Artigo Destaque dos editores

Acumulação de cargos públicos por profissionais de saúde com profissões regulamentadas à luz do princípio constitucional da eficiência

03/06/2013 às 09:00
Leia nesta página:

Não existe na Constituição e na Lei nº 8.112/90 nenhuma disposição legal que estabeleça, de forma expressa, limitação à carga horária daqueles que acumulam cargos públicos. No entanto, isso não quer dizer que não existam limites implícitos para disciplinar a matéria em comento.

A Constituição Federal de 1988, em sua redação original, previa no artigo 37, inciso XVI, que “é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários”.

Em 04 de junho de 1988, com a publicação da Emenda Constitucional nº 19, houve modificação da redação do inciso XVI, do artigo 37 da Carta Maior, passando a vigorar a seguinte regra:

“XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos privativos de médico.”

A alteração introduzida pela EC nº 19/98, teve como o principal objetivo de explicitar a aplicabilidade do teto constitucional de remuneração, estabelecido no inciso XI deste artigo 37, aos casos de acumulação lícita, bem como de estender a proibição de acumulação às subsidiárias das empresas públicas e das sociedades de economia mista e a qualquer empresa controlada, direta ou indiretamente, pelo Poder Público.

Posteriormente, a redação da alínea “c” do inciso XVI, sofreu alteração pela EC nº 34, de 13 de dezembro de 2001, que ampliou as hipóteses de acumulação lícita.Pela redação original da Constituição de 1988, profissionais de saúde que não fossem médicos ocupando cargos privativos de médico não estavam contemplados com a permissão para acumulação. Portanto, antes do advento da EC nº 34/2001, enfermeiros, dentistas, técnicos em radiologia e outros profissionais de saúde com profissões regulamentadas somente podiam ocupar um cargo, emprego ou função pública, sendo-lhes vedada a acumulação.

A EC nº 34/01 veio a corrigir essa lacuna, embora com um ligeiro retardo de 13 anos.

A redação do inciso XVI, do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 atualmente é a seguinte:

“XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.”

Ainda sobre o assunto, o inciso XVII do artigo 37, da CF/88 estabeleceu:

“XVII – a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público.”

Da mesma forma, a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias, e das Fundações Públicas Federais, preceitua em seu artigo 118, § 2º, que “a acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários”.

A exceção, então, da licitude da acumulação de cargos públicos requer dois requisitos cumulativos, quais sejam: a) compatibilidade de natureza dos cargos e, b) compatibilidade de horário.

Sobre a compatibilidade de horários, um dos requisitos exigidos constitucionalmente para a acumulação de cargos públicos, a Advocacia Geral da União (AGU), objetivando disciplinar a matéria no âmbito da Administração Pública Federal, emitiu o parecer nº GQ-145, vinculante, reproduzido a seguir, in verbis:[1]

Parecer-AGU nº GQ-145, vinculante:

“9. É proibido o exercício cumulativo de cargos e empregos, excepcionada a acumulação também de dois cargos de professor, de dois cargos privativos de médico e a de um cargo de professor com outro técnico ou científico, "quando houver compatibilidade de horários" (cfr. o inciso XVI do art. 37 da Constituição).

10. Essa regra vedante incide também nos empregos e funções das autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações mantidas pelo Poder Público, nos termos do Art. 37, XVII.

11. Os ocupantes de cargos técnicos ou científicos estão sujeitos, de lege lata, em regra, a quarenta horas (v. a Lei n. 8.112, de 11/12/90, art. 19, e a M.P. n. 1.587-7, de 5/3/98, art. 18, e normas posteriores) e os docentes dos estabelecimentos federais de ensino aos regimes de vinte ou quarenta horas, todos semanais. O professor submetido à carga de quarenta horas, com dedicação exclusiva, é obrigado a trabalhar em dois turnos diários completos e com impedimento para o desempenho de outra atividade remunerada, pública ou privada (cfr. o Decreto n. 94.664, de 23/7/87, arts. 14, 15 e 58, e normas posteriores).

12. Assim, nos casos em exame, os servidores somente poderiam ser submetidos, necessariamente, às cargas de sessenta ou oitenta horas semanais, presente a exigência da compatibilidade horária, cuja acepção, a seguir delineada, indica a inviabilidade da acumulação de que provenha o último quantitativo.

13. Esse total de oitenta horas de trabalho, por semana, tem o poder de tornar presente ao espírito do intérprete a invocação de Padre Antônio Vieira, feita por Cretella Júnior (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, vol. 4, pp. 2.211 e 2.212:

"Tendes um só desses ofícios, ou tendes muitos? Há sujeitos, na nossa Corte, que têm lugar em três, e quatro tribunais: que têm quatro, que têm seis, que têm oito, que têm dez ofícios. Quando Deus deu forma ao governo do mundo, pôs no Céu aqueles dois grandes Planetas, o Sol e a Lua, e deu a cada um deles uma presidência: ao Sol a presidência do dia: Luminaremaius ut praessetdiei. E à Lua a presidência da noite: Luminareminus ut praessetnocti. E por que fez Deus essa repartição? Porventura por que se não queixasse a Lua, e as Estrelas? Não: porque com o Sol ninguém tinha competência, nem podia ter justa queixa. Pois se o Sol tão conhecidamente excedia a tudo quanto havia no Céu, porque lhe não deu ambos os ofícios? Porque ninguém pode fazer dois ofícios, ainda que seja o mesmo Sol. Não vos admiro a capacidade do talento, a da consciência sim. Porque nenhum homem pode fazer bem dois ofícios. De maneira que um homem, que vale por setenta homens, não se atreve a servir um só ofício? E vós, que vos fará Deus muita mercê, que sejais um homem, atrevei-vos a servir setenta ofícios? Não louvo, nem condeno: admiro-me com as turbas" (Sermão do Terceiro Domingo da Quaresma, 1655, Anchietana, Sermões do Padre Vireira, Editora Anchieta, São Paulo, 1943, vol. I, Psicomotricidade. 480 a 485)."(Destacou-se).

14. O princípio da proibição da acumulação de cargos e empregos, inclusive com a ressalva destacada acima, tem por escopo o primado da coisa pública. As exceções estabelecidas não objetivam "privilegiar gratuitamente ou diferençar pessoas de forma desarrazoada. Não é em seu proveito que se permitem casos de acumulação. Não é para que um servidor passe a ser mais poderoso ou mais afortunado" (Comentários à Constituição do Brasil, Celso Ribeiro Bastos, São Paulo: Saraiva, 1992, 3º vol., tomo III, p. 123).

15. De maneira consentânea com o interesse público e do próprio servidor, a compatibilidade horária deve ser considerada como condição limitativa do direito subjetivo constitucional de acumular e irrestrita sua noção exclusivamente à possibilidade do desempenho de dois cargos ou empregos com observância dos respectivos horários, no tocante unicamente ao início e término dos expedientes do pessoal em regime de acumulação, de modo a não se abstrairem dos intervalos de repouso, fundamentais ao regular exercício das atribuições e do desenvolvimento e à preservação da higidez física e mental do servidor. É opinião de Cretella Júnior que essa compatibilidade "deve ser natural, normal e nunca de maneira a favorecer os interesses de quem quer acumular, em prejuízo do bom funcionamento do serviço público" (Op. cit.).

16. Em alusão à jornada de trabalho razoável, a que o empregado deve ser submetido, Mozart Victor Russomano opinou que o "interesse é da sociedade, porque assim ele poderá ser um homem, fisicamente, apto para o desempenho de sua missão social. Lucrará, ainda, a coletividade, porque, se o empregado repousar, trabalhará mais, produzindo melhor, enchendo o mercado de produtos abundantes e qualificados. O próprio empresário tem vantagens com isso, visto que a qualidade e, até mesmo, a quantidade de seus produtos lhe propiciam lucros mais apreciáveis". (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Rio de Janeiro: Forense, 1990, 13ª ed., vol. I p. 86).

