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Fiscalização do trabalho rural e analogia ao trabalho escravo

25/08/2014 às 14:18
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Mais uma vez, nos resta cristalino que o produtor estará a mercê da sorte e do bom senso dos órgãos fiscalizadores, e na expectativa de uma definição daquilo tido por “trabalho escravo”.

Muito se discute acerca da NR31, norma regulamentadora a qual visa reduzir os riscos à saúde e acidentes no ambiente de trabalho. A referida NR31 estabelece nada mais nada menos que duzentos e cinquenta e duas exigências para se contratar um trabalhador rural.

De imediato podemos identificar certo distanciamento da letra da lei para com a realidade vivenciada por cada produtor dentro de sua propriedade, uma vez que nos deparamos com exigências rudes que fogem ao cotidiano do produtor e seus encarregados.

Nesse ínterim podemos citar alguns casos, como por exemplo, “a exigência na espessura dos colchões”, “anatomia de cabos de equipamentos (enxadas, machados, dentre outros)”, “utilização de capacete pelo campeiro”, “oferecer roupas de cama adequadas às condições climáticas do local”, dentre outras.

Lembrando ainda da necessidade do produtor em qualificar seus funcionários para cada atividade a ser realizada dentro da propriedade, como por exemplo, manuseio de ferramentas, a exemplo do motosserra, a utilização de maquinário (a exemplo, trator), etc.

Quando dizemos que a letra da lei não pensou em se adequar a realidade do produtor, fugiu ainda a realidade da qualidade de empregador que é, sendo certo que na grande maioria, buscando cumprir as exigências da lei e na certeza de ter um profissional que atenda suas necessidades, investem na qualificação de seus funcionários e ao final sequer usufruem deste “investimento”, uma vez que boa parte se desvincula do emprego sem qualquer motivação plausível, no dito popular “não querem trabalhar”, restando ao produtor a falsa ilusão da Mao de obra qualificada.

Percebe-se que o produtor não se nega a cumprir a lei, porem a realidade do nosso país em dias atuais caminha em sentido oposto às exigências impostas, assim como a realidade prática em cada propriedade não conseguirá cumprir boa parte das obrigações impostas, seja por uma simples questão cultural ou mesmo financeira.

Outro ponto em destaca tem sido a forma como vem se desenvolvendo a fiscalização dentro das propriedades, uma vez que funcionários dos órgãos fiscalizadores, muitos sem qualquer conhecimento da realidade rural, e até mesmo das condições da região, se apresentam portando uma lista de exigências, e passam de maneira categórica a ticar as obrigações da lei, sem qualquer critério. Na ausência de cumprimento da lei é confeccionado auto de infração, restando ao produtor buscar amparo pelas vias judiciais a fim de adequar a lei à sua realidade, ficando ainda a mercê de ter seu pedido recebido por um magistrado o qual tenha pleno conhecimento da realidade do meio rural.

Notória a discrepância da lei frente à realidade ruralista, e mais, que na exigência de seu cumprimento afronta inclusive princípios como da razoabilidade, por vezes chamado de princípio da proporcionalidade ou princípio da adequação dos meios aos fins, os quais buscam prudência, bom senso, moderação, atitudes adequadas e coerentes, levando-se em conta a relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade a ser alcançada pela lei.

Não resta dúvida que, mais uma vez, o produtor, grande responsável por gerar boa parte da economia do país, foi voto vencido quando da criação de mais esta normativa, uma vez totalmente dissociada da realidade do campo, o que nos leva a crer que, diante da insensata imposição da maioria das exigências, atrelado ao literal texto legal, deparamo-nos com mais uma máquina de arrecadação estatal.

Não poderíamos deixar de ressaltar tamanha preocupação, o qual vai além da NR31, uma vez que, o descumprimento desta normativa, ao mero critério e bom senso do fiscal, poderá render uma acusação de trabalho análogo à escravidão, caminhando inclusive à perda da propriedade, e é nesse sentido que fora promulgada, na data 05 de junho de 2014, a Emenda Constitucional 81/2014.

A problemática toma proporção ainda maior diante do fato de que referida emenda constitucional, a qual altera o texto do artigo 243 da CF/88 não define o que é considerado trabalho escravo, o que demonstra a omissão desta necessidade, anteriormente à aprovação desta NR31, a fim de ofertar a real definição do que é considerado trabalho escravo.

Apenas a título de esclarecimento, encontra-se em discussão o Projeto de Lei do Senado nº 432/2013 do Senador Romero Jucá, o qual busca uma definição para a questão “trabalho escravo”, expropriação de bens”, “competência”, e mais, em tão ampla discussão que o referido projeto já recebeu 55 emendas.

Mais uma vez, nos resta cristalino que o produtor estará a mercê da sorte e do bom senso dos órgãos fiscalizadores, e na expectativa de uma definição daquilo tido por “trabalho escravo”.

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Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Pedro Puttini. Fiscalização do trabalho rural e analogia ao trabalho escravo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4072, 25 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29562. Acesso em: 29 mar. 2024.

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