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Natureza jurídica do interrogatório

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01/08/2002 às 00:00
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Introdução

O processo, seja ele civil ou penal, é instrumento para se tentar manter a paz social.

Atualmente, a sociedade tem sido, cada vez mais, alvo da criminalidade. Principalmente nos grandes centros, a criminalidade vem crescendo a cada dia e por isso o judiciário tem sido bastante acionado e servindo assim o processo como meio de diminuir essa criminalidade.

Através do processo o Estado-juiz examina a pretensão e aplica o direito no caso concreto.

O presente trabalho intitulado "Natureza Jurídica do Interrogatório" aborda um dos atos processuais mais importantes, senão o mais importante do processo penal, qual seja, o interrogatório do réu.

A monografia inicia-se em um breve histórico, com toda sua evolução, dos tempos mais remotos à atualidade.

Apesar de já ter sido bastante estudado pela doutrina o certo é que a matéria não se encontra esgotada.

Na presente pesquisa analisamos inovações na matéria, como interrogatório on line, interrogatório no Juizado Especial Criminal. Discorremos ainda sobre interrogatório na Justiça Eleitoral e nos crimes de imprensa, matérias inclusive pouco discutidas na doutrina pátria. Embora não seja esta a questão principal do trabalho, servem para maior desenvolvimento deste.

Discorremos ainda sobre características e procedimentos do interrogatório no direito atual e, então, adentramo-nos na divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à natureza jurídica do interrogatório, a qual constitui o tema da pesquisa.

O interrogatório é considerado ora meio de defesa, ora meio de prova, ora concomitantemente meio de prova e de defesa.

Atualmente a posição mais aceita pelos doutrinadores e a jurisprudência é a última, de ser o interrogatório meio de prova e de defesa.

Diversas obras foram utilizadas para elaboração dessa pesquisa, dentre elas destacamos algumas.

Tourinho Filho, em sua obra Processo Penal, em face da Constituição Federal de 1988, reviu sua posição anterior e considera hoje, principalmente em virtude do direito ao silêncio, o interrogatório como meio de defesa. Alega ainda que se tratasse de meio de prova seria exigido na lei de imprensa e nos crimes eleitorais.

Mesma opinião têm Ada Pelegrini Grinover, Scarance e Magalhães em As nulidades no processo penal, que dizem que mesmo que quisesse se ver o interrogatório como meio de prova só poderia assim ser considerado em sentido meramente eventual. E ainda, dizem ser o direito ao silêncio a garantia de enfoque do interrogatório como meio de defesa.

Da mesma corrente faz parte Fernando Capez, que trata o interrogatório como evidente meio de defesa, pois é a oportunidade do acusado contar sua versão dos fatos ao magistrado e assim influenciar na formação de sua convicção.

Já Adalberto Camargo Aranha, na obra Da prova no processo penal, sustenta posição adversa, assevera cuidar o interrogatório de um meio de prova e tem essa opinião por ter sido esse procedimento colocado no Código entre as provas, além de as perguntas poderem ser feitas livremente, apenas obedecendo ao elencado no artigo 188 do Código Processual Penal, e, por fim, por poder levar à confissão e mesmo o silêncio pode, em sua opinião, atuar como ônus processual.

Comunga dessa opinião Hélio Tornaghi em Curso de processo penal. Acredita que na lei em vigor o interrogatório é meio de prova. É oportunidade para fazer alegações defensivas, mas seu objetivo é provar, seja a favor ou contra.

É também adepto dessa teoria José Frederico Marques que diz ser o interrogatório fonte de convicção das mais relevantes, por fornecer indícios que podem condenar o réu e também por possibilitar a confissão.

Seguindo a doutrina mais moderna temos Júlio Fabrini Mirabete em seu Processo Penal, que tem o interrogatório como meio de prova e oportunidade de defesa, pois no mesmo momento em que se defende, o interrogando apresenta ao julgador elementos que podem influenciar sua decisão.

Destaca-se também a opinião de Heráclito Antônio Mossin no livro Curso de Processo Penal que ensina que o interrogatório protege o acusado enquanto apresenta sua defesa, mas ao mesmo tempo oferece elementos ao juiz para que esse decida o processo, principalmente nos casos de confissão.

Também faz parte dessa corrente Vicente Grecco Filho que explica tratar-se o interrogatório de ato de defesa pois nele esboça-se a tese de defesa e por ser ato de instrução serve como prova.

