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O “carona”: as alterações promovidas pelo Decreto nº 7.892/2013 e a impossibilidade de aderir a atas registradas sob a égide do Decreto anterior

09/06/2013 às 15:46
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O Decreto nº 7.892/2013 busca aperfeiçoar as regras que disciplinavam a adesão dos órgãos não participantes, compatibilizando a atuação administrativa com as orientações jurisprudenciais da Corte de Contas, com o propósito de evitar o desvirtuamento do procedimento licitatório, impossibilitando a indesejável situação de adesão ilimitada às atas.

O Decreto nº 7.892/2013 busca aperfeiçoar as regras que disciplinavam a adesão dos órgãos não participantes, compatibilizando a atuação administrativa com as orientações jurisprudenciais da Corte de Contas, com o propósito de evitar o desvirtuamento do procedimento licitatório, impossibilitando a indesejável situação de adesão ilimitada às atas.

Trata-se de estudo acerca das inovações promovidas pelo Decreto nº 7.892/2013, que disciplina o sistema de registro de preços e estabelece nova sistemática à adesão dos órgãos não participantes da licitação, comumente chamados de “carona”, às atas registradas.

A Constituição da República de 1988 consagrou o processo de licitação como o meio próprio para que a Administração Pública realize contratações de obras, serviços, compras e alienações, conforme dispõe o seu art. 37, inciso XXI:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Tal inciso da Constituição é regulamentado pela Lei nº 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública. Desta forma, consoante o disposto no art. 3º da Lei nº 8.666/93 e art. 37, XXI, da CF/88, a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração, que será processada e julgada em estrita conformidade com o princípio da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Observa-se, portanto, que a Administração está adstrita à rigorosa observância da lei (princípio da legalidade) quando da realização de procedimento licitatório, em todas as suas etapas.

Assim, a contratação por meio do Sistema de Registro de Preços – SRP encontra previsão no § 3º, do art. 15 da Lei nº 8.666/93 que estabelece, também, as regras gerais acerca do funcionamento do Sistema. A Lei nº 10.520/02, no art. 11, faculta a implantação do SRP mediante procedimento licitatório na modalidade Pregão Eletrônico para aquisição de bens comuns, do tipo menor preço, cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos no edital, por meio de especificações usuais no mercado, ao amparo do Decreto nº 5.450/05, do Decreto nº 3.555/00 e aplicando-se, subsidiariamente, a Lei nº 8.666/93, no que couber.

Com relação à utilização da ata de registro de preço por órgão ou entidade não participante, comumente chamado de “carona”, foi publicado o Decreto nº 7.892/2013, no dia 23/01/2013, com vigência 30 dias após a sua publicação, que revogou o Decreto nº 3.931/01 e passou a regulamentar o SRP previsto no art. 15 da Lei nº 8666/93.

Ressalta-se que as inovações trazidas pelo novo decreto vêm ao encontro das determinações do TCU ao MPOG no sentindo de que este reavaliasse o Decreto nº 3.391/2001, até então vigente, a fim de estabelecer limites máximos às adesões às atas de registro de preços, atendendo assim aos princípios da competição, da vinculação ao instrumento convocatório, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública (supremacia do interesse público), e, assim primando, portanto, pelo processo licitatório. Neste sentido, veja-se:

ACÓRDÃO Nº 1.487/2007 – TCU – PLENÁRIO:

[...]

9.2. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que:

[...]

9.2.2. adote providências com vistas à reavaliação das regras atualmente estabelecidas para o registro de preços no Decreto nº 3.931/2001, de forma a estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, visando preservar os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública, tendo em vista que as regras atuais permitem a indesejável situação de adesão ilimitada a atas em vigor, desvirtuando as finalidades buscadas por essa sistemática, tal como a hipótese mencionada no Relatório e Voto que fundamentam este Acórdão;

[...]

ACÓRDÃO Nº 1.233/2012 – TCU – PLENÁRIO:

[...]

9.3.2. em atenção ao disposto no Decreto 1.094/1994, art. 2º, inciso I, oriente os órgãos e entidades sob sua jurisdição para que (subitem III.1):

9.3.2.1. ao realizarem licitação com finalidade de criar ata de registro de preços atentem que:

9.3.2.1.1. devem fundamentar formalmente a criação de ata de registro de preços, e.g., por um dos incisos do art. 2º do Decreto 3.931/2001 (Acórdão 2.401/2006-TCU-Plenário);

[...]

