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A teoria do diálogo das fontes

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16/01/2011 às 11:14
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O juiz tem importante papel na interpretação e aplicação do Direito, podendo formular a decisão jurídica mais adequada ao caso, a partir do núcleo essencial do bem jurídico disputado.

Resumo: Este artigo visa tecer considerações sobre a Teoria do Diálogo das Fontes. Inicia com uma análise do que se entende por Fontes do Direito, apontando possíveis conflitos entre estas, especialmente entre leis (antinomias). Na sequência, após apresentar os métodos clássicos para solução de antinomias, ingressa propriamente no tema, esclarecendo sua origem, suas justificativas e fundamentos, bem como a forma de operacionalizá-la. Assim o fazendo, destaca o papel do juiz na interpretação e aplicação do Direito, bem como a possibilidade de formular a decisão jurídica mais adequada ao caso em análise, a partir do núcleo essencial do bem jurídico disputado, o qual deve ser extraído com base nas premissas Constitucionais.

Palavras-chave: Diálogo das Fontes – Antinomias – Texto e Norma – Interpretação e Aplicação do Direito.

Abstract: This article aims to comment about the Theory of the Dialogue of Sources. It begins with an analysis of what is meant by sources of law, pointing to possible conflicts among them, especially among laws (antinomies). In the following, after to present the classical methods for solution of antinomies, begins to consider the matter itself, informed its origin, its justifications and foundations, as well as how to operationalize it. This way, highlights the role of the judge in the interpretation and application of law, and the possibility of judicial decision more adequate to this case, from the essential core of the legal point in conflict obtained on the basis of Constitutional assumptions.

Keywords: Dialogue of Sources – Antinomies – Text and Norma – Interpretation and Application of Law.


1 – INTRODUÇÃO

O artigo visa abordar a chamada Teoria do Diálogo das Fontes. Não raras vezes o operador do Direito se vê diante de uma série de comandos normativos, muitos deles contraditórios e conflitantes entre si, cuja solução nem sempre encontra resposta adequada pelos critérios tradicionais de superação de antinomias. Outras vezes, mesmo quando os métodos clássicos fornecem uma resposta jurídica tecnicamente correta, esta pode conduzir a resultados incoerentes e em confronto com as diretrizes do sistema, em especial com os fundamentos Constitucionais, o que não deixa de representar um retrocesso.

É neste cenário de inumeráveis Fontes do Direito, sobretudo leis, contendo em seu interior regras e princípios, com suas características, finalidades e efeitos próprios e, por vezes, contraditórios que emerge a Teoria do Diálogo das Fontes, a orientar o intérprete e aplicador do Direito em busca da decisão "correta" [01] ou, ao menos, da "constitucionalmente adequada". [02]

O artigo inicia com um breve resgate do que se entende por Fontes do Direito, bem como dos possíveis conflitos entre estas e mesmo da insuficiência dos critérios postos à disposição dos operadores para superá-los. Na sequência, passa-se ao exame do tema propriamente dito, esclarecendo sua origem, justificativa, propósitos, além de fornecer critérios para operacionalizá-la.

Objetiva-se com este fornecer ao intérprete e ao aplicador do Direito mais um instrumento Hermenêutico, que tutele e concretize seus ideais, sobretudo aqueles previstos na Constituição, transpondo desta para a realidade da vida.

Para desenvolvimento da matéria foi empregado o método hipotético-dedutivo, com pesquisa bibliográfica, nacional e estrangeira, como também jurisprudencial.


2 – FONTES DO DIREITO E ANTINOMIAS

A palavra fonte advém do latim fons, que significa nascente, manancial. [03] Assim, ao se empregar a expressão Fontes do Direito visa-se indicar de onde o Direito surge, nasce, emerge; enfim, quais são as bases que o alicerçam e que lhe conferem contornos de sistema, isto é, dotado de coerência e harmonia, coesão e estrutura [04], e, dessa forma, apto a disciplinar o convívio social humano, absorvendo insegurança [05], propiciando a paz [06], o bem comum, a Justiça [07].

De modo geral, a lei e a jurisprudência figuram como fontes formais Estatais do Direito, enquanto doutrina, costumes e negócios jurídicos como fontes formais não Estatais. Contudo, esta classificação não é unânime. Há quem sustente, por exemplo, que a doutrina, por não ter conteúdo vinculante, não seria propriamente uma Fonte do Direito, mas sim um veículo de orientação para sua correta interpretação e aplicação. [08]

Polêmicas à parte, é certo que, não raras vezes, as Fontes do Direito entram em rota de colisão entre si. Ocorrem antinomias; costumes contra legem; julgados em sentido diametralmente oposto entre si; negócios jurídicos em desconformidade com normas de ordem pública etc.

Como se sabe, existem métodos e critérios jurídicos próprios para sanar essas contradições, as quais, frise-se, devem ser apenas aparentes e transitórias, de modo a manter íntegra a ideia de sistema. No caso de conflitos de leis (antinomias), objeto deste estudo, basicamente, são utilizados 3 (três) critérios: a)- temporal; b)- hierárquico; e, c)- especial. Pelo critério temporal, a lei posterior revoga a anterior, devendo aquela prevalecer sobre esta. Pelo critério hierárquico, a lei superior prevalece sobre a inferior, caso da Constituição perante as demais disposições normativas. Por fim, pelo critério especial, a lei de conteúdo específico prevalece sobre a lei de conteúdo genérico (lex specialis derrogat lex generalis). [09]

Sucede que esses critérios, embora dotados de rigor, podem não propiciar soluções jurídicas que se revelem adequadas, sobretudo se cotejada com as premissas Constitucionais. Podem, inclusive, levar a resultados que criem um sentimento de que algo está errado; de que não se traduziu aquilo que o senso comum ou mesmo o senso crítico, vigentes em determinado tempo e local, reputam como corretos, apropriados, razoáveis, viáveis ou justos. É neste cenário, de vazio de sentido, apesar de várias leis incidindo na espécie, que irá emergir a Teoria do Diálogo das Fontes, a qual vem acenando como novo método de solução de supostas contradições, restabelecendo a coerência e unidade do sistema, eventualmente abaladas.

A Teoria do Diálogo das Fontes, desse modo, rompe com paradigmas clássicos ao apresentar novo modelo de como lidar com as Fontes formais do Direito, notadamente as normas jurídicas (regras e princípios), mediante, como o próprio nome sugere, um diálogo entre estas, sob a intermediação racional, atenta, sensível e perspicaz do intérprete e aplicador do Direito. É o que se buscará explicar no tópico seguinte.


3 – O QUE SE ENTENDE POR DIÁLOGO DAS FONTES

Foi a Profª Cláudia Lima Marques que, tomando por base seus estudos na Alemanha, importou para o Brasil a Teoria do Diálogo das Fontes, tal como idealizada pelo jurista germano Erik Jayme. [10] Mas em que consiste, afinal, esse diálogo entre as fontes do Direito? Qual é sua marca diferenciada, se é que existe, em relação aos critérios tradicionais para superação de antinomias?

Para melhor compreensão do assunto, nada mais conveniente do que recorrer a um enfoque prático. Nesse palmar, observa-se que a Teoria do Diálogo das Fontes tem sido bastante aplicada em situações que se sujeitam, concomitantemente, a disposições contidas tanto no Código Civil, quanto no Código de Defesa do Consumidor. No entanto, a solução não advém dos métodos clássicos, como especialidade, temporalidade ou hierárquico, mas a partir de uma perscrutação, uma investigação, uma análise da situação fática correspondente em cotejo com as normas incidentes. É desse conflito que o operador do Direito irá buscar identificar a finalidade e a essência do bem jurídico, objeto da lide, para formular, num processo simbiótico, a solução que o caso reclama, de acordo com os parâmetros jurídicos que regem a matéria, em sintonia com as diretrizes Constitucionais.

Esta norma individual, aqui entendida como a solução jurídica do conflito, apesar de reconhecer que a relação jurídica em análise é de consumo, poderá, após um juízo de coordenação, encadeamento e complementariedade entre as várias fontes normativas incidentes, tomar de empréstimo uma norma prevista no Código Civil e desta extrair a solução jurídica para a relação de consumo, o que contraria os métodos clássicos de solução de conflitos.

Sobre o tema, apropriadas são as palavras da própria Cláudia Lima Marques:

Na pluralidade de leis ou fontes, existentes ou coexistentes no mesmo ordenamento jurídico, ao mesmo tempo, que possuem campos de aplicação ora coincidentes ora não coincidentes, os critérios tradicionais da solução dos conflitos de leis no tempo (Direito Intertemporal) encontram seus limites. Isto ocorre porque pressupõe a retirada de uma das leis (a anterior, a geral e a de hierarquia inferior) do sistema, daí propor Erik Jayme o caminho do "diálogo das fontes", para a superação das eventuais antinomias aparentes existentes entre o CDC e o CC/2002. [11]

Mais adiante, complementa:

há mais convivência de leis com campos de aplicação diferentes, do que exclusão e clareza. Seus campos de aplicação, por vezes, são convergentes e, em geral diferentes, mas convivem e coexistem em um mesmo sistema jurídico que deve ser ressistematizado. O desafio é este, aplicar as fontes em diálogo de forma justa, em um sistema de direito privado plural, fluído, mutável e complexo. [12]

Para que este diálogo ocorra e resulte em bons frutos é indispensável aquilatar o núcleo essencial que caracteriza e qualifica o bem jurídico, objeto da controvérsia, e, ato contínuo, mediante uma análise sistemática, finalística, contextual (e não apenas textual), seja verificado qual norma jurídica melhor atende ao conteúdo, que concretiza e materializa a finalidade do desse bem jurídico.

Apropriado neste momento transcrever as palavras de Marco Fábio Morsello, para quem:

sob a ótica constitucional, a defesa do consumidor foi considerada direito fundamental (art. 5°, XXXII), de modo que a existência de norma em antinomia com aquelas que tenham implementado a mencionada defesa naturalmente não poderá prevalecer, levando-se em conta a força normativa que promana da Constituição Federal, ensejando, pois, preponderância, inclusive sob o critério hierárquico. [13]

A partir do raciocínio exposto, pode-se dizer que, em uma relação jurídica em que existam normas consumeiristas e normas civilistas incidindo, a princípio, com igual força, a solução, a teor do que dispõe os arts. 5º, inc. XXXII, e 170, inc. V, ambos da Constituição Federal, deve ser aquela que melhor represente as aspirações Constitucionais, significa dizer: a prevalência da norma mais favorável ao consumidor, mesmo que esta norma esteja prevista, formal e circunstancialmente, no Código Civil ou em outros diplomas legais. Aqui, pois, a essência do Diálogo das Fontes, a tutela eficaz e efetiva do bem jurídico em simetria com os postulados Constitucionais, mesmo que isso, aos menos desavisados, possa contrariar, por exemplo, o princípio da especialidade. Não contraria; implementa-o, embora não nos moldes clássicos.

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Foi com este escopo, isto é, a concretização de Direitos Fundamentais, eventualmente abalada em determinadas circunstâncias, que se recorreu ao Diálogo das Fontes. E foi com base nessa perspectiva que a jurisprudência, corretamente, firmou entendimento de que, nas ações de cobrança em que se pleiteiam diferenças de correção monetária e juros, não repassadas às cadernetas de poupança por ocasião de planos econômicos (Bresser e Verão), o prazo prescricional deveria ser de 20 (vinte) anos, como previsto no Código Civil de 1916, e não de 5 (cinco) anos, como consta do art. 27, do Código do Consumidor, apesar de não negar a relação de consumo. [14]

Há julgados, ainda, que não conferem efeito vinculante ao disposto no artigo 763, do Código Civil, que, em tese, permitiria a negativa da indenização pela seguradora se o segurado estivesse em mora por ocasião do sinistro. Para tanto, recorre-se ao Diálogo das Fontes para se concluir que mora, em casos tais, não é ex re, mas ex persona, condicionando, destarte, a extinção do contrato à notificação prévia do segurado, solução esta que mais se afigura adequada consoante os ditames Constitucionais, já mencionados. [15], [16]

Cumpre registrar que o Diálogo das Fontes, no caso de relações de consumo, encontra previsão expressa para sua aplicação, conforme se infere do art. 7º, do CDC, que, para imediata visualização, resta transcrito:

Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

Note-se que o enunciado normativo apresenta tom imperativo e reafirma a ideia de sistema no ordenamento jurídico, em que as Fontes do Direito, notadamente as leis não devem ser apreendidas e interpretadas literal e/ou isoladamente, mas, ao revés, devem refletir e materializar os fins sociais a que elas se dirigem (LICC, art. 5º).

Deixa evidente, outrossim, a importância e a responsabilidade dos operadores do Direito, em especial do juiz, que deve, racional e sensivelmente, fazer essa ponte, essa intermediação, esse diálogo entre fontes normativas para formular a norma jurídica individual, que melhor irá compor a lide, o que reafirma à diferença existente entre texto e norma, como alertada pela doutrina, a seguir analisada.


4 – TEXTO E NORMA

Poder-se-ia argumentar que a Teoria do Diálogo das Fontes confere ao magistrado o poder de criar o Direito, ao combinar leis para decidir a lide submetida à sua análise, o que não seria aceitável. Todavia, a rigor, este tema já está superado em sede doutrinária, com a distinção entre texto e norma.

Com efeito, a lei, em seu conteúdo abstrato e hipotético, representa tão-somente o texto, o enunciado, o conjunto de signos linguísticos que veiculam a(s) conduta(s) prescritiva(s) – proibido (V), permitido (P) ou obrigatório (O) – a serem observadas em sociedade. Esse enunciado pode ser assim representado: D[F → (S´ R S’’)], vale dizer, ocorrido o fato F emerge a relação jurídica R intersubjetiva entre S’ e S’’. Há, pois, mero juízo hipotético condicional em que o consequente (proposição tese) somente se manifestará se e desde que ocorrer o antecedente (proposição hipótese), o que confirma o mero conteúdo de texto, e não de norma. [17]

A norma somente ocorrerá após a situação fática que carece de uma regulação. Será, então, específica e concreta; construída pelo intérprete/aplicador do Direito a partir da análise do caso que lhe é submetido à análise e julgamento, num cotejo entre texto legal e contexto fático-social. Resumindo, a norma é o texto vivo e não meramente latente. E esse texto vivo é formatado pelo operador do Direito, de maneira sistemática, e não isolada; com base finalística-telelógica, e não somente na literalidade dos dispositivos.

Sobre o tema, oportunas são as palavras de Eros Grau:

O texto normativo – diz Müller [1993:169] – não contém imediatamente a norma. A norma é construída, pelo intérprete, no decorrer do processo de concretização do direito (o preceito jurídico é uma matéria que precisa ser "trabalhada"). [18]

E mais:

a concretização envolve também a análise do âmbito do norma, entendido como tal o aspecto da realidade a que respeita o texto. Dizendo-o de outro modo: a norma é produzida, no curso do processo de concretização, não a partir dos elementos do texto, mas também dos dados da realidade à qual ela – a norma – deve ser aplicada. [19]

Miguel Reale, apesar de não empregar os vocábulos texto e norma, segue a mesma trilha. Observe-se:

O ato de julgar não obedece a meras exigências lógico-formais, implicando sempre apreciações valorativas (axiológicas) dos fatos, e, não raro, um processo de interpretação da lei, aplicável ao caso, graças a um trabalho que é antes de "dedução amplificadora". Muitas vezes, para julgar uma ação, o juiz é levado por força geral e unitária do ordenamento jurídico, a combinar preceitos, chegando a consequências normativas que não se continham, à primeira vista, nas proposições por ele criadoramente aproximadas. [20]

Em outra passagem, mas na mesma obra, Reale torna a afirmar:

Donde podemos concluir que o ato de subordinação ou subsunção do fato à norma não é um ato reflexo e passivo, mas antes um ato de participação criadora do juiz, com a sua sensibilidade e tato, sua intuição e prudência, operando a norma como substrato condicionador de suas indagações teóricas e técnicas. [21]

Kelsen, de igual modo, traz importante contribuição a respeito, na medida em que reconhece a conduta ativa e constitutiva do Direito ao juiz. Observe-se:

Do ponto de vista de uma consideração centrada sobre a dinâmica do Direito, o estabelecimento da norma individual pelo tribunal representa um estádio [sic.] intermediário do processo que começa com a elaboração da Constituição e segue, através da legislação e do costume, até a decisão judicial e esta até a execução da sanção. Este processo, no qual o Direito se recria em cada momento, parte do geral (ou abstrato) para o individual (ou concreto). É um processo de individualização ou concretização sempre crescente. [22]

[...]

Uma decisão judicial não tem, como por vezes se supõe, um simples caráter declaratório. O juiz não tem simplesmente de descobrir e declarar um direito já de antemão firme e acabada, cuja produção já foi concluída [....] esta determinação não tem um caráter simplesmente declarativo, mas um caráter constitutivo. [23]

Tais apontamentos reforçam e confirmam a proposta e os objetivos do Diálogo das Fontes. Demonstram que o juiz não é, de há muito, la bouche de la loi, como preconizado por Montesquieu; ao contrário, razão parece assistir a Carlos Maximiliano, quando compara o juiz e o legislador com o dramaturgo e o ator, verbis:

Existe entre o legislador e o juiz a mesma relação que entre o dramaturgo e o ator. Deve este atender às palavras da peça e inspirar-se no seu conteúdo; porém, se é verdadeiro artista, não se limita a uma reprodução pálida e servil: dá vida ao papel, encarna de modo particular a personagem, imprime um traço pessoal à representação, empresta às cenas um certo colorido, variações de matiz quase imperceptíveis; e de tudo faz ressaltarem aos olhos dos espectadores maravilhados belezas inesperadas, imprevistas. Assim o magistrado: não procede como insensível e frio aplicador mecânico de dispositivos; porém como órgão de aperfeiçoamento destes, intermediário entre a letra morta dos Códigos e a vida real, apto a plasmar, com a matéria-prima da lei, uma obra de elegância moral e útil à sociedade. Não o consideram autômato; e, sim, árbitro da adaptação dos textos às espécies ocorrentes, mediador esclarecido entre o direito individual e o social. [24]

Nem se argumente que a Teoria do Diálogo das Fontes mais se aproxima de uma retórica simplista ou de sofismas ao estilo do Realismo Jurídico Estadunidense, que, segundo Jerome Frank, um de seus expoentes, as decisões judiciais seriam influenciadas até pela dieta do juiz, ou seja, pelo seu estado de ânimo ou outras circunstâncias e contingências presentes no momento de decidir. [25]

Este, aliás, o receio de Oscar Ivan Prux, como se extrai de suas palavras: "Não convém deixar apenas para a esfera da concepção individual de cada julgador, a aplicação de eventuais casuísmos neste ou naquele sentido." [26]

Com efeito, não há dúvida de que a Teoria do Diálogo das Fontes amplia a margem para o julgador exercer seu mister. Mas esta margem, além de não ser recente no Direito – o próprio Kelsen já admitia essa possibilidade [27] –, não é arbitrária ou aleatória. O raciocínio jurídico levado a efeito para se chegar à decisão correspondente deverá ser externado de maneira expressa e racional às partes, a teor do que dispõe o art. 93, inc. IX, da CF/88. Por outras palavras: toda decisão judicial deve ser fundamentada. Logo, mesmo que concisamente, deve apontar os motivos fáticos e jurídicos; o texto e o contexto, que justificaram a conclusão engendrada.

Como já consignado, esse diálogo e a solução que dele advier deve se enquadrar, para usar a expressão de Kelsen, na moldura legal previamente estabelecida [28]; isto quer dizer: a decisão daí resultante deve estar de acordo com os parâmetros Constitucionais. Nesse sentido, as palavras de Cláudio Bueno de Godoy:

A interpretação deve sujeitar-se ao influxo da força unificadora da Constituição. Ou seja, se é comum, hoje, a multiplicidade de fontes normativas, inclusive legais e infraconstitucionais, evidentemente que entre elas há de se estabelecer um vínculo sistemático, de sorte a evitar que cada uma se coloque como um átomo isolado e incoerente com as demais normas do ordenamento. Esse papel de elo entre as diversas legislações, sobretudo quando tratam do mesmo assunto, quem o desempenha é a Constituição Federal, que, sempre que envolvida uma relação de consumo, antes de qualquer coisa determina, como se viu, a tutela do consumidor, porquanto ocupante de posição intrinsecamente vulnerável na relação. [29]

Visto sob esse ângulo, tem-se que não procedem as críticas no sentido de que a Teoria do Diálogo das Fontes confere ao juiz subjetividade em demasia e, com isso, insegurança jurídica. Primeiro porque, não há objetividade absoluta. [30] Sempre – e felizmente – haverá subjetividade em todas as atividades humanas. É isso, a propósito, que inviabilizam os avanços nos estudos da chamada Inteligência Artificial (IA), os quais tentam reproduzir o pensamento humano, porquanto entre o "0" e o "1", próprios dos códigos binários e da linguagem computacional, que, na lógica booleana, representam o sim e o não, o falso e o verdadeiro, tudo ou o nada, o ligado e o desligado, pode haver, ainda, metaforicamente, o "0000000,777775555412001", conforme, mutatis mutandis, preconizam a lógica paraconsistente e a Teoria da quase verdade ou da verdade parcial, ambas do brasileiro Newton Carneiro Affonso da Costa, somente apreensíveis pela mente humana, por vezes até intuitivamente. [31], [32]

Segundo porque, a bem da verdade não há um juiz em cada caso, mas, em regra, vários juízes. Sim, porque todas as decisões judiciais, além de submetidas ao crivo do contraditório e ao devido processo legal, dialéticos por excelência, ainda comportam reexames pelas vias recursais. Neste cariz, o Judiciário, valendo-se das palavras de Maria Francisca Carneiro, é "unitas-multiplex (conseguindo assim ser o paradoxo do um e do múltiplo ao mesmo tempo)". [33]

Nessa ordem de ideias, percebe-se que a Teoria do Diálogo das Fontes emerge como mais um instrumento para uma boa aplicação do Direito. Não o único e muito menos infalível, até porque fruto da atividade humana (errare humano est), mas, seguramente, de utilidade inquestionável, ao permitir e viabilizar um olhar mais afiado para a realidade dos casos concretos como mais um instrumento de Justiça, objetivo, por excelência, da atividade judiciária [34].

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Sobre o autor
José Ricardo Alvarez Vianna

Juiz de Direito no Paraná. Doutor pela Universidade Clássica de Lisboa. Mestre pela UEL. Professor da Escola da Magistratura do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIANNA, José Ricardo Alvarez. A teoria do diálogo das fontes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2755, 16 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18279. Acesso em: 28 mar. 2024.

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