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A constitucionalidade do julgamento liminar de improcedência do pedido em ações repetidas instituído pelo art. 285-a do CPC

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27/08/2010 às 18:23
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II. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 285-A DO CPC – ADIN 3.695/DF

2.1 VÍCIOS APONTADOS PELA OAB E REFUTADOS PELO IBDP

Todas as inovações legislativas que promoveram as reformas do Direito Processual Civil têm procurado solucionar o problema da morosidade do processo e garantir mais efetividade à tutela jurisdicional.

Naturalmente, as novidades são objeto de análise de diversos estudos científicos e de discussões forenses, surgindo correntes divergentes sobre o tema. Não foi diferente com o julgamento liminar de improcedência do pedido em ações repetidas instituído pelo art. 285-A do CPC.

A constitucionalidade dessa norma processual tem sido questionada pela Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, na ADIN 3.695/DF, cujo relator é o Min. Cézar Peluso. A ação foi ajuizada ainda em 29.03.2006, antes da entrada em vigor da Lei n° 11.277/06, o que somente ocorreu em 09.05.2006, em virtude da vacatio legis de noventa dias, segundo art. 3º daquela Lei. Ainda não houve decisão sobre o pedido de suspensão liminar da Lei n° 11.277/06 [26].

Na inicial, a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, baseada em parecer elaborado pelo jurista Paulo Medina, argumenta que o dispositivo viola:

1. a isonomia constitucional, ante a diversidade de juízes e varas, a permitir que processos debatendo o mesmo tema, mas distribuídos a diferentes magistrados, tenham curso normal ou abreviado, conforme tenha sido proferida ou não sentença relativa ao mesmo assunto no juízo;

2. a segurança jurídica, no que concerne ao procedimento judicial, já que o processo será normal ou abreviado segundo sentença antes proferida, cuja publicidade para os jurisdicionados que não foram partes naquele feito não existe;

3. o direito de ação, consistente no direito de provocar o surgimento da relação processual triangular (autor-juiz-réu), fica afastado, restringido pela possibilidade no âmbito de primeiro grau de eliminar o procedimento normal pela pronta prolação da sentença emprestada;

4. o contraditório, uma vez que retira a garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (fatos, provas, questões) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão;

5. o devido processo legal, diante do curso abreviado do feito com fundamento em sentença cuja publicidade é inexistente, que acaba por dar fim ao processo sem examinar as alegações do autor, sem as rebater [27].

O Instituto Brasileiro de Direito Processual-IBDP, atuando na qualidade de amicus curiae, manifestou-se pela constitucionalidade, em petição subscrita pelo associado Cassio Scarpinella Bueno, refutando todos os vícios acima apontados. Entende que o dispositivo questionado está de acordo com o "‘modelo constitucional do processo civil brasileiro’, bem cominando as eficácias dos diversos princípios regentes da atuação jurisdicional em busca de um processo civil mais justo, mais equânime, mais racional" [28] (itálicos no original). Ao contrário, defende estar em conformidade com o novel princípio da tempestividade da tutela jurisdicional (art. 5º, LVIII, da CF) e com os anseios por justiça célere.

Em síntese, o IBDP sustenta que não existe violação:

1. à isonomia constitucional, desde quando a diversidade de decisões nos diferentes juízos não é nenhuma novidade, além de a nova regra ser uma faculdade do juiz, cabendo aos tribunais uniformizarem gradativamente qual o posicionamento que deve prevalecer. Ao contrário, entende que está em consonância com o princípio da isonomia, na medida em que propõe uma mesma solução para os casos idênticos;

2. à segurança jurídica, pois esta consiste no conhecimento das regras a serem aplicadas em cada caso concreto, enquanto o juiz deve motivar e fundamentar sua decisão, explicando por que os casos são idênticos para autorizar a aplicação da nova regra e sua má utilização pode ser corrigida via recursal;

3. ao direito constitucional de ação, pois existe uma resposta jurisdicional à pretensão do autor, contudo, negativa, não podendo ser confundida tal garantia apenas com a de decisões favoráveis ao requerente. Sustenta ainda que o exercício do direito de ação ocorre gradativamente no processo, com a previsão de recurso e possibilidade de juízo de retratação, como acontece nos casos de indeferimento liminar da inicial;

4. ao contraditório, que é apenas postergado, mas assegurado ao autor através da possibilidade de interposição de recurso de apelação e de juízo de retratação, bem como ao réu que será citado para responder ao recurso, não sendo necessária sua intervenção anteriormente por não ter nada a acrescentar ao convencimento do julgador;

5. ao devido processo legal, pois não viola nenhum dos princípios acima, sendo aquele um princípio síntese, além de ter decorrido a nova norma processual de regular processo legislativo e em consonância com o princípio da razoável duração do processo introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, art. 5º, LVIII, da CF) [29].

Na literatura jurídica, além da manifestação do professor Cassio Scapinella Bueno [30], observa-se uma tendência pela constitucionalidade do novo dispositivo processual, a exemplo de Dorival Renato Pavan [31], Ernane Fidélis dos Santos [32], Fernando da Casta Gajardoni [33], Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Júnior, Marcelo Abelha Rodrigues [34], Humberto Theodoro Júnior [35][36].

2.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL

2.2.1 Princípios jurídicos e o direito processual civil

O Direito é uma ciência voltada para regular os fatos da vida através de um vasto sistema de normas e, por isso, dinâmica, a fim de acompanhar as mudanças sociais.

O dinamismo do Direito não se resume apenas às mudanças legislativas, mas também às mudanças de interpretação das normas existentes. Observa-se que, em alguns casos, a nova interpretação das regras jurídicas pelos tribunais reconhecendo direitos ainda não normatizados tem provocado a inovação legislativa, podendo ser citado como exemplo a união estável.

Uma das características do direito contemporâneo tem sido o reconhecimento e a crescente aplicabilidade dos princípios [37], cuja relevância sempre foi reconhecida no plano teórico. Antes os princípios eram vistos apenas como conteúdo programático, algo distante da prática forense, passando a ser incluídos nos textos legais com a finalidade principal de evitar uma lacuna normativa, na medida em poderiam ser aplicados sob o fundamento de que a solução para aquele problema decorreu da aplicação da própria lei [38].

Nessa nova concepção, os princípios obtiveram destaque na solução de casos de maior complexidade e na visualização ou percepção de unidade, harmonia e coesão no ordenamento jurídico em constante mutação [39]. Entre os princípios de todos os sistemas jurídicos, os princípios constitucionais possuem um papel de maior relevância, por ser a base para todos os ramos do direito material ou processual, repercutindo nos estudos acadêmicos e na atividade forense.

No tocante à importância dos princípios no dinamismo do Direito, Tereza Arruda Alvim Wambier destacou:

Nesta linha é o ensaio de José Miguel Garcia Median, cujo trecho a seguir merece transcrição: "Os princípios revelam não apenas aquilo que é presente estaticamente no sistema jurídico. Os princípios se manifestam também, com sua maior força, na compreensão das relações sociais concretas submetidas ao ordenamento jurídico: os princípios se exprimem, pois, num dinamismo". Consoante afirma Chaïm Perelman, "tradicionalmente, duas interpretações se opõem uma à outra: a interpretação estática e a interpretação dinâmica. A interpretação estática é a que se esforça por descobrir a vontade do legislador que votou o texto da lei. A interpretação dinâmica é a que interpreta o texto consoante o bem comum ou a eqüidade, tais como o juiz os concebe na espécie que lhe é submetida" (Ética e direito, § 51, p. 624). Noutro passo o mesmo filósofo esclarece que "foi a inadaptação de um texto legal, à situação que ele deve reger, que permitiu opor à interpretação estática da lei, que é a busca da vontade do legislador no momento da votação da lei, a interpretação dinâmica que quer adaptar o sentido da lei às mudanças ocorridas desde a sua promulgação (op. cit. § 50, p. 617). Este modo de ver os princípios vem ganhando cada vez mais importância no cenário jurídico, ante as crescentes modificações sociais e políticas pelas quais passa o mundo atual [40].

Ao lado do reconhecimento da importância dos princípios, também houve uma mudança do método de se compreender o direito como um todo. Cada vez mais, o ordenamento jurídico tem permitido uma maior participação do intérprete e aplicador do direito, diante da impossibilidade de o legislador prever a solução exata para todas as situações decorrentes das relações sociais e estatais [41]. A previsão de conceitos jurídicos indeterminados é um exemplo dessa mudança metodológica.

