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Lei de Arbitragem: aspectos gerais

19/03/2010 às 00:00
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A Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) está em vigor no Brasil há mais de 10 anos, e apesar de ter sua constitucionalidade questionada, como será visto, não viola garantias constitucionais e possui total aplicabilidade.

Apesar de ser a primeira lei específica sobre o tema, a arbitragem está prevista em nosso ordenamento jurídico há aproximadamente 200 anos. A Constituição de 1824, em seu art. 160, já possibilitava às partes a nomeação de árbitros para resolver questões cíveis. Do mesmo modo, o Código Civil de 1916 previa, como forma de solucionar uma obrigação (mesmo que já estivesse sendo discutida judicialmente), a realização de compromisso arbitral (arts. 1.037/1.048).

Ainda, o Decreto nº 21.187/32 internalizou no país o Protocolo de Genebra de 1923, sobre compromisso arbitral e cláusula compromissória em contratos comerciais.


Constitucionalidade da Lei de Arbitragem

Inicialmente, surgiram críticas acerca da constitucionalidade da Lei nº 9.307/96, especialmente em virtude da garantia assegurada pelo art. 5º, XXXV, da Constituição: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Esse dispositivo abrange o direito de ação, o monopólio da jurisdição pelo Estado e a indeclinabilidade da prestação jurisdicional. Quanto ao princípio da inafastabilidade do Judiciário, assegura que qualquer violação de direito (ou na iminência de sua ocorrência) pode ser repelida por meio de pedido de prestação da tutela jurisdicional ao Estado.

Por outro lado, o art. 18 da Lei nº 9.307/96 prevê que "o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário". Também foi questionado seu art. 31, que estende à sentença arbitral os mesmos efeitos da sentença judicial, constituindo título executivo. Sustentava-se, portanto, que a lei, e especialmente os citados dispositivos, violavam a garantia constitucional da inafastabilidade da prestação jurisdicional pelo Estado.

Porém, o STF declarou, por meio de controle difuso, a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, ao decidir: "constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário" (SE-AgR 5206/EP-Espanha, Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 12/12/2001, DJ 30/04/2004, p. 29).

Essa decisão foi importante para a consolidação da arbitragem no Brasil, garantindo a segurança jurídica necessária para as pessoas resolverem seus desentendimentos por essa via, sem necessidade de revisão do conflito e da decisão do árbitro pelo Judiciário.

A garantia da jurisdição do Estado não pode servir de empecilho para que as pessoas livremente optem por não solucionar seus problemas no Judiciário, mas sim com o auxílio de outra pessoa ou de uma instituição particular, da mesma forma que poderiam simplesmente resolver entre si a questão, sem a interferência de terceiros.


Arbitragem e Mediação

A arbitragem e a mediação constituem formas ou técnicas extrajudiciais de resolução de conflitos (equivalentes jurisdicionais), ou seja, sem a interferência do Judiciário.

Porém, a mediação consiste em uma negociação "assistida", em que um terceiro imparcial auxilia as partes a chegar a um consenso, evitando ou resolvendo sua controvérsia. Nessa situação, a decisão final será das próprias partes (autocomposição), e não do mediador, que apenas escuta, opina, orienta, estimula e dá sugestões, visando à conciliação. Atualmente não possui lei específica no Brasil, estando em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 94/2002, que regulamenta a mediação e a atividade do mediador.

De outro lado, na arbitragem esse terceiro imparcial deverá decidir a controvérsia (heterocomposição), por meio de uma sentença arbitral (não se fala mais em laudo arbitral), escrita, que possui a mesma eficácia de uma sentença judicial, podendo, inclusive, ser executada judicialmente, caso a parte vencida não a cumpra de forma voluntária.


Partes e Matérias

A arbitragem só pode ser utilizada por pessoas civilmente capazes para contratar, a fim de resolver questões sobre direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º da Lei de Arbitragem).

Portanto, os menores de 18 anos, entre outras pessoas listadas nos arts. 3º e 4º do Código Civil, não podem resolver seus conflitos por meio da arbitragem. Por outro lado, as pessoas naturais capazes de firmar contratos e as pessoas jurídicas de direito público (com restrições) ou privado podem submeter suas controvérsias aos árbitros.

Somente direitos patrimoniais e disponíveis podem ser submetidos à arbitragem, ou seja, aqueles que possuem expressão econômica, e que possam ser objeto de disposição e conciliação pelas partes. Assim, direitos morais ou extrapatrimoniais, e os demais indisponíveis (dos quais a pessoa não pode abrir mão, seja pela natureza de inalienabilidade, ou por previsão legal) estão excluídos dessa forma de composição.

Com base na indisponibilidade de direitos, diz-se que os entes da Administração Pública Direta (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) não podem escolher a arbitragem como modo de solução de conflitos (havendo quem inclua as autarquias e as empresas públicas nesse rol, ou seja, todas as pessoas jurídicas de direito público).

O direito aplicável na arbitragem também pode ser escolhido pelas partes, ou seja, dois brasileiros que firmaram um contrato dentro do território nacional podem selecionar as leis argentinas sobre a matéria (ou até mesmo normas de organizações internacionais), por exemplo, para ser aplicadas pelo árbitro em sua decisão. A exceção ocorre quando as normas violarem os bons costumes ou a ordem pública. Trata-se não só de aplicação prática do princípio da autonomia da vontade, mas também de influência da prática do comércio internacional, em que as partes buscam as leis que mais lhe convêm, evitando ordenamentos jurídicos excessivamente formalistas. A Lei de Arbitragem utiliza ainda alguns conceitos vagos e genéricos em seu art. 2º, autorizando às partes a escolher a arbitragem por equidade, e a utilizar princípios gerais de direito, usos e costumes, e regras internacionais de comércio.


Quem são os Árbitros

A Lei nº 9.307/96 não faz qualquer exigência técnica para o exercício da função de árbitro, podendo ser qualquer pessoa que tenha capacidade civil e, evidentemente, que possua a confiança das partes (art. 13). Sua atuação deve se pautar pela imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição.

Não pode ser árbitro quem tiver, com qualquer uma das partes ou com a controvérsia que lhe for submetida, alguma das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição do Código de Processo Civil (art. 14), tais como: ter sido procurador do litigante, ser cônjuge ou parente (em graus variáveis) da parte ou de seu advogado, ser amigo íntimo ou inimigo capital de uma das partes, ser credor ou devedor delas. Mesmo que não ocorra uma das situações previstas nos arts. 134/135 do CPC, aquele que for indicado para ser árbitro tem o dever de, antes de aceitar o encargo, informar às partes qualquer situação que possa gerar dúvida quanto à sua imparcialidade ou independência.

Devem as partes ter cautela e atenção na escolha do árbitro, pois irá proferir uma decisão que será imediata e obrigatoriamente cumprida, independentemente de homologação judicial, além de ser limitadas as situações de nulidade da sentença arbitral (nulidade do compromisso arbitral, atuação de pessoa que não poderia ser árbitro, ocorrência de prevaricação, concussão ou corrupção passiva, etc. – art. 32 da Lei de Arbitragem).

O árbitro pode ser recusado, em princípio, antes de sua nomeação. Porém, mesmo após a nomeação pode haver pedido de exclusão pelas partes, em três situações: por fato posterior à escolha do árbitro, pelo conhecimento de fato anterior somente após a nomeação, e quando o árbitro não tiver sido selecionado diretamente pela parte.

Não há um número mínimo de árbitros necessários para a realização da arbitragem: as partes são livres para escolher um ou mais, ou até mesmo uma instituição arbitral. Todavia, a fim de evitar impasse ou empate na decisão, deve sempre haver um número ímpar de árbitros; caso as partes tenham indicado um número par, os árbitros selecionados estão autorizados por lei a indicar mais um, para se chegar à quantidade ímpar. Caso não haja consenso entre os árbitros nessa escolha (o que é difícil de imaginar, pois foram selecionados justamente para resolver um conflito), a Lei nº 9.307/96 prevê que as partes deverão requerer judicialmente a indicação.


Compromisso Arbitral e Cláusula Compromissória

Além do compromisso arbitral previsto no Código Civil de 1916, a Lei de Arbitragem possibilita a inclusão de cláusula compromissória nos contratos: a) o primeiro consiste na "convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial" (art. 9º); b) e a segunda é "a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato" (art. 4º).

Em outras palavras, o compromisso arbitral é firmado diante de uma controvérsia específica, surgida durante ou após a realização de um negócio jurídico entre as partes, enquanto a cláusula compromissória é previamente inserida em um contrato, para ser aplicada na eventual ocorrência futura de litígio.

A cláusula compromissória arbitral pode ser "cheia", quando fixa inclusive qual o órgão arbitral com atribuição para resolver o litígio, ou "vazia", que se limita a prever a utilização da arbitragem como forma de solução do conflito (sem eleger alguma entidade arbitral especializada, e sem fixar o modo de escolha dos árbitros).

É importante salientar que, apesar de constituir pacto adjeto a um contrato, a cláusula compromissória possui autonomia, motivo pelo qual eventual nulidade de todo o restante do contrato não afetará a validade da convenção de arbitragem (art. 8º).


Vantagens e Desvantagens

Apontam-se como vantagens da arbitragem, em relação ao processo judicial:

a) a maior celeridade na resolução da controvérsia, levando em consideração que o prazo estipulado para a sentença arbitral é de 6 meses após o início da arbitragem (art. 23 da Lei nº 9.307/96), enquanto o processo judicial em regra não possui a mesma rapidez, tampouco a fixação de prazo para a prolação da decisão;

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b) o sigilo: em regra, o processo judicial e os julgamentos são públicos (conforme preveem o art. 93, IX, da Constituição, o art. 155, do CPC, e o art. 792 do CPP), o que pode causar a exposição indesejada das partes. Já a arbitragem, por ser um procedimento privado, pode ser resguardada pela confidencialidade;

c) os menores custos: eventualmente apontados como pontos favoráveis, há quem destaque que os valores cobrados por algumas instituições arbitrais brasileiras superam os judiciais. Todavia, deve-se levar em consideração que as partes não são obrigadas a ser representadas por advogado no procedimento arbitral (art. 21, § 3º, da Lei nº 9.307/96), e que o processo judicial pode ter novas despesas em seu andamento (diligências de Oficial de Justiça, perícia, etc.), enquanto o gasto com arbitragem normalmente é fixo (logo, previsível), o que pode importar em despesas totais menores;

d) a simplificação e a flexibilidade do procedimento, que pode ser definido pelas próprias partes, sem a possibilidade de interposição de inúmeros recursos e reapreciações, considerando que um mesmo processo judicial pode ser julgado por um juiz e três tribunais, e o procedimento de cumprimento da decisão final é ainda passível de novos recursos;

e) a escolha das normas aplicáveis: o art. 2º da Lei de Arbitragem fixa como principal regra a liberdade na escolha das regras que irão incidir na solução do debate, desde que não violem os bons costumes e a ordem pública;

f) a linguagem simples: ao contrário do uso excessivo de expressões técnicas e/ou latinas que ainda permeia o Judiciário, a arbitragem deve ser caracterizada pela informalidade, fazendo com que haja maior compreensão da parte acerca do que foi decidido;

g) e a possibilidade de selecionar pessoa com conhecimento técnico no assunto discutido: por exemplo, uma discussão sobre índices de reajuste contratual pode ser decidida por um economista ou um contador, e não por um bacharel em direito.

Em síntese, há uma ampla liberdade conferida às partes na arbitragem, que vai desde a escolha da lei aplicável, passa pela escolha de quem irá decidir a questão, e até mesmo o procedimento a ser observado.

Por outro lado, entre as desvantagens se costumam listar as seguintes:

a) a possibilidade de influência da parte economicamente mais forte sobre as normas aplicáveis e a instituição arbitral escolhida, afastando a intervenção judicial, em prejuízo da outra parte;

b) os custos, que podem ser superiores, especialmente em se tratando de instituições arbitrais, se comparados aos gastos nos juizados especiais, ou se a pessoa for beneficiada pela justiça gratuita;

c) a necessidade de as partes analisarem previamente questões jurídicas que influenciarão a decisão final, como a lei aplicável e o procedimento arbitral;

d) a possibilidade de que o árbitro não seja imparcial, por ter sido escolhido pela parte;

e) o risco de falha no procedimento ou na sentença arbitral, com posterior anulação pelo Judiciário;

f) a necessidade de execução judicial da sentença, caso a parte vencida não queira cumprir a decisão do árbitro;

g) por fim, mais como um risco do que uma desvantagem, há quem alerte para o fato de que a arbitragem pode importar na privatização da justiça, favorecendo somente aqueles que podem pagar por ela.

Portanto, o Poder Público (por meio do Judiciário) não precisa intervir em todo e qualquer conflito, para compulsoriamente resolver desentendimentos entre particulares. Ainda que não cheguem a um consenso sobre o assunto discutido, podem as partes concordar em nomear um terceiro, isento e imparcial, para resolver a questão por elas.

A garantia da jurisdição do Estado não pode servir de empecilho para que as pessoas livremente optem por não solucionar seus problemas no Judiciário, mas sim com o auxílio de outra pessoa ou de uma instituição particular, da mesma forma que poderiam simplesmente resolver entre si a questão, sem a interferência de terceiros.

O fato de possuir aspectos positivos e negativos (que também existem no Judiciário) não pode servir de empecilho para a sua escolha, mas deve ser levado em consideração para se optar – ou não – pela arbitragem como método de resolução de conflitos.

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Lei de Arbitragem: aspectos gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2452, 19 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14531. Acesso em: 28 mar. 2024.

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