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Improbidade adminstrativa. Imprescindibilidade da descrição do elemento subjetivo do tipo. Rejeição liminar da petição inicial

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30/08/2012 às 15:30
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2. DO TIPO PREVISTO NO ART.11, DA LEI 8.429/92. DA ATIPICIDADE DA CONDUTA. DA AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO NECESSÁRIO PARA A CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE. VIOLAÇÃO AO EXERCÍCIO DO DIREITO À AMPLA DEFESA.

Inicialmente, há que se registrar que a configuração do ato de improbidade previsto no art.11, da Lei 8.429/92 imprescinde da descrição dos seus dois elementos, quais sejam o objetivo – conduta - e o subjetivo, revelado na intenção dos agentes.

Na fase preliminar de análise da petição inicial, a fim de verificar se há indícios acerca do cometimento de ato configurador de improbidade, deve o intérprete, em face da aproximação das suas conseqüências com as regras do Direito Processual Penal para o processamento da ação, quando da análise da aceitação da denúncia, na fase de pronúncia, aplicar o princípio in dubio pro societate, de modo que, havendo dúvida, a ação não pode ser ceifada desde o início.

No entanto, do mesmo modo que ocorre no processo criminal, na inicial devem vir, ao menos, a descrição de todos os elementos que compõem o tipo.

CRIMINAL. HC. CONCUSSÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS QUE JUSTIFIQUEM A INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.ORDEM CONCEDIDA.

I. Hipótese em que a inicial atribuiu aos pacientes a prática, em tese, do crime de concussão, tendo sido a denúncia recebida somente em sede de recurso em sentido estrito.

II. Em que pese a inicial apontar fato, em tese, típico, é indispensável que venha acompanhada de elementos indiciários mínimos a justificar a instauração da ação penal. Precedentes.

III. Exordial acusatória que não apresenta nenhum elemento de prova capaz de embasar minimamente os fatos ali narrados, revelando-se temerária a instauração de ação penal para se verificar, somente em juízo, a idoneidade das imputações feitas aos pacientes.

IV. Ausência de justa causa reconhecida, determinando-se o trancamento da ação penal ajuizada em desfavor dos pacientes.

V. Ordem concedida, nos termos do voto do relator.

(HC 143.494/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 27/05/2011)

Neste contexto, em se tratando de ato de improbidade, em face da aplicação do art.11 da lei, além do elemento objetivo, há necessidade de o autor da ação trazer devidamente configurado o elemento subjetivo, ou seja, o ânimo do agente em intencionalmente violar algum dos princípios ali descritos. Deste modo, há que se concluir que não é admitida a responsabilidade objetiva.

A fim de se evitar peças acusatórias lacônicas ou omissas e se privilegiar o direito fundamental indisponível da cidadania, bem como ao pleno exercício do direito de defesa, exige-se que tanto o tipo penal quanto o de improbidade, venha descrito, na exordial, com todos os seus elementos, dentre o quais, em que teria consistido a vontade do agente em praticá-lo, pois, se é verdade que não existe crime/improbidade sem conduta, mais ainda é que não existe conduta sem vontade.

De modo a garantir o pleno exercício do direito de defesa, não ocorrendo surpresas para o réu no decorrer da ação, a petição que inicia o processo de acusação por ato de improbidade, deve conter todos os elementos que configuram o mesmo.

Nos termos do art.11 mencionado, “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições,...”

Neste contexto, seria ato de improbidade aquele que afrontasse princípio regente da Administração Pública, mas que violasse também o dever de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Significa, pois, que, além de infringir os princípios da Administração, o agente o tenha feito com a intenção de agir de forma desonesta, parcial ou de forma desleal. Apenas com a junção destes elementos, é que o ato poderá ser considerado ímprobo.

Assim, sendo o aspecto volitivo uma elementar do tipo, a ação só deve ser processada, quando, ao menos, descrita tal elementar, na petição inicial. Embora, por um lado, pudéssemos concluir que, para o processamento regular da ação não seria necessária prova cabal do elemento subjetivo, no sentido diametralmente oposto, não se pode admitir a ausência total de prova e muito menos a ausência completa de narração a respeito de tal elementar na exordial.

A petição inicial na qual não haja a descrição mencionada, não tendo narrado o animus de agir de forma desonesta, parcial ou desleal, limitando-se a apontar a conduta irregular, deve ser considerada inepta. O ato de improbidade deve ser o somatório de fatores internos e externos e a exordial não pode prescindir da apresentação de fatos concretos, caracterizadores do elemento subjetivo, sob pena de impedir a compreensão da acusação pelos réus, importando flagrante prejuízo ao exercício pleno do direito de defesa.

Consoante consignado no § 6º do art.17, da Lei nº 8.429/92 “a ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas”, ou seja, para o processamento da ação, o legislador exigiu, ao menos, um início de prova dos elementos caracterizadores da improbidade, o que se inclui aí, como já registrado, a prova acerca do elemento subjetivo.

Destarte, uma vez não tendo sido enunciado em que teria consistido o elemento subjetivo, a ação deve ser rejeitada, nos termos do art.17, §8º, da Lei nº 8429/92, pois o ato descrito não poderá ser considerado como improbidade. Evidencia-se não ser possível o seu processamento, pois não seria permitido que, no curso da demanda, o autor, sem ter apontado qualquer fato neste sentido na inicial, começasse a inovar, suscitando questionamentos a respeito da intenção dos agentes na prática do ato.