Diante dessa acarolada discussão resolvemos elaborar nosso estudo tendo como base a seguinte problematização: qual entendimento explica melhor a natureza jurídica do interrogatório? O de ser apenas meio de defesa, o de que é apenas meio de prova, ou o que acredita tratar-se de meio de prova e de defesa?

Esse ato processual é um dos mais importantes do processo penal, e daí vem o interesse em discutir sua natureza jurídica.

O interrogatório é a resposta dada pelo acusado às perguntas sobre o fato delituoso [ e suas circunstâncias] que lhe é imputado.

É a única oportunidade que o imputado tem de fazer, de viva voz, sua autodefesa, podendo apresentar sua versão dos fatos e é a oportunidade que o magistrado tem de formar sua convicção quanto ao acusado, pois é a única audiência que obrigatoriamente têm juntos.

Óbvio que esse estudo não esgota o tema, mas apenas tenta discorrer um pouco sobre a natureza jurídica do interrogatório e suas características.

Porém, um comentário importante a ser feito é que durante a pesquisa pudemos notar que em todas as obras da área processual penal o interrogatório é sempre tratado de maneira modesta. Isso dificultou um pouco a elaboração do trabalho.

Entretanto, acreditamos que nosso esforço poderá, talvez, ser útil para mostrar a importância do interrogatório e da discussão sobre sua natureza jurídica.


1. História do interrogatório

1.1 O interrogatório na linha evolutiva do Processo Penal

Ao analisar, em sua linha evolutiva, o processo penal, vê-se o interrogatório transformar-se de meio de prova, em meio de defesa.

Mais do que instrumento de persecução penal, o processo é instrumento de proteção da liberdade jurídica do indivíduo, frente ao princípio "nulla poena sine iudicio", ou seja, não há pena sem jurisdição, melhor dizendo, para aplicação da pena torna-se necessário o exercício da jurisdição, isto é, que o processo seja julgado por um juiz competente, que por meio do julgamento aplicará a pena cabível ao caso concreto. Neste prisma, o interrogatório converte-se de instituto dirigido em princípio à pesquisa das provas em instituto destinado à auto-defesa do acusado.

1.1.1 O interrogatório no sistema inquisitório: Meio de Prova

No sistema inquisitório, assim como no acusatório, como não poderia deixar de ser, o interrogatório é um meio de prova.

O que distingue os dois processos é que no inquisitório as funções de acusar, defender e julgar estão reunidas em um único órgão, qual seja, o inquisitor. O réu não é sujeito da relação processual e sim o objeto desse processo. Já no sistema acusatório o processo é verdadeiramente o "actum trium personarum". O réu passa a ser sujeito processual.

Neste sistema inquisitório o interrogatório só poderia ser meio de prova, pois a única finalidade no processo penal da época, era a pronta punição do criminoso e a conseqüente defesa social. Para este fim tudo era válido, utilizava-se meios coercitivos para obrigar o réu a falar e assim atingir-se verdade real.

1.2. As reformas do Processo Penal e o Interrogatório

As reações aos excessos medievais não demoraram.

Ainda no século XIV reformas em Portugal foram feitas por Dom Pedro I e Dom João I; Na França, em 1359 e, na Alemanha, em 1532 retornavam ao sistema acusatório. No século XVIII, com o advento do princípio liberal, determinou-se profundas modificações no processo penal.

Com a prevalência da idéia liberal e individualista, nesse retorno ao sistema acusatório, o interrogatório muda de aspecto.

Assegura-se ao acusado a possibilidade de, conscientemente, tornar-se o árbitro exclusivo sobre o "se" e o "como" de suas respostas. O "privilege against self-incrimination" da V Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América representa a garantia da liberdade de consciência do réu submetido a interrogatório. E no momento em que o acusado pode opor-se ao acertamento da verdade, mediante sua recusa em responder, surge para ele um direito que visa substancialmente colocar um limite à busca da verdade.

Passa-se da tortura ao "privilege against self-incrimination".

1.3. O Processo Penal no quadro das liberdades públicas: o Interrogatório como meio de defesa

O direito público desenvolveu-se de forma autoritária e teve profunda influência no processo penal europeu a partir da década de 30, através da escola positiva, modificou esses conceitos novamente.