Percebe-se, então, que houve uma mudança do método de se compreender o direito como um todo. Tratando-se de um fenômeno geral, como não podia deixar de ser, essa alteração também ocorreu com o direito processual civil, o qual vem sofrendo constantes alterações por leis variadas, principalmente após 1994.

Ao abordar um pensamento contemporâneo para o direito processual civil, Cassio Scarpinella Bueno conclui:

O que vale destacar aqui é que a "matéria-prima" sobre a qual recai o trabalho do intérprete e do aplicador do direito alterou-se profundamente nos últimos anos. Não só a concepção do que sejam as normas jurídicas, assunto a que se referem os números anteriores, mas, mais ainda, a sua forma de expressão e realização sensível, perceptiva, alterou-se profundamente.

Assim, cada vez mais, fala-se, estuda-se e trata-se dos "princípios", das "cláusulas gerais", das "normas de conceito vago e indeterminado", de "discricionariedade" e assuntos tais que, a olhos vistos, correspondem, hoje, à maneira usual da produção normativa. Cada vez mais é difícil o intérprete e o aplicador encontrarem-se diante daquela lei que contém, nela própria, todos os elementos necessários e inquestionáveis para sua segura e inequívoca aplicação [42] (itálicos no original).

Merece breve comentário a atual fase do direito processual civil, por demonstrar um equilíbrio entre as fases anteriores. O direito processual civil, inicialmente, era confundido com o próprio direito material e passou, num segundo momento, a ser visto como um ramo próprio do direito, afastando-se demasiadamente do direito material.

O direito processual civil contemporâneo preserva a reconhecida autonomia em relação a quaisquer outros ramos do Direito, ao tempo em que demonstra uma preocupação com as finalidades exteriores que precisam ser alcançadas para garantir sua efetividade. Tudo isso decorre da consciência de que o direito processual é autônomo, ao tempo em que também é o instrumento de direito material.

Sobre a necessidade de aproximação entre direito processual e direito material, destaca-se:

O direito processual, civil, não obstante tenha identidade, função, finalidade e natureza próprias, serve, atende e volta-se para a aplicação concreta do direito material. O direito processual civil realiza o direito material e, por isto mesmo, deixa-se influenciar de forma mais ou menos intensa por ele. Nesta perspectiva, o direito processual civil desempenha a finalidade de instrumento do direito material [43] (itálicos no original).

Toda a mudança metodológica vista acima e a atual fase do direito contemporâneo impõem que todo estudo sobre processo observe atentamente os princípios constitucionais para que tenha um suporte valorativo válido [44].

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Antes de examinar os princípios constitucionais questionados no caso do julgamento antecipadíssimo da lide, necessária uma sucinta abordagem sobre o princípio da proporcionalidade, por ser instrumento de solução do conflito entre princípios.

Em seguida, serão analisados aqueles princípios constitucionais do direito processual civil apontados como violados pelo novo instituto e alguns outros relacionados ao tema. Após a abordagem de cada princípio, será retomado o exame dos requisitos vistos no capítulo anterior para verificar se atendem ou não os princípios constitucionais do direito processual civil.

2.2.1.1 Princípio da proporcionalidade

Os princípios representam as idéias fundamentais do ordenamento jurídico, conferindo-lhe racionalidade, lógica, ordenação, coesão e unidade a todo o sistema [45][46].

Entretanto, existem princípios opostos ou colidentes, não sendo válidas as regras estabelecidas na Lei de Introdução do Código Civil, no art. 2º, §§ 1º a 3º. Aqueles critérios somente são aplicáveis nos conflitos entre regras jurídicas, pois determinam a prevalência de uma norma, retirando a validade da outra no ordenamento jurídico, por ser mais recente, mais específica etc.

A literatura jurídica tem apontado o princípio da proporcionalidade como instrumento adequado para solução do conflito entre princípios. Através dele, identifica-se qual princípio colidente deve preponderar em determinado caso concreto, sem que isso afaste a validade do outro, embora tenha sua eficácia diminuída naquela situaçãoespecífica [47]. Por isso, também é chamado de "princípio dos princípios".

