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Demissão do empregado público.

Necessidade de motivação do ato de demissão

22/04/2010 às 00:00
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O presente trabalho visa fazer um breve estudo sobre a possibilidade ou não da estabilidade dos agentes públicos submetidos ao regime celetista, ou seja, regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), ora denominados empregados públicos e a necessidade de fundamentação no seu respectivo ato de demissão.

Os empregados públicos, em sua maioria, são formados por agentes integrantes das entidades da administração indireta regidas pelo direito privado, como as sociedades de economia mistas e empresas públicas. O artigo 41 da Constituição Federal assegura a estabilidade a todos os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. In verbis:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público

§ 1º - O servidor público estável só perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

(...) § 4º - Como condição para a aquisição da estabilidade, obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.

Contudo, há de se discutir quanto à possibilidade de esta estabilidade se estender aos denominados empregados públicos. O servidor público está submetido ao regime estatutário, ou seja, todos os seus direitos e obrigações estão previstas em um estatuto próprio do ente em que ele trabalha. Já o empregado público se submete ao regime da CLT como qualquer outro empregado privado.

O regime celetista do empregado público se deve, na maioria dos casos, em virtude do regime de direito privado a que se deve submeter o ente em que este agente trabalha. Citem-se as Sociedades de Economia Mista e as Empresas Públicas. Tais entes são pessoas jurídicas de direito privado, apesar de serem entidades pertencentes à Administração Pública.

A Constituição Federal assegura aos brasileiros, natos ou naturalizados, a acessibilidade a cargos, empregos e funções públicas na forma da lei. A investidura nos cargos ou emprego público se dá mediante aprovação em concurso público como previsto no artigo 37, II da carta magna:

Art. 37...

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

Daí se depreende que os empregos públicos são preenchidos mediante concurso público como quaisquer outros cargos da administração direta ou indireta.

Quanto a estabilidade, o que pode ser observado no artigo 41 da Constituição Federal citado anteriormente é uma prerrogativa prevista apenas aos servidores nomeados para cargo de provimento efetivo. Diógenes Gasparini [1] aborda o assunto fazendo as seguintes considerações:

Destarte percebe-se que o artigo constitucional obteve uma considerável alteração, posto que além de ser dilatado o prazo para a aquisição da estabilidade, que era de dois anos e agora passa a ser três, foi acrescido da expressão "cargo de provimento efetivo" no corpo do comando constitucional. Desta forma é requisito constitucional para a aquisição da estabilidade no serviço público ser o funcionário lotado em cargo público de provimento efetivo, o que por si só já exclui os empregados públicos, que são lotados em empregos. (grifo nosso)

Assim estão excluídos do regime de estabilidade, os empregados públicos bem como os servidores lotados em cargos de provimento em comissão.

Contudo, é sabido que o regime celetista não está adstrito somente às entidades da administração indireta regidas pelo direito privado. As entidades da administração direta, autárquica ou fundacional também podem optar pelo regime jurídico celetista para seus agentes.

Contudo, discutível é a possibilidade da estabilidade dos agentes públicos do regime celetistas ocupantes de cargos nestas entidades, uma vez que elas se submetem a regime jurídico de direito público. O TST já tomou decisão no sentido misto quanto a esta discussão, como se observa na súmula 390:

"Súmula nº 390 - Estabilidade - Celetista - Administração Direta, Autárquica ou Fundacional - Empregado de Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista

I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 265 da SDI-1 - Inserida em 27.09.2002 e ex-OJ nº 22 da SDI-2 - Inserida em 20.09.00)

II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 - Inserida em 20.06.2001)"

Assim, de acordo com este entendimento do TST, poderíamos dividir os empregados públicos em duas classes: I – os empregados que laboram para a os entes públicos, autarquias e fundações e, II – aqueles que trabalham para empresas públicas e sociedades de economia mista. Nesse sentido, o TST entende como estáveis os primeiros e nega esta vantagem aos últimos.

Destarte, pacificada pela mais alta corte trabalhista brasileira quanto a falta de estabilidade do empregado público das entidades da Administração Indireta submetidas ao regime de direito privado, vem a baila outra discussão sobre se o ato de demissão de tais empregados públicos necessita de fundamentação.

Vejamos alguns julgados do Egrégio Tribunal a respeito do tema:

REINTEGRAÇÃO – MOTIVAÇÃO DA DISPENSA DO EMPREGADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA – A jurisprudência deste colendo Tribunal Superior do Trabalho pacificou-se no sentido de que não se estende aos empregados celetistas da Administração Pública Indireta a garantia de dispensa necessariamente motivada ou mediante procedimento administrativo, por força da aplicação do art. 173, §1º, II, da Constituição Federal de 1988. Portanto, não se cogita, no presente caso, da existência de direito à reintegração no emprego, sob o pretexto de ser nulo o ato de demissão dos reclamantes por não ter sido procedido de motivação. Recurso de Revista do Banco do Estado do Rio de Janeiro S.ª parcialmente conhecido e provido (TST. Decisão 06.02.2002. Proc. RR num. 672575. Ano 2000 Região 01. Recurso de Revista Turma 04. Órgão Julgador – quarta turma) (grifo nosso).

DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. A empresa estatal, seja qual for o seu tipo, dedicada à exploração da atividade econômica, está regida pelas normas trabalhistas das empresas privadas, por força do disposto no art. 173,§1º, da Constituição Federal. Assim, dada a sua natureza jurídica, pode rescindir sem justa causa, contratos de empregados seus, avaliando apenas a conveniência e a oportunidade, porque o ato será discricionário, não exigindo necessariamente que seja formalizada a motivação. Ressalte-se que, no terreno específico da administração pública direta, indireta e fundacional, a constituição não acresceu nenhuma outra obrigação, salvo a investidura (art. 37, II) por meio de concurso público de provas e títulos. Não cogitou a Lei Magna em momento algum acrescer a obrigação de existir motivação da dispensa. Recurso conhecido e desprovido. (TST. Decisão 04.04.2001 Proc. RR Num 632808 Ano 2000 Região 07 Recurso de Revista Turma 01 Órgão Julgador – primeira Turma) (grifo nosso).

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Daí, percebe-se o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho de que a demissão do empregado público não precisa de motivação, conforme também se podia observar na Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 247 da Subseção I da Seção de Dissídios Individuais (SDI-I) que assim dispunha:

247. Servidor público. Celetista Concursado. Despedida imotivada. Empresa pública ou sociedade de economia mista. Possibilidade.

Contudo, decisões do Supremo Tribunal Federal vinham assegurando à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos privilégios inerentes a Fazenda Pública, em virtude de seu serviço postal prestado em caráter de exclusividade, conforme a decisão abaixo:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI N 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME GERAL DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

À Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada á Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-Lei nº 509/69 e não incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica, ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias.

A partir daí, mais precisamente em setembro de 2007, o TST mudou seu entendimento, fundamentado nas frequentes decisões do STF que assegurava aos Correios privilégios inerentes à Fazenda Pública, e entendeu que os atos administrativos da ECT deveriam se vincular aos princípios que regem a administração pública direta, inclusive quanto à motivação da despedida de seus empregados. Assim publicou a Resolução nº 143/07, que altera a OJ nº 247 da SDI-I:

SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.

1. A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado para sua validade;

2. A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais." (grifo nosso)

Assim, a partir deste entendimento, podemos dividir os empregados públicos em três categorias:

  1. os empregados públicos da administração direta, fundacional ou autárquica que gozam da estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição Federal;
  2. os empregados públicos de empresa pública e de sociedade de economia mista que não gozam de estabilidade, tampouco exigem ato motivado para sua demissão e,
  3. os empregados públicos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) que não são estáveis, contudo seu ato de demissão esta condicionada a motivação.

Ousamos discordar deste entendimento do TST. O ato de demissão dos empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista também deveria estar condicionado a motivação. Tais atos tratam-se de um atos administrativos e, portanto, assim como entende grande parte da doutrina, necessita de motivação para sua validade. A obrigatoriedade da motivação dos atos administrativos é defendida por grandes doutrinadores do direito administrativo. Vejamos o entendimento de Zanella Di Pietro [2]:

Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade que tanto diz respeito ao interessado como a própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado.

A motivação do ato de demissão do empregado público deveria ser medida necessária para sua validade, uma vez que coibiria abusos cometidos pelos gestores de entidades públicas de direito privado.

Importante ressaltar que as empresas públicas e sociedades de economia mista se submetem ao direito privado por serem entidades que, na maioria dos casos, exploram atividade econômica, a fim de atuar com maior liberdade do que a Administração Pública Direta e poder concorrer igualmente com outras empresas privadas.