No julgamento do REsp 1008632 / RS, o Ministro FRANCISCO FALCÃO entendeu que "a inobservância do contraditório preambular em sede de ação de improbidade administrativa, mediante a notificação prévia do requerido para o oferecimento de manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias (§ 7°, do art. 17, da Lei 8.429/92), importa grave desrespeito aos postulados constitucionais da ampla defesa e do contraditório, corolários do princípio mais amplo do due process of law".

Conclui-se que a exigência do contraditório preliminar não é atendida de forma plena, quando ultrapassada tal fase, forem agregados fatos novos, a respeito dos quais os agentes não tiveram a oportunidade de se manifestarem de forma prévia.

Desde o início da ação, o autor deve demonstrar em que teria consistido a má-fé dos agentes na prática do ato, bem como apresentado documentos que contivessem indícios da sua existência ou justificativa acerca da impossibilidade de apresentá-los naquele momento inicial.

Nestes termos, não é possível que a prova do elemento subjetivo seja postergada, quando este não foi apontado pelo autor da ação como necessário para a configuração do ato. Admitir o processamento da ação, para que seja produzida prova neste sentido, significa afrontar os comandos legais acima referidos, bem como o princípio da ampla defesa, prevista no art.5º, LV, da CF, que aqueles visam proteger ao impor tais exigências.

O preceito "ampla defesa", conforme a doutrina, significa a possibilidade de rebater acusações, alegações, argumentos, interpretações de fatos, interpretações jurídicas, para evitar sanções ou prejuízos e não pode ser restrito.

Embora o julgado, abaixo transcrito, tenha sido proferido em ação penal, o seu conteúdo aplica-se perfeitamente à hipótese ora sob apreciação:

“Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (essentialia delicti) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente. Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.” (HC 84.580, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-8-09, 2ª Turma, DJE de 18-9-09)grifei

No mesmo sentido, a maioria doutrinária, exemplificada aqui na lição de José dos Santos Carvalho Filho (obra Manual de Direito Administrativo, 16ª edição, Editora Lumen Júris, Rio de Janeiro: 2006, pág. 893), para quem o elemento subjetivo do ato de improbidade previsto no art. 11 da Lei n. 8.429/92 é exclusivamente o dolo, afastada a culpa em sentido estrito por ausência de previsão expressa em lei. In verbis:

“O elemento subjetivo é exclusivamente o dolo; não tendo havido na lei referência à culpa, como seria necessário, não se enquadra como ato de improbidade aquele praticado por imprudência, negligência ou imperícia. Poderá, é óbvio, constituir infração funcional e gerar a aplicação de penalidade, conforme a lei de incidência, mas de improbidade não se cuidará.”

É esse o entendimento sufragado maciçamente nas Cortes pátrias, inclusive, encontrando-se PACIFICADO, atualmente, no Superior Tribunal de Justiça, após o julgamento dos Embargos de Divergência em RESP nº 875.163-RS, abaixo transcrito:

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 11 DA LEI 8.429/92). ELEMENTO SUBJETIVO. REQUISITO INDISPENSÁVEL PARA A CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PACIFICAÇÃO DO TEMA NAS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 168/STJ. PRECEDENTES DO STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NÃO CONHECIDOS.

1. (...)

2. O tema central do presente recurso está limitado à análise da necessidade da presença de elemento subjetivo para a configuração de ato de improbidade administrativa por violação de princípios da Administração Pública, previsto no art.11 da Lei 8.429/92. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois a Primeira Turma entendia ser indispensável a demonstração de conduta dolosa para a tipificação do referido ato de improbidade administrativa, enquanto a Segunda Turma exigia para a configuração a mera violação dos princípios da Administração Pública, independentemente da existência do elemento subjetivo.

3. Entretanto, no julgamento do REsp 765.212/AC (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.6.2010), a Segunda Turma modificou o seu entendimento, no mesmo sentido da orientação da Primeira Turma, a fim de afastar a possibilidade de responsabilidade objetiva para a configuração de ato de improbidade administrativa.

4. Assim, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que, para a configuração do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, é necessária a presença de conduta dolosa, não sendo admitida a atribuição de responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa.

5. Ademais, também restou consolidada a orientação de que somente a modalidade dolosa é comum a todos os tipos de improbidade administrativa, especificamente os atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11), e que a modalidade culposa somente incide por ato que cause lesão ao erário (art. 10 da LIA).

6. Sobre o tema, os seguintes precedentes desta Corte Superior: REsp 909.446/RN, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 22.4.2010; REsp 1.107.840/PR, 1ª Turma, Rel.Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 13.4.2010; REsp 997.564/SP, 1ª Turma, Rel.Min. Benedito Gonçalves, DJe de 25.3.2010; REsp 816.193/MG, 2ª Turma, Rel. Min.Castro Meira, DJe de 21.10.2009; REsp 891.408/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 11.02.2009; REsp 658.415/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 3.8.2006. No mesmo sentido, as decisões monocráticas dos demais integrantes da Primeira Seção: Ag 1.272.677/RS, Rel. Herman Benjamin, DJe de 7.5.2010; REsp 1.176.642/PR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Dje de 29.3.2010; Resp 1.183921/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Dje de 19.3.2010.

7. Portanto, atualmente, não existe divergência entre as Turmas de Direito Público desta Corte Superior sobre o tema, o que atrai a incidência da Súmula 168/STJ: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado" .

8. Embargos de divergência não conhecidos.

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Por ser de extrema importância, transcrevem-se os principais trechos do voto proferido pelo Ministro Relator - Mauro Campbell Marques, que direcionou o julgado:

“O tema central do presente recurso está limitado à análise da necessidade da presença de elemento subjetivo para a configuração de ato de improbidade administrativa por violação de princípios da Administração Pública, previsto no art. 11 da Lei 8.429/92.

Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois a Primeira Turma entendia ser indispensável a demonstração de conduta dolosa para a tipificação do referido ato de improbidade administrativa, enquanto a Segunda Turma exigia para a configuração a mera violação dos princípios da Administração Pública, independentemente da existência do elemento subjetivo.

Entretanto, no julgamento do REsp 765.212/AC (Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.6.2010), a Segunda Turma modificou o seu entendimento para o mesmo sentido da orientação da Primeira Turma, a fim de afastar a possibilidade de responsabilidade objetiva para a configuração de ato de improbidade administrativa.

Nesta oportunidade, em sede de voto vista, apresentei os seguintes argumentos:

"a) Da imprescindibilidade do elemento subjetivo: impossibilidade de responsabilização objetiva ou por simples voluntariedade.

Diz o art. 11 da Lei n. 8.429/92:

Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, enotadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele

previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

A dúvida que surge da leitura do dispositivo é a seguinte: estaria a incidência do art. 11 da Lei n. 8.429/92 condicionada à presença de algum elemento subjetivo (dolo e/ou culpa)?

A meu juízo, a resposta de tal pergunta passa pela análise prévia de um ponto nodal, qual seja, a unicidade com que se deve tratar o direito sancionador.

A característica básica de um sistema normativo ideal é a adequação valorativa de suas normas, que lhe proporciona ordem (Claus-Wilhelm Canaris, Pensamento sistemático e conceito de sistema , 2002). Dois são os valores resguardados pela adequação valorativa: a justiça e a segurança jurídica. Isto porque a adequação valorativa é uma garantia de universalização, uma concretização do princípio da igualdade. Resguarda também a segurança jurídica (sob todas as perspectivas: determinabilidade, previsibilidade, estabilidade e continuidade), na medida em que permite que administrados e administradores ordenem suas condutas de acordo com a regência desse sistema.

Pois bem. Há uma realidade inegável no ordenamento jurídico brasileiro, por cima da qual não podemos passar: existe um microssistema de proteção à moralidade administrativa, iniciado já antes da promulgação da Constituição da República de 1988 e por ela perpetuado e reforçado. Esse microssistema é formado basicamente pelas Leis n. 4.717/65 (Lei de Ação Popular - LAP), 7.347/85 (Lei de Ação Civil Pública - LACP), pela Constituição da República de 1988 (CR/88) e 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA).

Esse microssistema normativo traz sanções de especial gravidade para os agentes públicos que eventualmente incidirem nas condutas tipificadas em suas prescrições. Em razão dessa peculiaridade, penso que há uma aproximação inegável deste conjunto de normas com o Direito Penal, formando o que se denomina usualmente de direito administrativo sancionador.

Não estou dizendo aqui, entenda-se bem, que todas as regras e os princípios atinentes ao Direito Penal possam ser aplicados, sem qualquer tempero, às ações constitucionais de proteção à moralidade. Não é isso. Esse entendimento, inclusive, é fortemente combatido pela doutrina administrativista, que defende a separação das esferas cível, administrativa e penal.

As sanções da Lei de Ação Popular, da Lei de Ação Civil Pública e da Lei de Improbidade Administrativa não têm caráter penal, mas formam o arcabouço do direito administrativo sancionador, de cunho eminentemente punitivo , fato que autoriza trazermos à baila a lógica do Direito Penal, ainda que com granus salis. É razoável pensar, pois, que pelo menos os princípios relacionados a direitos fundamentais que informem o Direito Penal devam, igualmente, informar a aplicação de outras leis de cunho sancionatório.

Sobre o ponto, ganha relevância a transcrição literal das lições de Fábio Medina Osório:

"O certo é que vigora, fortemente, a idéia de que o Estado possui um único e unitário poder punitivo, que estaria submerso em normas de direito público. Essa caracterização teórica do poder punitivo estatal tem múltiplas conseqüências,e , paradoxalmente, parcela das situações que lhe servem de premissa são extremamente problemáticas. A mais importante e fundamental conseqüência da suposta unidade do ius puniendi do Estado é a aplicação de princípios comuns ao Direito Penal e ao Direito Administrativo Sancionador, reforçando-se, nesse passo as garantias individuais. (...) Prova dessa inegável realidade seria o fato de que o legislador ostenta amplos poderes discricionários na administrativização de ilícitos penais ou na penalização de ilícitos administrativos. Pode um ilícito hoje ser penal e no dia seguinte amanhecer administrativo ou vice-versa. Não há um critério qualitativo a separar esses ilícitos e tampouco um critério rigorosamente quantitativo, porque algumas sanções administrativas são mais severas do que as sanções penais. Pode haver, claro, tendências, em termos de política do Direito Punitivo. Isto não significa que haja espaços demarcados por critérios qualitativos, salvo em raras e excepcionais situações contempladas nas Cartas Constitucionais, onde se torna possível discriminar situações obrigatórias tipificação penal, ou, ao revés, de tipificação penal interditada." (Fábio Medina Osório, Direito administrativo sancionador, 2005, p. 120 e 124, com destaques acrescentados)

Há mais: esses princípios acauteladores de direitos fundamentais são, eles próprios, garantias fundamentais e, assim, tornam-se aplicáveis a todos os indivíduos, em qualquer esfera em que se encontrem (seja penal, seja cível, seja administrativa).

