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Limites das alterações unilaterais qualitativas dos contratos administrativos

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10/04/2012 às 17:45
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Os limites às alterações qualitativas dos contratos administrativos não devem ser fixos, como no caso das alterações quantitativas. Devem ser aferidos de acordo com cada caso concreto, com base nos princípios de proporcionalidade e razoabilidade.

RESUMO

O presente trabalho pretende apresentar uma teorização acerca da aplicabilidade dos limites dispostos nos §§1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 às alterações qualitativas dos contratos administrativos. Os contratos administrativos, assim como ocorre com os demais tipos de contrato, devem ser, em regra, executados conforme o acordado pelas partes, como reflexo do conceito de pacta sunt servanda. No entanto, nesse tipo de contrato é conferida à Administração uma atuação em posição de supremacia em relação à outra parte. Essa supremacia possibilita que a Administração possa alterar unilateralmente os contratos administrativos. No entanto, essa atuação não pode ser exercida de acordo com a livre vontade do administrador. O poder de alterar unilateralmente os contratos só é admitido quando da ocorrência de um pressuposto fático, qual seja, a ocorrência de fatos supervenientes imprevisíveis, ou fatos desconhecidos à época da contratação. Essas alterações podem ser quantitativas ou qualitativas. As primeiras se caracterizam pelos acréscimos ou supressões sobre o objeto do contrato, enquanto as segundas se caracterizam pela adequação técnica do objeto contratual. A lei é clara ao estabelecer os limites das alterações quantitativas, a dúvida paira sobre a existência do dever de aplicar essa limitação também às alterações qualitativas.

Palavras-chave: poder de modificação, contrato administrativo, cláusulas exorbitantes, alterações quantitativas e qualitativas, limites legais.

SUMÁRIO:RESUMO:1 INTRODUÇÃO. 2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. 2.1 Contratos em geral. 2.2 CONTRATO NA ESFERA PÚBLICA. 2.3 CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. 2.4 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. 2.4.1 Interpretação do Contrato Administrativo. 2.4.2 Regime Jurídico do Contrato Administrativo. 2.4.3 Cláusulas Exorbitantes. 2.4.3.1 Equação econômico-financeiro. 2.4.3.2 Alteração unilateral. 2.4.3.3 Rescisão unilateral. 2.4.3.4 Exceção do contrato não cumprido. 2.4.3.5 Fiscalização. 2.4.3.6 Aplicação de sanções. 3 ALTERAÇÕES QUALITATIVAS E QUANTITATIVAS DO OBJETO CONTRATUAL. 3.1 NOÇÕES GERAIS. 3.1.1 Regime Principiológico Aplicável ao Poder de Modificação Unilateral. 3.1.1.1 Princípio da proporcionalidade. 3.1.1.2 Princípio da economicidade. 3.1.1.3 Princípio da eficiência. 3.1.1.4 Princípio da dignidade da pessoa humana. 3.1.1.5 Princípio da boa-fé. 3.1.1.6 Princípio da legalidade.3.1.1.7 Princípio da inalterabilidade do objeto contratual.3.1.1.8 Princípio da preservação das condições de exeqüibilidade do objeto originalmente contraídas pelo co-contratante.3.1.1.9 Princípio da intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato.3.1.2 Alterações Unilaterais Quantitativas.3.1.2.1 Limites às alterações quantitativas.3.1.3 Alterações Qualitativas.3.1.3.1 Aumento ou redução do “escopo do contrato” como alteração qualitativa.3.1.3.2 Erro na formulação do projeto.3.1.3.3 Limites das alterações qualitativas.5 CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

De acordo com a Teoria geral dos contratos, nessas relações jurídicas impera o preceito do pacta sunt servanda, ou seja, os contratos devem ser executados na estrita obediência de suas cláusulas. Nos contratos celebrados pela Administração Pública esse brocardo também é a regra.

Contudo, nos contratos administrativos que têm por finalidade a execução de uma obra ou serviços públicos, ou ainda, outra prestação qualquer que objetive atender às demandas de um interesse público, a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e contratos administrativos) prescreve que à Administração é conferido o poder de alterar unilateralmente os contratos administrativos (art. 58, I, da Lei nº 8.666/93). Ou seja, é possível que a Administração Pública, encontrando-se em posição de supremacia no contrato, instabilize essa relação jurídica em oposição ao mencionado princípio do pacta sunt servanda.

A alteração unilateral dos contratos administrativos é reconhecida pelos doutrinadores como uma das cláusulas exorbitantes que possui a Administração Pública dentro dos contratos administrativos.

Importante ressaltar que não se trata de um poder que permite à Administração Pública modificar os contratos de forma arbitrária, em desrespeito aos direitos da outra parte do contrato.

Trata-se, na verdade, do que alguns doutrinadores chamam de um “poder-dever”, ou ainda, de um “dever-poder”, por se entender que antes de uma verdadeira prerrogativa conferida ao administrador público, a alteração unilateral do contrato é um dever a ele imposto, quando assim exigir o interesse público.

Interesse público esse que deverá ser encarado com a devida cautela, pois a mera alegação do interesse público não é capaz de motivar o uso da citada cláusula exorbitante. Será visto que as alterações unilaterais deverão ser motivadas na ocorrência de fatos supervenientes ou na constatação de fatos que eram desconhecidos no momento da contratação, que por sua natureza, sujeitam a Administração a proceder às alterações unilaterais com a finalidade de adequar o contrato a uma nova realidade fática.

Para o estudo de tal fenômeno utilizou-se o método científico dedutivo, em que se partiu de uma visão geral dos contratos até chegar-se aos contratos administrativos, os quais são objeto do estudo, pois é nesse tipo de contrato que a Administração Pública possui a prerrogativa de se utilizar das cláusulas exorbitantes.

O presente estudo tentará demonstrar que o contrato administrativo possui um regime jurídico preponderantemente de Direito Público, mas é alcançado por vários princípios e características comuns dos contratos de Direito Privado.

Como já mencionado, os contratos administrativos têm como uma de suas características a utilização das cláusulas exorbitantes pela Administração contratante, sendo que as principiais cláusulas e mais comumente citadas na doutrina, serão brevemente trabalhadas nessa revisão bibliográfica.

Após esse panorama geral, o tema das alterações unilaterais será mais aprofundadamente analisado, iniciando-se por uma breve teorização acerca dos fundamentos que permitem o uso do poder de modificação por parte da Administração Pública, além do breve tratamento de seu regime principiológico.

A abordagem do regime principiológico foi baseada no estudo de Fernando Vernalha Guimarães, o qual enumerou os princípios gerais e específicos aplicáveis ao poder de modificação unilateral dos contratos administrativos.

Por fim, serão abordadas as duas modalidades de alterações contratuais descritas no art. 65, I, alíneas “a” e “b” da Lei de Licitações, quais sejam: (a) alterações qualitativas e; (b) quantitativas. Nesse momento, serão explicados quais os pressupostos que acarretam uma ou outra modalidade de alteração, e qual a melhor interpretação a ser dada, segundo os autores, no que se refere aos limites dispostos no §1º do art. 65 da Lei de Licitações.


2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

2.1 Contratos em geral

Antes de adentrar ao tema dos contratos na esfera pública, são válidas algumas lições acerca dos contratos em geral, utilizando-se, para tanto, dos ensinamentos de alguns notórios publicistas.

É o caso de Hely Lopes Meirelles, que assim os define:

Contrato é todo acordo de vontades, firmado livremente pelas partes, para criar obrigações e direitos recíprocos. Em princípio, todo contrato é negócio jurídico bilateral e comutativo, isto é, realizado entre pessoas que se obrigam a prestações mútuas e equivalentes em encargos e vantagens. Como pacto consensual, pressupõe liberdade e capacidade jurídica das partes para se obrigarem validamente; como negócio jurídico, requer objeto lícito e forma prescrita ou não vedada em lei.[1]

Segundo a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Tradicionalmente entende-se por contrato a relação jurídica formada por um acordo de vontades, em que as partes obrigam-se reciprocamente a prestações concebidas como contrapostas e de tal sorte que nenhum dos contratantes pode unilateralmente alterar ou extinguir o que resulta da avença. Daí o dizer-se que o contrato é uma forma de composição pacífica de interesses e que faz lei entre as partes.[2]

E, ainda, Toshio Mukai pontua que a “característica fundamental do contrato como categoria geral é que ele pressupõe um acordo de vontades opostas, que se combinam para produzir determinado efeito jurídico somente entre as partes envolvidas.[3]

A partir dos conceitos citados, pode-se dizer que o contrato é um acordo de vontades em que as partes, em regra, encontram-se em pé de igualdade, e com obrigações equivalentes. Tem como pressuposto um objeto lícito e de forma prescrita ou não vedada em lei. Fora isso o contrato vincula as partes com força de lei.

2.2 CONTRATO NA ESFERA PÚBLICA

Segundo Diógenes Gasparini as relações jurídicas da Administração Pública podem decorrer de atos unilaterais, que são atos administrativos, e plurilaterais que são os contratos.[4]

Em decorrência das necessidades da Administração e da ampliação do conceito de Estado Democrático de Direito, existe uma tendência à contratualização da atividade administrativa sempre que se busca os préstimos dos administrados em detrimento do exercício autoritário do Estado justificado apenas no interesse público.[5]

De acordo com a doutrina preponderante tais contratos podem ser regidos pelo Direito Privado ou pelo Direito Administrativo e podem ser chamados de contratos da Administração Pública.

2.3 CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

A contratação da Administração surge com a identificação de uma necessidade que será solucionada através da colaboração de um terceiro, esse é o pressuposto para ela celebrar contratos com particulares ou outras pessoas administrativas. Tais contratos podem ser públicos (regidos pelo Direito Público, extrapola-se o âmbito do Direito comum) ou privados (sujeito às regras do Direito Civil ou Comercial).[6]

Os contratos de Direito Privado, em regra, são regulados pelo Direito Civil, e podem ser realizados pela Administração. Trata-se, por exemplo, de contratos de seguro e de locação, os quais, ainda que de direito privado, se sujeitam a alguns requisitos inerentes ao Direito Público, como se percebe da leitura do art. 62, §3º, I da Lei nº 8.666/93.[7]

Sobre isso, Hely Lopes comenta que embora típico do direito privado, o contrato é instituto utilizado também pela a Administração Pública. Portanto a teoria geral do contrato serve tanto aos contratos privados quanto aos públicos, estes, no entanto, são regidos por normas e princípios do Direito Público, em que o Direito Privado é aplicado, na palavra do autor, supletivamente.[8]

Salienta-se que todos os contratos são regidos pelos princípios da lei entre as partes (Lex inter partes), e da observância do que pactuado (pacta sunt servanda), os quais obrigam às partes a executarem suas obrigações estritamente como o convencionado no contrato.

Enquanto no Direito Privado, impera a liberdade nas avenças contratuais, no Direito Público, por outro lado, se está sujeito às imposições legais, as quais restringem a atuação das partes, no entanto à Administração são concedidos privilégios em relação à possibilidade de alteração das cláusulas contratuais.[9]

Então, a partir desses ensinamentos chega-se a conclusão de que a Administração tanto pode celebrar contratos que estão estritamente ligados ao Direito Público, quanto àqueles que são tipicamente de Direito Privado.

Nesse sentido, cita-se Lúcia Valle Figueiredo:

De conseguinte, afirmamos: de um lado estão os contratos mais rigidamente alocados dentro do Direito Público, os chamados contratos administrativos; e, de outro, os contratos da Administração Pública, regidos em grande parte pelo Direito Privado, mais ainda sob forte interferência do Direito Público.[10] (Grifado no original)

A doutrina especializada, estudada para o presente trabalho, tem praticamente a mesma abordagem neste ponto, admite-se contratos hora de caráter eminentemente de Direito Público, e hora eminentemente de Direito Privado, divergindo a doutrina somente quanto às denominações dadas por um ou outro autor.

Destaca-se preliminarmente o entendimento de Toshio Mukai:

De nossa parte, entendemos que a Administração Pública, quando celebra contratos ditos de direito privado, utiliza-se de formas do direito privado, uma vez que todo contrato celebrado pela Administração tem que atender a um fim público, ainda que não imediato, não podendo, para nós, existir, tal como os contratos de direito privado entre particulares.[11]

Cabe dizer, que mesmo nos contratos de direito privado, quando celebrados pela Administração, a estes incidem “as normas de direito público financeiro e administrativo de caráter procedimental, recaindo sobre eles, então, os princípios próprios do direito público e não os de direito privado.”[12]

Por conta disso, o autor prefere denominar os contratos celebrados pela Administração, administrativos ou de direito privado, de contratos públicos.[13]

É importante esclarecer, então, que Toshio Mukai define “contratos públicos” como gênero do qual faz parte o contrato administrativo. Equivale ao que Marçal Justen Filho[14] chama de “contratos administrativos” e Cretella Júnior[15] denomina “Contratos da Administração”.

Também o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.666/93 define o gênero, que aqui será tratado de “Contratos da Administração”, como “todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas(...).”

Marçal Justen Filho prefere definir os “contratos da Administração” (os quais ele chama de “contratos administrativos”) como “o acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, tal como facultado legislativamente e em que pelo menos uma das partes atua no exercício da função administrativa.”[16]

Já Cretella Júnior, sobre o gênero “contrato da Administração”, ensina que estes “são, pois, acordos de vontades contrapostas, de que participa a Administração, ou melhor, o Estado, combinados para produzir conseqüências jurídicas entre as partes contratantes.”[17]

 Para ele, o que caracteriza estes contratos é a existência da Administração como parte, não levando em conta a finalidade a que se dispõe, ou quanto à natureza pública ou privada da outra parte.

Já Marçal Justen Filho, entende ser possível a existência do contrato da Administração sem a participação do Estado, contanto que uma das partes desempenhe função pública.[18]

Fora a discussão até então tratada, impende comentar, para melhor entender o conceito de contrato da Administração, que este “é um ato jurídico infralegal não apto a gerar direitos e obrigações cuja criação não esteja previamente autorizada (ainda que de modo implícito) pelo direito.”[19]

Isso é reflexo do princípio da legalidade a que os contratos administrativos estão vinculados, por isso o contrato só pode consagrar em suas cláusulas aquilo que está previsto na norma legal, ainda que implicitamente, quando muito o contrato decorrerá de atividade discricionária, mas nunca fora dos limites da lei, já que a própria discricionariedade é assim limitada.

2.4 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Após discorrer algumas linhas acerca do gênero contrato da Administração, pode-se, agora, passar a falar sobre os contratos administrativos, espécie daquele gênero, e que efetivamente faz parte da problemática da presente dissertação.

