Artigo Destaque dos editores

Parâmetros e delimitações do contrato de convivência nas relações de união estável

Exibindo página 1 de 2
29/01/2009 às 00:00
Leia nesta página:

Este artigo delimita as bases do contrato de convivência nas uniões estáveis, estabelecendo as possibilidades, requisitos e conseqüências de tal instrumento jurídico para a vida social.

Sumário:1 União estável: noções; 2 Do contrato de convivência: aspectos introdutórios; 3 Especificidades do contrato de convivência; 4 Conclusão; 5 Referências bibliográficas.

Resumo:Pautando-se nas relações familiares contemporâneas, este artigo delimita as bases do contrato de convivência nas uniões estáveis, estabelecendo as possibilidades, requisitos e conseqüências de tal instrumento jurídico para a vida social. Aponta, também, os aspectos históricos e os vieses vanguardistas do assunto sob o prisma do direito civil-constitucional, servindo de apoio para a devida aplicação do contrato de união estável pelos conviventes, assegurando maiores garantias legais para os que vivem sob este regime jurídico-familiar constitucionalmente tutelado.

Palavras-chave: união estável; contrato de convivência.

Abstract: Basing on the familiar contemporay relantionships, this article delimitates the bases of the convenience contracts in the steady unions, stablishing the possibilities, requirements and consequences of such juridical instrument for the social life. Also points the historical aspects and the vanguardists ways of the subject under the civil-constitucional prism, supporting the aplication of the stable union contract by the people, assuring more legal garanties for those who live under the protection of this juridical-familiar constitucionaly regime.

Keywords: steady unions; convivence contracts.


1 União estável: noções

.

Bem sabemos da disposição das partes para a composição da vida em família; não é o Estado quem "casa" as pessoas, mas estas que se unem manifestando sua vontade. É característica da união estável a desregulamentação estatal a respeito de sua composição e a própria história assim nos prova. Contudo, como já discutimos, o interesse jurídico sobre as famílias não fundadas no casamento somente veio a lume com a devida intensidade no direito contemporâneo (pós-88).

O simples relacionamento afetivo presente na união estável - embora esta seja uma das figuras denominadas constitucionalmente como entidades familiares - não garante a mesma segurança jurídica conferida ao casamento. Isto porque a própria natureza do enlace matrimonial, cercada por formalismos e sob a benção estatal, não pertence ao mundo daqueles que facultaram viver sob o regime da informalidade.

Porém, como posiciona-se Virgílio de Sá Pereira, o legislador não cria a família [08]. Desta maneira, existentes as entidades familiares não fundadas no casamento, resta as partes, ante a deficiente regulamentação positiva, estipularem entre si, particularmente, no tocante ao patrimonial, as cláusulas válidas para a relação vivenciada. Esta estipulação se dá por meio do contrato de união estável – ou contrato de convivência (nomenclatura esta que preferimos, a exemplo de Cahali [09]).

A natureza da união estável possui caráter de informalidade: é cabível, então, o contrato interpartes como instrumento de delimitação dos direitos disponíveis desta comunhão afetiva fática. Conceitualmente, temos que contrato de convivência é o "instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem regulamentações quanto aos reflexos da relação [10]".

No contexto histórico, muitas foram as tentativas quanto à possibilidade de implantação desta forma contratual; contudo, anteriormente ao reconhecimento constitucional da união estável, poucos foram os que ousaram discorrer sobre o tema. Alguns Tribunais, quando desafiados, refutaram a moralidade e a legalidade destes contratos.

A omissão do legislador frente a este instrumento legal (suas estipulações, forma e conteúdo) ainda persiste. Desta feita, em face da frívola tutela legislativa, segue a presunção característica do direito privado – ou seja, se não é vedado pela lei, é passível de ser praticado.

Entretanto, mostra-se como necessária a existência da relação de união estável para a realização do contrato de convivência, pois este vínculo afetivo é o legitimador factual (fático) desta espécie de aparato jurídico-contratual. Ainda assim, como já esboçamos neste artigo, a permissão para ocorrência contrato de convivência somente ocorreu após a CF/88.

Anteriormente à Carta Magna, com o intuito de se tutelar o casamento (e, forçosamente, obrigar as pessoas a constituir família somente sob este regime), o legislador coibia a validade dos contratos de união estável firmados entre os companheiros, na forma do "art. 145, II a V do Código Civil vigente na época [de 1916]. O concubinato nasceria dos fatos e não da forma escrita. Sendo nulo, esses contratos não teriam validade mesmo entre as partes, que não poderiam levá-los a juízo para fazer valer quaisquer direitos entre si [11]".

Neste sentido, o próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no ano de 1961, declarava indisponível o objeto pretendido pelo contrato de convivência, tornando seu conteúdo conseqüentemente ilícito e, até mesmo, imoral. Esta mesma orientação foi seguida pelo TJ do Rio Grande do Sul – Circular nº 7 de 1952 [12].

No âmbito legislativo, datada de 1975 por propositura do então Dep. Federal Emanoel Waissmann, deu-se a primeira tentativa de se instituir o "Contrato Civil de Coabitação"; porém esta proposta não logrou êxito: o referido projeto foi arquivado [13].

De qualquer modo, a única segurança jurídica à época – quanto aos efeitos patrimoniais da relação – era a súmula 380 do STF. Entretanto na prática, como indica Villaça, os "advogados não se furtavam à celebração desses pactos de convivência [14]" - visando maiores garantias legais.

No tocante ao contrato de concubinato, ele é perfeitamente possível de realizar-se, sem que se ofendam os bons costumes, os princípios gerais de direito e a ordem pública. Sempre defendemos esse ponto de vista, elaborando esse tipo de contratação desde 1969 [15].

A tutela dos interesses patrimoniais é um dos principais objetivos do agrupamento familiar: daí se justifica a maciça presença estatal nessas relações afetivas. A própria família é considerada, classicamente, base do Estado e da sociedade [16]. Neste contexto, restringe-se ao máximo os efeitos de qualquer relação não estruturada conforme as disposições positivas. Se num dilatado lapso temporal o grande conjuntivo guardião do casamento foi a Igreja Católica, nas últimas décadas (no caso brasileiro), o poder estatal angariou esta função.

Neste raciocínio, qualquer interferência do particular nos dispositivos de validade e de conseqüências da relação, representa – aos olhos dos tradicionalistas – uma espécie de concorrência direta com o casamento positivado pelo poder constituído. Fechando-se aos avanços sociais vivenciados a fim de dirimir ao máximo as forças concorrentes, o poder público taxou, em meados das décadas de 1950 e seguintes, os contratos de convivência como imorais e ilegítimos.

Como analisaremos no transcorrer deste estudo (Tópico 2.2), esta visão de tutela pública do casamento frente a indisponibilidade de previsão legal do contrato de convivência foi utilizada no ano de 1996 como justificativa dos vetos presidenciais ao Projeto de Lei 1.888/1991 referente à união estável – que gerou a Lei 9.278/1996.

Entrementes, o advento da CF/88 obrigou os Tribunais a forçosamente retirarem as barreiras impostas aos cartórios para o registro dos contratos de convivência [17]. A partir deste instante, o avanço da jurisprudência foi imediato - conforme bem indica Villaça (RT/686/96 [18]). Porém nem todas as controvérsias no âmbito judiciário foram sanadas – salienta Cahali a posição dos desembargadores do TJSP em acórdão proferido a respeito da possibilidade de estabelecimento de contrato particular de união estável: enquanto Cezar Peluzo e Walter Moraes foram favoráveis, Sílvio Ferreira votou contra [19].

Também há resistência legislativa quanto à positivação dos termos do contrato de convivência: o silêncio legal persiste.

2.1 O contrato de convivência na Lei 8.971 de 29 de dezembro de 1994. Os reflexos dos avanços sociais propiciados pelo reconhecimento magno da união estável foram latentes no transcorrer dos anos 1990: neste diapasão, um dos principais efeitos foi a promulgação da Lei nº 8.771/94 – em decorrência do Projeto de Lei nº 37/1992.