17. Por mais apto e dotado, física e mentalmente, que seja o servidor, não se concebe razoável entenderem-se compatíveis os horários cumpridos cumulativamente de forma a remanescer, diariamente, apenas oito horas para atenderem-se à locomoção, higiene física e mental, alimentação e repouso, como ocorreria nos casos em que o servidor exercesse dois cargos ou empregos em regime de quarenta horas semanais, em relação a cada um. A esse propósito, torna-se oportuno realçar, no respeitante ao sono: I) a "duração do sono passa de 16h em 24 do nascimento para cerca de 6h em 24 aos 70 anos" (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, São Paulo: Ed. Universo, 1988);

II) o "sono se dá em ciclos regulares. Mas há variações individuais consideráveis. Assim, alguns necessitam de mais de dez horas de sono; a outros bastam quatro ou cinco horas. De qualquer modo, corresponde a necessidade irresistível. Sua privação provoca perturbações graves de conduta" (Enciclopédia Mirador Internacional, São Paulo: Companhia de Melhoramentos, 1975, p. 10.590).

18. Condições tais de trabalho seriam até mesmo incompatíveis com o fim colimado pela disciplina trabalhista, ao estatuir o repouso de onze horas, no mínimo, entre duas jornadas: este tem o fito de salvaguardar a integridade física e mental do empregado e a eficiência laborativa, intenção que, obviamente, não foi desautorizada pelo constituinte na oportunidade em que excepcionou a regra proibitiva da acumulação de cargos, até mesmo porque estendeu aos servidores públicos as normas trabalhistas sobre o repouso, contidas nos itens XIII e XV do art. 7°, a teor do art. 39, § 2°, ambos da Carta Federal.

19. O Texto Constitucional, art. 37, XVI, não terá pretendido contemplar cargas de oitenta horas semanais, sob o pretexto não só de que o regime cumulativo regrou-se sem nenhuma limitação, bem assim do pálio da compatibilidade de horários. Este requisito de configuração de direito de titularidade de cargos acumulada é de relevo e deve ser admitido de maneira a harmonizar-se com o interesse público e proporcionar ao servidor a possibilidade do exercício regular dos cargos ou empregos. Admitir-se a exegese que admita a carga total de oitenta horas, acarretando a impossibilidade da razoável execução do trabalho, seria dissonante da maneira de pensar de Carlos Maximiliano, exposta ao prelecionar que deve "o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências" (Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 1979, 9ª ed., p. 166).”

O parecer do Advogado-Geral da União, quando aprovado pelo Presidente da República e publicado juntamente com o despacho presidencial, adquire caráter normativo e vincula todos os órgãos e entidades da Administração Federal, que ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

Esse é, inclusive, o entendimento da Controladoria Geral da União (CGU), exposto em seu Manual de Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar[2], nos seguintes termos:

“Segundo o art. 40, § 1º da Lei Complementar nº 73, de 10/02/93, que é a lei orgânica da Advocacia-Geral da União, os pareceres adotados pelo Advogado-Geral da União são submetidos à aprovação do Presidente da República. Uma vez aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial, o parecer vincula a administração federal, ficando os órgãos e entidades públicas do Poder Executivo Federal (não alcança os Poderes Legislativo e Judiciário) obrigados a lhe dar fiel cumprimento.”

