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Inflexão imperativa pelo texto constitucional brasileiro

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5A TESE DO PRINCÍPIO DA INFLEXÃO IMPERATIVA PELO TEXTO CONSTITUCIONAL COMO MEDIDA EXCEPCIONAL DE SUA AUTOPLASTIA

A partir da delineação da Constituição Federal na forma de três círculos concêntricos, mencionados alhures, percebe-se, enumerando-se de dentro para fora, que o primeiro concentra o núcleo fundamental; o segundo detém a competência da União e o terceiro a dos Estados. Não obstante, trilham, outrossim, de forma simétrica e harmônica, nos dois últimos círculos, os três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, que devem zelar pelos objetivos constitucionais. Todavia, o núcleo detém o encargo de manter a higidez de todo o sistema, seja mediante a proteção condicionada ou incondicionada, ou de forma extremada, em caso de guerra, mediante o cerceamento do bem que lhe é mais caro – a vida, observando a estrutura definida pela autoplastia constitucional.

De fato, em breve análise, soaria incoerente a proteção disposta no artigo 5º, caput, com o inciso XLVII e artigo 84, inciso XIX, todos da Carta Magna. No entanto, trata-se de contradição aparente, haja vista que o Poder Constituinte Originário, por mais que tenha sido influenciado pela doutrina estrangeira e, também, pelos fatores reais de poder que dominavam o aspecto político e econômico de 1988, agregou, ainda que inconscientemente, ao tecido constitucional, além de mecanismos de proteção material e formal, o princípio da inflexão imperativa pelo texto constitucional.

Tal princípio está umbilicalmente atrelado ao conceito de soberania estatal na medida em que se comporta como última barreira a ser ultrapassada antes do esfacelamento do Estado, no sentido de Nação, e consequente desintegração do Núcleo Constitucional. Eis a razão de se dispor que não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, inciso XIX, que permite, dentro das medidas autoplásticas, a utilização dos mecanismos insertos nos artigos 136 e 137, da CF/88.

A inflexão imperativa pelo texto constitucional permite que, em tempo de guerra, se possa matar alguém, sem incidir em inconstitucionalidade ou ilegalidade, decorrente do preceito do artigo 121 do Código Penal. Impõe o Texto Constitucional, ante a medida excepcional, portanto de alta gravidade, a interpretação que aponte para a proteção da estrutura da Nação, que esteja ameaçada por outro Estado, visto que a derrocada daquela levaria consigo não só o sentido de soberania, característica de um povo livre, mas também, os direitos e garantias fundamentais, que sustentam a democracia.

Numa graduação menor, porém não menos importante, o artigo 5º, inciso, XLIV determina que a ação de grupos armados (comando vermelho e primeiro comando da capital), grupos civis (multidão que intenta invadir o palácio da alvorada para depor o presidente) ou militares (insurgência de tropas militares) será inafiançável e imprescritível, caso atentem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

A curvatura, nos casos expressamente elencados, denota, de forma imperativa, ao menos em tese, a possibilidade, por força Constitucional, de tornar imprescritíveis e inafiançáveis os delitos contra a pessoa, contra o patrimônio, fé pública dentre outros, transgredidos pelo crime organizado e líderes de facções e grupos de extermínio, que, em caso não hipotético, atentam contra o Estado e Poderes que lhe representam, conforme situação narrada: "O Rio de Janeiro viveu um dia de terror nesta quinta-feira (28). Em ações coordenadas, criminosos atacaram ônibus, delegacias e postos da Polícia Militar na cidade. Foram 16 ataques, em menos de 24 horas.Doze ônibus foram incendiados. Ao todo, 18 pessoas morreram - nove civis, dois policiais e sete suspeitos. Trinta e duas ficaram feridas. A cidade acordou com tiros na madrugada. Gravações da polícia mostram os primeiros sinais da onda de violência: "28ª DP sendo atacada! E a 6ª DP já foi atacada, hein! Todas as delegacias do Rio, queiram ficar atentas, com armamento na mão". Em vários pontos da cidade, da Região Metropolitana e da Baixada Fluminense, o terror estava presente."[22]


6CONCLUSÃO AOS ARGUMENTOS EXPOSTOS

A Constituição Federal determina a graduação de sua autodefesa, determinando a aplicação de instrumentos para sua proteção, sem incorrer no esvaziamento do mínimo existencial (latu sensu, a essência da prória regra de direito – Institutgarantien), tornando, mediante este viés, incoerente a decisão encontrada no habeas corpus nº 97.256/RS.

Não obstante, tal mecanismo não se encerra no controle difuso ou abstrato de constitucionalidade, tampouco nas intervenções ou nas declarações do Estado de Defesa ou de Sítio, vai além, sem contudo incorrer em direito penal do inimigo, possibilitando não só o indeferimento da substituição da pena imposta por restritiva de direito, mas, também a inafiançabilidade e imprescritibilidade aos crimes que atentam contra a sobrevivência do Estado.

Tais medidas surgem, outrossim, por força de novo princípio que, por ser utilizado em situações excepcionais, ante a autoplastia constitucional, é autônomo, não decorre dos controles já suscitados, é constitucional, por vontade do Constituinte Originário, não revoga a lei, apenas lhe dá conformidade por imperativo, sem açambarcar a competência legislativa.

É medida que tem por requisito situação extrema, que não está na discricionariedade de qualquer poder, porque expressa na Lei Suprema, confirmando, assim, sua higidez democrática, cujo descumprimento ensejam medidas de responsabilidade emplacadas nos artigos 85, e incisos e 52, inciso II, da CF/88.

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BIBLIOGRAFIA E APONTAMENTOS CONSULTADOS

[1]KELSEN, Hans - Teoria geral das normas, Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, Editor, 1986, p. 328-329;

[2]KELSEN, Hans. 2000. Teoria pura do direito.  Martins Fontes: São Paulo. p. 247

[4]ROTHERBERG, Walter Claudius. 2000. Direitos fundamentais e suas características In Revista de Direito Constitucional e Internacional . N.º 30. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo. p. 146/158.

[5]Constituição Portuguesa, - Suspensão dos Exercício de Direitos - artigo 19, parágrafo 5.

[6]BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: O princípio da dignidade da pessoa humana, 2002, p. 305.

[7]Mandado de Injunção e Art. 40, § 4º, da CF (Transcrições) (v. Informativo 442/450) MI 721/DF* RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

[8]STJ, HC 9.892-RJ, DJ 26.3.01, Rel. orig. Min. Hamilton Carvalhido, Rel. para ac. Min. Fontes de Alencar.

[9]Código Penal - Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)

[10]MENDES,Gilmar Ferreira, ao mencionar a teoria interna e externa de Robert Alexy (cit., p. 250), Curso de direito constitucional, 4ª ed., ed. rev. e atual, - São Paulo - Saraiva, p. 334

[11]MENDES,Gilmar Ferreira, ao mencionar a Theorie der Grundrechte de Robert Alexy (cit., p. 251), Curso de direito constitucional, 4ª ed., ed. rev. e atual, - São Paulo - Saraiva, p. 335

[12] AMORIM, Letícia Balsamão. A distinção entre regras e princípios segundo Robert Alexy – Esboço e críticas. Revista de Informação Legislativa. Brasília. a. 42. n. 165 jan./mar. 2005. Pág. 123-124.

[13]MENDES,Gilmar Ferreira, Curso de direito constitucional, 4ª ed., ed. rev. e atual, - São Paulo - Saraiva, p. 336

[14]GOMES, Luis Flávio, Cervini, Raúl. Crime Organizado. 1.ed. Editora RT: São Paulo, 1997

[15]MENDES,Gilmar Ferreira, Curso de direito constitucional, 4ª ed., ed. rev. e atual, - São Paulo - Saraiva, p. 349

[16]ADI 2024/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 3.5.2007. (ADI-2024)

[17]GRAU, Eros Roberto – A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica) 3. ed. - São Paulo: Malheiros, 1997, p. 176/177.

[18]HC 97.256 – RS – Tribunal Pleno – Voto Vista, Ministro Joaquim Barbosa.

[19]STF – Súmula nº 421 – Não impede a extradição a circunstância de ser extraditado casado com brasileira ou ter filho brasileiro.

[20]NUCCI, Guilherme de Souza – Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais – p. 961.

[21]GOMES, Luiz Flávio – Direito penal do inimigo - http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_47.pdf

[22]http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,AA1402535-5606,00.html

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Sobre o autor
Éverton Luis Pinheiro da Silva

Supervisor de Gabinete do Sub-Procurador Geral da República Dr. Wagner Mathias, com atuação na PGR.Especialista em Direito Penal pela ESMP/SP.Graduando-se pela Uniasselvi, em Direito Constitucional. Aprovado nos Concursos de Delegado Civil - MT, Defensor Público do Estado de Pernambuco e Analista do MPU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Éverton Luis Pinheiro. Inflexão imperativa pelo texto constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3016, 4 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20130. Acesso em: 28 mar. 2024.

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