Ao versar sobre os princípios jurídicos, Cassio Scarpinella Bueno afirma:

Interpretam-se e aplicam-se "princípios jurídicos" de forma muito diferente do que as "regras jurídicas" são interpretadas e aplicadas. Porque as "regras", por definição, têm em mira uma limitação clara e inequívoca de casos que reclamam sua incidência, o que não ocorre com os princípios; porque as regras colidem umas com as outras e revogam umas às outras e o princípios, não; eles convivem uns com os outros mesmo quando se encontrem em estado de total colidência. Eles não se revogam, não se sucedem uns aos outros, mas, bem diferentemente, preponderam, mesmo que momentaneamente, uns sobre os outros. Eles tendem, diferentemente do que ocorre com regras colidentes, a conviverem, uns com os outros, predominando, uns sobre os outros, mesmo que temporariamente, mas sem eliminação (revogação) recíproca. Eles, os princípios, tendem a se acomodar em um mesmo caso concreto que reclama sua incidência, conforme sejam as necessidades presentes ou ausentes que justificam a sua incidência [48].

O princípio da proporcionalidade é dotado de critérios para compatibilizar o conflito entre princípios, quais sejam, necessidade da medida, adequação entre os meios e os fins e proporcionalidade em sentido estrito [49][50].

Na necessidade, a avaliação feita é sobre os meios possíveis, necessários para alcançar determinado fim. Na adequação, devem ser avaliados entre os meios possíveis quais são os mais adequados para alcançar os fins desejados.

A proporcionalidade em sentido estrito também examina os meios possíveis e adequados, prevalecendo aqueles que representem menores prejuízos aos demais direitos naquele caso concreto.

Podem ser citados como exemplos de aplicação do princípio da proporcionalidade a possibilidade de concessão de antecipação de tutela ainda que a medida seja irreversível [51], bem como a da conversão da separação judicial em divórcio, ainda que haja inadimplemento das obrigações assumidas pela parte naquele feito [52].

2.2.2 Acesso à justiça

O chamado princípio de acesso à justiça, da "inafastabilidade da jurisdição", "inafastabilidade do controle jurisdicional" ou "ubiqüidade da jurisdição" [53] está previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal: "A lei não excluirá do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Tal princípio garante que o autor que entende haver lesão ou ameaça a seu direito leve sua pretensão ao Judiciário, cabendo a este decidir a controvérsia.

O Judiciário não pode se recusar a decidir a questão. Por outro lado, a resposta judicial pode ser negativa à pretensão autoral ou sequer conhecer o mérito da questão, diante da ausência das condições da ação.

Ademais, o julgamento precisa ser feito de forma adequada, eficaz e em tempo razoável, pois o princípio em comento não se limita a "possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa" [54] (itálicos no original).

Nesse ponto, há divergência entre a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e o Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP.

A OAB entende que o direito de ação consiste no direito de provocar o surgimento da relação processual triangular (autor-juiz-réu), de forma que a aplicação do art. 285-A do CPC viola tal garantia em virtude da eliminação do procedimento normal com a imediata prolação de sentença de improcedência sem a citação do réu.

Em contrapartida, o IBDP defende que o direito constitucional de ação está preservado, pois existe uma resposta jurisdicional à pretensão do autor, embora seja negativa, não podendo ser confundida tal garantia apenas com a de decisões favoráveis ao requerente. Sustenta ainda que o exercício do direito de ação ocorre gradativamente no processo, com a previsão de recurso e possibilidade de juízo de retratação, como acontece nos casos de indeferimento liminar da inicial.

Assim, precisa-se avaliar se o direito de ação decorrente do princípio do acesso à justiça somente está satisfeito se houver a triangulação processual com a citação do réu.

A concepção do princípio do acesso à justiça é de que a parte possa provocar o Poder Judiciário para solucionar uma questão controvertida pela resistência do réu. Uma vez que continua garantido ao autor ajuizar a ação que deseja, por entender que houve violação ou ameaça a seu direito, havendo uma resposta do Poder Judiciário de acordo com regra processual positivada, tudo leva a crer que não foi atingido o princípio de acesso à justiça ou da inafastabilidade da jurisdição.

O controle jurisdicional efetivamente existiu ainda que para negar a pretensão formulada em juízo. Portanto, não decorre desse princípio o direito à citação do réu para posterior solução da controvérsia posta em juízo.

Como visto acima [55], a possibilidade de indeferimento da inicial antes da citação do réu já era prevista no art. 295, do CPC. Aquela regra processual, cuja constitucionalidade não foi questionada, é um exemplo de que não há necessidade da triangulação processual desejada pela OAB.

Ressalta-se que, naquele art. 295, existem hipóteses de indeferimento não só por vícios processuais, como as condições de ação, mas também questões de mérito, como a prescrição e decadência, de acordo com o art. 269, IV, do mesmo Código. A última situação, inclusive, teve seu alcance ampliado com o novo Código Civil de 2002, admitindo o reconhecimento da prescrição em matéria de direitos patrimoniais em favor de absolutamente incapaz e com a mudança do art. 219, § 5º, do CPC.

O dispositivo questionado apenas criou mais uma circunstância em que pode ser feito o julgamento liminar, ou seja, sem a citação do réu, desde que preenchidos os demais requisitos ali previstos, de modo a preservar o acesso à justiça garantido constitucionalmente.

2.2.3 Contraditório e ampla defesa

Os princípios do contraditório e ampla defesa estão previstos no mesmo dispositivo constitucional, art. 5º, LV, da Constituição Federal: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

O princípio do contraditório também é conhecido como princípio da bilateralidade da audiência ou da ação [56]. Impõe que seja dado conhecimento ao réu sobre a existência do processo e às partes acerca de todos os atos do processo, permitindo-se ainda que as partes reajam contra os atos que lhe sejam desfavoráveis [57].

Percebe-se que, a exemplo do que ocorre com o direito de ação, existe a necessidade de estar caracterizado o efetivo interesse da parte em reagir ao ato por representar uma desvantagem para ela, em virtude do princípio da efetividade processual.

O primeiro elemento desse princípio de que haja a informação ou comunicação às partes de tudo que ocorre no processo é obrigatório. Ele permite eventual reação ou resistência a quem se sinta prejudicado, propiciando uma igualdade de influência pelas partes no convencimento do julgador. Entretanto, o contraditório não impede os provimentos liminares previstos no processo civil nem mesmo o julgamento antecipado da lide ou o indeferimento de provas desnecessárias para a solução do feito.

Na discussão estabelecida na ADIN 3.695/DF, a OAB alega a violação ao princípio do contraditório, uma vez que retira a garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio. Sustenta que o art. 285-A, do CPC afasta a possibilidade de, em plena igualdade, as partes influírem em todos os elementos (fatos, provas, questões) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

Em contrapartida, o IBDP argumenta que o contraditório foi apenas postergado, mas continua assegurado ao autor através da possibilidade de interposição de recurso de apelação e de juízo de retratação, bem como ao réu que será citado para responder ao recurso, não sendo necessária sua intervenção anteriormente por não ter nada a acrescentar ao convencimento do julgador.

A solução para a controvérsia está na restrição imposta ao novo instituto processual, uma vez que somente poderá haver o julgamento liminar de improcedência do pedido. A decisão não é capaz de causar desvantagem ao réu. Ao contrário, cria a vantagem de sair vitorioso no processo sem que tenha a necessidade de antecipar as despesas dos honorários advocatícios, já que a improcedência do pedido implicaria a condenação do autor no pagamento deles.

Não havendo prejuízo para o réu com sentença liminar de improcedência, não se verifica seu interesse em atuar no feito, associado à economia dos honorários e à celeridade no julgamento da ação.

O mesmo raciocínio se aplica ao argumento de que o contraditório representa a garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em plena igualdade, para influírem em todos os elementos (fatos, provas, questões) potencialmente relevantes para a decisão.

Diante da ausência de risco de decisão desfavorável para o réu em virtude do convencimento prévio do julgador pela improcedência do pedido formulado, o que se afasta é o interesse de agir do réu em tentar influir naquele julgamento, motivo pelo qual não viola o contraditório e a igualdade constitucionalmente garantida.