9.3.2.1.4. a fixação, no termo de convocação, de quantitativos (máximos) a serem contratados por meio dos contratos derivados da ata de registro de preços, previstos no Decreto 3.931/2001, art. 9º, inciso II, é obrigação e não faculdade do gestor (Acórdão 991/2009-TCU-Plenário, Acórdão 1.100/2007-TCU-Plenário e Acórdão 4.411/2010-TCU-2ª Câmara);

9.3.2.1.5. em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/1993, art. 3º, caput), devem gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata não supere o quantitativo máximo previsto no edital;

9.3.3. quando realizarem adesão à ata de registro de preços atentem que:

9.3.3.1. o planejamento da contratação é obrigatório, sendo que se o objeto for solução de TI, caso seja integrante do Sisp, deve executar o processo de planejamento previsto na IN – SLTI/MP 4/2010 (IN – SLTI/MP 4/2010, art. 18, inciso III) ou, caso não o seja, realizar os devidos estudos técnicos preliminares (Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX);

9.3.3.2. devem demonstrar formalmente a vantajosidade da adesão, nos termos do Decreto 3.931/2001, art. 8º;

[...]

ACÓRDÃO Nº 2.692/2012 – TCU – PLENÁRIO:

[...]

9.2 conhecer do presente Pedido de Reexame para, no mérito, negar-lhe provimento;

9.3 tornar insubsistente, de ofício, o item 9.2.2 do Acórdão 1.487/2007 – TCU – Plenário;

9.4 recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que empreenda estudos para aprimorar a sistemática do Sistema de Registro de Preços, objetivando capturar ganhos de escala nas quantidades adicionais decorrentes de adesões previamente planejadas e registradas de outros órgãos e entidades que possam participar do certame, cujos limites de quantitativos deverão estar em conformidade com o entendimento firmado pelo Acórdão 1.233/2012 – Plenário;

9.5 fixar o prazo de 31/12/2012 a partir do qual passam a operar os efeitos dos itens 9.3.2.1.4 e 9.3.2.1.5 do Acórdão 1233/2012 – Plenário e dos itens 9.2 e 9.3 do Acórdão 2.311/2012 – Plenário;

[...]

Nesse contexto, o Decreto nº 7.892/2013 busca aperfeiçoar as regras que disciplinavam a adesão dos órgãos não participantes, compatibilizando a atuação administrativa com as orientações jurisprudenciais da Corte de Contas, com o propósito de evitar o desvirtuamento do procedimento licitatório, impossibilitando a indesejável situação de adesão ilimitada às atas.

O novo decreto traz todas as conceituações nele adotadas no art. 2º, in verbis:

I - Sistema de Registro de Preços - conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras;

II - ata de registro de preços - documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, em que se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas;

III - órgão gerenciador - órgão ou entidade da administração pública federal responsável pela condução do conjunto de procedimentos para registro de preços e gerenciamento da ata de registro de preços dele decorrente;

IV - órgão participante - órgão ou entidade da administração pública federal que participa dos procedimentos iniciais do Sistema de Registro de Preços e integra a ata de registro de preços; e

V - órgão não participante - órgão ou entidade da administração pública que, não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, atendidos os requisitos desta norma, faz adesão à ata de registro de preços.

Nos termos do art. 22, em especial nos §§ 3º e 4º, o referido normativo efetivamente promove as devidas alterações nas regras antes estabelecidas pelo Decreto nº 3.931/2001 e fixa os requisitos para a adesão dos “caronas”, quais sejam:

I)   Justificativa da vantagem da adesão (art. 22, caput);

II) Consulta ao órgão gerenciador da ata para a manifestação (anuência) sobre a possibilidade de adesão (art. 22, § 1º);

III)  A concordância do fornecedor beneficiário da ata de registro de preços (art. 22, § 2º);

IV)  Previsão expressa no edital convocatório da licitação quanto à possibilidade da adesão (art. 9º, III, e art. 22, § 4º);

V)  Fixação, no edital convocatório, dos limites quantitativos (máximos) a serem contratados por meio dos contratos derivados da ata de registro de preços, conforme parágrafos 3º e 4º, do art. 22:

a)  não poderão exceder, por órgão ou entidade, a 100% (cem por cento) dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes; e

b) o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem.

A formalização da contratação dar-se-á através de instrumento contratual próprio, da emissão de nota de empenho de despesa, da autorização de compra ou outro instrumento hábil, nos termos no art. 62 da Lei de Licitações e Contratos e art. 15 do Decreto nº 7.892/2013. Ressalte-se, ainda, que após a autorização do órgão gerenciador, o órgão não participante deverá efetivar a aquisição no prazo de até noventa dias (§ 6º, art. 22, do Decreto).

Além das inovações, o novo decreto dispõe ainda de regras transitórias ao disciplinar que “as atas de registro de preços vigentes, decorrentes de certames realizados sob a vigência do Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, poderão ser utilizadas pelos órgãos gerenciadores e participantes, até o término de sua vigência” (art. 24).

A ausência de permissivo expresso em relação aos órgãos não participantes não pode e não deve ser encarada como mero lapso do legislador, de modo a autorizar a adesão dos caronas às atas registradas decorrentes de certames realizados sob a vigência do decreto anterior.

Mostra-se evidente que a ratio legis do art. 24 do Decreto nº 7.892/2013 é a de impedir a adesão dos órgãos ou entidades não participantes àquelas atas de registro de preços, sobretudo quando, diante de todo o contexto acima delineado, sabe-se que o objetivo escoimado pelo novo normativo é o de expurgar a possibilidade de adesão ilimitada às atas, situação até então não vedada pelo regramento do Decreto nº 3.931/2001.

A regra transitória em análise constitui, portanto, medida imediata para a adequação dos procedimentos à nova sistemática, que faz frear, de logo, a utilização indiscriminada das atas pelos “caronas”, evitando o desvirtuamento do próprio processo licitatório.

Desta forma, revela-se patente a impossibilidade da adesão às atas de registro de preços efetivadas na vigência do decreto revogado pelos órgãos não participantes.

É o que se extrai, inclusive, de notícia veiculada no sítio eletrônico do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG em 24/01/2013:

As atas anteriores ao decreto continuam tendo validade, mas não poderão ter adesão de órgãos não participantes do processo licitatório[1].

Neste sentido, também, são os atuais precedentes do TCU:

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ACÓRDÃO Nº 213/2013 – TCU – Plenário:

[...]18.E mesmo que a ata já tivesse sido constituída quando da entrada em vigor do Decreto nº 7.892/2013, a sua utilização por parte dos “órgãos não participantes” – haja vista a não fixação, no edital, do quantitativo decorrente das adesões – estaria implicitamente vedada pelo art. 24 da referida norma regulamentadora, o qual somente resguarda o direito do gerenciador e dos eventuais participantes de utilizarem as atas constituídas na vigência do antigo Decreto nº 3.931/2001

[...]

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:

[...]

9.3. determinar à Universidade Federal de Viçosa que não autorize adesões à referida ata de registro de preços;

ACÓRDÃO Nº 408/2013 – TCU – Plenário:

[...]

7.Nesse passo, quanto à adesão dos “caronas”, entendo que já devem ser considerados os efeitos da fixação da data de 31/12/2012 no gerenciamento da ata de registro de preços em exame, devendo ser expedida determinação à Ceal, em ratificação à medida cautelar já adotada, que não autorize adesões de entes não participantes à Ata de Registro de Preços decorrente do Pregão RP nº 5/2012, por contrariar a jurisprudência desta Corte (Acórdãos 1.487/2007, 1.233/2012 e 2.692/2012, todos do Plenário do TCU) e não se adequar às disposições do Decreto nº 7.892/2013, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/1993.

[...]

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões expostas pelo Relator, em:

[...]

9.2. determinar à Ceal, em ratificação à medida cautelar já adotada, que não autorize adesões de entes não participantes à Ata de Registro de Preços decorrente do Pregão RP nº 5/2012, por contrariar a jurisprudência desta Corte (Acórdãos 1.487/2007, 1.233/2012 e 2.692/2012, todos do Plenário do TCU) e não se adequar às disposições do Decreto nº 7.892/2013, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/1993;

ACÓRDÃO Nº 855/2013 – TCU – Plenário:

[...]

14. No Voto condutor do referido acórdão, trouxe considerações sobre a proposta acima. Demonstrei, inclusive, que, com a vigência do novo Decreto 7.892/2013, a adesão à ata de registro de preços daquele Pregão estaria vedada, pois não houve estimativa prévia, no edital, da quantidade a ser adquirida [...]

16. Ad argumentandum, ainda que não houvesse previsão expressa no acórdão a ser prolatado, a sobredita vedação de adesão à ata por parte dos chamados "caronas" (órgãos não participantes) estaria implícita por força do art. 9º, III, c/c o art. 22, § 4º, ambos do novel Decreto nº 7.892/2013, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/93, [...]

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em:

[...]

9.3. determinar à  FUFMA que não autorize adesões à ata de registro de preços;

Portanto, diante de tudo o que foi exposto, resta delineado o novo regramento, com alterações pontuais, imposto pelo Decreto nº 7.892/2013, ao procedimento de adesão às atas de registro de preços pelos órgãos não participantes do certame bem como se afirma a impossibilidade de adesão do “carona” àquelas atas registradas sob a vigência do Decreto nº 3.931/01, nos termos do art. 24, do novo normativo e da orientação do Tribunal de Contas da União.


Nota

[1] http://www.planejamento.gov.br/noticia.asp?p=not&cod=9316&cat=94&sec=7

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Sobre o autor
Marcelo Morais Fonseca

Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONSECA, Marcelo Morais. O “carona”: as alterações promovidas pelo Decreto nº 7.892/2013 e a impossibilidade de aderir a atas registradas sob a égide do Decreto anterior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3630, 9 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24608. Acesso em: 28 mar. 2024.

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