O contraste Estado/indivíduo é resolvido em prejuízo deste. Até cessar as mudanças arbitrárias que a escola positiva impôs, até mesmo no campo científico, o interrogatório voltou a ser classificado como meio de prova.

Mas esse abandono do liberalismo não significa, nem deve significar, o desprezo do valor liberdade. "É a liberdade um direito fundamental, como tal se entendendo o direito inerente à personalidade humana, a ausência de constrangimento para toda a atividade sem a qual não se conserve, nem se aperfeiçoe o homem". [1]

O processo penal deve inserir-se no quadro das liberdades públicas, para garantir ao indivíduo o "due processo of law" que a Constituição lhe promete. E assim, o interrogatório do réu deve necessariamente ser meio de defesa.

1.4. O "Nemo tenetur" no Direito Comparado

1.4.1. Sistema da "Common Law"

O princípio do "nemo tenetur se accusare" nasceu no sistema inglês sob a fórmula do "privilege against self-incrimination" e foi afirmado no Estatuto de Carlos I, em 1641. A V Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América deu-lhe consagração plena. Porém o tratamento dado a esse princípio no direito inglês e no norte americano é diferente.

O "Criminal Evidence Act", na Inglaterra de 1898, dá ao acusado, no curso do processo, o direito ao silêncio e a faculdade de depor informalmente. Mas também se assegura ao réu a faculdade de depor como testemunha de defesa, sob juramento e sujeito aos riscos a "cross examination". A possibilidade de depor sob juramento acaba por tirar valor às declarações prestadas informalmente.

O ordenamento americano, apesar de conservar o depoimento do réu sob juramento, como testemunha de defesa, deu amplitude maior ao direito ao silêncio, através de vários pronunciamentos da Corte Suprema. Ficou decidido que a acusação não pode comentar a preferência pelo silêncio do acusado, e que o juiz não pode instruir os jurados a respeito de qualquer conotação do silêncio.

1.4.2.Sistema Romano- Germânico

No sistema europeu do direito codificado, tardou a introdução do "nemo tenetur se detegere". Na França só se introduziu o princípio em 1897. Na Alemanha, o Código de Processo Penal de 1965 consagrou expressamente o princípio. Lá é adotado em todo seu vigor, quer frente a órgãos jurisdicionais, quer frente à polícia judiciária. Na Itália, o "nemo tenetur" foi adotado em 1930 pelo Código de Processo Penal de forma tímida e limitada, até que as Constituições de 1965 e 1969 tornaram o princípio inteiramente eficaz em todas as fases procedimentais, inclusive no inquérito policial. Portugal tem o "nemo tenetur" em sua plenitude de direito ao silêncio porquanto o dever da verdade só é estabelecido no tocante à identidade e aos antecedentes do acusado. Nenhuma conseqüência é prevista para o silêncio do réu.

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1.5. No ordenamento Brasileiro

Na história do processo penal brasileiro, o interrogatório dos antigos códigos e das leis das unidades federadas era meio de defesa. Neste sentido, por sinal, o código de processo do Distrito Federal, em seu artigo 296, determinava que o juiz só perguntaria ao réu se queria prestar alguma declaração.

O Código de Processo Penal de 1941 absorveu tendências autoritárias da ciência penal européia da época, entre elas a configuração dada ao interrogatório do réu e ao princípio do "nemo tenetur se deterege".

Assim é que hoje o interrogatório é classificado no código pátrio como meio de prova. Disposto neste na parte dedicada às provas.

Porém, na doutrina e jurisprudência a classificação começa a mudar dando lugar à discussão sobre a natureza jurídica de tal procedimento.


2. Características do interrogatório

O interrogatório é sem dúvida um dos atos processuais penais mais importantes. É o meio pelo qual o juiz ouve o acusado sobre o fato que lhe é imputado e ao mesmo tempo colhe dados para o seu convencimento.

É ato privativo entre o réu e o magistrado, em que aquele presta declarações resultantes de perguntas feitas por esse, sobre as circunstâncias pertinentes ao fato delituoso.

Pode ocorrer em qualquer fase do processo, não admite contraditório, é público, na maioria dos casos, oral e ato extremamente necessário, não devendo, e não podendo, ser dispensado, o que prejudicaria a ampla defesa do réu.

2.1.Oportunidade

Na lei processual penal está assinalada a oportunidade em que deverá ter lugar o interrogatório.

