se num dever dos integrantes das Forças de Segurança Pública, a fim, inclusive, de evitarem infortúnios como incorrer em crimes de abuso de autoridade ou violação de domicílio, conforme dispôs também o Supremo Tribunal Federal no trecho a seguir transcrito:

No que se refere à segurança jurídica para os agentes da segurança pública, ao demonstrarem a justa causa para a medida, os policiais deixam de assumir o risco de cometer o crime de invasão de domicílio, mesmo que a diligência não tenha o resultado esperado. Por óbvio, eventualmente, o juiz considerará que a medida não estava justificada em elementos suficientes. Isso, no entanto, não gerará a responsabilização do policial, salvo em caso de abuso inescusável. Assim, tanto o direito fundamental à inviolabilidade de domicílio quanto à segurança jurídica dos agentes estatais ficarão otimizados (STF, RE 603616 / RO, 05/11/2015).

Cumpre ainda observar que nem mesmo seria preciso delongar em posicionamentos doutrinários acerca da legitimidade das Polícias Militares para representarem judicialmente por medidas cautelares de busca e apreensão, pois bastaria a observância do Código de Processo Penal, onde o legislador, claramente, cingiu as medidas exclusivas de Polícia Judiciária no Título II, que tem início no artigo e findam no artigo 23 da lei processual penal, enquanto que os institutos da Busca e da Apreensão Domiciliar se acham no Título XI, não sendo, portanto, instrumento exclusivo de Polícia Judiciária, mas sim, comum à ambas as Polícias, Militar e Civil, para levarem a efeito suas atribuições constitucionais na seara da Segurança Pública, pois que são, não apenas cabíveis, mas altamente recomendáveis, para execução da repressão imediata de crimes permanentes, como tráfico de drogas, receptação, cárcere privado, posse ilegal de arma de fogo, dentre outros nos quais seus perpetradores se valham da inviolabilidade domiciliar para comete-los.

Assim sendo, em que pese, conforme julgados acima e o posicionamento ministerial supra que, frisa-se, são apenas alguns exemplos, já que uma infinidade perfilhando-se a essa corrente pode ser encontrada nos sítios eletrônicos dos tribunais de todo pais, seria possível entender como superado esse debate, já que estaria assentada a legitimidade acerca da Competência Investigativa da Polícia Militar, faz-se necessário rememorarmos as atribuições dessa corporação à luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, de onde se extrai o que segue:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I...;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º...;

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil (CRFB/88).

Dito isso, faz-se ainda necessário que nos debrucemos sobre o que vem a ser polícia ostensiva e preservação da ordem pública, sendo que, quanto ao primeiro, não há muito que se desvendar, pois que ostensivo nada mais é que se fazer ver ou notar, ação de presença com intuito de inibir a prática de ilícitos. Deriva dessa missão constitucional o policiamento uniformizado e com viaturas caracterizadas que são meios usados pelas Polícias Militares a fim de transmitir sensação de segurança.

Com a mesma facilidade, porem, não se explica o que vem a ser a ordem pública, cuja preservação também recai sobre as Polícias Militares, por força de mando constitucional, de modo que, a fim de compreendermos a dimensão dessa condição social, será preciso o socorro de juristas que já ousaram discorrer sobre o tema que, até os dias atuais, não possui uma definição cristalizada, mas que nas palavras de brilhantes estudiosos do Direito, será perfeitamente possível identificarmos o cerne se seu significado.

Destarte, para não tornar a tentativa de definição de ordem pública demasiada extensa e enfadonha, limitemos à definição construída pelo renomado jurista de além-mar, Vicenç Aguado i Cudolà, professor de Direito Administrativo da Universidade de Barcelona:

A ordem pública é a primeira condição e a circunstância mais indispensável para a existência de qualquer associação. Em uma sociedade em que as leis não são respeitadas, em uma sociedade em que os funcionários encarregados de executá-las não têm força bastante para fazerem-se respeitados, é impossível que prosperem os interesses materiais e morais. Tudo, pois, que se refira a ordem pública é de grande importância, dever e necessidade de uma boa administração. A ordem pública tem a ver com a segurança das pessoas, a tranquilidade dos povos e a segurança interna do Estado (FILOCRE, 2009, p. 134).

A definição de Ordem Pública, cunhada pelo jurista supracitado, extraída de magnífico trabalho Revisita à ordem pública, de autoria de Lincoln D’ Aquino Filocre, Procurador do Estado de Minas Gerais e advogado criminalista, disponível no sítio eletrônico do Senado (Revista de Informação Legislativa, condensa alta relevância, na medida que sua clara compreensão sobre Ordem Pública permite políticas de segurança pública ajustadas e refletidas pelos órgãos públicos incumbidos da sua preservação, em especial, as Polícias Militares.

Assim sendo, com essa definição de Ordem Pública, fica evidente que, muito diferente do que alguns segmentos querem fazer pensar, ou seja, que seu significado seja restrito ao descontrole de uma manifestação pública ou estado de convulsão social no qual uso de força física se afiguraria necessária, Ordem Pública possui um caráter muito maior e abrangente, referindo-se e impactando no funcionamento do próprio Estado, pelo acatamento das leis e limitações de condutas por parte das pessoas, de modo que nem mesmo a inviolabilidade domiciliar, consagrada Carta Magna, pode servir de manto àqueles que cometem crimes intramuros.

Na esteira desse raciocínio, o legislador outorgou à Polícia Militar do Estado de São Paulo, concomitantemente com outros órgãos de Segurança Pública, o recebimento e triagem de denúncias oriundas do telefone 181 ou plataforma Web do Disque-Denúncia, conforme se verifica:

Artigo 1.º - A Secretaria da Segurança Pública deverá criar uma central de atendimento exclusiva para o Disque - Denúncia.
Artigo 2.º - O número telefônico deverá ser comum às polícias civil e militar, além do gratuito, garantindo o anonimato do denunciante (SÃO PAULO. Lei 10.461, de 20/12/1999).

Depreende-se do texto legal acima que o legislador local, ao incumbir ambas as Polícias, preventiva (militar) e judiciária (civil), de averiguar as denúncias, quis que as diligências investigativas para aquelas que versem sobre crimes que se protraem no tempo, ou seja, os de caráter permanente, recaíam sobre a Corporação Castrense, que fará cessar por meio da repressão imediata, visando restabelecer a Ordem Pública. À Polícia Judiciária, por seu turno, cabe averiguar os crimes já ocorridos, cuja autoria necessita ser estabelecida, por meio de Inquérito Policial, visando subsidiar a ação penal e, em última análise, o Poder Judiciário. Assim não fosse, desnecessário seria remessa das denúncias à Policia Militar, uma vez que sem condução de diligências investigativas hábeis por parte da Corporação Castrense, suas averiguações ficariam inviabilizadas.

Fica evidente que o legislador local se estribou na Teoria dos Poderes Implícitos, nascida nos EUA (Caso Mc CulloCh vs. Maryland – 1819) e segundo a qual, se a Constituição outorga determinada atividade-fim a um órgão, significa dizer que também concede todos os meios necessários para a realização dessa atribuição.

Sobre a aludida teoria, em que pese não esteja explicitada no direito pátrio, no que concerne a atividade investigativa desenvolvida em caráter preventivo pelas Polícias Militares, acha-se implícita no Código de Processo Penal, especificamente em seu artigo 4º, § único, de onde se extrai:

Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria

Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função (BRASIL. 1941).

Ademais, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar e decidir acerca da competência investigativa criminal do Ministério Público, no bojo do RECURSO EXTRAORDINÁRIO 593.727 MINAS GERAIS, suscitou-se que as Polícias Militares são órgãos de Estado competentes para conduzir investigações, obviamente que dentro da missão constitucional de polícia ostensiva e de preservação da Ordem Pública, senão vejamos:

Inexistiria o monopólio da polícia para a realização da primeira fase da persecução penal. O art. 144 da Constituição da República teria tido o só escopo de distribuir as atribuições entre as diversas polícias – federal, rodoviária, ferroviária, civil e militar. O parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal admite, expressamente, que autoridades administrativas, diversas das de polícia judiciária, possam exercer função investigatória, como acontece, v.g., no âmbito das Comissões Parlamentares de Inquérito.

E prossegue:

6. A regra histórica do nosso direito, de que é exemplo o art. 4º do CPP, é a universalidade da investigação, que pode ser pública (Polícia, CPI, Judiciário, Ministério Público e autoridades militares), ou privada (auditorias internas em empresas, atuação de investigador particular – Lei nº 3.099/57 –, etc.), direta ou incidental (Receita Federal, Banco Central, INSS, COAF, corregedorias, etc.), não havendo sentido em se retirar justamente do titular privativo da ação penal pública a faculdade de colher elementos para formar sua convicção;

7. Em nenhuma passagem da CF se encontra dispositivo que autorize pensar em exclusividade na função de investigar – o art. 144 somente fala em exclusividade em relação à atividade de polícia judiciária da União, para excluir a atuação das outras polícias civis, além do que separa nitidamente a função de investigar infrações penais da de polícia judiciária, conforme fica claro da leitura dos §§ 1º, I e IV, e 4º do art. 144 (SFT, RE 593.727 / MG de 14/05/2015).

Assim sendo, não se trata de um desiderato das Polícias Militares conduzir diligências investigativas preliminares e/ou representar por cautelares de busca e apreensão, que, aliás, são submetidas ao crivo Ministerial, para fazer cessar crimes permanentes que tenham chegado ao seu conhecimento, seja via Disque – Denúncia, seja via Telefone 190 – Emergência, restabelecendo assim a Ordem Pública, mas sim uma exigência legal, a fim de bem cumprir sua missão constitucional e evitar que seus integrantes incorram, eventualmente, em abuso de autoridade. Aliás, seria sobremaneira contraditório que o legislador incumbisse um órgão de segurança pública da prevenção de crimes e não lhe facultasse lançar mão das ferramentas legais para sua execução com a eficiência exigida no artigo 37 da Carta Magna. Desse prisma, é inescapável, mesmo ao mais desatento dos estudiosos ou operadores do Direito, que não é o caso, mas sim o aspecto prático da Teoria dos Poderes Implícitos.

Sobre os autores
Roanderson Rodrigues Coró

Subtenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo; . Possui Curso Superior de Tecnólogo de Polícia Ostensiva e Preservação da Ordem Pública II (CSTPOPOP II) pela Escola Superior de Sargentos – ESSgt, Bacharel em Direito pela União das Instituições Educacionais do Estado de São Paulo (UNIESP), Pós Graduado em Direito Penal pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI).

Wagner Teixeira Lima

Major da Polícia Militar do Estado de São Paulo; . Possui Mestrado e é Doutorando em Ciências Policias de Segurança e de Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança "Cel PM Nelson Freire Terra" - CAES, Bacharel em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL), Pós Graduado em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura (EPM), Pós Graduado em Direito Público pela Faculdade Legale (FALEG).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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