A Primeira Turma desta Corte Superior já teve a oportunidade de se manifestar sobre tal aproximação entre Direito Penal e Direito Administrativo. Veja-se a ementa abaixo:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA. APLICAÇÃO DA PENA. INVIABILIDADE DA SIMPLES DISPENSA DA SANÇÃO.

1. Reconhecida a ocorrência de fato que tipifica improbidade administrativa, cumpre ao juiz aplicar a correspondente sanção. Para tal efeito, não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, podendo, mediante adequada fundamentação, fixá-las e dosá-las segundo a natureza, a gravidade e as conseqüências da infração, individualizando-as, se for o caso, sob os princípios do direito penal. O que não se compatibiliza com o direito é simplesmente dispensar a aplicação da pena em caso de reconhecida ocorrência da infração.

2. Recurso especial provido para o efeito de anular o acórdão recorrido. (REsp

513.576/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJU 6.3.2006 -destaque acrescentado)

Não é diferente a opinião de Mauro Roberto Gomes de Mattos, para quem "o caput do art. 11 é bem amplo e perigoso, pois como norma punitiva que estipula graves sanções, com conotações penais, não se afigura como razoável deixar a cargo do subjetivismo do Poder Judiciário a aplicação da norma, sob pena do seu próprio esvaziamento" (Improbidade administrativa e atos judiciais , Revista Fórum Administrativo n. 10, 2002, p. 1.291, com destaques nossos).

O que se expôs até aqui não é meramente formal, como pode ter parecido no início deste tópico, quando se fez alusão à questão do sistema. Ao contrário, esse entendimento guarda fundamento na lógica da relevância dos bens protegidos pela ordem jurídica – os quais, como já exposto, são verdadeiros direitos fundamentais (entre eles os direitos políticos, por exemplo) –, passíveis de serem restringidos como forma de sanção por uma conduta ofensiva a outros valores importantes (legalidade, moralidade, imparcialidade etc.).

De acordo com essa linha de argumentação, um princípio norteador do Direito Penal que, em minha opinião, deve ter plena aplicação no campo do Direito Administrativo sancionador é o princípio da culpabilidade, segundo o qual a punição de qualquer pessoa depende da atuação com dolo ou culpa. Na esteira dos ensinamentos de Luiz Regis Prado, "[c]ostuma-se incluir no postulado da culpabilidade em sentido amplo o princípio da responsabilidade penal subjetiva ou da imputação subjetiva como parte de seu conteúdo material em nível de pressuposto da pena. Neste último sentido, refere-se à impossibilidade de se responsabilizar criminalmente por uma ação ou omissão quem tenha atuado sem dolo ou culpa (não há delito ou pena sem dolo ou culpa - arts. 18 e 19, CP)" (Curso de Direito Penal, v. 1, 2008, p. 135).

Sobre o ponto, é importante citar o que sustenta Emerson Garcia (Improbidade Administrativa , 2008, p. 266/267):

"No direito moderno, assume ares de dogma a concepção de que não é admissível a imputatio juris de um resultado danoso sem um fator de ligação psíquica que a ele vincule o agente.Ressalvados os casos em que a responsabilidade objetiva esteja expressamente no ordenamento jurídico, é insuficiente a mera demonstração do vínculo causal objetivo entre a conduta do agente e o resultado lesivo. Inexistindo vínculo subjetivo unindo o agente à conduta, e esta ao resultado, não será possível demonstrar "o menosprezo ou descaso pela ordem jurídica e, portanto, a censurabilidade que justifica a punição (malum passionis ob malum actionis )."

Essa necessidade de tratamento unitário do direito punitivo e as conseqüências que daí advêm já seriam suficientes para rechaçar a tese segundo a qual a norma do art. 11 da Lei n.8.429/92 traz hipótese de responsabilidade objetiva. No entanto, creio que há uma linha teórica a mais, ainda não muito bem explorada doutrinária e jurisprudencialmente.

Note-se: quando se prestigia a inexigibilidade de elemento subjetivo (dolo ou culpa) para os casos do art. 11 da Lei n. 8.429/92, há atração inarredável da lógica do Direito Civil para a situação. Explico.

É que, salvo raras exceções (tal como no art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81 - obrigação de indenizar e de reparar o dano do poluidor-pagador), somente no âmbito do Direito Civil há o reconhecimento da responsabilização objetiva, nos termos dos arts. 37, § 6º, da CR/88 (para a esfera pública) e 927, p. ún., do Código Civil vigente (para a esfera privada), entre tantos outros artigos. Ocorre que o foco desse ramo do Direito não é a punição do ato ilícito, mas a indenização pelos danos dele advindos (seja a título patrimonial, moral ou estético) - inclusive, esse também é o foco do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81. E, mesmo assim, a responsabilidade civil subjetiva (que exige dolo ou culpa) ainda é regra...

Ora, a sistemática indenizatória em nada se assemelha à sistemática punitiva do microssistema de proteção à moralidade administrativa. O ilícito civil é o de gradação mais branda entre os três tipos possíveis (penal, civil e administrativo).

É regra de boa hermenêutica que a aplicação das normas de Direito Civil só poderia se dar no caso concreto se nele houvesse a mesma ratio iuris, mas não há. Repisando o que sustentei antes: o objetivo da LAP, da LACP e da LIA e também a gravidade das sanções impostas em razão dos atos de improbidade administrativa não autorizam a sistematização desse microssistema com a lógica do Direito Civil.

Em relação a esse argumento em específico, poder-se-ia sustentar que o art. 11 da Lei n.4.717/65 (LAP), por exemplo, impõe apenas a penalidade pecuniária, que não é tão grave e em muito se assemelha à indenização cível. Não é possível, contudo, trabalharmos esse microssistema pensando nos casos de menor gravidade da sanção, porque, se assim for, não seremos capazes de universalizar uma decisão sobre o art. 11 da Lei n. 4.717/65 para as hipóteses de incidência do art.11 da Lei n. 8.429/92 (do qual pode resultar perda de direitos políticos).

Então, pedindo vênias aos entendimentos contrários - que vêm sendo majoritários nessa Turma, como se observa da leitura do REsp 737.279/PR, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 21.5.2008 e do REsp 915.322/MG, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. 23.9.2008, com pendência de publicação -, não comungo da tese de responsabilização objetiva.

(...)

b) Da necessidade de dolo: insuficiência da culpa.

Afastadas a responsabilização objetiva e a suficiência da voluntariedade, passarei a analisar se a incidência do art. 11 da Lei n. 8.429/92 exige a comprovação de culpa, de dolo ou de ambos.

No ponto, remeto-me à leitura do art. 10, caput, da Lei de Improbidade Administrativa:

"Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...]"

Uma comparação entre a redação do art. 10, caput, e os arts. 9º, caput, e 11, caput, poderia levar o intérprete a três conclusões: (i) ou o silêncio verificado nestes últimos dispositivos equivale à consagração da responsabilidade objetiva na esfera da improbidade administrativa, (ii) ou é suficiente a culpa, (iii) ou a técnica de elaboração da Lei de Improbidade Administrativa é muito parecida com a técnica de elaboração do Código Penal (CP), no qual "[s]alvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente"(art. 18, p. ún., do CP).

A conclusão (i) já foi refutada no item anterior, motivo pelo qual enfrentarei apenas as conclusões (ii) e (iii).

Para refutar a necessidade de mera culpa, invoco, desde já, uma feliz colocação do Ministro Garcia Vieira, para quem "[a] lei alcança o administrador desonesto, não o inábil" (REsp 213.994/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, Segunda Turma, DJU 27.9.1999).

Inicialmente, destaco, ainda que sob pena de exaustão, que a natureza das sanções impostas em razão de enriquecimento ilícito ou de atentado aos princípios administrativos não comportaria a punição a título de culpa.

Se por negligência, imprudência ou imperícia, os administradores violam os deveres de legalidade, honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições (que é o substrato fático que autoriza a incidência do art. 11 da Lei n. 8.429/92), por mais desaconselhável que isso seja, haverá irregularidade administrativa (e não improbidade), que também é uma infração, merecendo sanção por outras esferas de controle, tais como a de responsabilização fiscal, a dos processos administrativos disciplinares, a da fiscalização dos Tribunais de Contas e os demais mecanismos de controle interno da Administração Pública, sem embargos do não menos eficiente controle exercido pelos novéis Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público.

Note-se: essas irregularidades não podem ser entendidas como um "diminutivo" dos atos de improbidade - ensejando tratamentos pejorativos, tais como "meras" irregularidades - e elas merecem combate via controles interno e externo da Administração Pública, mas não atraem a aplicação de sanções da ordem das expressas na LIA.

Não se trata de ser por demais permissivo, e sim de compreender o espírito das normas que resguardam a probidade administrativa. Nesse sentido, aproveito as lições de Juarez Freitas acerca dos arts. 9º e 11 da LIA: "[p]ara mim, para que haja improbidade administrativa, em qualquer uma das três espécies, há dois requisitos fundamentais. [...] O juiz precisa, simplesmente, de um princípio constitucional importantíssimo chamado 'princípio da sensatez'. [...] Então, o primeiro pressuposto é que, com bom senso, se examine o seguinte: há grave violação do senso médio superior de moralidade da comunidade? [...] É a primeira e mais grave pergunta para que haja uma improbidade administrativa, dada a gravidade das sanções em relação às três espécies. [...] E o segundo requisito, inequívoca intenção desonesta. [...] A mera irregularidade, a mera ilegalidade, para mim é insuficiente para condenar alguém por improbidade administrativa" (Ação civil pública – Improbidade administrativa , Boletim de Direito Administrativo n. 5, 2005, p. 543/544).

Por eliminação, sobra como viável a conclusão (iii) acima enunciada, pela qual o legislador redigiu a Lei de Improbidade Administrativa nos mesmos moldes em que se redigem os tipos penais. Nesse caso, então, na ausência de menção expressa ao elemento subjetivo "culpa", os arts. 9º e 11 só incidirão na presença de dolo.

Registre-se, ainda, mais um ponto. Nas palavras do Sr. Senador Pedro Simon - relator do Parecer n. 484/91, que foi favorável ao acréscimo do atual art. 11 no Projeto de Lei n. 1.446/91, da Câmara dos Deputados -, "[e]timologicamente, o vocábulo probo vem do latim probus, significando honesto, reto, leal ou justo. [...] Improbidade é, portanto, a conduta inversa, ou seja, aquela que viola a obrigação de honestidade, lealdade ou retidão no trato dos assuntos" (Diário do Congresso Nacional, 22.11.1991, p. 8.159).

Ora, seria acaso imaginável que alguém pudesse ser desleal ou desonesto sem querer? É possível ser ímprobo a título de culpa? A resposta só pode ser negativa, pois os conceitos de probidade e improbidade exigem necessariamente o querer, o agir com vontade."

Assim, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que para a configuração do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, é necessária a presença de conduta dolosa, não sendo admitida a atribuição de responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa. Ademais, também restou consolidada a orientação de que somente a modalidade dolosa é comum a todos os tipos de improbidade administrativa, especificamente os atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11), e que a modalidade culposa somente incide por ato que cause lesão ao erário (art. 10 da LIA).

Sobre o tema, os seguintes precedentes desta Corte Superior:

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. RESSARCIMENTO DE DANO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES SEM CONCURSO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO E DE MÁ-FÉ (DOLO). APLICAÇÃO DAS PENALIDADES. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DIVERGÊNCIA INDEMONSTRADA.

1. O caráter sancionador da Lei 8.429/92 é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa.

2. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além de que o legislador pretendeu.

3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador.

4. À luz de abalizada doutrina: "A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos (art. 37, §4º). A probidade administrativa consiste no dever de o "funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem(...)." in José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p-669.

5. O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, in casu, inexistente, por isso que a ausência de dano ao patrimônio público e de enriquecimento ilícito dos demandados, tendo em vista a efetiva prestação dos serviços, consoante assentado pelo Tribunal local à luz do contexto fático encartado nos autos, revelam a desproporcionalidade da sanção imposta à parte, ora recorrente, máxime porque não restou assentada a má-fé do agente público, ora Recorrente, consoante se conclui do voto condutor do acórdão recorrido: "Baliza-se o presente recurso no exame da condenação do Apelante em primeiro grau por ato de improbidade, em razão da contração de servidores sem a realização de concurso público. Com efeito, a tese do Apelante está adstrita ao fato de que os atos praticados não o foram com dolo ou culpa grave, mas apenas decorreram da inabilidade do mesmo, além de não terem causado prejuízo ao erário (..)"

(...)

11. Ademais, a adoção do novel entendimento desta Corte, no sentido da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário, conduz ao desprovimento da pretensão recursal quanto à ocorrência da prescrição para a propositura da ação ab origine.

12. A admissão do Recurso Especial pela alínea "c" exige a comprovação do dissídio na forma prevista pelo RISTJ, com a demonstração das circunstâncias que assemelham os casos confrontados, não bastando, para tanto, a simples transcrição das ementas dos paradigmas.Precedente desta Corte: AgRg nos EREsp 554.402/RS, CORTE ESPECIAL, DJ 01.08.2006.

13. Recurso Especial provido."

(REsp 909.446/RN, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 22.4.2010)

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. LEI 8.429/92. ATRASO NO PAGAMENTO DE PRECATÓRIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE IMPROBIDADE. PRECEDENTE.

1. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência dominante no STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação descrita nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos culposa, na do artigo 10 (v.g.: REsp 734.984/SP, 1 T., Min. Luiz Fux, DJe de 16.06.2008; AgRg no REsp 479.812/SP, 2ª T., Min. Humberto Martins, DJ de 14.08.2007; REsp 842.428/ES, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 21.05.2007; REsp 841.421/MA, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 04.10.2007; REsp 658.415/RS, 2ª T., Min. Eliana Calmon, DJ de 03.08.2006; REsp 626.034/RS, 2ª T., Min.João Otávio de Noronha, DJ de 05.06.2006; REsp 604.151/RS, Min.Teori Albino Zavascki, DJ de 08.06.2006).

2. Com esse entendimento, está assentado, em precedente da 1ª Turma, que "o inadimplemento do pagamento de precatórios, por si só, não enseja ação de improbidade administrativa, salvo se houver desvirtuamento doloso do comando constitucional nesse sentido" (AgRg no AG 1.122.211, Min. Luiz Fux, DJe de 15/10/09).

3. Recurso especial provido."

(REsp 1.107.840/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 13.4.2010)

"DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TERMOS DE ADITAMENTO AO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. SUPOSTA ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO NECESSÁRIO À CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE. TIPICIDADE DAS CONDUTAS ÍMPROBAS.

1. Ação civil pública intentada por Ministério Público Estadual com o intuito de obter reparação de prejuízos causados ao erário por supostos atos de improbidade administrativa, que teriam decorrido da assinatura de termos de aditamentos relacionados ao contrato administrativo 10/LIMPURB/95, em possível desacordo com as disposições da Lei 8.666/93.

disposições da Lei 8.666/93.

2. Aponta-se as seguintes ilegalidades: (i) alteração de valores contratuais estimativos, em desacordo com o limite de 25% previsto no artigo 65, § 1º; (ii) modificação dos prazos de pagamento previstos no edital (segundo termo de aditamento); (iii) inclusão de serviços da mesma natureza dos já contratados, mas não constantes do contrato originário; (iv) pagamento por serviços supostamente não prestados.

3. Acórdão recorrido que, com base exclusivamente na constatação da ilegalidade dos termos de aditamento, imputou aos réus a conduta culposa prevista no artigo 10 da Lei 8.429/92, bem como determinou a aplicação das penas previstas no artigo 12 da mesma lei.

4. Para que se configure a conduta de improbidade administrativa é necessária a perquirição do elemento volitivo do agente público e de terceiros (dolo ou culpa), não sendo suficiente, para tanto, a irregularidade ou a ilegalidade do ato. Isso porque “não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente."

(REsp n. 827.445-SP, relator para acórdão Ministro Teori Zavascki, DJE 8/3/2010).

5. No caso concreto, o acórdão recorrido, ao concluir que os desvios dos ditames da Lei 8.666/93, por si só, seriam suficientes para a subsunção automática das condutas dos demandados aos tipos previstos na Lei de Improbidade, não se desincumbiu de aferir a culpa ou dolo dos agentes públicos e terceiros, que são elementos subjetivos necessários à configuração da conduta de improbidade.

6. Ademais, observa-se que, na hipótese, a aplicação da Lei de Improbidade encontra-se dissociada dos necessários elementos de concreção, na medida em que sobejam dos autos pareceres do Tribunal de Contas Municipal, bem como diversos pronunciamentos técnicos provenientes de vários órgãos especializados da administração, todos convergentes quanto à possibilidade de assinatura dos termos de aditamento e baseados em interpretação razoável de dispositivos legais.

7. Imputar a conduta ímproba a agentes públicos e terceiros que atuam respaldados por recomendações de ordem técnica provenientes de órgãos especializados, sobre as quais não houve alegação, tampouco comprovação, de inidoneidade ou de que teriam sido realizadas com intuito direcionado à lesão da administração pública, não parece se coadunar com os ditames da razoabilidade, de sorte que seria mais lógico, razoável e proporcional considerar como atos de improbidade aqueles que fossem eventualmente praticados em contrariedade às recomendações advindas da própria administração pública.

8. A jurisprudência desta Corte já se manifestou no sentido de que se faz necessária a comprovação dos elementos subjetivos para que se repute uma conduta como ímproba (dolo, nos casos dos artigos 11 e 9º e, ao menos, culpa,nos casos do artigo 10), afastando-se a possibilidade de punição com base tão somente na atuação do mal administrador ou em supostas contrariedades aos ditames legais referentes à licitação, visto que nosso ordenamento jurídico não admite a responsabilização objetiva dos agentes públicos.

9. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa extensão, providos, para julgar-se improcedentes os pedidos iniciais, nos termos da fundamentação do voto, considerando-se prejudicados os demais temas discutidos nos autos."

(REsp 997.564/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 25.3.2010)

"PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALEGADA AFRONTA AO ART. 535 E 458 DO CPC.

INOCORRÊNCIA. CONFIGURAÇÃO DO ATO DE IMPROBIDADE DO ART. 10, INCISO X, SEGUNDA PARTE, DA LEI 8.429/92. POSSIBILIDADE DE ELEMENTO SUBJETIVO DA CULPA NAS CONDUTAS DO ART. 10.DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO CULPOSO E PREJUÍZO AO ERÁRIO PRESENTES NO ACÓRDÃO A QUO. RECURSO PROVIDO.

1. O aresto recorrido não está eivado de omissão nem de contradição, pois resolveu a matéria de direito valendo-se de elementos que julgou aplicáveis e suficientes para a solução da lide, havendo, na verdade, mero inconformismo em relação aos fundamentos da decisão.

2. A alegação de ofensa aos artigos 1º, 5º e 10, inciso X, da Lei 8.429/92 merece acolhida, pois o acórdão recorrido deixou assente a existência de dano ao erário por responsabilidade do prefeito municipal, à época ordenador de despesas, configurando-se ato de improbidade administrativa.

3. A decisão recorrida reconheceu claramente a responsabilidade do ex-prefeito - Nelson Jorge Maia quanto à realização de obras ineficazes para solução do acúmulo e proliferação de substância conhecida por necrochorume que traz sérios e graves riscos à saúde e à segurança da população, causando efetivamente lesão ao erário do município de Passos/MG.

4. Doutrina e jurisprudência pátrias afirmam que os tipos previstos no art. 10 e incisos (improbidade por lesão ao erário público) prevêem a realização de ato de improbidade administrativa por ação ou omissão, dolosa ou culposa. Portanto, há previsão expressa da modalidade culposa no referido dispositivo, não obstante as acirradas críticas encetadas por parte da doutrina.

5. Restou demonstrada na fundamentação do acórdão atacado a existência do elemento subjetivo da culpa do ex-prefeito bem como o prejuízo que a negligência causou ao erário, caracterizando-se, por isso mesmo, a tipicidade de conduta prevista no art. 10, inc. X, segunda parte, da Lei 8.429/92.

6. Recurso especial provido para restabelecer a condenação do ex-prefeito do município de Passos/MG - Nelson Jorge Maia ao ressarcimento integral do dano, atualizado monetariamente pelos índices legais acrescido de juros de mora na taxa legal, nos termos do art. 12, inc. II, da Lei 8.429/92.

(REsp 816.193/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 21.10.2009)

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. NÃO-CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF e 211/STJ. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429/92. ELEMENTO SUBJETIVO. NÃO-COMPROVAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.

1. Inexiste violação do art. 535, II, do Código de Processo Civil, quando o aresto recorrido adota fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, sendo desnecessária a manifestação expressa sobre todos os argumentos apresentados pelos litigantes.

2. A ausência de prequestionamento do dispositivo legal tido como violado torna inadmissível o recurso especial. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ.

3. Na hipótese dos autos, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra o prefeito do Município de Ponte Nova/MG e Secretários Municipais, em face de supostas irregularidades ocorridas em licitação para a locação de máquinas e veículos.

4. O entendimento majoritário desta Corte Superior é no sentido de que a configuração de ato de improbidade administrativa exige, necessariamente, a presença do elemento subjetivo, inexistindo a possibilidade da atribuição da responsabilidade objetiva na esfera da Lei 8.429/92.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido."

(REsp 891.408/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJe de 11.02.2009)

"ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO DE IMPROBIDADE –CONTRATAÇÃO SEM LICITAÇÃO – AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA DE PREÇO.

1. O tipo do artigo 11 da Lei 8.429/92, para configurar-se como ato de improbidade, exige conduta comissiva ou omissiva dolosa, não havendo espaço para a responsabilidade objetiva.

2. Atipicidade de conduta por ausência de dolo.

3. Recurso especial improvido."

(REsp 658.415/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 3.8.2006)

No mesmo sentido, as decisões monocráticas dos demais integrantes da Primeira Seção:

Ag 1.272.677/RS, Rel. Herman Benjamin, DJe de 7.5.2010; REsp 1.176.642/PR, Rel. Min.Hamilton Carvalhido, Dje de 29.3.2010; Resp 1.183921/MS, Rel. Min. Humberto Martins, Dje de 19.3.2010.

Portanto, atualmente, não existe divergência entre as Turmas de Direito Público desta Corte Superior sobre o tema, o que atrai a incidência da Súmula 168/STJ: "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado" .

Ante o exposto, os embargos de divergência não merecem ser conhecidos.

É o voto.” (grifos não constantes do original)

Conforme restou assentado no voto do Ministro Relator - Mauro Campbell Marques, embora as Turmas do STJ originariamente tenham divergido quanto à necessidade do elemento subjetivo para a tipificação do ato de improbidade, atualmente, não remanesce mais qualquer dúvida a respeito do assunto: não há responsabilidade objetiva, para aplicação das penalidades previstas na lei de improbidade, sendo imprescindível a comprovação da presença do elemento subjetivo, ou seja, que a conduta não seja meramente irregular, mas tenha sido dirigida pela vontade do agente em agir de forma inidônea e com o com intuito direcionado à lesão da administração pública

A exigência da comprovação do dolo do agente público se justifica na medida em que o art. 11 da Lei 8.429/92, que se refere aos atos atentatórios aos princípios da administração pública, possui caráter de norma aberta, que reclama grande ponderação do intérprete na sua aplicação, sob pena de efetivação de injustiças.

Assim, para configuração do ato de improbidade administrativa atentatório a princípios constitucionais, tem-se por indissociável a presença da má-fé do agente público, sem a qual se poderá ter caracterizado, no máximo, uma mera irregularidade administrativa.

A petição inicial, na qual não haja a descrição das condutas do agente da qual se possa extrair a presença do dolo na suposta ofensa aos princípios da administração pública, compete ao juízo de primeiro grau decidir pela inépcia da inicial, vez que o fato, nos moldes em que descrito, seria atípico, faltando, portanto justa causa para o processamento da ação.


3.DA DEFESA PRÉVIA NA AÇÃO DE IMPROBIDADE. APLICAÇÃO DO ART.17, §8º, DA LEI 8.429/92.

O procedimento para o processamento da ação de improbidade encontra-se regulado no art.17, da Lei 8.429/92, que dentre os seus parágrafos, destacam-se os seguintes:

“§ 6o A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil.

§ 7o Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.

§ 8o Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.

§ 9o Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação.

§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.

§ 11.Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito. § 12.Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1º, do Código de Processo Penal.

O art. 17, § 8º da Lei de Improbidade prevê a hipótese em que, uma vez convencido o Juízo da não caracterização do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita poderá extinguir a ação de plano. Ocorre que, para que o juiz tenha condições de realizar tal avaliação, a ação deverá ser instruída com os documentos nos quais se contenham pelo menos os indícios dos elementos do tipo ou, na impossibilidade de se produzi-los, a apresentação da justificativa.

Tais exigências legais são de importância ímpar, para proteger os agentes públicos de ações judiciais infundadas, cujo simples processamento, pode lhes causar enormes prejuízos, produzindo efeitos maléficos na vida profissional e pessoal.

Neste contexto, como vem sendo defendendo ao longo deste trabalho, ao autor da ação cabe descrever e trazer elementos que comprovem também o dolo do agente, pois, do contrário, não há como saber se a imputação é baseada em conduta imprudente, negligente ou imperita em relação às quais o mecanismo de repressão não é a ação de improbidade, mas os processos administrativos disciplinares, as ações de reparação de danos, dentre outros instrumentos que buscam proteger o interesse público.

Assim, ao lhe ser oportunizado o direito ao contraditório preliminar, deve o agente ter a possibilidade de se defender quanto à caracterização, inclusive, do elemento subjetivo da conduta, podendo demonstrar não ter agido com dolo ou má-fé, até porque a inclusão deste elemento quando da fase instrutória significará uma afronta ao procedimento descrito.


BIBLIOGRAFIA

1.      BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal Parte Geral, Vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2003, 3ª edição, p. 457.

2.      BUENO, Cassio Scarpinella Bueno e Pedro Paulo Porto Filho (coordenadores), Improbidade Administrativa – Questões Polêmicas e Atuais, Editora: Malheiros Editores, 2001

3.      CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Vol. 1, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2006, 14ª edição;

4.      CARVALHIDO, José dos Santos Filho, Manual de Direito Administrativo, 16ª edição, Editora Lumen Júris, Rio de Janeiro: 2006, pág. 893.

5.      COSTA, José Armando da. Contorno Jurídico da Improbidade Administrativa. Brasília: Brasília Jurídica, 2005, 3ª edição..

6.      DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. São Paulo: Saraiva, 2001.

7.      MEIRELESS, Hely Lopes. Mandado de Segurança. São Paulo: Malheiros, 2005, 28ª edição, p. 211.

8.      MOREIRA, Rômulo de Andrade, Direito Processual Penal, Editora Forense

9.      OSORIO, Fábio Medina, Teoria da Improbidade Administrativa, Editora RT, 2007

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Sobre a autora
Cristiane Souza Braz Costa

Procuradora Federal. Especialista em Direito civil pela UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Cristiane Souza Braz. Improbidade adminstrativa. Imprescindibilidade da descrição do elemento subjetivo do tipo. Rejeição liminar da petição inicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3347, 30 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22524. Acesso em: 25 abr. 2024.

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