Sobre o assunto em comento, citamos também a NOTA TÉCNICA Nº 41/2010/GOGES/DENOP/SRH/MP, que trata da acumulação de cargos. Nela, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão busca dirimir qualquer dúvida que venha a pairar sobre a acumulação ilícita de cargos públicos quando essa ocorre pela extrapolação do horário de 60 (sessenta) horas de jornada de trabalho semanal para profissionais de saúde, como se pode ler a seguir:

“8.Assim, com fundamento na Legislação apresentada, resta improcedente a acumulação de dois cargos atrelados aos profissionais de saúde, ao se considerar a extrapolação das 60 (sessenta) horas, o que se traduz na necessidade desses servidores exercerem o direito de opção pela redução da Jornada de trabalho, na forma das disposições exaradas na Medida Provisória nº 2.174-28, de 24 de agosto de 2001, no intuito de sanarem, ainda que de maneira paliativa, a irregularidade ora interposta em suas situações funcionais.”

O Parecer VinculanteAGU nº GQ – 145 recentemente foi revisado pela Nota nº 114/2010/DECOR/CGU/AGU no curso do Processo AGU/NUP nº 00400.006554/2008-73, remetido para a Comissão de Diagnóstico/Revisão de Pareceres, que assim se pronunciou:

“16. A análise dos supratranscritos dispositivos permite perceber que inexiste disposição legal que estabeleça, de forma expressa, limitação à carga horária daqueles que acumulam cargos públicos.

17. Essa situação, entretanto, não significa que inexistam limites implícitos, decorrentes especialmente do princípio da eficiência, previsto no caput do art. 37 da CRFB. O referido princípio se aplica a toda a Administração Pública, e constitui vetor interpretativo a ser considerado no exame dos dispositivos legais, para determinar-se o teor das normas jurídicas que deles decorrem.

18. Combinado à noção de Razoabilidade, o princípio de eficiência permite perceber que defender a ideia simplista de que a inexistência de lei impediria que houvesse restrições ao direito de acumular cargos públicos é um equívoco.

19. De fato, ainda que a Constituição da República permita que dois cargos públicos sejam acumulados quando houver compatibilidade de horário, isso só poderá ocorrer quando ambos os cargos puderem ser desempenhados de forma adequada e satisfatória, atendendo-se aos princípios constitucionais regedores da matéria e aos deveres e proibições estabelecidos na Lei 8.112/90, que correspondem a projeções concretizadoras desses princípios.

(...)

22. Dessa forma percebe-se que as circunstâncias fáticas atuam como limitadoras do direito à cumulação de cargos. Sempre que a carga horária for elevada a ponto de impedir o adequado desempenho dos cargos, não há que se falar em direito subjetivo do indivíduo ao seu exercício.

23. Nesses casos, apesar da aparente conformidade formal do ato com os normativos que sobre ele incidem, haverá violação ao espírito do direito ou a seu fim social, indicando tratar-se não de exercício regular, mas de abuso do direito, como concebido a partir das obras de Savatier, Ripert e Josserand.”

Nota-se que, da leitura dos dispositivos previstos na CF/88 e nos artigos 118, 119 e 120 da Lei nº 8.112/90, inexiste disposição legal que estabeleça, de forma expressa, limitação à carga horária daqueles que acumulam cargos públicos.

No entanto, isso não quer dizer que não existam limites implícitos para disciplinar a matéria em comento. No caput do artigo 37 da CF/88, supracitado, o Princípio da Eficiência vem à tona, submetendo toda a Administração Pública, constituindo assim, vetor que, combinado ao Princípio da Razoabilidade, permite que se defenda a ideia de que a jornada de trabalho não deva ser excessiva. Dito isso, não se constitui razoável um trabalho que seja extenuante a ponto de comprometer a qualidade (eficiência) necessária ao seu desempenho. Destaca-se que a Constituição da República permite a acumulação de dois cargos, mas coloca como conditio sinequa non a compatibilidade de horários e assim também o faz a Lei nº 8.112/90, além da necessidade de que as ações e serviços prestados pela Administração Pública, por meio de seus agentes aos seus cidadãos, sejam realizados com eficiência.