É válido nesse momento, trazer as definições dadas por alguns doutrinadores, por exemplo, a de Marçal Justen Filho, relembrando apenas que, o que aqui se convencionou chamar de “contrato administrativo”, esse autor prefere utilizar-se da expressão “contrato administrativo propriamente dito”, é o que segue:

O contrato administrativo propriamente dito é um acordo de vontades destinado a criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações, tal como facultado legislativamente e em que uma das partes, atuando no exercício da função administrativa, é investida de competências para inovar unilateralmente as condições contratuais e em que se assegura a intangibilidade da equação econômico-financeira original.[20]

Em lição mais sucinta, Hely Lopes Meirelles explica tratar-se do “ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou outra entidade administrativa para consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração.”[21]

Já José Cretella Júnior comenta que:

Para nós o contrato administrativo é todo acordo oposto de vontades de que participa a Administração e que, tendo por objetivo direto a satisfação de interesse público, está submetido a regime jurídico de Direito Público, derrogatório e exorbitante do Direito comum.[22]

Por último, traz-se a definição dada por Fernando Vernalha Guimarães:

No Direito Brasileiro define-se contrato administrativo como a avença celebrada pela Administração Pública (ou por quem lhe faça as vezes) e terceiro pelo qual se pactuam direitos e deveres cujo objeto mediato consista na prestação de bens e serviços, os quais se relacionam com o interesse público primário a ponto de exigir, em abstrato a tutela administrativa, traduzida na utilização de prerrogativas especiais.[23]

Sobre esses conceitos de contrato administrativo, observa-se uma semelhança da definição entre os autores, os quais mencionam a necessidade do acordo de vontades, inerente a qualquer contrato, em que uma das partes é a Administração, com o objetivo de satisfazer um interesse público, para tanto dispondo de poderes que exorbitam a esfera do Direito Comum, no entanto tem sua ação limitada pelo dever de assegurar a intangibilidade econômico-financeira.

Seguindo a lição de Hely Lopes, o contrato administrativo pode ser consensual, formal, oneroso, comutativo e realizado intuito personae.

Nas palavras do mestre:

É consensual porque consubstancia um acordo de vontades, e não um ato unilateral e impositivo da Administração; é formal porque se expressa por escrito e com requisitos especiais; é oneroso porque remunerado na forma convencionada; é comutativo porque estabelece compensações recíprocas e equivalentes para as partes; é intuito personae porque deve ser executado pelo próprio contratado, vedadas, em princípio, a sua substituição por outrem ou a transferência do ajuste.[24](grifado no original)

Para o autor, o que realmente tipifica o contrato administrativo é a atuação da Administração em posição de “supremacia de poder”, podendo ela estabelecer unilateralmente as cláusulas contratuais. Tal fato incorre na possibilidade da Administração impor as cláusulas exorbitantes.

Para ele, a finalidade pública e o interesse público não têm o condão de caracterizar um contrato como administrativo, já que, além do objeto ser geralmente igual ao do Direito Privado, a finalidade e interesse públicos são pressupostos da atuação administrativa, esses devem estar presentes sempre que a Administração celebrar contratos públicos ou privados. Esses se diferenciam (público e privado), em regra, porque no último a Administração encontra-se em posição de igualdade com a parte contrária.[25]

Conclui-se, de acordo com o autor, então, que o interesse público não caracteriza a existência de um contrato administrativo, tendo em vista que qualquer ato estatal deve ter presente, direta ou indiretamente, um interesse público.

Na mesma linha de Hely Lopes, Diógenes Gaparini entende que não é o interesse público ou a presença da Administração Pública que caracterizam o contrato administrativo. Isso porque, o interesse público encontra-se em todos os atos da Administração, e esta também celebra contratos do Direito Privado, logo a existência desses dois elementos (interesse público e Administração) em um ajuste não indica a existência do contrato administrativo.[26]

Sobre o tema, é importante destacar que Fernando Vernalha Guimarães faz uma abordagem diferenciada:

É verdade que a finalidade pública está presente em todos os atos da Administração, repousando mesmo sobre os objetos pertinentes a contratos jurídico-privados da Administração. Esta conclusão levou doutrinadores como Hely Lopes Meirelles a abandonar a finalidade pública como fator de qualificação, assumindo o entendimento de que ‘é a presença da Administração com privilégio administrativo na relação contratual’ que qualifica o contrato administrativo.

Mas, quando se alude à presença da finalidade pública no contrato, alude-se à finalidade tomada em sentido restrito, relacionada de forma imediata com o objeto contratado.[27] (itálico no original)

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Com isso, percebe-se que todos os atos da Administração buscam, de uma forma ou de outra, a satisfação de um interesse público (finalidade pública). Contudo, existem distinções em relação à intensidade do envolvimento com o interesse público em cada contrato, como no exemplo trazido pelo autor, entre contrato de seguro e outro de construção de obra pública.

Ainda, observa-se que, na concepção desse autor, a Administração com privilégio administrativo na relação não tem o condão de caracterizar o contrato administrativo, tendo em vista que o uso de prerrogativas pela Administração tem vinculação direta com o objeto do contrato, ou seja, com o interesse público envolvido. De acordo com a intensidade desse interesse haverá o reclame pelo uso das cláusulas exorbitantes.[28]

Logo, pode-se entender, segundo este autor, que a finalidade ou interesse público é que caracteriza o contrato administrativo, contudo tal interesse deve ser entendido no sentido estrito (como interesse envolvido numa obra pública). É esse interesse público estrito que provoca o uso de cláusulas exorbitantes pela Administração. Essas cláusulas exorbitantes, então, são características de um contrato administrativo, contudo elas decorrem diretamente do interesse público estrito.

Em suma as cláusulas exorbitantes decorrem de um contrato administrativo, elas não são pressupostos desse. Elas só existirão quando a relevância do interesse público envolvido no contrato administrativo reclamar por sua utilização.

Finda essa discussão, interessante mencionar que José Cretella Júnior define as condições de existência do contrato administrativo, para isso socorrendo-se da lição de Gaston Jèze, o qual as enumerou (as condições) da seguinte forma:

1ª) um acordo de vontades entre a Administração e o particular;

2ª) o acordo de vontades tem por objeto a criação de uma obrigação jurídica de prestação de coisas materiais ou de serviços pessoais, mediante remuneração (em dinheiro ou de outro modo);

3ª) a prestação fornecida pelo indivíduo é destinada a assegurar o funcionamento de um serviço público;

4ª) as partes, por cláusula expressa, pela própria forma dada ao contrato, pelo gênero de cooperação solicitada ao contratante, ou por qualquer outra manifestação de vontade, concordaram em submeter-se ao regime especial do Direito Público. De um lado, a Administração quis este regime jurídico especial. De outro, o particular, ao submeter-se, voluntariamente, a este regime especial, renunciou a invocar as regras de Direito Privado para a determinação de sua situação jurídica (direitos e obrigações).[29]

No mesmo sentido, Diogenes Gasparini menciona que os contratos administrativos são realizados obrigatoriamente com particulares (art. 2º, parágrafo único da Lei nº 8.666/93). Caso fosse celebrado entre entes políticos, por exemplo, entre União e um Município, estaria descaracterizado o contrato administrativo, tendo em vista a impossibilidade de se “instabilizar o vínculo” por uma das partes, o que acarretaria no ataque ao princípio republicano.[30]

Quanto ao objeto do contrato, o autor comenta que é a solução (obra, bem, ou serviço) fornecida por um particular a uma necessidade da Administração Pública, sendo que é sobre tal objeto que são fixados os direitos e obrigações das partes. Tal objeto deve ser possível, lícito e suscetível de apreciação econômica. Então, o objeto deve ser materialmente realizável, não vedado em lei, e que possa lhe ser atribuído um valor econômico.

Ainda, o objeto do contrato deve ser minuciosamente descrito, de forma a evidenciar todas suas características essenciais. Tal cuidado é necessário para que o particular possa oferecer exatamente a solução correspondente à necessidade da Administração.[31]

Sobre as partes integrantes dos contratos administrativos, de um lado está Administração Pública, denominada em lei de contratante (art. 6º, XIV da Lei nº 8.666/93) e, de outro lado, o particular denominado de contratado (art. 6º, XV da Lei nº 8.666/93).

A parte contratante pode ser tanto uma entidade da Administração direta quanto da Administração indireta, desde que prestadoras de serviços públicos. Já o contratado pode ser pessoa física ou jurídica.

O único requisito é que as partes do contrato estejam devidamente representadas, vale dizer que essas sejam representadas pelas pessoas que possuem competência legal para tanto.

Por fim, impende comentar que todas as pessoas jurídicas de Direito Público e com capacidade política (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) possuem competência para legislar sobre contratos administrativos. Perceba-se que autarquias, fundações, empresas públicas, entre outras entidades da Administração indireta, não podem legislar sobre o assunto, tendo em vista que essas não possuem capacidade política, possuem tão somente a capacidade administrativa.

Então, as pessoas com capacidade política têm liberdade para legislar sobre os contratos administrativos. Lembrando, apenas, que elas devem respeitar as normas gerais sobre a matéria, como prescreve o inciso XXVII do art. 22 da Constituição da República, normas gerais atualmente dispostas na Lei nº 8.666/93.[32]

2.4.1 Interpretação do Contrato Administrativo

Nem sempre os contratos administrativos possuem todas as cláusulas claras e de fácil compreensão. Por isso, surge a necessidade de interpretar o contrato de forma a buscar o verdadeiro sentido de suas cláusulas.[33]

O art. 54 da Lei de Licitações dispõe:

Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.

Os contratos administrativos devem ser interpretados pautados nos princípios do Direito Público, complementados com os princípios da teoria geral dos contratos do Direito Privado, vale dizer, os institutos privados são aplicados em segundo plano, apenas no que o Direito Público for incapaz de solucionar.

Para Hely Lopes, deve-se ter em mente que, sem querer afastar as regras de hermenêutica, a interpretação dos contratos administrativos deve sempre partir do pressuposto do atendimento ao interesse público. As cláusulas contratuais devem ser interpretadas em prol da coletividade.

Ao contrário dos ajustes privados, em que existe liberalidade das partes assumirem obrigações ou renunciar direitos, nos contratos públicos, a Administração não possui tais liberalidades, já que ela está vinculada ao atendimento do interesse público.[34]

Com isso, o contrato administrativo deve ser interpretado de maneira a, em regra, resguardar o interesse público, portanto a aplicação de elementos do Direito Privado deve ser feita de forma a evitar o prejuízo desse princípio de proteção ao coletivo, por isso as normas do Direito Comum só se aplicam na omissão quanto à matéria procedimental do contrato, não devendo ser aplicadas em relação ao direito material propriamente dito em favor de um particular ou interesses individuais.

Foi isso que aqui se indagou, quando Toshio Mukai escreveu que “a referência à aplicação supletiva das disposições de direito privado, pelo art. 54, não significa o emprego das normas desse direito, mas das formas”, e o autor complementa mais adiante: “Aqui na verdade, não ocorre a aplicação subsidiária das normas de direito privado, e sim a aplicação analógica, com adaptação aos princípios e normas que estruturam o direito administrativo.”[35]

Apesar desta idéia de aparente beneficiamento irrestrito da entidade administrativa, a interpretação dos contratos administrativos que objetiva a persecução do interesse público não pode ser feita de tal maneira desmedida ou desproporcionada que cause sérios ônus a quem contrata com o Poder Público, por isso é que se defende a possibilidade, por exemplo, de alteração das cláusulas do contrato referentes ao modo de executar determinada obrigação, protegendo-se o particular contra qualquer ingerência da Administração sobre aquelas cláusulas que tratem das contraprestações devidas por esta à outra parte do contrato.

Tal idéia encontra-se na seguinte lição:

A alterabilidade das cláusulas regulamentares ou de serviço é prerrogativa implícita e impostergável da Administração nos contratos administrativos. Todavia, ao lado dessas cláusulas, estabelecidas em prol da coletividade, existem as econômicas, em favor do particular contratado, as quais, por esse motivo, são, em princípio, imutáveis, delas dependendo o equilíbrio financeiro do ajuste e a comutatividade dos encargos contratuais. Na interpretação do contrato administrativo não se pode negar, portanto, o direito de a Administração alterar as cláusulas regulamentares para atender ao interesse público, mas, por outro lado, não se pode também deixar de reconhecer a necessidade do equilíbrio financeiro e da reciprocidade e equivalência nos direitos e obrigações das partes, devendo-se compensar a supremacia da Administração com as vantagens econômicas estabelecidas no contrato em favor do particular contratado.[36] (itálico no original)

No intuito de alcançar a melhor interpretação dos contratos administrativos, Diógenes Gasparini os separa em contratos de colaboração e contratos de atribuição.

O autor explica-os da seguinte forma:

Os primeiros são ajustes em que o particular se compromete a executar alguma coisa para a Administração Pública, enquanto os segundos são os que investem o particular num dado direito ou privilégio. Dos primeiros são exemplos os contratos de serviço e de obra pública; dos segundos são exemplos os contratos de uso de bem público.[37]

Essa distinção, segundo o autor, tem importância para a forma de interpretar determinados contratos. Isso se deve ao fato de que no contrato de colaboração busca-se o atendimento de um interesse público (um serviço ou uma obra pública), logo nesses contratos a interpretação privilegiará a Administração Pública, justamente por se querer a realização da obra ou serviço público.

Já nos contratos de atribuição, tendo em mente que o principal beneficiado é o particular, a interpretação deverá privilegiar o atendimento do interesse privado.

Em caso de dúvida, a interpretação do privilégio deve ser restrita. Lembra-se que deve ser respeitado o pacta sunt servanda, e a impossibilidade de se alterar cláusulas essências do contrato, vale dizer, aquelas que se modificadas desnaturam o ajuste, tal como o objeto. Deve o intérprete buscar nos demais elementos do contrato, e também fora deste, uma solução possível para alcançar a melhor interpretação do contrato.

Por fim, parece interessante a lição de Eros Roberto Grau sobre a interpretação, ainda que não tratando especificamente sobre a interpretação dos contratos administrativos.

Finalmente, devo insistir em que a interpretação do direito é interpretação do direito, e não textos isolados, desprendidos do direito. [...]

Repito: não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços.

Assim, a interpretação de qualquer texto de direito impõe ao interprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição, no percurso da pirâmide normativa. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo nenhum.[38]

Percebe-se, após esse ensinamento, que a interpretação dos contratos administrativos, mesmo sendo um tema que guarde grande especificidade, não pode ser encarada isoladamente, pois nesse caso de nada valeria sua interpretação. A interpretação, então, deve considerar os contratos administrativos dentro de um sistema, não só aquele abrangido pelo Direito Administrativo, como também pelo ramo do Direito Privado, mais especificamente a teoria geral dos contratos.

2.4.2 Regime Jurídico do Contrato Administrativo

Preliminarmente, é necessário dizer que o regime jurídico do contrato administrativo pode ser reconhecido por sua natureza mista[39], ou seja, possui regras do direito privado convivendo em harmonia com princípios do regime jurídico-administrativo.

Tal fato é revelado na própria Lei de Licitações no já citado artigo 54, o qual concebe a possibilidade da aplicação do direito público e do direito privado complementarmente.

Ainda, sobre a relação das regras do direito privado com os princípios administrativos, Fernando Vernalha aponta o seguinte:

Cabe afirmar que o contrato administrativo está erigido e regulamentado preponderantemente pelo regime jurídico-administrativo. Aceitar-se a inflexão de regras de direito privado na seara jurídico-administrativa não significa permitir a aplicação autonomizada destas normas, mas entender que tais regras serão sempre concretizadas sob a projeção principiológico-pública.[40]

Em outras palavras os contratos administrativos admitem em seu bojo regras do direito privado, as quais, em geral, servem de suporte à materialização do instrumento contratual. Isso, sem perder de vista que tais regras só se aplicam em consonância com os princípios que regem a atividade administrativa. Tais princípios fundamentam e legitimam a aplicação das regras privadas em um contrato administrativo.

A autora Lúcia Valle Figueiredo comenta que aos contratos administrativos são atribuídas condições especiais, entre elas o desnivelamento, sobre o qual é tecido o seguinte comentário:

Impende, todavia, esclarecer que quando dizemos desnivelamento das partes não pretendemos dar privilégios à Administração Pública. Muito pelo contrário. Procuramos demonstrar – isto, sim – que, por força da ‘relação de administração’, nunca pode haver nivelamento.[41] (Grifado no original)

Ao que parece, a Administração nunca poderá estar no mesmo plano que o particular contratado, isso por conta da existência do interesse público, o qual é sempre fim das contratações públicas, e do dever de não dispor da coisa pública.

Segundo Diógenes Gasparini:

Os Contratos Administrativos observam um regime jurídico próprio, estatuído pelo Direito Administrativo e indicado em cláusulas exorbitantes. Dito regime é marcado, na sua essência, pela possibilidade que tem a Administração Pública contratante, em razão do interesse público, de, em relação ao ajuste celebrado, modificar a execução a cargo do contratado, de rescindir o ajuste antes do termo fixado, de aplicar sanções e de intervir provisoriamente na execução do ajuste nos casos em que seu objeto é a prestação de serviços essenciais. Essas características, mas não só essas, estão previstas nos diversos incisos e parágrafos do art. 58 da Lei federal das Licitações e Contratos Administrativos da Administração Pública.[42]

Marçal Justen Filho complementa que o regime jurídico dos contratos administrativos, os quais ele denomina de propriamente ditos, se caracteriza pelo dever-poder da Administração Pública modificar o conteúdo do que inicialmente pactuado.

Contudo, ele observa que estas prerrogativas especiais não devem ser entendidas como verdadeiras prerrogativas ou privilégios concedidos à Administração. Como já dito, trata-se de um poder-dever, o qual será utilizado quando ficarem demonstrados os pressupostos legais para a utilização dessas prerrogativas.

Então, a Administração não possui um direito, e sim um dever de utilizar-se desta ferramenta sempre que evidenciados os pressupostos fáticos e legais que induzam tal prática para garantir a satisfação do interesse público.[43]

Com isso, a instabilização do contrato, representada pela rescisão ou alteração das condições de execução do contrato, pode ser feita unilateralmente pela Administração. Contudo, tais alterações são limitadas pela impossibilidade de se alterar o objeto do contrato e, pelo dever de se manter as condições financeiras do ajuste, as quais são consideradas cláusulas contratuais rígidas, vale dizer, não se sujeitam ao poder-dever da Administração proceder a modificações unilateralmente.

Isso porque, segundo Marçal Justen Filho, o contrato administrativo apresenta dois tipos de cláusulas, as regulamentares, que tratam da execução do encargo, e as econômicas que tratam da remuneração devida ao particular que contratou com a Administração.

As cláusulas econômicas correspondem ao núcleo contratual imutável que é a relação entre encargos e vantagens que deve manter-se inalterada durante toda a duração do contrato[44], é o que denomina-se princípio da intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato administrativo.[45]

2.4.3 Cláusulas Exorbitantes

Odete Medauar explica que quando do início da formulação da teoria do contrato administrativo, usou-se de base a teoria do contrato privado. Contudo, como havia a participação da Administração como parte do contrato, logo se percebeu que alguns aspectos não eram condizentes com o regime jurídico dos contratos privados. Tais aspectos foram denominados de cláusulas derrogatórias e exorbitantes do direito comum.

Sobre isso, a autora explica que:

Nessa expressão, direito comum significava sobre tudo o direito civil; o termo ‘derrogatórias’ expressava que tais cláusulas aboliam ou deixavam de lado preceitos vigentes para o contrato privado; o vocábulo ‘exorbitantes’ significava que excediam ou desviavam do direito privado.[46]

Mais recentemente o instituto passou a se chamar cláusula exorbitante, e é uma característica que distingue os contratos administrativos dos privados.

Fernando Vernalha tece crítica à utilização da expressão cláusula exorbitante, pois as cláusulas são em regra expressões das vontades das partes do contrato. Mas no caso dos contratos administrativos esses poderes exorbitantes são impostos pelo ordenamento jurídico, logo, nas palavras do autor, “é uma norma jurídico-contratual, a qual é inderrogável e irrecusável pelas partes”.[47]

Apesar da relevante crítica, feita por esse autor, em relação à terminologia do instituto, neste trabalho para fins didáticos, e de acordo com o adotado pela maioria dos autores, será adotada a expressão cláusula exorbitante.

Assim, segundo Hely Lopes Meirelles, “Cláusulas exorbitantes são, pois, as que excedem do Direito Comum para consignar uma vantagem ou uma restrição à Administração ou ao contratado”.[48]

Ou utilizando-se da definição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

São cláusulas exorbitantes aquelas que não seriam comuns ou que seriam ilícitas em contrato celebrado entre particulares, por conferirem prerrogativas a uma das partes (a Administração) em relação à outra; elas colocam a Administração em posição de supremacia sobre o contratado.[49]

As cláusulas exorbitantes não se coadunam com o regime jurídico dos contratos privados, pois, trazem uma condição de desigualdade entre as partes contratantes e se confrontam com outros princípios comezinhos, por exemplo, o pacta sunt servanda.[50] Contudo, são plenamente aceitáveis nos contratos administrativos quando são de acordo com os princípios que regem a atividade administrativa e com a lei.

Por se tratarem de preceito de ordem pública as cláusulas exorbitantes não podem ser renunciadas pela Administração. Isso porque, como já afirmado, não são prerrogativas no sentido literal da palavra, em verdade tratam-se de um dever imposto à Administração Pública, a qual é responsável pela boa execução dos contratos que tem como fim primário a satisfação do interesse público. Interesse público que é justamente o pressuposto da utilização das cláusulas exorbitantes, e que em regra se sobrepõe sobre o interesse privado.[51]

A seguir serão tratadas as cláusulas exorbitantes comumente descritas na doutrina nacional, as quais se referem à equação econômico-financeira, alteração e rescisão unilaterais, exceção do contrato não cumprido, fiscalização e aplicação de sanções.

2.4.3.1 Equação econômico-financeiro

Para o autor Diogenes Gasparini a equação econômico-financeira pode ser definida como a “relação de igualdade entre os encargos do contratante particular e a correspondente remuneração a que faz jus, fixada no contrato administrativo para justa compensação do pactuado”.[52]

Hely Lopes Meirelles define equilíbrio financeiro como “a relação estabelecida inicialmente pelas partes entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração do objeto do ajuste.” [53]

A equação econômica, segundo o referido autor, deve ser mantida durante toda a execução do contrato, sendo ela então uma limitação às alterações unilaterais da Administração, pois estas não podem acarretar no prejuízo do particular, vale dizer, sempre que a alteração modificar a relação financeira inicialmente ajustada no contrato, esta deve ser restabelecida. Tal conceito é amplamente difundido, tanto é que está expressamente previsto na Lei nº 8.666/93, como se percebe por meio dos dispositivos citados pelo autor, quais sejam, arts. 57, §1º, 58, I, §§ 1º e 2º, e 65, II, “d”, e §6º.

Sobre a intangibilidade do equilíbrio financeiro, Marçal Justen Filho ensina que:

O exercício das competências anômalas da Administração não pode alterar a equação econômico-financeira original. A alteração das condições contratuais obriga à modificação concomitante das cláusulas atinentes à remuneração do contratado.

[...]

 A equação econômico-financeira é a relação entre encargos e vantagens assumidas pelas partes do contrato administrativo, estabelecida por ocasião da contratação, e que deverá ser preservada ao longo da execução do contrato.[54]

Segundo esse autor, a proteção à equação econômico-financeira decorre do princípio da eficácia administrativa, o qual preceitua o dever da Administração desembolsar o menor valor possível nas suas contratações.

Isso porque, segundo ele, a garantia oferecida pela intangibilidade da equação econômico-financeira faz com que os particulares sintam-se mais seguros em relação aos riscos de contratar com a Administração. Com a diminuição dos riscos, conseqüentemente baixam-se os preços do mercado, já que o particular não tem a necessidade de estabelecer uma grande margem de segurança para o valor de seus insumos, pois estes se estabelecem na proporção em que o risco do negócio é mais ou menos elevado.

Dessa forma, com a garantia dada pelo dever de manutenção da equação econômico-financeira, será proporcionada à Administração a contratação pelos menores preços do mercado, pois os particulares passam a ver um bom negócio na contratação com a Administração Pública.

Isso decorre da idéia de que o dever de manutenção da equação econômico-financeira proporciona um negócio de baixos riscos, logo o particular pode oferecer menores preços à Administração, justamente por se tratar de um negócio com baixa periculosidade.

Salienta-se que caso ocorra situação inversa, ou seja, que eventos extraordinários ampliem desarrazoadamente as vantagens do contratado, a Administração deverá buscar, também nesse caso, o reequilíbrio da equação econômico-financeira.

Já a quebra da equação, acontece quando as condições econômicas ao tempo da execução do contrato mostram-se diversas daquelas existentes no momento da formulação das propostas.

Segundo Marçal Justen Filho esta quebra depende da existência de alguns pressupostos, quais sejam, a ocorrência de eventos extraordinários, ou seja, não havia como a Administração identificar a possibilidade do evento modificador, e nem mensurar suas proporções; em decorrência desse fato, houver a mudança dos encargos em relação à remuneração, vale dizer, o desequilíbrio entre esses dois fatores e; que essa nova situação seja capaz de prejudicar substancialmente a execução do contrato.[55]

2.4.3.2 Alteração unilateral

Nesse ponto serão tecidos breves comentários acerca do instituto, pois ele será tratado com mais profundidade na segunda parte do presente trabalho.

Como visto, o contrato administrativo possui regime jurídico próprio em relação à teoria geral dos contratos. Esse regime jurídico administrativo permite que a Administração altere unilateralmente certas cláusulas do contrato para adequá-lo ao interesse público.[56]

Sobre o poder de alterar unilateralmente o contrato, Hely Lopes Meirelles ensina:

Podem ser feitas ainda que não previstas expressamente em lei ou consignadas em cláusula contratual. Assim, nenhum particular, ao contratar com a Administração, adquire direito à imutabilidade do contrato ou à sua execução integral ou, ainda, às suas vantagens in specie, porque isto equivaleria a subordinar o interesse público ao interesse privado do contratado.[57] (grifado no original)

A possibilidade das alterações unilaterais está disposta genericamente no art. 58, I da Lei de Licitações e tem o objetivo de adequar o contrato às finalidades do interesse público. O art. 65, I, da mesma lei, estabelece os casos que ensejam tais medidas, quais sejam: quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos nos parágrafos do mesmo dispositivo[58].

Quando verificada a hipótese em que se fizer necessária a modificação do projeto ou especificações, para melhor adequação técnica, trata-se de modificações qualitativas do contrato. Já, na segunda hipótese, trata-se de alteração decorrente de acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto.

Contudo, é de se ressaltar que as alterações unilaterais devem estar motivadas nos moldes do art. 65, I, “a” e “b” da Lei nº 8.666/93, além de que as alterações devem respeitar os direitos do contratado, de acordo com o que prescreve o art. 58 na parte final do inciso I da citada lei[59]. Isso porque, “ninguém contrataria com o Estado se não houvesse limites a esse poder de alteração unilateral”.[60]

Esses limites refletem-se na manutenção do equilíbrio da equação econômico-financeira, da preservação da natureza do objeto do contrato e aos limites de acréscimo e supressão do objeto do contrato.

2.4.3.3 Rescisão unilateral

Sobre a rescisão unilateral dos contratos administrativos, Odete Medauar ensina que:

Independentemente de anuência do contratado, a Administração poderá encerrar a vigência do contrato, antes de seu termo final, por descumprimento de cláusulas ou por razões de interesse público, sempre com motivação e assegurado contraditório e ampla defesa (art. 58, II, e arts. 78 e 79).[61]

Hely Lopes acrescenta que “o poder de rescisão unilateral do contrato administrativo é preceito de ordem pública, decorrente do princípio da continuidade do serviço publico, que à Administração compete assegurar”.[62] (grifado no original)

A hipótese de rescisão unilateral está prevista no art. 58, II da Lei de Licitações.

Maria Sylvia Di Pietro separa as hipóteses de rescisão unilateral, de acordo com a razão que a ensejou, em quatro grupos distintos.

O primeiro grupo é em relação ao inadimplemento com culpa, casos previstos nos incisos I a VIII e XVIII do art. 78. Nesses incisos, estão abrangidas:

[...] hipóteses como o não-cumprimento ou cumprimento irregular das cláusulas contratuais, lentidão, atraso injustificado, paralisação, sub-contratação total ou parcial, cessão, transferência (salvo se admitidas no edital e no contrato), desatendimento de determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a execução do contrato, cometimento reiterado de faltas, descumprimento do art. 7º, da Constituição Federal, sobre trabalho de menor.[63]

Enquanto no segundo grupo estão os casos de inadimplemento sem culpa, dispostos nos incisos IX a XI do art. 78. São situações referentes ao “desaparecimento do sujeito, sua insolvência ou comprometimento da execução do contrato.” [64]

Por fim, estão as hipóteses de rescisão unilateral dispostos nos incisos XII e XVII do art. 78 que se referem às razões de interesse público e a rescisão decorrente do caso fortuito ou de força maior, respectivamente.

A autora comenta que nas duas primeiras hipóteses, a rescisão decorre exclusivamente por conta de atos ou omissões praticadas pelo contratado, portanto a Administração não teria obrigações em relação a ele, fora as normais do próprio contrato, ou seja, não existe uma obrigação de indenizar o contratado, por exemplo.

Em verdade, é o contratado que deve à Administração. Caso a rescisão tenha sido motivada por ato culposo, pode a Administração cobrar indenização, aplicar sanções administrativas, fazer a assunção do objeto do contrato, e ainda pode o contratado perder a garantia.

Nas hipóteses de rescisão unilateral em razão de interesse público e caso fortuito ou força maior, de acordo com o §2º, incisos I a III do art.79, a Administração deverá ressarcir o contratado dos prejuízos regularmente comprovados, devolver a garantia, fazer os pagamentos devidos até a data da rescisão, além dos custos de desmobilização.

Segundo Di Pietro, tal regra decorre do direito do contratado à intangibilidade da equação econômico-financeira, pois o término prematuro do contrato causa a quebra da equação, devendo, então, ser recompensada pela Administração contratante.

É interessante comentar a crítica feita pela autora em relação ao tratamento idêntico despendido à rescisão por interesse público e decorrente de caso fortuito ou força maior. Na hipótese de rescisão unilateral por caso fortuito ou força maior a Administração não deu causa ao fim prematuro do contrato. Esse ocorreu por conta de fatos imprevisíveis e estranhos a vontade das partes, logo, a Administração não deveria ser obrigada a indenizar o contratado, pois, dessa forma, subverte-se a teoria do caso fortuito ou força maior que é motivo de rescisão de pleno direito.[65]

Por fim, com base no ensinamento de Diógenes Gasparini, é interessante salientar que a rescisão unilateral trata-se de um dever-poder conferido à Administração Pública, logo quando esta estiver diante dos pressupostos que ensejam a rescisão, não cabe nesse momento juízo discricionário, a Administração deve assim proceder (rescindir o contrato).[66]

2.4.3.4 Exceção do contrato não cumprido

A Exceptio no adimpleti contractus é cláusula surgida e comumente utilizada no Direito Privado, e está prevista no art. 476 do Código Civil. Por meio dessa cláusula é permitido que uma das partes do contrato deixe de cumprir suas obrigações por conta do não cumprimento das obrigações que cabem à outra parte.

Em regra, no Direito Administrativo não se admite a invocação dessa cláusula perante a Administração Pública, apenas dessa em relação ao particular contratado quando esse inadimplir com suas obrigações.[67]

Essa recusa em aceitar-se a utilização da cláusula pelo particular em face da Administração surge por conta do respeito ao princípio da continuidade do serviço público e do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Com base nesses princípios não se aceitaria que o particular, por conta própria, deixasse de executar o contrato, a esse caberia tão-somente a possibilidade de requerer administrativamente ou judicialmente a rescisão contratual.[68]

Contudo, a doutrina e jurisprudência passaram a flexibilizar a não invocação pelo particular da exceção do contrato não cumprido, como forma de evitar possíveis abusos por parte da Administração contratante, e por respeito ao equilíbrio econômico-financeiro.

Levanta-se como primeira hipótese da utilização da cláusula perante a Administração, com base no ensinamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quando por conta de alguma conduta da Administração contratante (fato da Administração), torna-se impossível a execução do contrato pelo particular, ou ocasiona-se acentuado desequilíbrio econômico-financeiro. Nas palavras da autora:

[...] o Fato da Administração pode provocar uma suspensão da execução do contrato, transitoriamente, ou pode levar a uma paralisação definitiva, tornando escusável o descumprimento do contrato pelo contratado e, portanto, isentando-o das sanções administrativas que, de outro modo, seriam cabíveis.[69]

Enquanto Hely Lopes Meirelles entende possível, como exceção, que o próprio particular suspenda a sua execução do contrato, nos casos em que ele sofrer encargo insuportável ou for impedido de cumprir suas obrigações por conta de obstáculos criados pela própria Administração contratante, por exemplo:

[...] quando a Administração deixa de entregar o local da obra ou serviço, ou não providencia as desapropriações necessárias, ou atrasa os pagamentos por longo tempo, ou pratica qualquer ato impeditivo dos trabalhos da outra parte [...][70]

Seguindo a tendência, a Lei de Licitações em seu art. 78, incisos XIV e XV[71] previu a possibilidade da argüição da exceção de contrato não cumprido.

A jurisprudência também já se posicionou na possibilidade do particular argüir a exceção do contrato não cumprido, é o caso do acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com a ementa transcrita a seguir:

ADMINISTRATIVO. CONTRATO PARA FORNECIMENTO DE COBERTORES. EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO. - Se o descumprimento integral da segunda parte do contrato pelo particular decorreu exclusivamente do atraso no recebimento do preço acordado com a União, acarretando prejuízo insuportável ao contratado, está justificada a invocação da "exceção do contrato não cumprido". - Inobstante os contratos administrativos estarem submetidos a regime jurídico próprio em que tem lugar a supremacia do Poder Público, esta não pode ultrapassar os condicionamentos do Estado Democrático de Direito. - A União, ao deixar de cumprir a cláusula atinente às condições de pagamento, parcelando o preço, procedeu a verdadeira alteração do contrato, violando o princípio do equilíbrio econômico-financeiro; por isso, não encontram respaldo legal a rescisão do contrato pela União assim como a cominação das penas de multa e advertência. - Mantida a sentença que rescindiu o contrato com fundamento no art. 78, XV, da Lei nº 8.666/93, condenando a ré ao pagamento devido nos termos do art. 79, §2º. - Honorários advocatícios elevados para 10% sobre o valor da condenação, na esteira dos precedentes da Turma. - Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. - Apelação da autora provida. Apelação da União e remessa oficial improvidas.[72]

Percebe-se, da decisão, que é lícita a invocação da cláusula da exceção do contrato não cumprido em face da Administração, quando essa causar um prejuízo insuportável ao contratado.

2.4.3.5 Fiscalização

Para esse ponto, parte-se dos ensinamentos de Marcos Juruena Villela Souto que define o pressuposto da atividade fiscalizatória, no que segue:

Decorre do interesse público envolvido, de cuja gestão e satisfação o poder contratante não se exonera.

Com efeito, a contratação de terceiros para a realização de um objeto de interesse público é forma de descentralização administrativa por colaboração, através da qual o particular é chamado a colaborar com o Poder Público naquilo que é de seu mister, recebendo mera execução de tarefa, cujo titular é o contratante.

Não se despindo o contratante do poder estatal administrativo que lhe é inerente (poder-dever de agir que tem o administrador público), deve manter-se atento ao objeto de interesse público cuja execução (e não titularidade) foi confiada ao particular.[73]

Com isso, cabe à Administração resguardar-se quanto à execução do contrato administrativo utilizando-se da prerrogativa de fiscalizar, como lhe é permitido pelo art. 58, III da Lei de Licitações.

Ainda, o art. 67 da Lei nº 8.666/93 dispõe que “a execução do contratado deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado permitida a contratação de terceiros” para ajudá-lo a cumprir a fiscalização quando não detiver todos os conhecimentos técnicos necessários a essa atribuição.

No que se refere à fiscalização, Hely Lopes Meirelles ensina o seguinte:

A fiscalização da execução do contrato abrange a verificação material e do trabalho, admitindo testes, provas de carga, experiências de funcionamento e de produção e tudo o mais que se relacionar com a perfeição da obra, do serviço ou do fornecimento.[74]

A fiscalização objetiva garantir que a execução do contrato ocorra no estrito cumprimento das cláusulas contratuais, e com a qualidade desejada, além de que se cumpram as especificações técnicas exigidas, bem como o atendimento aos prazos contratuais.

Ainda, a boa fiscalização tem crucial importância porque, por meio dos dados nela obtidos, a Administração poderá motivar atos como suspensão, alteração e extinção do contrato, para aplicação de penalidades e etc.[75]

Por fim, de acordo com o §1º do art. 67 o fiscal anotará em livro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, propondo[76] medidas cabíveis à regularização das faltas ou defeitos.

Caso não aconteça o atendimento das determinações da autoridade administrativa, emanadas a partir da atividade fiscalizatória, o contrato administrativo pode ser rescindido unilateralmente[77], de acordo com o art. 78, VII[78].

2.4.3.6 Aplicação de sanções

A aplicação de penalidades contratuais pela Administração decorre do princípio da auto-executoriedade, pelo qual ela pode aplicar diretamente sanções sem necessidade de prévia intervenção do Poder Judiciário. As penalidades devem ser aplicadas às condutas faltosas praticadas pelo contratado, como a inexecução parcial ou total do contrato.

A prerrogativa de aplicar sanções administrativas está prevista no art. 58, IV da Lei nº 8.666/93.

A Lei nº 8.666/93 trata das sanções, aplicáveis no caso de inexecução contratual, nos artigos 86 a 88, os quais, por serem previstos de forma genérica[79], devem ser aplicados pela Administração de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.[80]

A Lei de Licitações prevê as seguintes sanções:

a) Advertência (art. 86, I): é a sanção mais branda, devendo ser formalizada por escrito descrevendo-se a conduta do contratado que a fez gerar.

b) Multa: é a sanção em forma de pagamento de uma quantia pecuniária à Administração. A multa deverá ser aplicada conforme previsão em contrato ou no instrumento convocatório. Ainda, ela pode ser aplicada concomitantemente às demais sanções, bem como no caso de rescisão unilateral do contrato. Existem dois tipos de multa, as quais são a multa de mora, prevista no art. 86, que é aplicada no caso de atraso injustificado da execução do contrato e; também, a multa por inexecução parcial ou total do contrato, prevista no art. 87, II da Lei de Licitações. Ainda, cabe salientar que para a efetivação da multa, ela pode ser descontada do valor da garantia prestada pelo contratado. No caso da multa ser maior do que a garantia poderá ser descontada dos pagamentos devidos pela Administração. Por fim, se não houver mais pagamentos a serem feitos, a Administração deverá cobrá-la por via judicial.[81]

c) “Suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 anos (art. 87, III): A Administração fixará o prazo proporcionalmente à gravidade do fato”.[82]

d) Declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior (art. 87, IV): Trata-se da sanção mais grave, sendo de competência do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme a esfera da Administração contratante. Conforme a análise sistemática do inciso IV com o §3º, ambos do art. 87 da Lei nº 8.666/93, infere-se que o contratado sancionado poderá requerer a sua reabilitação após dois anos da aplicação da declaração de inidoneidade, perante a própria autoridade que a aplicou e, sob a condição de ressarcir a Administração dos prejuízos por ele causados.

Sobre isso, percebe-se que a lei prevê expressamente o limite temporal para a sanção de suspensão, a qual, não poderá ultrapassar dois anos. Contudo, não o faz para a sanção de declaração de inidoneidade. Acerca desse tema, explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro;

Apesar da má redação do inciso IV do artigo 87, deduz-se que o limite mínimo é de dois anos, já que a lei, na parte final do dispositivo, emprega a expressão após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior; o limite máximo é a data em que ocorrer a reabilitação, ou seja, quando, após decorridos dois anos, o interessado ressarcir os prejuízos causados à Administração (art. 87, §3º).[83] (grifado no original)

Quando no inciso IV do art. 87 se fala em declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, ao contrário do que faz no inciso III do mesmo artigo – que se refere apenas à Administração – Di Pietro entende que o legislador procurou aumentar a abrangência da sanção, pois o termo Administração Pública remete ao inciso XI do art. 6º da Lei de Licitações que o define como “a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas”.

O licitante sancionado possui o direito de defesa, o qual está previsto no art. 87, caput, da Lei nº 8.666/93, dispondo do prazo de cinco dias para exercer tal direito (art. 87, §2º), exceto para o licitante que foi aplicada a declaração de inidoneidade, o qual, nesse caso, poderá se defender dentro do prazo de dez dias da abertura de vista (art. 87, §3ª).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro prossegue explicando sobre a possibilidade do licitante de interpor recurso:

Da aplicação das penas de advertência, multa e suspensão temporária cabe recurso, no prazo de cinco dias úteis a contar da intimação do ato, dirigido à autoridade superior, por intermédio daquela que aplicou a pena; esta tem o prazo de cinco dias úteis para reconsiderar a sua decisão ou, no mesmo prazo, fazer subir o recurso à autoridade competente, que deverá decidir também no prazo de cinco dias úteis, contado do recebimento (art. 109, I, f, e §4º).[84]

Já no caso da declaração de inidoneidade, ao licitante sancionado, cabe pedido de reconsideração no prazo de 10 dias úteis da intimação do ato, conforme o inciso III do art. 109 da Lei de Licitações.

É importante frisar que a Administração não tem discricionariedade para escolher entre aplicar ou não uma sanção, segundo Diógenes Gasparini existe um dever-poder nesse caso. Sendo configurada a hipótese de aplicação da sanção a Administração deverá assim proceder sob pena de responsabilização do agente competente.[85]

Enfim, o regime jurídico-administrativo apresenta-se nos contratos administrativos por intermédio das cláusulas exorbitantes anteriormente apresentadas (equação econômico-financeira, alteração e rescisão unilaterais, inoponibilidade da exceção do contrato não cumprido, fiscalização e aplicação de sanções), disposições contratuais baseadas nos princípios da igualdade e do interesse público, e que são atípicas relativamente aos postulados da igualdade e da autonomia da vontade informadoras dos contratos privados.

Veja-se, agora, com maior detença, as alterações unilaterais dos contratos administrativos, foco do presente estudo, no que se refere às suas balizas formais, fundamentos e conteúdo.

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Sobre o autor
Adriano Biancolini

Advogado em Curitiba (PR) no escritório Biancolini D'Ambrosio e Menzel Vieira Advogados, com experiência em atuação consultiva em licitações e contratos administrativos e funcionalismo público. Graduado pela Faculdade de Direito de Curitiba. Administrador do site Convir - A sua consultoria jurídica virtual (http://convir-adv.blogspot.com.br/)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIANCOLINI, Adriano. Limites das alterações unilaterais qualitativas dos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3205, 10 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21479. Acesso em: 29 mar. 2024.

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