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Convenção de Varsóvia x Código de Defesa do Consumidor - o Recurso Extraordinário 636.331 /RJ e sua repercussão em matéria de responsabilidade civil no transporte aéreo internacional

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31/05/2014 às 16:22
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3. CONCLUSÃO

A importância do Recurso Extraordinário n.º 636.331 é indiscutível, pois seu julgamento repercutirá de forma muito significativa em matéria de limitação, ou não, da responsabilidade por danos no transporte aéreo internacional.

Neste caso, o Recorrente deseja obter o reconhecimento pela Corte Suprema, da predominância da Convenção de Varsóvia, vigente à época do fato, sobre as regras do Código do Consumidor, com fulcro no art. 178 da Constituição Federal, em virtude de pedido de indenização por danos materiais e morais, matéria ainda bastante divergente em nossos tribunais.

No que tange aos danos morais, não há previsão de limitação nas convenções internacionais citadas. No entanto, diante dos inúmeros julgados de nossos tribunais arbitrando valores altíssimos neste sentido, poderíamos supor – o que ultrapassaria o objeto do Recurso Extraordinário em comento - que limitar a indenização por dano material e não limitar a indenização por dano moral seria inócuo, eis que, o que se afigura é a viabilidade da atividade econômica da aviação civil.

Ocorre que esta afirmação, fruto de uma digressão meramente acadêmica, nos levaria a cogitar a hipótese de limitar extensivamente a reparação do dano moral para casos de indenização em matéria de transporte aéreo internacional, o que, diante do que determina o art.5º, V, da Carta Magna (“é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”);  a prima facie, restaria incompatível com nosso ordenamento jurídico e com as modernas garantias relativas ao princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, eis que o dano moral deve ser reparado em toda a sua extensão e, repita-se, não há tal previsão na Convenção de Varsóvia ou, posteriormente, na Convenção de Montreal.

Ademais, o esforço teórico para defender tal posicionamento foge aos muros do presente artigo e, se fosse o caso, deveria ser incluído em pauta de discussões em fóruns internacionais, citando o caso da jurisprudência brasileira como parâmetro e buscando adequar às normas internacionais aos aspectos particulares de cada país.

Dentro da nossa realidade, o que deve ser considerado é que o dano moral, para ser caracterizado, precisa ser efetivamente experimentado e não simplesmente alegado em todas as petições de forma repetitiva e exaustiva, sem qualquer parâmetro fático, destacando-se que, em algumas circunstâncias, os valores arbitrados são desproporcionais ao dano, eis que infelizmente, há aqueles que buscam aproveitar-se de determinadas situações para buscar o locupletamento, o que deve ser rechaçado veementemente por nossos Tribunais.

Contudo, tal posicionamento não isenta os operadores do transporte aéreo de buscar a excelência em seus serviços e perseguir incessantemente junto aos operadores aeroportuários, técnicas cada vez mais eficazes para evitar danos aos passageiros.

Por fim, utilizando como base as principais peças produzidas pelas partes envolvidas no Recurso em questão, foram abordados pontos essenciais para obtermos uma clareza de raciocínio que nos permita compreender o sistema normativo vigente e chegarmos a algumas conclusões, que perpassam pelos seguintes questionamentos:

Quais os fatos ensejaram a limitação de responsabilização por danos materiais em transporte aéreo concretizada na Convenção de Varsóvia, originalmente em 1929, seguida de modificações, e, posteriormente na Convenção de Montreal, em 1999, no âmbito internacional?

Quais os critérios foram levados em consideração para a ratificação e promulgação de tais normas, conferindo adesão por um quorum significativo de países, inclusive o Brasil?

Porque o transporte aéreo internacional merece este tratamento tão específico?

As respostas a todas estas perguntas devem ter por objetivo a reflexão e exigem, com a devida vênia, que adentremos nos aspectos que norteiam o direito aeronáutico e não venhamos a sucumbir aos apelos de outros sistemas normativos, extremamente bem consolidados na cultura jurídica brasileira, porém carentes de um cientificismo que lhes permita obter supremacia absoluta, em detrimento de outros ramos do direito.

Não se pode desconstruir, sem fundamentos jurídicos sólidos, este sistema de limitação de reparação de danos presente em convenções internacionais e que perdura há quase um século, após sucessivas modificações e revisões visando seu aprimoramento, possuindo sustentáculo no direito constitucional, internacional, e porque não dizer, nas fontes do Direito aeronáutico.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Convenção de Varsóvia, artigo 55 : ”Relação com Outros Instrumentos da Convenção de Varsóvia. A presente Convenção prevalecerá sobre toda regra que se aplique ao transporte aéreo internacional: 1.  entre os Estados Partes na presente Convenção devido a que esses Estados são comumente Partes: a) da Convenção para a Unificação de Certa Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, assinada em Varsóvia, em 12 de outubro de 1929 – (doravante denominada Convenção de Varsóvia);b)(...)”

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[2] STF, DJ 03 abr. 2009, AI nº 715.877/SP, Rel. Min. Carmem Lúcia.

[3] www.stf.gov.br

[4] Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo. São Paulo: Atlas. Ed., 2007, p. 206-207.

[5] Lei nº 5869/1973: Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo. (Acrescentado pela L-011.418-2006)§ 1º Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.§ 2º O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral.§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.§ 4º Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.§ 5º Negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.§ 6º O Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.§ 7º A Súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão.

[6] Ementa do acórdão “Recurso extraordinário. Danos morais decorrentes de atraso ocorrido em voo internacional. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Matéria infraconstitucional. Não conhecimento. 1. O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o capítulo constitucional da atividade econômica. 2. Afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor. 3. Não cabe discutir, na instância extraordinária, sobre a correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor ou sobre a incidência, no caso concreto, de específicas normas de consumo veiculadas em legislação especial sobre o transporte aéreo internacional. Ofensa indireta à Constituição da República. 4. Recurso não conhecido”.

[7] Ementa do acórdão “Recurso extraordinário. Danos morais decorrentes de atraso ocorrido em voo internacional. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Matéria infraconstitucional. Não conhecimento. 1O princípio da defesa do consumidor se aplica a todo o capítulo constitucional da atividade econômica. 2. Afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor. 3. Não cabe discutir, na instância extraordinária, sobre a correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor ou sobre a incidência, no caso concreto, de específicas normas de consumo veiculadas em legislação especial sobre o transporte aéreo internacional. Ofensa indireta à Constituição da República. 4. Recurso não conhecido”.

[8] Direitos Humanos em juízo. São Paulo: Max Limonad, 2001. p.86.

[9] Jurisprudência Brasileira Sobre Transporte Aéreo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.  Apresentação.

[10] Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 98

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Sobre a autora
Lilian de Paula Soares Acacia

Mestranda em Ciências Aeroespaciais pela Universidade da Força Aérea (UNIFA). Pós-Graduada em Direito Civil pela Escola Superior de Advocacia – OAB/RJ. Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Membro da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA). Primeiro-Tenente da Força Aérea Brasileira da Reserva. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ACACIA, Lilian Paula Soares. Convenção de Varsóvia x Código de Defesa do Consumidor - o Recurso Extraordinário 636.331 /RJ e sua repercussão em matéria de responsabilidade civil no transporte aéreo internacional . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3986, 31 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29039. Acesso em: 23 abr. 2024.

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