A L 8.971/1994 assegurou direito a alimentos e à sucessão do companheiro. (...) Também a lei fixou condições outras, só reconhecendo como estáveis as relações existentes há mais de cinco anos ou das quais houvesse nascido prole, como se tais requisitos purificassem a relação [20].

Contudo, especificamente quanto ao contrato de convivência, o vácuo legislativo persistia: a Lei de 1994 não mencionava em seus dispositivos a possibilidade de contratação entre conviventes. Entretanto, esta prática jurídica era (tal como é) um dos artifícios utilizados pela partes, para disporem sobre os efeitos disponíveis da relação de união estável [21].

Em substituição à Lei 8.771, aprovou-se no Congresso Nacional a versão do projeto de Lei nº 1.888/1991. Originou-se, portanto, a Lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996.

2.2 O contrato de convivência na Lei 9.278 de 10 de maio de 1996. "Com a publicação da Lei nº 9.278/96, foram inúmeros os pronunciamentos sobre as questões que envolvem a união estável [22]", já que esta norma propunha-se a regulamentar o art. 226, § 3°, da CF/88.

Para nosso interesse, no projeto originário desta lei [23] (arts. 3° [24], 4° [25] e 6° [26]) estavam previstas as estruturas do contrato de convivência; bases estas que, por efeito de veto presidencial, não entraram em vigor.

Temos, portanto, que este veto mais representou um conservadorismo exacerbado do que propriamente uma manifestação do interesse social. Foi a justificativa dada à época pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso:

(...) a amplitude que se dá ao contrato de criação da união estável importa admitir um verdadeiro casamento de segundo grau, quando não era esta a intenção do legislador, que pretendia apenas garantir determinados efeitos a posteriori a determinadas situações nas quais tinha havido formação de uma entidade familiar (...). Assim sendo, não se justifica a introdução da união estável contratual nos termos do art. 3°, justificando-se pois o veto em relação ao mesmo e, em decorrência, também no tocante aos arts. 4° e 5° [27].

Referente as razões do veto, posiciona-se Albuquerque Pizzolante:

Não fere o casamento a simples possibilidade de estabelecimento de contrato de união estável, assim como o fato de tal convivência pode dar-se por meio de formalização em instrumento contratual não tem o condão de torná-la casamento de segunda classe, muito menos evento atentatório ao direito; nada mais representa senão a reverberação da liberdade contratual de que dispõe o cidadão na esfera de suas relações públicas e privadas, tendo como natureza a constituição de entidade familiar (...) [28].

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

No entender de Sílvio Rodrigues, "a lei (9.278/96) apresenta alguns defeitos sérios, decorrentes de vetos presidenciais a disposições que estavam ligadas a outras que prevaleceram, ficando estas com o sentido prejudicado [29]". Indubitavelmente, perdeu-se uma grande oportunidade para a positivar-se o contrato de convivência – que serviria para dirimir maiores dúvidas referentes aos parâmetros, forma, conteúdo, etc., destes pactos.

2.3 O contrato de convivência no Código Civil de 2002. "Embora não constasse do texto original do projeto do novo Código Civil (mesmo porque anterior à Constituição), o tema [da união estável] veio as ser incluído durante os trâmites de votação, como o Título III do Livro do Direito de Família [30]". Todavia, igualmente as normatizações que trataram da união estável, o Diploma vigente desprezou a importância da possibilidade dos conviventes estabelecerem entre si um contrato dispondo dos direitos patrimoniais da relação.

O CC/02, em concordância com a Lei 9.278/96 [31], estabelece que o regime de bens da união estável será o da comunhão parcial, salvo disposição escrita em contrário – art. 1.725 [32]. Interpretando extensivamente este dispositivo legal, temos que não é vedado as partes o livre acordo acerca dos direitos disponíveis envolvidos na relação. Reside aí uma pequena (e insuficiente) previsão acerca dos contratos de convivência.

2.4 O contrato de convivência no Estatuto das Famílias. Salutarmente encabeçado pelo IBDFAM [33] há em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.285/2007, que visa revogar todo o livro de Família do Código Civil vigente, substituindo-o pelo moderno Estatuto das Famílias.

Neste projeto, no trecho dedicado à união estável, é expressamente previsto o contrato de convivência: dispõe este PL que "na união estável, os conviventes podem estabelecer o regime jurídico patrimonial mediante contrato escrito [34]", e mais, toda ação judicial referente a esta forma de família deverá "ser instruída com o contrato de convivência, se existir [35]".

A união estável (...) é regida pela CF, art. 226, § 3°, que foi regulamentado pelas Leis ns. 8.791/1994 e 9.278/1996, que também continuam vigendo parcialmente, e pelo atual Código Civil, arts. 1.723/7, não obstante presente, ainda, em muitos outros dispositivos embora não disposta expressamente, havendo ainda em tramitação legislativa projetos para aperfeiçoamentos, devido à forma açodada em que foi incluída na redação final do Código Civil [36].

Resta-nos acompanhar o trabalho dos legisladores pátrios e apurar detalhadamente o progresso destes projetos de lei em tramitação (especialmente o do Estatuto das Famílias) [37].

2.5 O contrato de convivência no direito comparado: o PACS francês. Embora no Brasil ainda muito se discuta sobre a validade, eficácia e parâmetros do contrato de convivência – talvez por conta do desleixo legislativo –, alguns países já têm as bases deste instrumento consolidadas.

Neste diapasão, o maior exemplo emana do Direito francês: estabeleceu-se em 1999, naquele país, o PACS (Pacte civil de solidarité - Pacto civil de solidariedade) [38], "destinado à auto-regulamentação das relações afetivas hetero e homossexuais, bem como atribuindo uma definição legal à figura do concubinato [39]".

O PACS é um "contrato firmado entre duas pessoas físicas maiores, para organizar a vida comum", precisa o art. 1º da lei. Deu-se preferência a esse conceito voluntarista de "contrato" sobre a noção de "atestado", mais fraca do ponto de vista do comprometimento dos co-contratantes [40].

Temos aqui ressaltada a importância da atenção ao direito comparado (principalmente no que tange à experiência francesa), pois "o PACS representa o regramento proposto para o que aqui designamos contrato de convivência, indicando a França como precursora do tratamento legislativo específico à auto-regulamentação dos efeitos patrimoniais do concubinato [41]".


3 Especificidades do contrato de convivência

. O contrato de convivência, comumente conhecido como contrato de união estável, não reclama forma determinada estabelecida por Lei, porém suas cláusulas não poderão ser vetadas pelos dispositivos legais, nem sevadas de vícios e ilicitudes.Qualquer manifestação conjunta dos conviventes, mesmo que não objetive especificamente a união vivenciada, terá força probatória e status quo de contrato de convivência [42].

Na celebração do contrato em estudo segue-se a regra do art. 104 do Código Civil [43]. Exige-se: a) agentes capazes; b) objeto lícito; c) forma escrita; e d) relação de união estável.

É nítido, neste aspecto, o interesse jurídico pelo instituto da união estável. As manifestações particulares entre as partes da relação terão interpretação extensiva quanto: a) a provar a existência fática da relação; e b) delimitar os efeitos patrimoniais disponíveis.

Sendo assim, como já havíamos salientado, o contrato de convivência tem sua validade condicionada à própria realidade vivenciada pelo casal, ou seja, à própria união estável. Noutro ponto, bem sabemos que o estabelecimento desta forma de contrato não é obrigatório; entretanto, conforme recomenda Euclides Benedito de Oliveira, sua formulação é de extrema utilidade, definindo temporalmente a relação e estipulando a formação e divisão do patrimônio dos conviventes [44].

Salientamos que o contrato de convivência não reclama forma específica, porém, não poderá ser firmado oralmente. Noutras palavras: deverá ser necessariamente escrito. Esta é a vontade dos únicos artigos que fazem menção à própria existência desta espécie contratual: art. 5° da Lei nº 9.278/96 [45] e art. 1.725 do CC/02.

Exceto a forma escrita, não são postas quaisquer outras exigências, tais como: a) testemunhas; b) instrumento público ou particular [46], genérico ou específico; c) limitações de cláusulas, etc. Todas estas disposições ficam a cargo das partes envolvidas.

3.2 Momento de celebração. Todo momento – desde que durante a relação de união estável – é oportuno para a feitura do contrato de convivência. As partes podem acordar quando bem desejarem, dependendo, somente, da própria existência da relação familiar em voga.

Registramos, por conseguinte, divergências doutrinárias quanto à devida ocasião de celebração desta espécie contratual: enquanto há defensores de que este pacto tem que ser firmado na constância da união estável, como Grieco B. Pessoa e Francisco Cahali, outros são causídicos da tese de que este contrato tem que ser firmado anteriormente à constatação da relação fática, como Guilherme Calmon e Albuquerque Pizzolante [47].

Acerca desta controvérsia suscitada, é salutar a divisa desenvolvida por Pietro Perlingieri – "Teoria da regulamentação exclusivamente remetida à autonomia privada". Neste pensamento, analisa-se a união estável sob o prisma do pacto contratual realizado anteriormente à própria existência material desta relação, fundando-se na autonomia privada. Porém, o próprio Perlingieri refuta esta teoria.

(...) imaginou traduzir a exigência de liberdade que a escolha de viver fora do vínculo matrimonial exprime remetendo a regulamentação da autonomia privada. Toda exigência de tutela feita por um dos conviventes encontraria resposta se e somente se os conviventes tivessem preventivamente, através de negócios jurídicos, disciplinado tal exigência. A autonomia privada, deve-se replicar, não é um valor em si mesmo. Todo ato e portanto toda relação, para ter validamente ingresso na juridicidade e na tutela do ordenamento, que se caracteriza pela promoção social e pela garantia da pessoa, deve ser submetido a um controle normativo de valor, a uma valoração positiva. A essa valoração não se subtrai o acordo entre os conviventes de fato seja no momento constitutivo, seja naquele modificativo e extintivo: uma solução contrária teria como conseqüência, em concreto, o sacrifício do cônjuge econômica ou afetivamente mais frágil, e, por isso, com menor força "contratual" [48].

Logicamente, a idéia de que este pacto deva ser estabelecido anteriormente à data inicial da união é impraticável, isto porque, sendo entidade informal, desestatizada, dificilmente tem-se o termo primeiro da relação [49]. Ainda assim, não sendo ato obrigatório, este contrato deverá ser estabelecido quando os conviventes (partes) considerarem necessário.

3.3 Cláusulas (conteúdo) e seus efeitos. Referente ao contrato de convivência, discutido o momento para a sua celebração – que poderá ser a qualquer época desde que no período de vigência da união estável – resta-nos delimitar as suas cláusulas e seus efeitos.

Os resultados deste contrato serão múltiplos: contudo, indispensavelmente, tocarão direitos disponíveis, relacionando-se, na maioria das vezes, com o patrimônio.

Referente as cláusulas do contrato, ressaltamos: além de formalizar juridicamente interesses futuros, "nada impede, também, que seja concluído pelos interessados atingir situações pretéritas, como definir a propriedade de um bem adquirido anteriormente pelo casal [50]". Neste mesmo sentido, posiciona-se Cahali: "as partes são livres para decidir sobre seu patrimônio, passado ou futuro [51]" – deverão atentar, somente, para as limitações de ordem legal, moral, de costumes e de boa-fé.

Desta feita, as disposições serão estabelecidas a partir de livre motivação dos conviventes e poderão versar sobre todos os direitos disponíveis da relação. É possível discorrer, até mesmo, sobre a forma de solução dos possíveis litígios oriundos do término da união: a cláusula de arbitragem, por exemplo, é possivelmente permitida e salutar.

Não se deve caminhar para o rigor excessivo quando se interpreta e examina o contrato. É possível que ele seja elaborado pelos próprios conviventes, sem maior rigor técnico. O que importa é a sua autenticidade e que o seu conteúdo seja legalmente aceito [52].

Sistematizando nosso estudo, suscitado que os acordos de convivência seguem a regra geral dos contratos e que são de espontânea estipulação das partes – desde que seu conteúdo seja disponível – temos que sua finalidade é "adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos [53]". Ainda assim, a abrangência das cláusulas contratadas poderá ser dilatada ou restringida, produzindo (ou não) os efeitos previstos; noutros termos, "verifica-se a abrangência variada da convenção, de acordo com a intenção manifestada pelas partes [54]".

