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Da contribuição do empregador rural pessoal física.

Análise do recém julgado RE 363.852

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11/11/2010 às 10:25
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Aborda-se o histórico e a constitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, conhecida como contribuição ao FUNRURAL.

Resumo: O presente artigo analisa criticamente os fundamentos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 363.852/MG, abordando o histórico e a constitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, comumente conhecida como contribuição ao FUNRURAL.

Palavras-chave:

Contribuição Empregador Rural Pessoa Física – FUNRURAL – RE 363.852/MG.

1.Introdução - decisão do STF no RE 363.852/MG

Recentemente, na decisão do RE 363.852/MG, noticiada em fevereiro de 2010 no informativo de jurisprudência nº 573, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária incidente sobre a produção do produtor rural pessoa física (ordinariamente referida como "novo FUNRURAL"). O acórdão foi publicado com a seguinte ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRESSUPOSTO ESPECÍFICO - VIOLÊNCIA À CONSTITUIÇÃO - ANÁLISE - CONCLUSÃO. Porque o Supremo, na análise da violência à Constituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusão a que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina - José Carlos Barbosa Moreira -, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturas conhecimento e não conhecimento. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS - PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS - SUB-ROGAÇÃO - LEI Nº 8.212/91 - ARTIGO 195, INCISO I, DA CARTA FEDERAL - PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 - UNICIDADE DE INCIDÊNCIA - EXCEÇÕES - COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PRECEDENTE - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo - considerações.
(RE 363852, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-04 PP-00701 RET v. 13, n. 74, 2010, p. 41-69)

A análise do julgado aponta três fundamentos como determinantes às conclusões do STF, quais sejam: a) necessidade de lei complementar para instituição da contribuição, à luz do art. 195, §4º, da Constituição; b) configuração de bis in idem, porquanto haveria duas contribuições incidentes sobre a base de econômica prevista na alínea "b" do inciso I do art. 195 da CRFB (receita ou faturamento); e c) violação ao princípio da isonomia, quando comparada a situação do produtor rural pessoa física empregador e a do segurado especial (produtor rural sem empregados – art. 195, §8º, CRFB/88).

Declarada a inconstitucionalidade da norma, a União provocou o plenário do STF visando a que fosse realizada a modulação dos efeitos da decisão, tendo em vista os vultosos recursos da seguridade social envolvidos, quando considerada a repercussão do caso concreto na coletividade.

É dizer, mesmo que ainda prevaleça em nosso ordenamento o entendimento que atribui eficácia inter partes à decisão proferida pelo Supremo em sede de Recurso Extraordinário, é inegável o efeito multiplicador decorrente dessa decisão, com o ajuizamento de inúmeras demandas idênticas por todo país.

Denegado o pleito de modulação, declarou-se a inconstitucionalidade da norma com efeitos ex tunc, acarretando, como já se previa, o ajuizamento de milhares de ações em todo o território nacional, as quais objetivam, justamente, o afastamento da contribuição incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física e a restituição dos valores indevidamente recolhidos, respeitado o prazo prescricional.

Em virtude da enorme relevância da questão – fruto da inundação do Judiciário com um sem-número de demandas – e da atualidade do tema, tratar-se-á de aspectos básicos acerca da vulgarmente conhecida contribuição ao FUNRURAL, buscando-se, ainda, analisar criticamente os fundamentos adotados pelo Supremo Tribunal Federal.


2.Da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física

Antes de se adentrar na análise da decisão do STF no RE 363.852, importante esclarecer brevemente as origens da contribuição do empregador rural pessoa física. Ao contrário do que comumente se repete, tal contribuição não se destina ao FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural –, o qual, desde a edição das Leis 8.212 e 8.213, ambas de 1991, não mais subsiste.

Dessa forma, a conhecida contribuição ao FUNRURAL, na verdade, hoje constitui apenas uma das diversas contribuições previdenciárias destinadas ao custeio do Regime Geral de Previdência Social.

Até o advento da Constituição de 1988, havia uma separação entre o regime de previdência dos empregados rurais e urbanos. Enquanto a previdência urbana era custeada pelas contribuições habituais (empregados, empregadores, autônomos, etc.), a previdência rural era mantida pela contribuição ao FUNRURAL, a qual, nos termos da Lei Complementar nº 11/71, já incidia sobre o valor comercial dos produtos rurais. Além dela, o custeio da previdência rural era garantido pelo recolhimento de contribuição incidente sobre folha de salários, a cargo da empresa.

A citada LC 11/71 instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural - PRORURAL, cuja execução foi incumbida ao FUNRURAL, com o intuito de fornecer ao trabalhador rural amparo previdenciário e social.

Com a entrada em vigor do novo texto constitucional, houve a recepção da Lei Complementar nº 11/71, nos termos do art. 34 do ADCT, o que garantiu a permanência da contribuição ao FUNRURAL (ou PRORURAL). Posteriormente, com a edição da Lei 8.213/91, suprimiu-se, em seu art. 138, a contribuição ao FUNRURAL, que assim dispõe:

Art. 138. Ficam extintos os regimes de Previdência Social instituídos pela Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, e pela Lei nº 6.260, de 6 de novembro de 1975, sendo mantidos, com valor não inferior ao do salário mínimo, os benefícios concedidos até a vigência desta Lei. (grifou-se)

Como se nota, com a efetiva regulamentação do Regime Geral de Previdência Social pelas Leis 8.212 e 8.213, a contribuição ao FUNRURAL, programa de previdência e assistência rural, foi extinta, dando cumprimento ao inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que previu a uniformidade do regime de previdência do empregador rural e urbano.

Na redação original da Lei 8.212/91, apenas em relação ao produtor rural em regime de economia familiar foi instituída contribuição semelhante à destinada ao FUNRURAL, ou seja, incidente sobre os valores obtidos com a comercialização da produção rural.

Importante notar que, até a entrada em vigor da CRFB/88, o ordenamento pátrio tratava indistintamente todos os produtores rurais. Apenas a partir da edição da Lei 8.212/91 é que se passou a diferenciar três categorias, quais sejam, o produtor rural pessoa física com empregados, aquele que trabalha em regime de economia familiar e o produtor rural pessoa jurídica.

No ano seguinte, em 1992, foi editada a Lei 8.540, alterando-se o artigo 25 da Lei 8.212/91. O dispositivo modificou a contribuição devida pelo empregador rural pessoa física, substituindo as contribuições incidentes sobre a folha de pagamento por aquela incidente sobre a comercialização da produção rural.

Justamente essa Lei – 8.540/92 – foi objeto da decisão proferida no RE 363.852, tendo decidido o Supremo Tribunal Federal pela sua inconstitucionalidade. Ocorre que o Tribunal, tendo em vista que o mandado de segurança objeto do Recurso Extraordinário se referia a contribuições cobradas até o final da década de 90, não se pronunciou sobre a atual redação do art. 25 da Lei 8.212/91 a qual, hodiernamente, dá suporte para a cobrança da contribuição.

Portanto, atualmente, a contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física é recolhida com base na redação do art. 25 da Lei 8.212 conferida pela Lei 10.256/01 – cuja constitucionalidade não foi apreciada pelo STF. Tal contribuição, em que pese à semelhança com aquela destinada ao FUNRURAL, com ela não se confunde, sendo destinada ao custeio do Regime Geral de Previdência Social, em observância ao princípio da "equidade na forma de participação no custeio" (Art. 194, V, CRFB/88).


3.Limites da decisão do STF e críticas ao posicionamento adotado

Conforme já se adiantou, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 363.852 declarou a inconstitucionalidade do art. 1ª da Lei 8.540/92, que modificara a redação do art. 25 da Lei 8.212/91, afastando, no caso concreto, a contribuição previdenciária incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física.

Quanto aos efeitos de tal decisão, mister que se façam algumas considerações.

A despeito do crescente movimento de objetivação dos efeitos de decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade pelo STF, o qual, naquele Tribunal, é capitaneado pelo Ministro Gilmar Mendes, permanece o entendimento majoritário de que a decisão prolatada em sede de Recurso Extraordinário apenas tem eficácia inter partes.

Não obstante, é inegável que mesmo não decorrendo efeito jurídico direto sobre os demais casos semelhantes, a decisão proferida pelo Supremo gera um importantíssimo precedente, o qual, naturalmente, tende a ser observado pelas demais cortes do país.

Assim, ainda que todos aqueles detentores de situação jurídica similar àquela decidida em sede de controle difuso de constitucionalidade tenham que ajuizar suas próprias demandas para terem seus direitos observados, nos termos da decisão do STF, impossível negar que, havendo precedente da Corte Suprema favorável, dificilmente seu pedido será julgado improcedente.

Destarte, mesmo que não se admita ainda um efeito vinculante e eficácia erga omnes das decisões proferidas pelo STF em sede de controle difuso, é notória a força pragmática dos precedentes da Corte Suprema brasileira.

Em face dessa constatação, tem-se que apenas a apresentação de fundamentação relevante, apta a ensejar a revisão do entendimento proferido pelo STF ou a demonstrar a sua inaplicabilidade aos casos concretos semelhantes, mostrar-se-ia como mecanismo adequado para que as demandas futuras tivessem sorte diferente daquela decida pelo Supremo, quando submetidas à apreciação do Poder Judiciário.

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Todavia, como bem se sabe, a modificação de posicionamentos adotados pelo plenário do STF não é expediente comum, sendo, normalmente, fruto da mudança da composição da Corte. Ainda assim, caso se demonstre uma das hipóteses acima, entende-se cabível nova análise da questão constitucional pelo plenário do STF.

Fixadas essas premissas, realizar-se-á em seguida a análise das razões de decidir adotadas pelo STF no julgamento do RE 363.852, apontando-se fundamentos pelos quais se entende que uma nova apreciação da constitucionalidade da contribuição incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural, à luz da Lei 10.256/01 – responsável pela redação atual do art. 25 da Lei 8.212/91 –, poderá gerar uma decisão em sentido diverso daquela do RE supracitado.

O primeiro e principal argumento adotado pelo eminente relator, Ministro Marco Aurélio, para a pronúncia da nulidade do texto legal em razão da sua inconstitucionalidade, foi de que seria necessário lei complementar para a instituição da contribuição incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física.

Tal exigência decorreria do art. 195, §4º, da CRFB, uma vez que se entendeu que a base econômica sobre a qual incide a contribuição não estaria prevista na Constituição na data de sua instituição pela Lei Ordinária 8.540/92 (redação original do texto constitucional). Sendo assim, por se tratar de exercício da competência tributária residual da União, imprescindível a utilização de lei complementar para instituição da contribuição previdenciária.

Especificamente, aduziu-se que o texto constitucional, até a edição da Emenda Constitucional nº 20 de 1998, não previa a receita como base tributável, existindo tão somente a alusão ao faturamento, lucro e folha de salários no inciso I do art. 195.

Portanto, como a Lei 8.540/92, alterando o disposto no art. 25 da Lei 8.212/91 (Lei do Custeio), fixou a base de cálculo da contribuição como sendo a "receita bruta proveniente da comercialização" da produção rural, teria havido afronta ao texto constitucional, "até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição" [01].

O fundamento jurídico adotado pelo Relator demonstra que apenas foi abordado no julgamento a constitucionalidade da redação do art. 25 da Lei 8.212/91 conferida pela Lei 8.540/92. Como no caso concreto se tratava de impetração ocorrida no final da década de noventa, não houve a apreciação da constitucionalidade da redação atual do art. 25 da Lei de Custeio, conferida pela Lei 10.256/01.

Levando-se isso em consideração, entende-se que a inconstitucionalidade apontada pelo Relator não mais subsiste, pois, conforme consignado pelo próprio Ministro Aurélio, a superveniência de lei ordinária, posterior à EC 20 de 1998, seria suficiente para afastar a pecha de inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física (ao menos quanto à necessidade de Lei Complementar para sua instituição). Com a edição da Lei 10.256, no ano de 2001, sanou-se o referido vício.

Nesse sentido, confira-se decisão do Egrégio Tribunal Regional da 4ª Região, proferida posteriormente ao julgamento do RE 363.852:

"TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. PRESCRIÇÃO. LC 118/05. REPETIÇÃO DO INDÉBITO.

1- O STF, ao julgar o RE nº 363.852, declarou inconstitucional as alterações trazidas pelo art. 1º da Lei nº 8.540/92, eis que instituíram nova fonte de custeio por meio de lei ordinária, sem observância da obrigatoriedade de lei complementar para tanto.

2- Com o advento da EC nº 20/98, o art. 195, I, da CF/88 passou a ter nova redação, com o acréscimo do vocábulo "receita".

3- Em face do novo permissivo constitucional, o art. 25 da Lei 8.212/91, na redação dada pela Lei 10.256/01, ao prever a contribuição do empregador rural pessoa física como incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, não se encontra eivado de inconstitucionalidade."

(Apelação nº 0002422-12.2009.404.7104, Rel. Des. Fed. Mª de Fátima Labarrère, 01ª Turma do TRF-4, julgada em 11/05/10) (grifou-se)

O segundo argumento adotado no voto condutor afasta a constitucionalidade da contribuição por considerar configurada no caso, bis in idem, ou seja, dupla instituição de uma mesma espécie tributária, por um mesmo ente federativo, sobre uma mesma hipótese de incidência (já no caso da bitributação, entes políticos diversos são responsáveis pela dupla tributação).

Afirmou o Ministro Marco Aurélio que a instituição da contribuição teria feito com que o empregador rural pessoa física fosse submetido ao recolhimento de duas contribuições, ambas instituídas por lei ordinária, com base na mesma alínea "b" do inciso I do art. 195 da Constituição da República: a contribuição incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural e a COFINS.

A propósito, asseverou o ilustre Ministro que apenas a "Constituição Federal é que, considerado o mesmo fenômeno jurídico, pode abrir exceção à unicidade de incidência de contribuição" [02], a exemplo do ocorrido com o PIS, previsto no art. 239 da CRFB/88, e com as contribuições destinadas a terceiros (sistemas "S" – SESI, SESC, etc.), previstas no art. 240.

Quanto a esse argumento utilizado, data venia, o posicionamento da Suprema Corte parece decorrer de equívoco. É que, ao contrário do que afirmou o Relator em seu voto, o empregador rural pessoa física não se sujeita ao recolhimento da COFINS, não havendo que se falar na existência de duas contribuições incidentes sobre uma mesma hipótese de incidência.

A equiparação do produtor rural a empresa, trazida no artigo 15, parágrafo único, da Lei n. 8.212/91, é restrita ao âmbito de aplicação da própria Lei de Custeio, não expandindo sua ficção jurídica aos demais tributos.

Destarte, o produtor rural pessoa física, apesar de equiparado a empresa pela legislação de custeio da previdência, não é contribuinte de outra contribuição à seguridade social incidente sobre faturamento ou receita, pois, nos termos do artigo 1º da LC 70/91, somente se submete à COFINS a pessoa jurídica ou as a ela equiparadas pela legislação do Imposto de Renda.

Também sobre o ponto o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se debruçou, tendo afastado a alegação da dupla tributação pelos motivos acima expostos, veja-se:

EMENTA:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. EXIGIBILIDADE. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. COFINS. DUPLA TRIBUAÇÃO. INEXISTÊNCIA. 1. A Constituição de 1988 e a legislação posterior mantiveram a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural, prevendo tratamento distinto entre o produtor rural que trabalha em regime de economia familiar, o produtor rural pessoa física empregador e o produtor rural pessoa jurídica. 2. Para o produtor rural pessoa física empregador e o consórcio simplificado de produtores rurais, a contribuição sobre a comercialização da produção rural é indevida apenas de 25 de julho de 1991 (extinção do PRORURAL) até 22 de março de 1993 (prazo nonagesimal da Lei n.º 8.540/92, que recriou a contribuição). 3. O fato gerador da contribuição debatida é a comercialização da produção rural e ocorre com a venda ou a consignação da produção rural; a base de cálculo é a receita bruta proveniente da comercialização de tal produção, elementos da hipótese de incidência previstos nas Leis n.º 8.212/91 e n.º 8.540/92. 4. O art. 25 da Lei 8.212/91, na redação da Lei 8.540/92, prevê a contribuição do empregador rural pessoa física como incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. Tal base ajusta-se ao conceito de faturamento definido para a COFINS no RE 346084, pois o resultado da comercialização da produção rural é, evidentemente, a venda das mercadorias, a atividade desenvolvida pelo produtor rural. A discussão que se travou quanto ao conceito de faturamento diz respeito à inclusão de "outras receitas", como receitas financeiras, royalties, aluguéis, entre outros. Note-se que, a título de "receita bruta proveniente da comercialização da produção rural" jamais se cogitou de tributar referidas "outras receitas" do produtor rural pessoa física empregador, mas somente a venda das mercadorias agropecuárias. 5. Ausência de dupla tributação sobre o mesmo fato, pois o produtor rural pessoa física empregador, porque não atende aos requisitos do art. 1.º da LC 70/91 (ser equiparado a pessoa jurídica pela legislação do Imposto de Renda), não é contribuinte da COFINS. 6. Limitada a pretensão ressarcitória aos fatos geradores ocorridos desde julho de 1993 e sendo a contribuição devida desde março de 1993, nada há a ser repetido. (TRF4, AC 2003.71.00.039228-0, Segunda Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 18/06/2008) (grifou-se)

Por fim, decidiu o STF pela violação ao princípio constitucional da isonomia, que, segundo o Ministro Marco Aurélio, decorreria do bis in idem acima mencionado.

Segundo o raciocínio, enquanto o produtor rural sem empregados apenas recolheria contribuição incidente sobre a comercialização da produção, aquele que tem empregados recolheria sobre a folha de salários e sobre o faturamento/receita – COFINS. Portanto, não se poderia exigir que estes contribuíssem sobre o resultado da comercialização da produção.

Por oportuno, cumpre ressaltar que o produtor rural sem empregados mencionado é o conhecido "segurado especial" – produtor rural em regime familiar –, o qual teve tratamento constitucional no §8º do art. 195 da Constituição.

O fundamento de violação da isonomia também não mais prospera, uma vez que a redação atual do art. 25 da Lei 8.212/91, conferida pela lei 10.256/01, afasta expressamente a obrigação de recolhimento da contribuição sobre folha de pagamentos do empregador rural pessoa física, in verbis:

Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256, de 2001). (grifou-se)

Portanto, o que se tem é a mera substituição da contribuição incidente sobre a folha de salários por aquela incidente sobre a comercialização da produção rural, obrigação tributária idêntica àquela exigida do segurado especial (195,8º, CRFB).

A única diferença de tributação entre o produtor pessoa física com regime de produção familiar e aquele com empregados decorre da necessidade de este último também recolher como contribuinte individual para a seguridade social. Todavia, não há neste fato qualquer violação ao princípio da isonomia, pois enquanto a contribuição sobre a comercialização é instituída em substituição à incidente sobre folha de salários, para custeio da previdência dos empregados, a contribuição como contribuinte individual destina-se ao custeio da própria previdência do empregador rural pessoa física.

Como se nota, não há a tripla incidência tributária (COFINS, comercialização da produção e folha de salários) sugerida pelo Ministro Marco Aurélio como caracterizadora de violação da isonomia tributária, razão pela qual não se vislumbra ofensa ao referido princípio pela instituição de contribuição idêntica àquela estabelecida em face do segurado especial.

A propósito, cumpre trazer as considerações do Desembargador Federal Cotrim Guimarães, proferida no AI nº 0008022-76.2010.4.03.0000/MS:

"(...) Os vícios de inconstitucionalidade declarados pela Suprema Corte foram corrigidos com a edição da Lei nº 10.256/01, que deu nova redação ao caput do artigo 25, de forma que a contribuição do empregador rural pessoa física substituiu a contribuição tratada nos incisos I e II da Lei nº 8.212, cuja base de cálculo era a folha de salários, passando a incidir apenas sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, disciplina compatível com as alterações constitucionais levadas a efeito pela Emenda Constitucional nº 20/98.

Portanto, após a edição da Emenda Constitucional nº 20/98 e da Lei nº 10.256/01, não se pode mais falar em violação à isonomia ou de necessidade de lei complementar, posto que o empregador rural não contribui mais sobre a folha de salários, contribuição esta substituída pelo valor da receita proveniente da comercialização da sua produção, fonte de custeio trazida pela emenda constitucional anteriormente citada, o que afasta a aplicação do disposto no §4º do artigo 195."

(AI nº 0008022-76.2010.4.03.0000/MS, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, julgamento realizado em 16/04/10) (grifou-se)

Sobre as relevantes razões que levaram a União à instituição da contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural, em lugar da contribuição das empresas e equiparadas sobre a folha de salários, bem como acerca da alegação da violação da isonomia, cumpre trazer à colação trechos do voto proferido pelo Ministro Eros Grau, no julgamento do mesmo RE 363.852:

"(...)Os maiores focos de sonegação de contribuição previdenciária ocorriam, naquela época, no meio rural. Decorriam da dificuldade de fiscalização e controle das atividades exercidas pelos trabalhadores, bem assim da impossibilidade de acesso dos rurícolas ao sistema e da falta de recursos financeiros daqueles cuja produção era afetada por intempéries.

A Lei n. 8.212/91 corrigiu essa distorção, instituindo contribuição diferenciada para o produtor rural pessoa física e para o segurado especial, de mo do que passassem efetivamente a contribuir para o sistema, reduzindo-se a sonegação.

(...) Os recorrentes alegam violação ao princípio da igualdade, uma vez que o preceito do art. 25 da Lei n. 8.212/91 institui tratamento diferenciado entre o e pregador rural e urbano.

A lei, no entanto, como observei, volta-se à correção de uma distorção, estimulando os empregadores rurais ao recolhimento da contribuição social. A alíquota de 20%, elevada, induzia a sonegação fiscal." [03] (grifou-se)

As lições valiosas do preclaro Ministro revelam que, além de não haver qualquer violação ao princípio da isonomia, relevantes razões de ordem pragmática justificam a substituição da contribuição sobre a folha de salários pela incidente sobre a comercialização da produção rural.

Além de se mostrar como forte mecanismo de combate ao emprego informal no campo – vez que a não incidência de contribuição sobre a folha de pagamentos estimula a contratação formal dos rurícolas –, a contribuição sobre a comercialização protege o produtor rural do pagamento da contribuição previdenciária naqueles períodos em que a produção rural fica aquém do esperado.

Ora, enquanto a contribuição sobre a folha deve ser recolhida independentemente da produção obtida no campo, a incidente sobre a comercialização apenas será recolhida se e quando houver o ingresso de receitas nos cofres do empregador rural pessoa física.

Assim, diante de tais considerações, entende-se que a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural se mostra mais adequada às vicissitudes do cotidiano rural do que aquela incidente sobre a folha de pagamentos.

Demonstrada a possibilidade de superação dos fundamentos expostos no julgamento do RE 363.852, conclui-se, com a devida vênia, que deveria ser afastada a alegação de inconstitucionalidade da contribuição prevista no art. 25 da Lei 8.212/91, ao menos a partir da edição da Lei 10.256/01, que conferiu ao dispositivo sua atual redação.

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Sobre o autor
João Paulo Giordano Fontes

Procurador da Fazenda Nacional.Especialista em Direito Processual pela UNISUL - Universidade do Sul de Santa Catarina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTES, João Paulo Giordano. Da contribuição do empregador rural pessoal física.: Análise do recém julgado RE 363.852. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2689, 11 nov. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17801. Acesso em: 29 mar. 2024.

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