Contudo, tais entidades públicas ainda se submetem a diversas regras do direito público, como bem observa Zanella Di Pietro [3]:

...No entanto tais pessoas nunca se sujeitam inteiramente ao direito privado. O seu regime jurídico é híbrido, porque, sob muitos aspectos, elas se submetem ao direito público, tendo em vista especialmente a necessidade de fazer prevalecer a vontade do ente estatal, que as criou para atingir determinado fim de interesse público. (grifo do autor)

Sustentamos-nos também na obra de Zanella Di Pietro [4] para trazer os traços comuns entre o regime jurídico das pessoas públicas e o das pessoas de direito privado instituídas pelo estado:

  1. Todas têm personalidade jurídica própria;
  2. A sua criação é sempre feita por lei;
  3. A sua finalidade essencial e a consecução do interesse público;
  4. Falta de liberdade na fixação ou modificação de seus próprios fins;
  5. Necessidade de lei para extinção, em consonância com o princípio do paralelismo de formas;
  6. Controle positivo do Estado, a fim de verificar se a entidade cumpre os fins para os quais foi criada.

Defendemos que a motivação para a demissão do empregado público não precisa, necessariamente, respeitar todo o rigor exigido para demissão do servidor público previsto no artigo 41 da Constituição Federal, bastando para tanto que o empregado tenha praticado falta grave prevista na CLT ou que seja observada a insuficiência no desempenho, desde que isto seja devidamente fundamentado pelo gestor da entidade no ato de demissão.

Ressalte-se que a Lei nº 9.962/2000, que dispunha sobre o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, disciplinava as hipóteses de demissão de tais empregados no artigo 3º, que poderia servir como parâmetro para a demissão dos empregados das entidades da administração indireta. In verbis:

Art. 3º O contrato de trabalho por prazo indeterminado somente será rescindido por ato unilateral da Administração pública nas seguintes hipóteses:

I – prática de falta grave, dentre as enumeradas no art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT;

II – acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

III – necessidade de redução de quadro de pessoal, por excesso de despesa, nos termos da lei complementar a que se refere o art. 169 da Constituição Federal;

IV – insuficiência de desempenho, apurada em procedimento no qual se assegurem pelo menos um recurso hierárquico dotado de efeito suspensivo, que será apreciado em trinta dias, e o prévio conhecimento dos padrões mínimos exigidos para continuidade da relação de emprego, obrigatoriamente estabelecidos de acordo com as peculiaridades das atividades exercidas.

A hipótese de motivação do ato administrativo está prevista no artigo 50 da Lei nº 9.784/1999:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório;

V - decidam recursos administrativos;

VI - decorram de reexame de ofício;

VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

A motivação no ato de dispensa do empregado público estaria prevista no inciso I, uma vez que a sua demissão estaria afetando diretamente o direito a um emprego que conquistou através de um concurso público e que só lhe deveria ser retirado se isto representasse realmente uma necessidade pública devidamente fundamentada.

Contudo, o entendimento do TST é da não necessidade de motivação da demissão do empregado público das sociedades de economia mista e empresas públicas, uma vez que estas entidades se submetem ao regime jurídico de direito privado. Justo seria se, no tocante a demissão do empregado público, se exigisse dos gestores destas entidades motivação para a prática do ato, a fim de evitar abusos inspirados por convicções pessoais que em nada beneficiam a Administração Pública. O ato de demissão deveria se submeter a princípios basilares como legalidade, razoabilidade, impessoalidade e eficiência.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4º ed. São Paulo, Saraiva. 1995. 651 p.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, 20ª ed. São Paulo. Atlas. 2007. 800 p.


NOTAS

  1. GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4º Ed. São Paulo, editora Saraiva. 1995. p. 194
  2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, Atlas, 20ª Ed. pg 197.
  3. Idem.
  4. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, Atlas, 20ª Ed. Pg. 199
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Sobre o autor
Deijanes Batista de Oliveira

Pós-graduando em Direito Público pela Universidade Anhanguera - UNIDERP - Rede LFG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Deijanes Batista. Demissão do empregado público.: Necessidade de motivação do ato de demissão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2486, 22 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14729. Acesso em: 29 mar. 2024.

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