As cláusulas terão efeitos obrigatórios somente entre os contratantes, não valendo para terceiros: noutros termos, não se pode obrigar que outrem reconheça o contrato firmado entre os conviventes. É a regra do Diploma Privado [55].

Ainda assim, aos dispositivos que visarem regulamentar direitos indisponíveis não será creditada validade. Do mesmo modo, a nulidade de alguma cláusula não compromete o contrato como um todo, principalmente quanto ao seu valor comprobatório da relação de união estável.

Elucidando o exposto, temos que no contrato de convivência, respeitados os limites de disponibilidade legal pré-estabelecidos, dispõem as partes de liberdade para estipularem os tópicos desejados e os efeitos pretendidos (que incidirão sobre o passado, o presente ou o futuro, dependendo das cláusulas estabelecidas) – porém quanto a terceiros, os efeitos decorrentes serão restritos.

3.3.1 O regime de bens como cláusula do contrato de convivência. Bem sabemos que, quanto ao casamento, uma vez adotado o regime de bens este é definitivo, salvo rara exceção (art. 1.639, § 2°, CC/02) [56]. Contudo, esta regra não se aplica às uniões estáveis – nestas, este regime "poderá ser firmado em contrato escrito pelas partes, sem nenhuma maior exigência da lei [57]". Sendo assim, "o principal objetivo desses contratos é a modificação da presunção de condomínio, prevista na lei, quanto aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência [58]".

Aos companheiros é facultada a escolha do regime de bens [59], desde que esta opção seja manifestada expressamente no contrato de convivência. No silêncio dos conviventes, o regime que aplicar-se-á será o da comunhão parcial de bens (art. 1.725 CC/02).

Temos, portanto, que uma cláusula específica do contrato de convivência poderá versar sobre o regime de bens vigente. Encontramos, também, que este termo não é perpétuo, ou seja, as partes poderão de livre acordo – desde que dentro do lapso temporal da união estável vivenciada –, alterar o regime que rege a relação.

A própria estrutura informal da união estável permite estas singularidades quanto aos direitos disponíveis, ou, como bem coloca SanTiago Dantas: "o regime de bens se impõe por circunstâncias históricas e o legislador não pode fazer variar a seu arbítrio; é quase sempre um costume da população [60]".

3.2 Alterações e extinção do contrato de convivência. O contrato de união estável poderá ser modificado a qualquer tempo, sem maiores restrições: é possível a supressão completa ou a alteração de cláusulas específicas; contudo, exige-se anuência dos companheiros outrora contratantes. "Nada existe no ordenamento brasileiro, portanto, que impeça os conviventes de estipularem quanto aos seus bens, no momento em que julgarem necessário [61]".

Não se reclama, nem mesmo, a exclusividade de um único pacto de convivência: múltiplos documentos poderão versar sobre os direitos disponíveis da relação, desde que toquem objetos distintos. Caso dois contratos discorram sobre o mesmo assunto, seguir-se-á a regra temporal: o predecessor revogará o antecessor.

Noutro sentido, podem as partes de comum acordo, pactuarem pelo fim do contrato de convivência: esta extinção segue a regra do Código Civil (art. 472 [62]), porém, com algumas especificidades: sendo a união estável condicio iuris para a formulação contratual, o término desta relação fática ocasiona a dissolução deste pacto. Neste diapasão, a morte de um dos contratantes também põe termo ao acordo firmado.

Salientamos que, havendo qualquer discordância quanto as cláusulas, efeitos ou demais parâmetros do contrato de convivência, o Poder Judiciário poderá ser provocado – nestes casos, a competência será das Varas de Família.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vinícius Parolin Wohnrath

Bacharel em direito pela UNESP (2005/2009), mestrando em educação pela UNICAMP. Bolsista FAPESP por duas vezes durante a graduação (2006/2008 e 2009). Estágio-investigação na Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, com bolsa do Programa de Centros Associados de Pós-Graduação - CAPES/CONEAU (2010).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WOHNRATH, Vinícius Parolin. Parâmetros e delimitações do contrato de convivência nas relações de união estável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2038, 29 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12266. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos