Artigo Destaque dos editores

O brasileiro nato provisoriamente e a Emenda Constitucional n° 54/2007

Exibindo página 1 de 3
03/08/2008 às 00:00
Leia nesta página:

A opção pela nacionalidade é um ato jurídico de direito personalíssimo, que exige manifestação de vontade, e por isso não pode ser solicitada antes de o interessado ter atingido a maioridade civil ou ser emancipado. Por que considerar brasileiro nato, até a maioridade e para todos os efeitos, o filho de brasileiro nascido no exterior que venha a residir no Brasil?

SUMÁRIO:1. Considerações Iniciais – 2. Caso Bálsamo – 3. Caso Ickert – 4. Caso Santo Ângelo – 5. O Passaporte como Documento Probante da Nacionalidade Brasileira – 6. Pode Ter Título Eleitoral o Brasileiro Nato Provisoriamente? – 7. Da Não-Recepção pela Constituição de 1988 dos Parágrafos 2° a 5° do art. 32 da Lei n° 6.015/73 – 8. A Interpretação Judicial Retrospectiva e a Nacionalidade Nata Provisória – 9.O Advento da Emenda Constitucional n° 54/2007 – 10. Conclusão – 11. Bibliografia.

Resumo: Com a redação do artigo 12, I, "c" da CF/88, dada pela Emenda Constitucional de Revisão n° 03/94, surgiram inúmeros questionamentos sobre qual seria o status nacional do filho de brasileiro ou brasileira nascido no exterior, não estando estes a serviço do Brasil, até alcançada a maioridade, quando então aquele adquiria capacidade para ingressar em juízo com pedido de opção pela nacionalidade brasileira. Essa problemática e suas implicações, a posição doutrinária contemporânea, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, bem como a alteração reparadora trazida pela Emenda Constitucional n° 54/07 e seus reflexos no mundo fenomênico são os pontos que abordaremos neste artigo.

Palavras-chave: NACIONALIDADE, ORIGINÁRIA, PROVISÓRIA, FILHO, BRASILEIRO, NASCIDO, ESTRANGEIRO, MENOR, OPÇÃO, RESIDÊNCIA.

Summary

: With the writing of article 12, I, "c" of the 1988 Brazilian Federal Constitution, given for the Constitutional Emendation of Revision n° 03/94, innumerable questionings arose as to what would be the national status of a son/daughter of a Brazilian father or Brazilian mother born abroad, when the aforementioned parents are not at the service of any Brazilian governmental institution, before reaching adulthood, henceforth the subject would have the capacity to opt for Brazilian nationality. This article aims to consider these problems and their implications as well as the recent decisions of the Supreme Federal Court, its consequences and the recent alteration brought by the Constitutional Emendation n° 54/07.

Key-words

: NATIONALITY, ORIGINARY, PROVISORY, SON, BRAZILIAN, BORN, FOREIGN, MINOR, OPTION, RESIDENCE.

1. Considerações Iniciais.

O foco inicial da nossa abordagem é o teor do art. 12, I, "c" da Constituição Federal, dado pela Emenda Constitucional de Revisão n° 03/94 [01], in verbis:

"Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

(...)

c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;" (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 03/94).

Numa primeira leitura dúvida alguma paira sobre o texto, ao contrário, este se revela de fácil compreensão. Contudo, um mar de incertezas entremeia o dispositivo acima transcrito, como pretendemos demonstrar.

Para iniciarmos o debate sobre o tema levantamos o seguinte questionamento:

"Marcos, nascido na Itália em 25.11.1990, filho de pais brasileiros, embora não estivessem estes a serviço do Brasil, mora no Brasil desde seus 10 anos de idade. Em novembro de 2006 completou 16 anos. Poderia Marcos solicitar seu título de eleitor junto ao cartório eleitoral da sua cidade, à luz do disposto no art. 12, I, "c" da Constituição Federal, com a antiga redação vigente (Emenda Constitucional de Revisão n° 03/94) ?"

Temos aqui duas situações.

Na primeira, para darmos uma reposta positiva, deveríamos admitir um fator não mencionado no cabeçalho da pergunta. Marcos ao nascer na Itália teria sido registrado em repartição brasileira competente. E dizemos isso porque nosso personagem fictício nasceu antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional de Revisão n° 3, que data de 07 de junho de 1994 e, por seu turno, suprimiu o registro consular para fins de gozo da nacionalidade brasileira originária.

Na redação original do art. 12, I, "c" [02] o registro em repartição consular brasileira era uma forma de fruição da nacionalidade de origem. Com efeito, Marcos então já era brasileiro nato ao advento da predita emenda.

Na segunda hipótese, para darmos uma resposta negativa, temos que admitir não ter sido o nascimento de Marcos registrado no consulado até antes da vigência da ECR n° 03/94, restando-lhe, até antes da alteração proposta pela EC n° 54/07 [03], como única hipótese de gozo da nacionalidade pátria, ter que optar, em qualquer tempo, por ela. Era o que dispunha o art. 12, I, "c" da CF/88, com redação dada pela ECR n° 03/94.

E aqui está o cerne de toda a problemática, porquanto a opção pela nacionalidade é um ato jurídico de direito personalíssimo, que exige manifestação de vontade, e por isso não pode ser solicitada antes de o interessado ter atingido a maioridade civil ou ser emancipado, sendo vedada qualquer forma de representação ou assistência, seja pelos pais ou outro responsável. Registre-se ainda que tal solicitação, por força do artigo 109, X, da CF/88, deve ser feita perante a Justiça Federal, pois a ela compete processar e julgar as causas referentes à opção de nacionalidade, homologando em sentença a opção manifestada pelo requerente.

Somos então, à luz desde segundo caso, levados a crer que, não tendo sido o nascimento de Marcos registrado em repartição consular brasileira, este, até atingir os 18 anos ou ser emancipado, quando então poderá optar pela nacionalidade brasileira junto a um juiz federal, não terá como invocar a nacionalidade brasileira, por estar suspensa. Salvo, naturalmente, se o nosso fictício personagem fizer uso da prerrogativa agora prevista na nova redação dada à alínea "c", I do art. 12 da CF/88.

Contudo o Supremo Tribunal Federal, ao julgar os Recursos Extraordinários n° 415.957 e 418.096, decidiu que o filho de pai brasileiro ou mãe brasileira, nascido no exterior, ao residir no Brasil deve ser considerado brasileiro nato para todos os efeitos até atingir a maioridade, quando então poderá fazer via judicial a opção prevista no art. 12, I, "c" da CF/88. A partir desse momento – maioridade– a nacionalidade nata dessa pessoa ficaria sujeita à condição suspensiva da homologação judicial da opção.

Quer nos parecer ter o Supremo Tribunal Federal, ao julgar os preditos casos sob a égide da redação proposta pela ECR n° 03/94, dito o que a Constituição não quis dizer, transpondo os limites da interpretação e adentrando na seara da inovação. Em síntese, o STF admitiu no pleno gozo da nacionalidade primária, e de forma temporária, alguém que ainda não preencheu todos os requisitos exigidos pela Lei Maior, criando uma nova espécie de nacionalidade nata – que como sabemos cuida de assunto limitado por numerus clausus.


2. Caso Bálsamo

A primeira vez que a Corte Constitucional brasileira debruçou-se sobre o tema, quando já em vigor a Carta de 1988, foi ao julgar a Questão de Ordem em Ação Cautelar n° 70, tendo por relator o Ministro Sepúlveda Pertence.

Para fins didáticos chamarei esse julgamento de Caso Bálsamo. Naquele processo o requerente Ivo da Rosa Bálsamo, nascido no Uruguai, filho de mãe brasileira, embora não tivesse ela a serviço do seu país, alegando condição de brasileiro nato por força do art. 12, I, "c", pedia revogação liminar da sua prisão preventiva, bem como a denegação do pedido de extradição em curso.

Ivo Bálsamo já estava preso, por força do processo de extradição n° 880 solicitado pela República Oriental do Uruguai, quando ajuizou em 19.08.2003 pedido de opção de nacionalidade brasileira perante a justiça federal de primeira instância de Porto Alegre-RS. Em 26.08.2003 encaminhou ao STF pedido de Ação Cautelar, tendo sido autuado pelo Min. Relator como Questão de Ordem em Ação Cautelar.

O então Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, ao se manifestar sobre o caso o fez nos seguintes termos:

"(...)

10.A nacionalidade brasileira de origem tem efeito imediato, isto quer dizer que o nascimento já é o fato gerador da nacionalidade. No entanto, está condicionada a dois eventos futuros: fixação de residência no território nacional e opção a qualquer tempo pela nacionalidade brasileira. A opção é ato jurídico de direito personalíssimo, manifestada por meio de declaração unilateral de vontade, perante a Justiça Federal. O que é interessante frisar é: o nacional deve manifestar a sua vontade – declaração unilateral – em conservar e manter os efeitos de sua nacionalidade brasileira, por isso a opção judicialmente reconhecida.

11.CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS, ao citarem ensinamento de PONTES DE MIRANDA, bem destacam que o ato da opção de nacionalidade não gera a própria nacionalidade, mas a sua definitividade. Dessa forma, o que a opção faz é conservar os efeitos da nacionalidade, ratificando-a.

12.Por isso, apesar de o requerente ter ajuizado o pedido de opção após a efetiva prisão, e ainda não existir decisão judicial acerca de tal pleito, Ivo da Rosa Bálsamo é brasileiro nato e como tal não pode ser extraditado de forma alguma, em respeito ao disposto no artigo 5°, LI, da Constituição Federal..."

O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do feito, asseverou no seu voto que, não obstante o ajuizamento do pedido de opção de nacionalidade e do seu efeito ex tunc, ainda não havia decisão judicial a respeito, sendo assim, não seria possível reconhecer o status de brasileiro nato do requerente e, por isso, denegar liminarmente a extradição.

Após tecer um breve comentário sobre a evolução histórica nas constituições brasileiras de 1946, 1967 (com a emenda de 1969) e 1988, das situações similares à do caso Bálsamo – criança nascida no estrangeiro, filho de brasileiro ou brasileira, que não estivesse a serviço do País -, concluiu o relator que:

"Já não se podia conceber uma nacionalidade nata sob condição resolutiva potestativa, sem limite temporal.

Por isso – antes ou depois da ECR 3/94, que, de sua vez, suprimiu também a exigência de que a residência no Brasil fosse fixada antes da maioridade, a opção – liberada do termo final ao qual anteriormente subordinada –-, deixa de ter a eficácia resolutiva que, antes, se lhe emprestava, para ganhar – desde que a maioridade a faça possível – a eficácia de condição suspensiva da nacionalidade brasileira, sem prejuízo – como é próprio das condições suspensivas -, de gerar efeitos ex tunc, uma vez realizada."

O STF decidiu, por unanimidade de votos, determinar a suspensão do curso do processo de extradição de Ivo da Rosa Bálsamo e conceder-lhe, ex officio, o benefício da prisão domiciliar, até decisão definitiva sobre a opção de nacionalidade ajuizada em Porto Alegre-RS.

Estamos de acordo com a posição adotada pelo STF no Caso Bálsamo porque a Corte, seguindo fielmente os ditames constitucionais, não garantiu o exercício da nacionalidade primária àquele que, sob o prisma legal da época, ainda não havia ainda optado por ela.


3. Caso Ickert

A segunda oportunidade tida pelo Supremo Tribunal Federal para se pronunciar sobre essa problemática foi ao julgar o Recurso Extraordinário n° 418.096-1.

Tudo começou com a ação na qual J. G. Ickert e O. H. Ickert formularam pedido de opção pela nacionalidade brasileira, com base no art. 12, I, "c", da Constituição. Alegaram que embora tivessem nascido na Argentina, seus pais são brasileiros, de modo que preenchiam os requisitos necessários para serem considerados brasileiros natos.

A sentença julgou extinto o processo sem julgamento de mérito, com base no art. 267, IV, do CPC, em virtude da incapacidade processual dos requerentes.

Os autores apelaram, dizendo que diante da nova redação dada ao art. 12, I. "c", da Constituição, pela Emenda de Revisão nº 03/94, a opção de nacionalidade pode ser feita a qualquer tempo, não sendo mais exigível a maioridade do optante. Argumentaram ainda que o art. 32, § 4º, da Lei nº 6.015/73 não podia prevalecer sobre disposição constitucional do art. 12, I. "c", da Constituição Federal.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região ao julgar a Apelação Civil n° 2002.71.05.007140-4 proferiu o seguinte acórdão:

"CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. OPÇÃO DE NACIONALIDADE. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA.

1.Mantida a sentença que extinguiu o processo sem julgamento de mérito com base no art. 267, IV, do CPC, pois sendo os autores menores impúberes, absolutamente incapazes, a demanda deveria ter sido ajuizada pelos seus representantes, no caso, os pais.

2.A opção de nacionalidade, por outro lado, é questão personalíssima para a qual se exige capacidade plena, não suprida pela representação dos pais. Logo, essencial a maioridade, não obstante a ausência de previsão constitucional.

3.Apelação improvida."

Dessa decisão o Ministério Público Federal interpôs Recurso Extraordinário, alegando, em síntese, que a Constituição Federal não exige que o interessado atinja a maioridade para que possa optar pela nacionalidade brasileira.

No parecer ministerial do Recurso Extraordinário o Subprocurador-Geral da República destacou que :

"O momento da fixação da residência no País constitui o fator gerador da nacionalidade, que fica sujeita a uma condição confirmativa, qual seja, a opção.

Assim, parece-nos mais sensato aguardar que os menores, hoje considerados brasileiros natos, possam requerer a nacionalidade, convictos de sua escolha.

Ademais, não se vislumbra na espécie a ocorrência de qualquer dano que enseje, no entanto, o reconhecimento da nacionalidade."

Os três parágrafos acima transcritos merecem um breve comentário, pois surpreendem pela contradição que encerram em si mesmos.

O primeiro admite como fato gerador dessa modalidade de nacionalidade primária a residência no Brasil [04], quando se sabe que a aquisição desta se dá no momento do nascimento [05]. A residência no Brasil e a opção, enquanto não adimplidas, são condições que suspendem os efeitos dessa nacionalidade, não meios de aquisição.

O segundo diz que os menores, hoje considerados brasileiros natos, podem requerer a sua nacionalidade em um momento futuro. Porém, como ser possível requerer o que já se tem? A opção serve para manifestar, pública e inequivocamente, o desejo do interessado em gozar da nacionalidade brasileira que possuía desde o nascimento, não adquiri-la. Trata-se de uma condição suspensiva confirmativa e não condição suspensiva aquisitiva.

Por fim, aduz-se no terceiro parágrafo não haver dano que enseje, no momento, o reconhecimento definitivo da nacionalidade brasileira. Todavia, essa linha de raciocínio traz como corolário a admissão, ao lado da residência no Brasil e da opção, de uma nova condição suspensiva não prevista pela Constituição Federal, o dano. Além disso, sugere o Ministério Público estarmos cuidando de brasileiros provisórios, pois ao falar em reconhecimento definitivo da nacionalidade, faz crer, a contraio sensu, existir um reconhecimento provisório da nacionalidade brasileira originária.

O relator do Recurso Extraordinário, Ministro Carlos Veloso, ao que tudo indica, parece também ter admitido a existência do brasileiro nato provisoriamente. Sustentou no seu voto que:

"... vindo o nascido no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, a residir no Brasil, ainda menor, passa a ser considerado brasileiro nato, sujeita essa nacionalidade à manifestação da vontade do interessado, vale dizer, à opção pela nacionalidade brasileira, depois de atingida a maioridade. Atingida a maioridade, enquanto não manifestada a opção, esta passa a constituir-se em condição suspensiva da nacionalidade brasileira."

Em seguida o Ministro transcreve trechos do voto do relator do Caso Bálsamo, acolhendo-o como julgado precedente.

Inicialmente é preciso dizer que a Ação Cautelar 70-QO/RS julgada pelo STF não serve, a nosso ver, como precedente para o RE 418.096-1 por uma única razão, não há similitude fática entre os dois casos.

Pelo contrário, no Caso Bálsamo o STF foi expresso ao afirmar que antes de completo o processo de opção – com a prolação da sentença homologatória – não seria possível reconhecer o requerente como brasileiro nato. Já na ementa do RE 418.096 a Corte Suprema entendeu que "III. - Vindo o nascido no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, a residir no Brasil, ainda menor, passa a ser considerado brasileiro nato, sujeita essa nacionalidade a manifestação da vontade do interessado, mediante a opção, depois de atingida a maioridade. Atingida a maioridade, enquanto não manifestada a opção, esta passa a constituir-se em condição suspensiva da nacionalidade brasileira".

Ou seja, no Caso Bálsamo a opção era obstáculo para garantir ao requerente os benefícios da nacionalidade originária, pois só seria considerado brasileiro nato após o trânsito em julgado da homologação judicial da opção feita. Já no Recurso Extraordinário em exame a ausência de opção, atingida a maioridade, seria motivo para suspender os direitos e deveres da nacionalidade nata que o interessado já usufruía até aquele momento. Eis a grande contrariedade de termos entre os dois julgados.

Ao julgar o Recurso Extraordinário 418.096 o STF ignorou, até alcançada a maioridade do interessado, a opção como condição suspensiva para o gozo da nacionalidade originária, considerando apenas a residência no país. Assim procedendo, aquele Excelso Tribunal estipulou um momento cronológico futuro (a maioridade) não contemplado pela Constituição e capaz de resolver a nacionalidade nata provisória.

Em outras palavras, a maioridade passou a ser, por decisão do STF, condição resolutiva para o gozo da nacionalidade nata provisória; ocorre que nem essa modalidade de nacionalidade nem essa condição estão inseridas na Carta de 1988; a Lei Maior, mesmo com a alteração proposta pela EC n° 54/07, apenas contempla duas condições para a fruição da nacionalidade de origem, a saber: registro em repartição competente; ou residência no Brasil com a realização da opção, após atingida a maioridade.


4. Caso Santo Ângelo

A terceira e mais recente decisão do STF sobre o tema foi proferida no Recurso Extraordinário n° 415.957-1.

Naquela oportunidade a Corte Constitucional brasileira reiterou posicionamento externado no Caso Ickert, de que a opção pela nacionalidade pátria é uma condição suspensiva que só vigora a partir da maioridade do interessado. Antes disso, vindo a residir no Brasil, considera-se brasileiro nato. Todavia, acrescentou uma exigência para o gozo dos benefícios da nacionalidade nata provisória, o registro do termo de nascimento estrangeiro no 1° Ofício de Registro Civil:

"1. A partir da maioridade, que a torna possível, a nacionalidade do filho brasileiro, nascido no estrangeiro, mas residente no País, fica sujeita à condição suspensiva da homologação judicial da opção.

2. Esse condicionamento suspensivo, só vigora a partir da maioridade; antes, desde que residente no País, o menor - mediante o registro provisório previsto no art. 32, § 2º, da Lei dos Registros Públicos - se considera brasileiro nato, para todos os efeitos."

Este caso teve origem com o ajuizamento, em Santo Ângelo-RS, de pedido de reconhecimento de nacionalidade brasileira, com fundamento no artigo 12, I, "c" da CF/88, por parte de Fabian Charlie Covasi, maior de idade, e A. S. Almeida e J. D. Alegre, ambas menores e representadas pela mãe Miriam Solange Jardim. Os dois primeiros requerentes haviam nascido em Oberá-Argentina e a última em Buenos Aires. Alegavam serem filhos de mãe brasileira e residirem em Santa Rosa-RS.

Em sede de primeira instância foi homologada a opção de Fabian, deixando de sê-la as de suas irmãs. A negativa foi fundamentada pela Juíza Cristiane Ceron ao argumento de que "a nacionalidade, prevista no art. 12 da Magna Carta, é ato personalíssimo para a qual os pais, que têm a administração do patrimônio dos filhos, conforme CC, art. 384, V, não têm poderes. A opção depende exclusivamente da vontade do interessado; é ato que produz conseqüências no ‘status’ político do indivíduo, só podendo ser exercido pessoalmente".

Em apelação cível n° 2002.71.05.006895-8, encaminhada ao TRF da 4ª Região, discutia-se a possibilidade de garantir às demandantes, menores impúberes, registro provisório de nascimento, na forma do art. 32, §2° da Lei de Registros Públicos.

A Quarta Turma do TRF da 4ª Região, por unanimidade e nos termos do voto do relator, deu provimento ao recurso de apelação, garantido o registro provisório de nascimento às menores para que, depois de atingida a maioridade civil, possam, querendo, optar pela nacionalidade brasileira. Entendeu ainda a turma que a respectiva negativa poderia causar prejuízos irreparáveis, como a negativa de matrícula em escola, in verbis:

"ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. OPÇÃO DE NACIONALIDADE. REGISTRO PROVISÓRIO DE NASCIMENTO.

1. É dever da família (e, registre-se, também do Estado) assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade (para utilizar a expressão do legislador-constituinte), o direito à educação, à cultura, à dignidade, à profissionalização, ao respeito, à convivência comunitária etc. (CF/88, art. 227). A Lei nº 8.069/90, art. 3º, garante à criança e ao adolescente o gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e o art. 53 dispõe que "A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho..."

2. Reformada a sentença para conceder aos recorrentes o registro provisório de nascimento, uma vez a respectiva negativa poderá advir prejuízos irreparáveis aos menores (v.g. negativa de matrícula em escola)."

Desta decisão interpôs o Ministério Público Federal Recurso Extraordinário ao STF, alegando a necessidade de deferimento da opção definitiva da nacionalidade, porquanto esta independeria da maioridade, podendo manifestar-se "a qualquer tempo", consoante disposto constitucional.

O Procurador Regional da República, em razões recursais de RE, concluiu que:

"Ademais, face à garantia de proteção integral conferida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é imperioso que se conceda a nacionalidade brasileira às recorrentes, como forma de possibilitar-lhes o exercício de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana.

(...)

A concessão de registro provisório, embora sirva para amenizar os óbices causados pela legislação nacional aos estrangeiros residentes no Brasil (garantir matrícula em escola, por exemplo), não assegura às crianças e adolescentes todas as oportunidades e facilidades conferidas aos nacionais. Pode ser citado, como exemplo, o exercício do direito ao voto, facultado àqueles que detêm a nacionalidade brasileira e que já completaram dezesseis anos de idade. As recorrentes, por não serem consideradas nacionais, estarão impedidas de se alistar na Justiça Eleitoral, pelo menos enquanto não atingirem a maioridade, condição indispensável, segundo a decisão recorrida, para que possam optar pela nacionalidade brasileira."

Discordamos da posição acima adotada pelo Ministério Público porque a garantia da proteção integral conferida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente não serve, por si só, como imperativo absoluto para a concessão de nacionalidade, ao menos aqui no Brasil. Mais, os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana são garantidos pela Carta Magna a todos, independentemente de nacionalidade.

Diga-se ainda que se a concessão de registro provisório não assegura às crianças e adolescentes todas as oportunidades e facilidades conferidas aos nacionais, como a bem lembrada hipótese da emissão do título eleitoral, isso se deve ao simples fato de que estes ainda não estão no gozo de sua nacionalidade originária, uma vez que não preenchidas as condições à época exigidas pela CF/88: residência no Brasil e opção homologada pela Justiça Federal.

Não se pode é querer inverter os valores do dispositivo constitucional para amenizar dissabores que sua correta aplicação venha causar. Toda norma delimitadora de direito deve ser interpretada de modo estrito. Não se pode interpretar ampliativamente norma que ao estabelecer rol taxativo limita quais pessoas podem desfrutar o pleno gozo da nacionalidade primária. O único caminho é alterá-la, mas não desvirtuá-la. [06]

O relator deste Recurso Extraordinário, Ministro Sepúlveda Pertence, também relator do Caso Bálsamo, afirmou ter-se firmado entendimento tanto no Caso Bálsamo como no Caso Santo Ângelo de que "a partir da maioridade, que a torna possível, a nacionalidade do filho brasileiro, nascido no estrangeiro, mas residente no País, fica sujeito à condição suspensiva da homologação judicial da opção."

Neste particular discordamos do relator, pois, como já dito acima, não é a maioridade uma condição resolutiva do que chamamos nacionalidade originária provisória. A maioridade é apenas um marco para que o interessado, em pleno gozo da sua capacidade civil, possa ingressar em juízo optando pela nacionalidade brasileira. Se este não pode fazer sua opção antes dos 18 anos ou de emancipado – e assim entendeu o judiciário e agora o próprio legislador na nova redação do art. 12, I, "c", ao fazer menção expressa à maioridade–, também não pode usufruir da nacionalidade nata brasileira nem gozar dos direitos do brasileiro nato. É a própria constituição que exige a opção, ao lado da residência no Brasil, como condições indispensáveis.

Para corroborar seu posicionamento o relator transcreveu no seu voto trechos da obra Nacionalidade – Aquisição, perda e reaquisição, de Francisco Xavier da Silva Guimarães.

Deveras, entende esse autor que o menor nascido no exterior que venha a residir no Brasil antes de atingida a maioridade civil, será brasileiro sem restrição alguma, não devendo sofrer os efeitos suspensivos sobre a nacionalidade, já que a opção exige manifestação de vontade para a qual há de concorrer a capacidade civil alcançada, agora com o Código Civil de 2002, aos 18 anos ou mediante emancipação. [07]

Segundo Francisco Xavier:

"Considerar, como fizeram alguns juristas, que no ato de opção repousa o momento aquisitivo da nacionalidade, seria, ademais, o mesmo que negar a nacionalidade brasileira ao menor, que não tem capacidade para se manifestar validamente, nascido no estrangeiro de pai ou mãe brasileiros que venha a residir no país." [08]

Víamos a situação com outros olhos, pois em momento algum se estava a negar a nacionalidade ao filho de brasileiro ou brasileira que viesse residir no país, antes de alcançada a maioridade ou emancipado. Mesmo porque, como já dissemos, comungamos a tese de que a nacionalidade originária é o vínculo formado entre o Estado e a pessoa quando do seu nascimento. Em outras palavras, esse menor é brasileiro nato, porém o gozo desta nacionalidade estava suspenso até que residisse no Brasil e optasse por ela. [09]

Se o menor não tinha capacidade para optar não se podia, num gesto de generosidade e altruísmo, conceder-lhe direitos indevidos. [10]

Assim como nós, argumentou Jacob Dolinger na sua obra Direito Internacional Privado – Parte Geral, à luz da antiga redação do artigo 12, I, "c" da CF/88 dada pela ECR 03/94, que o status da pessoa, fosse ela maior ou menor de idade, vindo residir no Brasil e que ainda não tivesse optado pela nacionalidade brasileira não poderia ser o de brasileiro nato, pois senão qual seria a necessidade da opção? [11] Por outro lado, o ato de emissão de passaporte para filhos de nacionais, enquanto menores, cuidaria de uma tradição em muitos países, sendo muito justo, diz Dolinger, que essas crianças e jovens, por força da nacionalidade dos pais, utilizem passaportes brasileiros até alcançada a maioridade.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Wanderson Bezerra de Azevedo

analista judiciário do TRE/MS em Dourados (MS), mestre em Ciências Jurídico-Internacionais pela Universidade de Lisboa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AZEVEDO, Wanderson Bezerra. O brasileiro nato provisoriamente e a Emenda Constitucional n° 54/2007. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1859, 3 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11564. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos