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A inconstitucionalidade da cláusula de barreira em concursos públicos

07/07/2011 às 10:21
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Objeto de Estudo

O presente trabalho tem por finalidade analisar a ilegalidade da imposição da chamada Cláusula de Barreira pelo edital como requisito indispensável ao avanço de fase em certames públicos.

Como base legal e teórica utilizar-se-á a Constituição Federal e os princípios jurídicos aplicáveis à Administração Pública Direta e Indireta


1.Noções Introdutórias

A Cláusula de Barreira, também conhecida Cláusula de Eficiência, consiste em um mecanismo previsto no edital que, considerando o número de vagas disponíveis para provimento, impõe limitação quanto ao número de candidatos para o avanço nas etapas do concurso público.

Em outras palavras, a Cláusula de Barreira impede que determinado candidato que conseguiu obter nota suficiente para aprovação em determinada fase do concurso público possa prosseguir no certame, em virtude da imposição pelo edital de um corte no número de provas a serem corrigidas, ou aplicadas posteriormente.

Referido mecanismo visa conferir, ao entender da Administração, celeridade e economicidade ao certame, poupando tempo e esforço dos servidores responsáveis pelo processo de seleção, sob o argumento de que os candidatos situados na Cláusula de Barreira dificilmente obteriam nota suficiente para sua aprovação e posterior nomeação.

Em que pesem os argumentos expendidos, entendemos que existe imperativa necessidade de ponderação entre os princípios de celeridade e economicidade aludidos e os demais atinentes à Administração Pública, o que não raras vezes determinará a prevalência destes como meio indispensável ao respeito e observância do interesse público primário.

Apenas a título exemplificativo, que invocamos antes de adentrarmos no mérito da questão, é sabido que os candidatos são contratados para o serviço público com ares de definitividade, o que se comprova especialmente pela aquisição da estabilidade.

Se levarmos em consideração que a manifestação de vontade do Poder Público é atribuída a estes mesmos servidores (Teoria do Órgão de Otto Gierke), o que mais vale para a Administração então? Contar com funcionários efetivos altamente qualificados que serão os responsáveis diretos pela concretização eficiente de sua vontade, ou correr o risco de, mediante a limitação da competição no processo seletivo, contratar funcionários menos qualificados somente para economizar recursos públicos?

Neste caso nos parece que os princípios da celeridade e economicidade invocados pela Administração devem obrigatoriamente ceder aos demais princípios aplicáveis à espécie, em especial o da eficiência administrativa...

Adentremos, então, nas polêmicas que envolvem o tema.


2.A inconstitucionalidade na imposição em concursos públicos da Cláusula de Barreira em face dos princípios da Administração Pública

De início, é importante destacar que a Administração Pública detém inegavelmente poder discricionário para organizar e disciplinar os procedimentos para seleção de futuros servidores e empregados públicos.

Neste sentido, nenhuma ilegalidade, ou mesmo inconstitucionalidade há na fixação do número de vagas disponíveis para provimento, ou mesmo no estabelecimento de nota mínima para aprovação do candidato em determinada fase do certame.

Ora, ninguém melhor do que a própria Administração Pública para aferir o número de funcionários de que carece e o conhecimento mínimo necessário para que possam exercer com eficiência as funções que lhe forem atribuídas.

O problema se verifica quando a utilização deste poder discricionário configura, em um juízo de ponderação, supressão indevida às normas e princípios constitucionais que na espécie seriam indispensáveis para a observância do interesse público primário.

Como anteriormente dito, a Cláusula de Barreira limita o prosseguimento de candidatos aprovados em determinada etapa do concurso público, ou seja, daqueles que teoricamente demonstraram possuir o conhecimento necessário para o exercício da função.

Tal medida tem por fundamento a economicidade e celeridade do procedimento, mas invariavelmente mitiga o princípio da competitividade que é inerente ao processo de seleção dos novos servidores.

Resta, portanto, saber se essa mitigação da competitividade se mostra razoável diante da ponderação com os demais princípios administrativo-constitucionais.

É cediço que os concursos públicos normalmente apresentam provas discursivas em suas fases finais, que são exatamente as que proporcionam aos avaliadores aferir a real capacidade cognitiva dos concorrentes.

A imposição de Cláusula de Barreira no transcorrer do certame acaba por inviabilizar que a própria Administração Pública, ao final do procedimento administrativo, descubra o candidato mais qualificado para exercer o cargo à disposição.

Note-se que os concursos públicos são por essência meritórios, justamente para permitir a aferição do candidato mais qualificado para exercer o múnus público, o que só é passível de verificação ao seu final, e não no transcorrer de sua realização.

Logo, o resultado prático da Cláusula de Barreira pode ser a contratação de funcionários menos qualificados que serão os responsáveis diretos, com ares de definitividade, pela concretização da manifestação de vontade da Administração Pública, o que importará na prestação ineficiente dos serviços públicos.

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Consentir com esta possibilidade é colocar em risco o interesse público primário em favor do interesse público secundário meramente patrimonial da Administração, o que atenta manifestamente contra a moralidade administrativa sendo, destarte, evidentemente inconstitucional.

Pontue-se que o interesse público primário é justamente o que se refere à finalidade essencial do Estado e sua razão de ser, ao passo que o secundário representa interesse do Estado que não está vinculado à sua finalidade precípua e, portanto, está em condição de igualdade com os direitos individuais e não pode se sobrepor ao primário, pois é instrumental deste.

Dessa forma, não se mostra razoável em um juízo de ponderação que os princípios da celeridade e economicidade tenham na hipótese prevalência sobre os princípios da competitividade, eficiência e moralidade administrativas, pois são estes que realmente albergam e resguardam o interesse público primário.

Não suficiente, a Cláusula de Eficiência, ao impossibilitar o prosseguimento do candidato teoricamente qualificado para a fase seguinte do certame público, ainda cria distinção com os demais candidatos que se submeterão às avaliações posteriores, bem como um óbice injustificado ao acesso ao serviço público.

Trata-se de verdadeira violação aos princípios constitucionais da isonomia, e do livre acesso, previstos no art. 5º, caput, e art. 37, I, da Constituição Federal, que assim dispõem:

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade [...]

Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei; assim como aos estrangeiros, na forma da lei.

Cabe frisar que a doutrina e a jurisprudência pátrias ainda são incipientes no tratamento do tema, especialmente porque este se encontra inserido no âmbito do poder discricionário da Administração Pública, o que para inúmeros magistrados conservadores ainda representa matéria insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário.

No entanto, há precedente do Tribunal de Justiça de Alagoas que considerou inconstitucional Cláusula de Barreira por violação justamente ao art. 5º, caput e art. 37, I, da Constituição Federal.

No momento a matéria está pendente de julgamento pelo STF, cujo relator Ministro Gilmar Mendes já reconheceu a sua repercussão geral nos autos do Recurso Extraordinário nº 635739.


Conclusão

Pelo exposto, não há dúvida de que as Cláusulas de Barreira eventualmente impostas pelos editais têm por finalidade resguardar os princípios da celeridade e economicidade mediante a mitigação da competição nos concursos públicos.

No entanto, sua aplicação indiscriminada pode ensejar a contratação de funcionários não tão bem qualificados, importando na prestação imoral e ineficiente de serviços públicos.

Dessa forma, entendemos que realizado juízo de ponderação com os princípios constitucionais da competitividade, eficiência, moralidade, isonomia e livre acesso ao serviço público, a Cláusula de Barreira deve ceder e ser declarada inconstitucional, para que o interesse público primário fundamentado na prestação eficiente de serviços públicos pela Administração possa prevalecer sobre um interesse secundário meramente patrimonial.

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Sobre o autor
Daniel Menegassi Reichel

Advogado. Sócio do Escritório Reichel, Rijo & Sinclair Advogados, no Rio de Janeiro (RJ).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REICHEL, Daniel Menegassi. A inconstitucionalidade da cláusula de barreira em concursos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2927, 7 jul. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19494. Acesso em: 29 mar. 2024.

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