Então, não é cabível que alguém que trabalhe além das possibilidades do descanso, seja plenamente eficiente. Principalmente se levarmos em consideração que um grande número de acumulação de cargos públicos se dá por servidores que atuam na área da saúde como médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem etc., pessoas que devem primar pela integridade física para não comprometer o atendimento ao paciente que esteja submetido aos seus cuidados.

Subsidiando esse entendimento, lançamos mão do Princípio da Eficiência, detalhado por Hely Lopes Meirelles[3]:

“O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.”

Para os administrativistas Marcelo Alexandrino & Vicente Paulo o objetivo principal do Princípio da Eficiência “é assegurar que os serviços públicos sejam prestados com adequação às necessidades da sociedade que os custeia.”[4]

E continuam afirmando:[5]

“A ideia de eficiência aproxima-se da de economicidade. Visa-se a atingir objetivos traduzidos por boa prestação de serviços, do modo mais simples, mais rápido, e mais econômico, melhorando a relação custo/benefício do trabalho da Administração. O administrador deve sempre procurar a solução que mais bem atenda ao interesse público, o qual deve tutelar.”

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Ilustrando uma definição precisa sobre o princípio da eficiência, José Afonso da Silva[6] ensina o seguinte:

“(...) A eficiência administrativa é atingidapelo melhor emprego dos recursos e meios (humanos, materiais e institucionais), para melhor satisfazer às necessidades coletivas num regime de igualdade dos usuários.”

E é nesse exato contexto que o E. Tribunal de Contas da União manifesta-se em consonância com o Parecer GQ-145, admitindo como carga horária máximaa de 60 horas semanais, com o fito de não comprometer a saúde física e mental do servidor. Nesse sentido, citam-se o processo nº TC 013.780/2004-0, e o extrato retirado do site do TCU:

“Conquanto o texto constitucional, para efeito da verificação da compatibilidade de horários, não aluda expressamente à duração máxima da jornada de trabalho, as condições objetivas para a acumulação de cargos devem ser aferidas sob uma ótica restritiva, porquanto a hipótese constitui exceção à regra geral de não acumulação” AC-0155-03/05-1 GP_. “Embora a Consolidação das Leis do Trabalho- CLT não seja diretamente aplicável a servidores públicos stricto sensu, ao menos demonstra a necessidade de se fixar máximo e mínimo, respectivamente, para os tempos diários de labor e de descanso – art. 59 e 66 da CLT-, que, desrespeitados, geram em última instância, comprometimento da eficiência do trabalho prestado. Por analogia àquela Norma Trabalhista, destaco a coerência do limite de sessenta horas semanais que vem sendo imposto pela jurisprudência desta Corte, uma vez que, para cada dia útil, ele comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada- art. 66 da CLT-, dois turnos de seis horas- um para cada cargo, obedecendo ao mínimo imposto pelo art.19 da Lei n. 8112/90, com redação dada pela Lei 8.270, de 17/12/1991- e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos destinada à alimentação e deslocamento, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso tanto dos funcionários celetistas quanto dos estatutários”. AC-2133-32/051 MB_. “A questão da compatibilidade de horários exigida pela constituição para a legalidade da acumulação dos cargos, já foi objeto de algumas deliberações do Tribunal, cujo entendimento tem prevalecido no sentido de considerar ilícita a acumulação de cargos ou empregos em razão da qual o servidor ficaria submetido a regimes superiores de quarenta horas semanais, por cada cargo exercido, vez que é impossível a conciliação dos horários, de modo a possibilitar condições normais de trabalho e de qualidade de vida ao servidor”. AC-0933-15/05-1 VC. “Considerando que a carga horária é de 40 horas em cada local de trabalho não vejo como (omissis) poderia adequadamente cumprir as duas jornadas. Por isso, entendo deva esse Tribunal, além de considerar ilegal a presente admissão, determinar o ressarcimento das quantias indevidamente recebidas.” AC-0533-08/03-1 MV. “Mostra-se (...) difícil a conciliação de uma jornada diária de 8 (oito) horas com outra de 4 (quatro) horas.” AC-0083-03/03-2 UA. “(...) a jurisprudência desta Corte de Contas tem admitido como limite máximo em casos de acumulação de cargos ou empregos públicos a jornada de trabalho de 60 (sessenta) horas semanais (Acórdãos 533/2003, 2.047/2004, 2.860/2004, 155/2005, 933/2005, 2.133/2005, 544/2006, todos da 1ª Câmara).” AC-0054-02/07-2 UA. No tocante ao ato de omissis, datado de 6/6/2002, sua contratação foi efetivada pela instituição após sua aposentadoria no cargo de professora, publicado no Diário Oficial de 15/3/2002, não havendo que se falar em incompatibilidade de horários, conforme já decidiu anteriormente este Tribunal. Nesse sentido é o voto do Ministro Benjamin Zymler proferido na Decisão 322/2001- 2ª Câmara: “4. Em estando aposentado do primeiro cargo de professor, o interessado pôde exercer o segundo cargo de professor sob qualquer regime previsto no Decreto nº 94.664/87 (20 ou 40 horas semanais ou dedicação exclusiva), sendo que com isso tenha incorrido em qualquer incompatibilidade de horários, sendo portanto lícita a opção do interessado pelo regime de dedicação exclusiva. A segunda Câmara desta Corte, mediante o Acórdão nº 138/2000, por mim relatado, apresentou entendimento semelhante. “ AC-1582-20/07-2 AC. Ver também: AC-2229-29/07-2 BZ, AC-1447-18/07-2 AC, AC-1288-32/05-p GP_, AC-2860-39/04-1 GP, AC-0380-07/07-2 AC.”

No mesmo diapasão, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em julgamento de Apelação em Mandado de Segurança sob a relatoria do Exmo. Sr.Desembargador FederalRaldênio Bonifácio Costa[7], ilustra a necessidade de manter-se 60 horas de jornada semanal, com vistas à qualidade do trabalho do servidor da área de saúde, in verbis:

“I- Trata-se de Apelação interposta em face da r. Sentença que denegou a segurança, revogando a liminar deferida, em feito que objetivava fosse garantida a posse da Impetrante no cargo de auxiliar de Enfermagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sem que precisasse apresentar declaração de exoneração do cargo público que ocupa junto ao Hospital Geral de Bonsucesso, conforme disposto no art. 37, XVI, "c", da CRFB/88. II- A garantia de cumulação de dois cargos privativos de profissionais de saúde encontra previsão no art. 37, inciso XVI, alínea, c, da Constituição Federal, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 13 de dezembro de 2001. Tal hipótese é assegurada desde que haja compatibilidade de horários e que seja respeitado o teto previsto no art. 37, XI, consoante o inciso XVI deste mesmo dispositivo. III - Embora alegado pela Impetrante que o Decreto nº 4.836, de 09 de setembro de 2003, bem como a Portaria editada pelo Ministério da Saúde nº 1.281/06, de 19 de junho de 2006, estabelecem a jornada de 30 horas semanais sob o regime de 12x60 para as unidades de saúde vinculadas à União Federal, vê-se não ser esse o critério adotado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro que define ser de quarenta horas a jornada dos servidores aprovados no concurso para o cargo em questão. IV - Assim não é possível deduzir-se, em sede de mandado de segurança, pela possibilidade, ou não, de compatibilidade de horários entre os cargos, uma vez que não comprovado o direito líquido e certo. V- Quando se chega a casos limites, a jurisprudência tem entendido que a questão não pode ser resolvida no mandado de segurança, remetendo os interessados à via processual ordinária, onde poderá ser desenvolvida a dilação probatória. VI- Negado provimento à apelação. (Sublinhado nosso)”

Ainda nessa mesma seara, data vênia, passamos a citar, a seguir, julgamento proferido nos autos da Apelação em Mandado de Segurançanº 2009.51.01.020420-0, sob a relatoria do Exmo. Sr.Desembargador Federal Sérgio Feltrin Correa[8]:

“1. Cuida-se de apelação interposta em mandado de segurança pela Autora objetivando a reforma da r. sentença que denegou a segurança para compelir a autoridade coatora a se abster de praticar qualquer ato que vise a restringir ou abster a acumulação de cargos públicos declarando-se por fim, a validade de acumulação dos dois cargos públicos ocupados pela impetrante.

2. No caso concreto, a impetrante destacou que é auxiliar de enfermagem e exerce um cargo junto ao Hospital Municipal Raphael de Paula e Souza com carga horária de 30 horas semanais em regime de plantão no período das 19 às 7 horas e outro cargo, junto à Prefeitura do Rio de Janeiro, com carga horária de 40 horas semanais, exercidas no período das 9 às 17 horas. Ressalta que foi informada em 23/06/2009, que deveria pedir a redução da carga horária, eis a acumulação é indevida.

3. A garantia de acumulação de dois cargos privativos de profissionais de saúde encontra previsão no art. 37, inciso XVI, alínea, c, da Constituição Federal, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 13 de dezembro de 2001.

4. Destarte, compartilho do entendimento de que é possível a limitação de carga horária semanal aos profissionais da área de saúde que acumulam cargos públicos em prol da saúde e do bem estar do trabalhador.

5. Oportuno ressaltar que consoante entendimento desta Turma “a compatibilidade de horários não deve ser entendida, apenas, como a ausência de choque entre as jornadas de trabalho, pois tomando-se como base os artigos 19 e 74, da Lei nº 8.112/90, que prevê uma jornada de trabalho de, no máximo, 40 horas semanais, com a possibilidade de 2 horas de trabalho extras por jornada, observa-se que esse limite foi estabelecido como o necessário para preservar a higidez física e mental do trabalhador.”

6. Assim sendo, a carga horária de 70 horas semanais comprometeria muito o desempenho profissional e a eficiência do serviço pela Autora, pois a compatibilidade de horários prevista no inciso XVI do art. 37 da CF deve levar em consideração a saúde do trabalhador e as funções por ele desempenhadas, correlata a vida e a saúde dos seres humanos, que ficariam comprometidas por tantas horas de trabalho. Precedentes desta e. Corte.

7. Logo, a acumulação pretendida pela Autora com o cumprimento de setenta horas semanais viola os princípios da razoabilidade e da eficiência do serviço público, comprometendo a qualidade do serviço prestado, o que apresenta maior gravidade por se tratar de profissional da área da saúde.

8. Recurso a que se nega provimento.”

No escopo de reforçar a necessidade de compatibilidade de horários, citamos ainda a decisão proferida nos autos da Apelação Cívelnº 2010.51.01.004843-4, sob a relatoria do Exmo. Sr.Desembargador Federal Sergio Feltlrin Correa[9]:

“I – Cuida-se de recurso de apelação interposto pela parte autora, em face de sentença que julgou improcedente seu pedido de declaração de licitude de cumulação de dois cargos de Auxiliar de Enfermagem.

II - A garantia de acumulação de dois cargos privativos de profissionais de saúde encontra previsão no artigo 37, inciso XVI, alínea “c”, da Constituição, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 34, de 13/12/2001. Necessário, contudo, analisar a existência ou não da indispensável compatibilidade de horários, a qual está condicionada a referida cumulação.

III - Consoante entendimento desta Turma “a compatibilidade de horários não deve ser entendida, apenas, como a ausência de choque entre as jornadas de trabalho, pois tomando-se como base os artigos 19 e 74, da Lei nº 8.112/90, que prevê uma jornada de trabalho de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais, com a possibilidade de 2 (duas) horas de trabalho extras por jornada, observa-se que esse limite foi estabelecido como o necessário para preservar a higidez física e mental do trabalhador.”

