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Testes psicológicos nos concursos públicos.

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31/01/2012 às 07:39
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O acesso a cargo ou emprego público está exclusivamente condicionado à realização de provas ou prova e títulos, sendo que a utilização dos testes psicológicos – desde que previstos em lei – jamais poderá ter cunho eliminatório, mas apenas em sede de exame admissionais.

Sumário:1. Introdução. 2. Considerações acerca da natureza dos testes psicológicos e sua interconexão com o Direito. 3. O acesso a cargo ou emprego público está condicionado à realização de provas ou provas e títulos (37, II, da CR), não podendo os testes psicológicos ter cunho eliminatório, mas apenas serem exigidos nos exames admissionais. 4. Na ausência de Lei a regulamentar os testes psicológico no Brasil, sua finalidade é apenas a de mensurar a higidez psíquica dos candidatos. 5. Os testes psicológicos devem levar em conta os resultados das provas aplicadas nos concursos públicos quando existirem coincidência de aptidões a serem mensuradas. 6. A realização de testes psicológicos nos concursos deve considerar o tipo de função a ser desenvolvida não sendo razoável a invasão da esfera psíquica e dos direitos da personalidade nas atividades que não sejam periculosas ou que intrinsecamente não exijam tais testes. 7. A exigência de perfil profissiográfico nos editais de concursos. Considerações sobre o Decreto Federal n° 6.944/2009 e as alterações promovidas pelo Decreto n° 7.308/2010. 8. Necessidade de Lei formal para exigir-se testes psicológicos tanto na Administração direta como na indireta: a Súmula 686 do Supremo Tribunal Federal. 9. Necessidade de previsão editalícia dos critérios de avaliação dos candidatos com vistas a aferir nível intelectual e as aptidões específicas sob pena de nulidade do teste psicológico. 10. Necessidade de aplicação dos exames psicológicos em condições ambientais próprias e adequadas – artigo 4º, V, da Resolução CFP nº 002/2003. Necessidade de grau mínimo de precisão e fidedignidade dos testes - artigo 1º, §2º, da Resolução CFP nº 01/2002. 11. Considerações Finais. 12. Referências bibliográficas.


1. Introdução

O que nos levou a escrever estas reflexões acerca dos testes psicológicos é tão ou mais relevante que os argumentos adiante expostos. As razões "jurídico-psicológicas" que impulsionam nosso agir teve por mote duas premissas:

A primeira, a frequência [01] com que candidatos aprovados e classificados em concurso público são reprovados nos exames psicológicos; não raro, sem que saibam com clareza as razões da sua reprovação e por vezes alijados definitivamente de promissora carreira no serviço público; tudo isso agravado pela falta de condições econômicas de arcar com os custos de adequada defesa junto ao Poder Judiciário.

A segunda, é que os testes psicológicos carecem de adequada reflexão jurídica, e a linguagem da Psicologia – destinada aos seus iniciados – não se preocupa em fazer a ponte com o Direito (ou vice-versa), dificultando o acesso aos testes pelos profissionais do Direito, transformando-os em verdadeiras caixas-pretas que precisam ser juridicamente desvendadas, sob pena de se amesquinhar direitos e garantias fundamentais.

O tema é fascinante e, em certa medida, nos remete à novela O Alienista, do genial Bruxo do Cosme Velho. Afinal, a missão de dizer quem é normal e quem é louco sempre desafiou o ser humano tanto na literatura como no Direito. Guardadas as (in) devidas proporções, os testes psicológicos nos concursos públicos visam justamente dizer quem está apto (normal) e quem está inapto (louco) para ingressar no serviço público brasileiro.

Para o candidato eliminado, pior que a reprovação em si mesma considerada e a desclassificação do certame, é saber que sua eliminação deu-se não por suposta falta de capacidade ou de estudo, mas porque não está apto psicologicamente para trabalhar, porque refoge aos padrões de normalidade exigidos, porque algo dentro do seu ser não está como deveria ser.

Paradoxalmente, quanto mais o candidato se insurge contra os testes ou mesmo quanto à inadequação das condições ambientais relativas à sua aplicação - o que naturalmente o destaca dentre a massa amorfa de candidatos - mais estará sujeito a ver seu grau de "agressividade" exacerbado pelos avaliadores, na clássica situação onde quanto mais o paciente nega sua condição de louco, mais a afirma perante seus médicos.

Diante desse contexto kafkaniano enfrentado pelos candidatos quando rejeitados nos exames psicológicos, nos imbuímos do propósito de sistematizar o tema trazendo questões ainda não tratadas adequadamente pela doutrina e jurisprudência [02], abordando ainda outros aspectos onde já existe certo grau de consenso.


2. Considerações acerca da natureza dos testes psicológicos e sua interconexão com o Direito.

Com o intuito de dialogar juridicamente com os limites e possibilidades da exigência de exames psicológicos nos concursos públicos para cargos ou empregos públicos, é fundamental saber qual a finalidade e pertinência jurídica de tais testes. Indispensável ainda levar em conta o arcabouço constitucional brasileiro para ingresso na Administração Pública.

Dado os limites da nossa abordagem não pretendemos discutir a estrutura interna dos testes, sua formulação e experimentação. Também não tencionamos debater se os exames psicológicos concretamente aplicados no Brasil são adequados (sob o ângulo da psicologia) as exigências do Conselho Federal de Psicologia – CFP para registro dos testes psicológicos, ou mesmo se a Psicologia é ou não é ciência cujo estágio evolutivo permitiria aferir, com precisão, a intimidade psíquica dos indivíduos, através de técnicas psicométricas [03].

As questões acima são muito mais adequadas para psicólogos que para juristas, ainda que seja forçoso reconhecer que tais aspectos quando objeto de discussão em concursos públicos, possam ser levados ao Poder Judiciário, tendo em conta a ampla sindicabilidade dos atos administrativos [04].

Apesar de não tratarmos diretamente da estrutura interna e elaboração dos testes psicológicos - o que em última análise implica em aferir ou não sua eficácia - é evidente que em sede de ação ordinária, é perfeitamente possível a realização de perícias sobre os testes aplicados em concursos públicos, com laudos especializados, para aferir a consistência do construto, não podendo o Poder Judiciário quedar limitado ao simples reconhecimento da validade dos testes pelo Conselho Federal de Psicologia.

O foco de nossa análise serão outras questões jurídicas que têm reflexo direto nos testes psicológicos e que defluem da nossa Constituição, permitindo realizar uma abordagem constitucional no sentido de saber o que é permitido e o que é vedado considerando-se os princípios e regras plasmados na Lei Maior.

Em primeiro lugar, insta saber para quê servem os testes psicológicos? A premissa – aparentemente pueril – dimana diversas questões jurídicas relevantes e impõem o diálogo interdisciplinar entre Direito e Psicologia. Como dito acima, tendo em conta os limites e objetivos deste artigo, não intentamos aprofundar o assunto, mas apresentar concisamente algumas considerações sobre o tema para delas tirar algumas conclusões.

Resumidamente, podemos dizer que um teste psicológico se propõe a descrever ou mensurar as características e processos psicológicos envolvendo a emoção/afeto, cognição/inteligência, motivação, personalidade, atenção, memória, etc. (cf. art. 1°, parágrafo único da Res. 002/2003 do Conselho Federal de Psicologia - CFP). Em última análise o teste psicológico busca obter uma amostra comportamental objetiva e padronizada.

Seu propósito, tendo em conta a Resolução do Conselho Federal de Psicologia n° 002/2003 é fazer classificação diagnóstica, descrição, predição, planejamento de intervenções e acompanhamento.

Com efeito, os testes psicológicos não estão circunscritos unicamente a fazer a diagnose de um candidato, ou seja, de aferir se certo indivíduo detém aptidão psíquica suficiente para ocupar certa função pública. Os testes psicológicos ambicionam e são utilizados para muito mais. Há grande variedade de testes, a saber:

testes de realização, que visam mensurar certas habilidades como leitura, matemática e línguas;

testes de personalidade que visam mensurar aspectos como depressão, transtornos alimentares entre outras características da personalidade;

técnicas projetivas, onde espera-se que o examinando, sem dar-se conta disso, revele algo da sua personalidade [05];

testes vocacionais e ainda os testes neuropsicológicos, que visam fornecer informações sobre o funcionamento do sistema nervoso central. [06]

Também é sabido que a avaliação de tais testes nunca são definitivas, pois retratam determinado momento na linha do tempo, considerando as subjetividades do testador e do testado, as circunstâncias ambientais (barulho, calor excessivo, roupa do avaliador, etc...), de maneira que qualquer avaliação psicológica jamais terá caráter permanente. Numa singela comparação, um teste psicológico é como uma fotografia de um indivíduo num determinado tempo e lugar, cujo rol de variantes pode fazer que no minuto seguinte, seja obtida uma imagem completamente diferente da primeira.

Atualmente, o Conselho Federal de Psicologia - CFP reconhece por válidos cerca de 121 testes psicológicos [07]. Muitos são desenvolvidos no exterior (especialmente nos EUA) e devem ser adaptados à realidade brasileira, para tanto cumprindo certos requisitos estabelecidos na Res. CFP 002/2003.

O CFP, enquanto legítimo defensor da classe dos psicólogos e do seu mercado de trabalho apóia a utilização de testes psicológicos por empresas privadas e na Administração Pública, atestando sua aptidão para mensurar as habilidades dos candidatos, o que gera emprego e renda para muitos psicólogos que defendem a aplicação dos testes nos processos seletivos ou em concursos públicos.

Por certo, o incentivo do CFP à realização dos testes, não transforma os psicólogos que os elaboram ou aplicam em espécie de Simão Bacamarte (de novo Machado!) com a finalidade de levar os candidatos à Casa Verde...

Em princípio, nada de errado em criar campo de trabalho aos psicólogos e aplicar os testes. O problema é quando tais testes ficam à margem da análise de qualquer outro profissional que não da psicologia que queira acessar e entender seu conteúdo, enfrentando extrema dificuldade de obtê-los (para não dizer impossibilidade). Igualmente grave é a falsa premissa que isso é assunto para psicólogos e ninguém mais, sob o débil argumento que ao descobrir-se o segredo da "caixa-preta" os testes perderiam sua eficácia. [08]

O perigo de uma abordagem exclusivamente psicológica do universo desses testes é de ignorar aspectos jurídicos indispensáveis para que o testes possam ser válidos, evidentemente não no sentido da validade do construto [09]em medir resultados, mas no sentido de validade em relação às normas jurídicas que norteiam sua elaboração, aplicação e avaliação.

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O que se pretende discutir nos tópicos abaixo arrolados, é que o acesso a cargos e empregos públicos (cf. art. 37, II da CR) não pode ser limitado, de modo irrestrito e sem parâmetros pelos testes psicológicos. Vamos ao desenvolvimento dos aspectos que nos parecem juridicamente mais relevantes.


3. O acesso a cargo ou emprego público está condicionado à realização de provas ou provas e títulos (37, II, da CR), não podendo os testes psicológicos ter cunho eliminatório, mas apenas serem exigidos nos exames admissionais.

A Constituição, ao prescrever no artigo 37, II que a investidura far-se-á mediante concurso de "provas" certamente não está a abranger os testes psicológicos. Testes psicológicos não são "prova" na estrita acepção do termo; não visam a aprovação ou reprovação de acordo com a natureza e complexidade da função pública.

A finalidade dos testes é muito mais ampla e diversificada, por vezes objetivando mesurar ou descrever as características psíquicas do indivíduo, e não para verificar o domínio de conteúdo programático pelo candidato para acessar o serviço público.

De fato, o exame psicológico não serve de parâmetro para selecionar os que mais preparados nas matérias objeto do concurso, e seu objeto não é classificá-los de acordo com seus méritos tendo em conta o conteúdo do programa que irá avaliar seus conhecimentos. Para chegar-se aos mais qualificados realiza-se a seleção mediante provas ou provas e títulos (37, II, da CR), tendo quedada silente a constituição à necessidade do preenchimento de um tertius genus chamado: teste psicológico.

Nada impede, porém, desde que previsto em lei, que o exame psicológico seja utilizado para verificar a sanidade psíquica do candidato, após o resultado do concurso. Como corolário do aqui desenvolvido, nos parece absolutamente ilegal e inconstitucional (violação ao conteúdo do artigo 37, II da CR e ao princípio da razoabilidade) que o teste psicológico tenha cunho eliminatório, como parte integrante do próprio concurso.

Reforçamos que quando da investidura do servidor para ingressar na Administração pública e dentro dos testes médicos admissionais seja realizada a testagem psicológica, para se verificar a sanidade psíquica e mesmo avaliar quais as atividades em que melhor irá adaptar-se o servidor recém nomeado, tudo para bem atender ao interesse público. Esta é a opinião de Adilson Abreu DALLARI, verbis:

"Por isso mesmo, preferimos manter o entendimento já esposado no sentido de que o exame psicotécnico não deve figurar como parte do concurso público, mas, sim, como requisito para investidura no cargo ou emprego, da mesma forma que o exame médico, do qual seria um dos elementos, de cujo conjunto, resultaria uma avaliação da aptidão física e mental." [10]

De fato o teste psicológico não pode servir de parâmetro para avaliar as qualidades e competência dos candidatos, completando Adilson DALLARI:

"O exame psicológico pode revelar uma condição pessoal de cada candidato, concluindo por sua aptidão ou inaptidão, mas não serve para a disputa entre interessados, destinada a evidenciar os melhores, que é uma característica elementar do concurso público de ingresso." [11]

Por fim, outra questão relevante deve ser abordada. É que não basta que os testes psicológicos tenham sido previstos em Lei, ou que efetivamente sejam capazes de mensurar certas habilidades ou características humanas com razoável precisão, ou mesmo que preencham as condições de registro impostas pelo Conselho Federal de Psicologia - CFP para fins de selecionar candidatos a determinado emprego.

Muito mais que isto, em matéria de acesso a função pública, deve ficar demonstrado que o construto seja capaz de mensurar validamente a aptidão de certo indivíduo para acessar a cargo ou emprego público, especialmente para demonstrar que o teste é válido para selecionar indivíduos para tais cargos ou empregos. Inobstante tal exigência, há questões que sequer são discutidas em nosso País, a exemplo do chamado impacto adverso. [12]

No Brasil, ainda não enfrentamos muitas das calorosas discussões jurídicas ínsitas aos testes psicológicos, em grande parte importados dos EUA. Pior: não temos qualquer tratamento normativo consistente a colocar tais testes no seu devido lugar face nosso sistema jurídico. Nos Estados Unidos da América, há mais de cinquenta anos se discutem as consequencias jurídicas, políticas e sociológicas destes testes tão pacificamente aplicados no Brasil. Diga-se que as resoluções do CFP são insuficientes para tratar do tema e não vinculam a Administração Pública por não dimanarem de lei formal.

Assim, relevantes questões que exigem deliberação legiferante do Congresso Nacional passam absolutamente ao largo do parlamento, diante do total hiato normativo da matéria.

Apenas para dar um exemplo da relevância constitucional do tema, servimo-nos do precedente da Suprema Corte Americana: Griggs v. Duke Power, de 1971, onde estava em discussão que um teste psicológico aplicado por uma empresa estava aprovando um universo maior de candidatos brancos em detrimento dos candidatos negros, o que levou a alegação que tal empresa aplicava testes psicológicos com caráter discriminatório. [13]

Causa espanto saber que os EUA possuem inúmeras leis que regram a incidência dos testes psicológicos [14] (e.g. a Equal Employment Opportunity - EEOC), que estabelecem uma série de normas quanto à proibição de discriminação e como deve ser realizada a seleção envolvendo testes psicológicos.

Pergunta-se: onde no Brasil está regrado por Lei como devem ser aplicados os testes psicológicos quanto sua validade e fidedignidade, inclusive sua aptidão para fins de ingresso em emprego? Até onde pesquisamos, não existe tal lei. No máximo, para certos cargos a Lei prevê que os testes psicológicos podem ser aplicados, sem qualquer consideração de que maneiras e dentro de quais limites legais. Quando muito, a nível federal, temos o Decreto n° 6.944/09, que trata de aspectos que extrapolam seu âmbito normativo (novamente ausência de lei formal), que ademais, é insuficiente para abordar exaustivamente a matéria.

Uma vez demonstrado o paupérrimo debate brasileiro acerca do tema, razão assiste à doutrina administrativista nacional em limitar tais testes psicológicos apenas para aferir as condições mínimas de higidez mental para o acesso a cargo ou emprego público, pois enquanto a comunidade jurídica não conhecer nem acessar os critérios de testagem psicológica e enquanto não se impuser por lei formal os limites e condições de tais testes, bem como a proibição de sua utilização para fazer espécie de eugenia psíquica nos indivíduos, o máximo que se pode atribuir a tais testes é realmente detectar casos evidentes de inaptidão intelectual e emocional – o que veremos logo adiante – sempre na fase pré admissional do candidato, sob pena de atentar-se contra a Constituição e seu núcleo de direitos fundamentais.


4. Na ausência de Lei a regulamentar os testes psicológico no Brasil, sua finalidade é apenas a de mensurar a higidez psíquica dos candidatos.

Como já explicitado, ao nos enveredarmos pelo estudo dos testes psicológicos, não queremos esvaziar-lhe ou diminuir-lhe a relevância, mas colocá-los em harmonia com a ordem constitucional vigente.

Como dito acima, a melhor doutrina administrativista acertadamente tem restringido os testes psicológicos apenas para aferir-se a sanidade psíquica do candidato, sendo defeso que pequenas variações de personalidade sejam relevantes a ponto de obstar o ingresso de qualquer cidadão ao serviço público, sob pena de malferir-se o princípio do concurso.

Com efeito, se um candidato não possui um raciocínio verbal nos moldes desejados por um determinado teste psicológico, isto não torna indivíduo incapaz de desempenhar sua função com zelo e competência. O mesmo vale para raciocínio abstrato ou inteligência.

Aliás, nunca devemos esquecer que a personalidade humana é um projeto em permanente construção. O homem – felizmente – não nasce feito. Constrói-se e é construído ao longo da existência. Em decorrência de tal assertiva, qualquer sistema de seleção que procure enquadrar o candidato a certo perfil pré-estabelecido, sem considerar até que ponto tal característica é efetivamente incompatível com o desempenho do cargo ou emprego, viola a constituição e seu núcleo de direitos fundamentais, reduz a personalidade a obscuros percentis [15].

Desse modo, um candidato que não tenha atingido nos testes psicológicos o percentil desejado para alguma habilidade (e.g.: raciocínio verbal), não significa que ao longo de sua vida e no efetivo exercício do emprego, que estará impossibilitado de desenvolver suas habilidades, afinal, a personalidade é algo em mutação, em construção permanente. Porém, em hipótese alguma isto significa que o não atingimento de certos percentis de acerto tornem o indivíduo incapacitado de exercer sua função!

Não por acaso os psicólogos que adotam as correntes humanista e psicanalista veem nos testes psicológicos um caráter reducionista da personalidade.

Para que efetivamente excluam o indivíduo do acesso aos cargos e empregos públicos, os testes devem demonstrar que tal indivíduo está absoluta e cabalmente impossibilitado de acessar o almejado cargo ou emprego. Interpretar diferentemente é não compreender o papel dos testes psicológicos, atribuindo-lhes perigosa ditadura, cujas "regras do jogo" (BOBBIO) por vezes não são claras nem acessíveis. [16]

Exemplo da doutrina que limita os testes psicológicos a aferir a sanidade psíquica dos candidatos é a capitaneada por Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, assim prelecionando:

"Exames psicológicos só podem ser feitos como meros exames de saúde, na qual se inclui a higidez mental dos candidatos, ou, no máximo – e, ainda assim, apenas no caso de certos cargos ou empregos -, para identificar e inabilitar pessoas cujas características psicológicas revelem traços de personalidade incompatíveis com o desempenho de determinadas funções." [17] (grifo nosso).

O acerto da doutrina acima deixa claro os limites dos testes psicológicos no Brasil, que diante dos problemas acima narrados, e de acordo com a melhor doutrina nacional, não podem exorbitar da verificação da higidez psíquica do candidato na fase admissional.

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Sobre o autor
Rodrigo Valgas dos Santos

Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Regional de Blumenau - FURB. Presidente do Instituto de Direito Direto administrativo de Santa Catarina IDASC (2005/2010) e seu atual Diretor Acadêmico. Professor de Direito Administrativo de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Florianópolis/SC (CESUSC) e da extensão da Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina – ESMESC. Conselheiro do Instituto de Brasileiro de Direito Administrativo - IBDA, Presidente da Comissão de Estudos Jurídicos e Legislativos da OAB/SC (gestão 2010/2013). Advogado e Consultor Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Rodrigo Valgas. Testes psicológicos nos concursos públicos.: Dilemas e reflexões entre Direito e Psicologia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3135, 31 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20984. Acesso em: 28 mar. 2024.

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