Por outro lado, o mesmo mecanismo recursal previsto em todas as outras hipóteses de improcedência do pedido está assegurado ao autor que se encontra em situação desfavorável com a recusa de seu pedido, isto é, o recurso de apelação. Na fase recursal, o contraditório em relação ao réu está garantido com sua citação para responder ao recurso. Assegura-se o conhecimento da ação, do julgamento pela improcedência do pedido e do recurso já interposto, ao tempo em que permite que apresente os fundamentos para reforçar aquela conclusão.

Diferentemente do primeiro grau, a apelação traz a possibilidade de o órgão julgador não confirmar a sentença, gerando uma situação desfavorável ao réu. Ainda que o acórdão decida pela inaplicabilidade do art. 285-A naquele caso concreto, o princípio do duplo grau de jurisdição implica a possibilidade de a decisão judicial ser revista por órgão judicante superior.

Caracterizado está o interesse do réu em agir a favor da manutenção da sentença para evitar que enfrentar todas as etapas do processo comum com a demanda de tempo e despesas a elas inerentes.

Trata-se aqui de uma situação de aparente conflito entre princípios. Além da economia em honorários, na realização de alguns atos processuais e de ser conferida maior celeridade ao feito, o contraditório seria inútil para as hipóteses previstas no art. 285-A do CPC, por não haver risco de desvantagem para o réu. Ademais, o novo instituto prevê o sistema recursal para garantir a efetivação do contraditório no momento adequado, tanto com a interposição da apelação pelo autor, quanto pela possibilidade de atuação do réu.

O princípio da ampla defesa, a seu turno, consiste na plena liberdade que o cidadão possui de, na defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas [58]. Representa a forma livre que a parte possui de alegar quaisquer fatos e requerer todas as provas em direito admitidas na reação decorrente do princípio do contraditório.

Cabe ressaltar que o novo instituto processual objetiva solucionar as questões unicamente de direito repetidas no juízo em que já houve reiterado pronunciamento pela improcedência. De qualquer forma, os requisitos estabelecidos para o julgamento liminar de improcedência das ações repetidas, bem como o sistema recursal previsto no art. 285-A preservam a ampla defesa, facultando à parte a liberdade de alegação dos fatos e utilização dos meios de prova que entender necessários, até mesmo para demonstrar a propriedade da aplicação daquela medida liminar.

2.2.4 Isonomia

O princípio da isonomia tem como base a previsão do art. 5º, inc. I e reiterado no art. 37, ambos da Constituição Federal. A concepção de isonomia no direito processual civil está bem caracterizada no art. 125, I, do CPC, competindo ao juiz assegurar tratamento igualitário entre as partes. Representa a idéia de igualdade de oportunidades de manifestação e de produção de provas durante o processo.

Na ADIN 3.695/DF, a abordagem não foi feita com relação ao tratamento das partes de um mesmo processo, mas sim de processos distintos. Sustenta a OAB a violação à isonomia desde quando os processos terão curso normal ou abreviado a depender do juiz ou da vara, conforme tenha sido proferida ou não sentença relativa ao mesmo assunto no juízo.

O IBDP entende preservada a isonomia, pois a diversidade de decisões nos diferentes juízos não é novidade do art. 285-A do CPC, tratando-se aquele dispositivo de uma faculdade do juiz, cabendo aos tribunais uniformizarem gradativamente qual o posicionamento que deve prevalecer.

Deve-se observar que o questionamento feito pela OAB refere-se a diferentes ritmos de julgamento da demanda, não mencionando a diversidade do julgamento do mérito. Nesse raciocínio, o princípio da isonomia dependeria de um padrão mais demorado no andamento do processo para obtenção do mesmo resultado de improcedência, desde quando aquele juízo já se pronunciou repetidas vezes nesse sentido acerca daquela controvérsia.

No entanto, não parece ser o entendimento mais apropriado para o princípio da isonomia, pois ele não está diretamente ligado à velocidade do julgamento. Como ressaltado pelo IBDP, não é novidade no ordenamento jurídico, a exemplo da faculdade de o relator monocraticamente negar seguimento ou dar provimento ao recurso nas hipóteses do art. 557 do CPC.

Também assiste razão ao IBDP quando acrescenta que o novo instituto está em consonância com o princípio da isonomia, ao propiciar uma mesma solução e mais célere para os casos idênticos e reiteradamente decididos. Se há necessidade de se buscar um padrão de celeridade nos julgamentos para garantir a isonomia entre os usuários do Poder Judiciário em questões reiteradamente julgadas improcedentes, que seja o mais breve em benefício da economia para as partes e para o Estado-juiz. Dessa forma, poderá se dedicar aos casos de maior complexidade e ainda sem precedentes.

2.2.5 Publicidade

O art. 83, inc. IX, da Constituição Federal impõe a publicidade de todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, que também devem ser fundamentados, sob pena de nulidade. O Código de Processo Civil reproduziu o mesmo princípio no art. 155.

Alega a OAB a inexistência de publicidade da sentença paradigma que fundamenta o julgamento liminar de improcedência. Contudo, o julgamento antecipadíssimo da lide também respeita o princípio da publicidade, desde quando caberá ao juiz proferir sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada, da qual serão cientificadas as partes, sem prejuízo do acesso pelos demais interessados, salvo hipóteses de segredo de justiça.

O modelo constitucional do processo civil não exige a publicidade prévia da sentença que solucionará a questão, sob pena de caracterizar o impedimento do magistrado. O eventual conhecimento prévio de uma das partes da linha de raciocínio do magistrado que atua naquela unidade não representa o princípio da publicidade.

2.2.6 Motivação

Aquele mesmo art. 83, inc. IX, da Constituição Federal exige que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário sejam motivados, sob pena de nulidade. O CPC também reproduziu o mesmo princípio nos arts. 131 e 458. Através da motivação, é possível conhecer o raciocínio jurídico desenvolvido para o livre convencimento do magistrado, demonstrando a valoração realizada sobre a prova dos fatos alegados pelas partes, bem como o direito que deve ser aplicado para a solução do litígio.

Segundo Calamandrei:

A fundamentação da sentença é sem dúvida uma grande garantia de Justiça quando consegue reproduzir exatamente, como num levantamento topográfico, o itinerário lógico que o Juiz percorreu para chegar à conclusão, pois se esta é errada, pode facilmente encontra-se, através dos fundamentos em que altura do caminho o Magistrado se desorientou [59].

Como visto no item anterior, no julgamento antecipadíssimo da lide, compete ao juiz proferir sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. A sentença deverá identificar, primeiramente, que se trata de repetição de matéria de direito já julgada improcedente naquele juízo, para que haja correlação entre os argumentos da inicial e os motivos apresentados na sentença paradigma que serão repetidos.

A situação excepcional do julgamento liminar de improcedência exige um cuidado na análise da identidade das questões, devendo ficar demonstrada na sentença, por força do princípio da motivação. O equívoco nessa etapa repercutirá na nulidade do julgamento antecipadíssimo da lide, por falta ou inadequação da motivação indispensável à prestação jurisdicional. Por outro lado, a correta aplicação do novo instituto processual também atende o princípio da motivação.

2.2.7 Devido processo legal

O princípio do devido processo legal está expresso no art. 5º, LIV, da Constituição Federal: "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

A síntese desse princípio é de que a atuação do Estado-juiz somente ocorra segundo as regras previstas no ordenamento jurídico, constitucionais e infraconstitucionais, que devem assegurar aos envolvidos, através dos meios necessários, as possibilidades de atuação no feito para defender suas alegações [60].

Trata-se de um princípio que engloba muitos outros capazes de pautar o método de atuação do Estado-juiz, ditando critérios mínimos a serem observados, a exemplo do contraditório, da ampla defesa, juiz natural, motivação, publicidade etc. Por isso, deixou-se propositadamente para ser analisado posteriormente, o que também ocorreu na abordagem pela OAB e pelo IBDP na ADIN 3.695/DF.

A OAB alega a violação ao devido processo legal, diante do curso abreviado do feito com fundamento em sentença cuja publicidade é inexistente, que acaba por dar fim ao processo sem examinar as alegações do autor, sem as rebater [61].

Já o IBDP se contrapõe à inconstitucionalidade, pois entende que não viola nenhum dos outros princípios, além de ter decorrido a nova norma processual de regular processo legislativo e em consonância com o princípio da razoável duração do processo introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, art. 5º, LVIII, da CF) [62].

O julgamento liminar de improcedência das ações repetidas efetivamente possui suas regras estabelecidas no novo art. 285-A do CPC. Ao mesmo tempo, apesar de o procedimento ter sido abreviado, suas regras obedecem aos demais princípios do contraditório, da ampla defesa, publicidade, motivação, como visto acima.

2.2.8 Segurança jurídica

Questiona-se a violação à segurança jurídica, no tocante ao procedimento judicial, na medida em que o processo será normal ou abreviado segundo sentença antes proferida, cuja publicidade para os jurisdicionados que não foram partes naquele feito não existe.

O problema quanto à publicidade foi enfrentado anteriormente [63], restando apenas comentar que a segurança jurídica não decorre exclusivamente da garantia do devido processo legal, mas também da previsibilidade do resultado, ao menos, em questões mais corriqueiras e já decididas.

Na análise da relevância dos princípios no ordenamento jurídico, Tereza Arruda Alvim defende "que, nesse contexto, um dos valores que não pode ser desprezado é a SEGURANÇA, tomada esta expressão no sentido de PREVISIBILIDADE" [64] (grifos no original). Ao concluir seu estudo, aquela autora afirma:

A luta pela manutenção desses valores (segurança/previsibilidade) se ancora fundamentalmente no prestígio do tripé lei/jurisprudência/doutrina (e princípios aqui incorporados) como elementos de que devem brotar os padrões das decisões judiciais.

(...)

O fenômeno da previsibilidade, identificável com a expectativa de que os conflitos sejam resolvidos à luz de certos padrões, tem sido vivido como uma(sic) valor em si mesmo, já que a regularidade objetiva, como fenômeno oposto à arbitrariedade, em si mesma é capaz de gerar um certo grau de satisfação social [65] (itálicos no original).

Portanto, o art. 285-A do CPC preserva a segurança jurídica, tanto por permitir o prévio conhecimento dos requisitos essenciais para sua aplicação que devem ser demonstrados na sentença, quanto por possibilitar uma previsibilidade do resultado em situações reiteradas.

2.2.9 Duplo grau de jurisdição

O presente estudo não comporta discutir se o princípio do duplo grau de jurisdição representa uma garantia constitucional. No entanto, importa destacar que a Constituição Federal prevê a possibilidade de recursos das decisões judiciais e alguns autores defendem que esse princípio possui uma relação de dependência ou continência com o devido processo legal [66]. Assim, há de se reconhecer o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição, ainda que não caracterize uma garantia.

Na realidade, a previsão de todo o mecanismo recursal objetiva a revisão das decisões, a fim de se estabelecer uma uniformidade de entendimento, ao menos, nas questões rotineiramente analisadas pelo Poder Judiciário.

A recorribilidade do julgamento liminar de improcedência das ações repetidas está claramente previsto nos parágrafos do art. 285-A do CPC e foi analisado em itens anteriores [67]. Por último, representa mais um instrumento na busca de uma solução uniformizada para as questões repetidas, conferindo-lhe maior celeridade.

2.2.10 Celeridade e duração razoável do processo

O princípio da celeridade estabelece que o processo deve ter o andamento mais rápido possível, observando certamente as demais garantias constitucionais do direito processual civil.

A Emenda Constitucional nº 45/2004, através do art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, assegurou a razoável duração do processo e os meios adequados que garantam a celeridade de sua tramitação.

O art. 285-A do CPC está em perfeita sintonia com ambos os princípios, por conferir a máxima celeridade possível para as causas que versam sobre questões de direito já julgadas improcedentes em determinado juízo [68]. Tudo isso, antes mesmo da citação, sem que haja violação aos outros princípios processuais como destacado acima, evitando os atos desnecessários, a fim de assegurar a razoável duração do processo.

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Sobre o autor
Ulysses Maynard Salgado

Juiz de Direito do Estado da Bahia. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Sergipe em convênio com a Universidade Federal de Santa Catarina e pela UNAMA/EMAB . Especialista em Direito Eleitoral pela Faculdade Maurício de Nassau. Cursa Pós-Graduação lato sensu em Direito Processual pela UNIDERP/EMAB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALGADO, Ulysses Maynard. A constitucionalidade do julgamento liminar de improcedência do pedido em ações repetidas instituído pelo art. 285-a do CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2613, 27 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17283. Acesso em: 29 mar. 2024.

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