IV – A carga horária de 62,5 h (sessenta e duas horas e meia) semanais que a autora pretende cumular no caso concreto comprometeria muito o desempenho profissional e a eficiência dos serviços prestados, violando os princípios da razoabilidade e da eficiência do serviço público, o que apresenta maior gravidade por se tratar de profissional da área da saúde.

V - Recurso não provido.”

Denota-se que o Princípio da Eficiência não legitima aplicação cega das regras legais, o que poderia levar a uma consecução ineficiente ou com eficiência dirimida dos objetos legais primários. As normas jurídicas “passam a ter o seu critério de validade aferido não apenas em virtude da higidez do seu procedimento criador, como da aptidão para atender aos objetivos da política pública, além da sua capacidade de resolver os males que esta pretende combater”[10]. Nesse mesmo contexto, por oportuno, passo a citar o bom ensinamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[11]:

“O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.”

Nesse diapasão podemos concluir afirmando que apesar de não haver norma explícita que limite a carga horária máxima em 60 (sessenta) horas semanais em relação aos servidores ocupantes de cargos públicos acumuláveis, há conforme explanação acima, um limite implícito de grande importância que é o Princípio Constitucional da Eficiência, previsto nocaputdo 37 da Constituição Federal de 1988, que deverá ser observado pelo administrador público para se evitar o comprometimento da prestação do serviço público.


Referências bibliográficas.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro: a atividade administrativa: moralidade e eficiência. 34 ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 96-97.

ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo. 7 ed. São Paulo: Impetus, 2005, p. 130.

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 655-656.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação em Mandado de Segurança nº 2008.51.01.021990-8. Rel. Des. Federal Raldênio Bonifácio Costa. 8ª Turma Especializada. DEJF2 de 01/03/2011.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação em Mandado de Segurança nº 2009.51.01.020420-0. Rel. Des. Federal Sergio Feltrin Correa. 7ª Turma Especializada. E-DJF2R de 02/03/2011.

BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 2010.51.01.004843-4. Rel. Des. Federal Sergio Feltrin Correa. 7ª Turma Especializada. E-DJF2R de 02/03/2011.

MORAND, Charles-Albert. Le DroitNéo-Modernedes Politiques Publiques, LGDJ, Paris, 1999, p. 95.

Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, in Direito Administrativo, p.83, São Paulo, 13ª Edição, 2000, Editora Atlas.


Notas

[1]Manual de Processo Administrativo Disciplinar CGU, Página 510.

[2] Disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ApostilaTextoCGU.htm

[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro: a atividade administrativa: moralidade e eficiência. 34ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 96-97.

[4] ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo. 7ed. São Paulo: Impetus, 2005, p. 130.

[5]ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo. 7 ed. São Paulo: Impetus, 2005, p. 130.

[6] SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 655-656.

[7] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação em Mandado de Segurança nº 2008.51.01.021990-8. Rel. Des. Federal Raldênio Bonifácio Costa. 8ª Turma Especializada. DEJF2 de 01/03/2011.

[8]BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação em Mandado de Segurança nº 2009.51.01.020420-0. Rel. Des. Federal Sergio Feltrin Correa. 7ª Turma Especializada. E-DJF2R de 02/03/2011.

[9]BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 2010.51.01.004843-4. Rel. Des. Federal Sergio Feltrin Correa. 7ª Turma Especializada. E-DJF2R de 02/03/2011.

[10] MORAND, Charles-Albert. Le DroitNéo-Modernedes Politiques Publiques, LGDJ, Paris, 1999, p. 95.

[11]Di Pietro, Maria Sylvia Zanella, in Direito Administrativo, p.83, São Paulo, 13ª Edição, 2000, Editora Atlas;

Assuntos relacionados
Sobre o autor
João Baptista Bessa da Silva

Advogado da União em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Baptista Bessa. Acumulação de cargos públicos por profissionais de saúde com profissões regulamentadas à luz do princípio constitucional da eficiência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3624, 3 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24585. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos