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Responsabilidade civil do fisioterapeuta nos procedimentos dermatofuncionais com fins estéticos

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8 A GARANTIA DO SERVIÇO PRESTADO E O DEVER DE INDENIZAR

Para abordar esse tema, é importante fazermos uma análise hipotética de uma determinada situação clínica, comum aos fisioterapeutas. Um indivíduo que foi acometido por traumatismo raquimedular e que apresenta diversas sequelas físicas e funcionais, como uma paraplegia, procura um fisioterapeuta na ânsia de reaver sua capacidade de deambular e independência para realizar suas atividades de vida diária. Uma pergunta é inevitável: “vou voltar a andar?” Uma segunda pergunta: “quando vou voltar a andar?” O que mais poderá assegurar o profissional senão o compromisso de dedicar todo o seu conhecimento e arsenal terapêutico disponível para lograr o melhor resultado possível.

Esse prognóstico se deve ao atual estado de conhecimento sobre o tratamento bem como a tecnologia até então desenvolvida. Em outras palavras, trata-se de uma garantia apenas de meios, ou seja, o profissional, sentindo-se tecnicamente preparado para assumir a responsabilidade do tratamento, o aceita, assegurando somente seu empenho para uma evolução clínica satisfatória. Nesse caso a responsabilidade do profissional será cominada mediante a verificação de culpa, conforme o § 4º do art. 14 do CDC, de forma que compete provar que o resultado insatisfatório se deu por imperícia, imprudência ou negligência do profissional. Complementando, confere advertir que a obrigação assumida pelo profissional não é outra, a não ser de meio e não de resultado, porque, por mais avançada que esteja a ciência médica e da saúde de uma forma geral, é inviável garantir, previamente, o desfecho de qualquer quadro clínico, seja de um cliente do médico, seja de um fisioterapeuta. Neste sentido leciona Cavalieri Filho (2001, p.360):

Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir. A obrigação que o médico assume, a toda a evidência, é a de proporcionar ao paciente todos os cuidados conscienciosos e atentos, de acordo com as aquisições da ciência, para usar-se a fórmula consagrada na escola francesa. Não se compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí cuidados e conselhos.

Logo, a obrigação assumida pelo médico é de meio, e não de resultado, de sorte que, se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se pode falar, só por isso, em inadimplemento contratual. Esta conclusão, além de lógica, tem o apoio de todos os autores nacionais e estrangeiros (Aguiar Dias, Caio Mário, Silvio Rodrigues, Antônio Montenegro), e é também consagrada pela jurisprudência.

Esse entendimento é amplamente discutido pela doutrina e pela jurisprudência em relação à prática médica e sua responsabilidade subjetiva, excetuando-se os procedimentos estéticos e cirurgia plástica, conforme abaixo aduzido:

Apelação cível. Responsabilidade civil. Erro médico. Cirurgia bariátrica. Responsabilidade subjetiva do médico. Culpa comprovada. Art. 14, § 4º do CDC. Pensionamento devido às filhas da vítima. Dano moral configurado. Valor da indenização mantido. Caso concreto. 1. Agravo retido. Juntada de documento quando da apresentação de memoriais. Hipótese que não se amolda no art. 397 do CPC. Agravo desprovido. 2. Mérito. A responsabilidade pessoal do médico é subjetiva e, por sua vez, deve ter provada a culpa, pois incidente o § 4º do art. 14 do CDC. Conjunto probatório que demonstra a ocorrência da culpa do médico demandado na condução do procedimento pós-operatório. 3.Pensão mensal. É inviável a exclusão do pensionamento, porquanto comprovado que a genitora do autor contribuía para o sustento das filhas. Valor do pensionamento adequado. 4. Valor da indenização. Dano moral. A verba a ser fixada a título de reparação por dano moral não deve surgir como um prêmio ao ofendido ou dar margem ao enriquecimento sem causa. Considerando o valor fixado na origem, imperiosa a sua manutenção em razão das peculiaridades do caso concreto (RIO GRANDE DO SUL. Tribuna de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, AC N°70035250604, Rel. Artur Arnildo Ludwig, Julgamento: 30/06/2011).

Erro médico - Cirurgia plástica embelezadora - Obrigação de resultado - Partes que não deixaram documentalmente incontroversa a distribuição de responsabilidades -Responsabilidade objetiva - Condenação da primeira contratante e do hospital - Apelo provido em parte apenas para reduzir a condenação pecuniária (SÃO PAULO.Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, AC N°9074967872005826, Relator:Roberto Solimene, Julgamento: 20/10/2011).

No entanto, em relação à outros profissionais da saúde, como fisioterapeutas, dada ao recente desenvolvimento dessa profissão, criada no Brasil há apenas 43 anos, frente à medicina, por exemplo, que possui tradição milenar, não existem entendimentos doutrinários ou jurisprudenciais consubstanciados para discussão de casos concretos. Neste sentido, é prudente que as situações sejam abordadas de forma simétrica, no que se assemelha, em termos de conduta profissional e objetivos terapêuticos.

Como exemplificação do exposto, os procedimentos de depilação à laser, comuns à prática médica e fisioterapêutica, já ensejaram manifestação da justiça em face da insatisfação nos resultados apresentados pela técnica, conforme julgados abaixo:

Responsabilidade civil indenização danos materiais e morais depilação definitiva atividade desenvolvida em que se estabelece uma obrigação de resultado inadimplemento identificado quando a meta não é alcançada, com presunção de culpa do profissional da clínica requerida, contudo, que comprovou satisfatoriamente intercorrências e fatos relevantes que afastam sua responsabilidade (fatores imprevisíveis e situação clínica da paciente) - culpa dos profissionais da ré afastada pela prova técnica, que atesta a necessidade do perfil endocrinológico ou ginecológico da paciente perícia apontando que o tratamento da parte estética, sem cuidados com a questão hormonal, causa resistência ao resultado inocorrência de propaganda enganosa elementos dos autos que apontam para a inexistência do nexo causal entre a ação da clínica e o resultado indenização indevida sentença mantida recurso improvido (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, AC N°0118114-54.2007.8.26.0000, Rel. Elliot Akel, Julgamento: 29/11/2011).

Ação indenizatória por danos morais. Deserção do recurso. Afastamento. Complementação tempestiva das custas de preparo. Pretensão fundada em erro da requerida em procedimento de depilação a laser (Laser Diodo Light Sheer). Afastamento. Ausência de prova de inadequação dos recursos empregados pela requerida. Dever de informação, ademais, observado pela requerida. SENTENÇA MANTIDA, nos termos do artigo 252 do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça. APELO IMPROVIDO(SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, AC N° 0263258-82.2009.8.26.0002, Rel.DonegáMarandini, Julgamento: 29/11/2011.

Conforme se observa, quando o profissional assume responsabilidade subjetiva pelo seu serviço, com obrigação de meio, as suas garantias de serviço se atêm à prestação com zelo, empenho, perícia e prudência, sendo o prognóstico dependente das condições técnico-científicas disponíveis. Por outro lado, nos casos em que o objetivo não é a prevenção de doenças ou o restabelecimento da saúde agravada, onde o interessado busca um serviço objetivando a melhora da aparência física, de ordem estética, onde a responsabilidade do profissional é objetiva, cumpre assegurar o resultado do procedimento,sob pena do dever de indenizar, art. 186 do C.C. com o parágrafo único do art. 927 do mesmo dispositivo legal, o qual confere a obrigação de indenizar independentemente de culpa quando a atividade desenvolvida pelo autor, por sua natureza, acarreta risco para os direitos de outrem.


9 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NOS PROCEDIMENTOS ESTÉTICOS

A doutrina aponta as chamada causas excludentes de responsabilidade civil, as quais devem ser percebidas como situações que, por investirem contra um dos subsídios ou pressupostos gerais da responsabilidade civil, rompem o nexo causal, afastando a obrigação de indenizar.Venosa (2003, p.46)expõe que "são excludentes de responsabilidade, que impedem que se concretize o nexo causal, a culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito a força maior e, no campo contratual, a cláusula de não indenizar”. São ocorrências que, dependendo das circunstâncias, também se aplicam à responsabilidade objetiva.

A hipótese mais evidente é em relação á culpa exclusiva da vítima. Por exemplo, supõe-se que uma cliente submetida à um tratamento de esfoliação de pele foi orientada pelo fisioterapeuta à não se expor ao sol e usar protetor solar. Em desobediência ao profissional, a cliente desenvolveu manchas na face.

No entanto, vale ressaltar a obrigatoriedade do profissional em alertar o paciente sobre os eventuais riscos e possíveis resultados indesejados. Essa informação é um direito básico do consumidor, conforme inciso III, art. 6º CDC: “a informação adequada e clara sobre os deferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. Essa informaçãoé tida como qualificada, pois além de ser clara, deve ser compreensível e adequada. Assim já julgou o Tribunal de Justiça de São Paulo:

Erro médico – Cicatriz aparente - Improcedência da demanda - Inconformismo - Admissibilidade – Danos materiais, morais e estéticos configurados -Falha culposa do profissional que não advertiu adequadamente a paciente acerca da ocorrência de cicatriz - Direito do consumidor de receber as informações necessárias sobre os riscos e consequências do procedimento – Inteligência do art. 6º, inc. III, do Código de Defesa do Consumidor - Existência do dever de indenizar - Sentença reformada - Recurso parcialmente provido (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ACN° 9067259-49.2006.8.26.0000, Rel. José Luis Mônaco da Silva, Julgamento: 06/10/2011).

Ação de indenização por danos materiais e morais decorrentes de sequelas deprocedimento chamado de "peeling" químico resultando em queimaduras que deixaram cicatrizes irreversíveis no rosto, pescoço e colo da paciente obrigação de resultado que gera ' presunção de culpa da médica inaceitabilidade da tese de que a paciente tinha ciência da possibilidade de intercorrências indenização pelos danos estéticos e morais cabimento, com elevação do respectivo valor mais imposição dos danos materiais, consistentes nas despesas com tratamento passado e futuro. Apelo da ré improvido e provido em parte o da autora (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, AC n° 994.07.118026-5, Rel. Osmar Testa March, Julgamento: 05/04/2011).

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A segunda situação de possibilidade de exclusão é nos casos fortuitos ou de força maior, os quais ocorrem quando elementos naturais concorrem para o resultado. Podem ser alegados, por exemplo, nas situações em que ocorre uma evolução clínica inesperada, mesmo quando todos os cuidados necessários são tomados, como uma infecção após a execução de uma eletrolipoforese, onde há introdução de agulhas no tecido a ser tratado.Observa-se decisão do colendo Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ART. 14 DO CDC. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CASO FORTUITO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE.1. Os procedimentos cirúrgicos de fins meramente estéticos caracterizam verdadeira obrigação de resultado, pois neles o cirurgião assume verdadeiro compromisso pelo efeito embelezador prometido. 2. Nas obrigações de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina permanece subjetiva. Cumpre ao médico, contudo, demonstrar que os eventos danosos decorreram de fatores externos e alheios à sua atuação durante a cirurgia. 3. Apesar de não prevista expressamente no CDC, a eximente de caso fortuito possui força liberatória e exclui a responsabilidade do cirurgião plástico, pois rompe o nexo de causalidade entre o dano apontado pelo paciente e o serviço prestado pelo profissional. 4. Age com cautela e conforme os ditames da boa-fé objetiva o médico que colhe a assinatura do paciente em "termo de consentimento informado", de maneira a alertá-lo acerca de eventuais problemas que possam surgir durante o pós-operatório. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp 1180815 MG 2010/0025531-0 STJ,Rel. Nancy Andrighi, Julgamento:19/08/2010)

Vale advertir que a prova de quem alega o caso fortuito incumbe a quem alega, conforme entendimento de Stoco (2004).

O fato de terceiro está disciplinado nos arts. 929 e 930 do C.C. e estabelecem que se o dano ocorreu por culpa de terceiro, o qual não é o profissional nem a vítima, contra ele terá o autor do dano ação regressiva. São circunstâncias difíceis de prever em se tratando de procedimentos estéticos, sem previsão explicita na legislação, bem como na jurisprudência e doutrina. No entanto, o parágrafo 3º, inciso II do CDC disciplina que “o fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. Seria o caso de uma cliente submetida a uma limpeza de pele e orientada a não usar nenhum produto no local, porém, outro profissional prescreve um cosmético que ocasione irritação ou reação alérgica, concorrendo para o resultado insatisfatório do procedimento.

Já a “cláusula de não indenizar” e a “cláusula de irresponsabilidade”, são situações previstas em contrato, de forma unilateral ou não. Para Cavalieri Filho (2001), no caso da primeira afasta a indenização e, no caso da segunda, exclui a responsabilidade.Prima facie, essa cláusula exprime nulidade, uma vez que o corpo humano é indisponível juridicamente e,portanto, não seriam válidos os contratos que tenham o Homem como objeto. Para Dias (2006, p.100) "o médico, em certo grau, já goza de uma cláusula tácita de irresponsabilidade, na proporção da margem de erro tolerada pela imperfeição da própria ciência. Portanto, onde se poderia convencioná-la, ela há existe". Neste entendimento, pela importância que se deve ter pelo ser humano, qualquer outra tentativa de desobrigar de responsabilidade o profissional, seria inadmissível.


10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema possui uma abordagem inesgotável, abrangendo aspectos relevantes da responsabilidade civil do profissional de saúde, em especial o fisioterapeuta dermato-funcional. Pode-se concluir, em resumo, que a responsabilidade deste profissional está essencialmente lastreada no conceito de culpa, em suas diferentes modalidades, quando se trata de procedimentos reparadores, prevenção ou promoção da saúde, objetivando reestabelecer capacidade físico-funcional. Não obstante existam dificuldades na prova judicial da ocorrência de culpa pelo fato do onusprobandi recair sobre quem alega, tal fato não deve interferir na conduta do profissional, o qual deve estar sempre fundada nos deveres de informação e aconselhamento do seu cliente, dever de assistência, zelo, perícia técnica e prudência. Ocorrendo o erro do profissional e comprovada a culpa, advém a obrigação de indenizar.

No entanto, em se tratando de procedimentos estéticos a responsabilidade do fisioterapeuta dermato-funcional é objetiva com obrigação de resultado, independe de culpa, e inverte-se o ônus da prova. Em caso de resultado indesejado ou insatisfatório, o cliente tem direito de ser indenizado.

Para uma melhor segurança jurídica do profissional que atua nessa área, de grande interesse por parte de nossa sociedade, cumpre o dever de observar o cumprimento do exercício com zelo e perícia, mantendo-se constantemente atualizado cientificamente e tecnologicamente. Essa atualização inclui o conhecimento sobre as técnicas, suas indicações e contra-indicações, os possíveis efeitos indesejáveis do tratamento, bem como as evidências científicas de seus resultados.

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Sobre os autores
Rauirys Alencar de Oliveira

Fisioterapeuta e Bacharel em Direito, Mestre em Doenças Tropicais e Infecciosas, Doutorando em Engenharia Biomédica, docente da Uninovafapi e Uespi.

Cléa Mara Coutinho Bento

Advogada, especialista em Direito Público, mestre em Direito, docente do Centro Universitário Uninovafapi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Rauirys Alencar ; BENTO, Cléa Mara Coutinho. Responsabilidade civil do fisioterapeuta nos procedimentos dermatofuncionais com fins estéticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3547, 18 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23975. Acesso em: 19 abr. 2024.

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