No inquérito policial, nas hipóteses de flagrante, será o ato processual de encerramento deste. Nos outros casos será feito quando o acusado se apresentar à autoridade policial, ou vier a ser preso preventivamente, antes de encerrada a fase investigatória.

Em juízo, aliás, a parte que interessa mais a esse trabalho, será levada a efeito após o recebimento da denúncia, ao qual se segue a citação do acusado. Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, além do mencionado interrogatório judicial, o réu será também interrogado no plenário, logo após o sorteio do corpo de jurados. Poderá ainda, ser interrogado no Tribunal, na oportunidade do julgamento das apelações.

Concluindo, o interrogatório deverá ser realizado a qualquer tempo em que o acusado se apresente. Por ser o interrogatório também peça de defesa do acusado, é de seu interesse ser ouvido.

Nesse sentido:

"E M E N T A- HABEAS CORPUS - PACIENTE INIMPUTAVEL - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANCA - PRETENDIDA ANULAÇÃO DO PROCESSO-CRIME POR AUSÊNCIA DO INTERROGATORIO JUDICIAL - NULIDADE RELATIVA – ATO PROCESSUAL NÃO REALIZADO EM FACE DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO ACUSADO - INOCORRÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - ORDEM DENEGADA.O interrogatório judicial, qualquer que seja a natureza jurídica que se lhe reconheça - "meio de prova, meio de defesa ou meio de prova e de defesa" - constitui ato necessário do processo penal condenatório, impondo-se a sua realização, quando possível, mesmo depois da sentença de condenação, desde que não se tenha consumado, ainda, o trânsito em julgado. Consoante orientação jurisprudencial firmada pelo Supremo Tribunal Federal, a falta do ato de interrogatório em juízo constitui nulidade meramente relativa, suscetível de convalidação, desde que não alegada na oportunidade indicada pela lei processual penal [RTJ 73/758]. A ausência da argüição desse vicio formal, em tempo oportuno, opera insuperável situação de preclusão temporal da faculdade processual de suscitá-lo. Tratando-se de réu inimputável, cuja situação pessoal tenha sido objeto de positiva constatação em perícia médico-psiquiátrica, realizada ainda na fase interrogatória do inquérito policial, não há como exigir ao magistrado processante a realização do ato de interrogatório, que se revela, por seu caráter personalíssimo, de todo incompatível com a incapacidade de autodeterminação daquele que é convocado a comparecer em juízo penal na condição de acusado. Em tal circunstância, incumbira ao Juiz, se os peritos concluírem que o réu era penalmente inimputável ao tempo da infração, ordenar o prosseguimento da "persecutio criminis", com a presença de curador, que atuará, ressalvados os atos de caráter personalíssimo, como "representante" do imputado nos demais atos processuais". [2] [g.n.]

2.2 Ato privativo do juiz e do acusado

Somente o réu pode ser interrogado, não se admitindo representação, substituição ou sucessão. Sendo assim, nem mesmo o defensor do acusado maior, ou o curador do menor, pode ser ouvido em seu lugar.

As partes não participam do interrogatório. É ele ato privativo do juiz e do acusado, podendo aquelas apenas o assistir.

Nesse sentido:

"E M E N T A - PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL.- INTERROGATORIO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO DEFENSOR. - NULIDADE DO PROCESSO. INOCORRÊNCIA. CPP, ARTS. 185, 187, 394, 563 E 566.- a jurisprudência pretoriana e a doutrina nacional, de modo uníssono, consagram o entendimento de que o interrogatório do réu é um ato pessoal do magistrado processante, que não comporta intervenção nem do ministério público, nem do advogado do réu [CPP, art. 187]. - embora seja o interrogatório judicial meio de defesa e fonte de prova, não está ele sujeito ao principio do contraditório [stf, hc 68.929-sp, rel. min. Celso de Mello, df de 28/8/92], não constituindo nulidade a ausência do defensor do réu, à míngua de obrigatoriedade de sua intimação, conforme inteligência do art. 394, do CPP [stj, rhc 1.280-0-mg, rel. min. Adhemar Maciel, in ementário 7/289]. - em tema de nulidade no processo penal, e dogma fundamental a assertiva de que não se declara a nulidade de ato se dele não resulta prejuízo para a acusação ou para a defesa ou se não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa [CPP, arts. 563 e 566]. - recurso especial conhecido e provido". [3] [g.n.]

Vale dizer aqui, que em caso de co-autoria, os denunciados serão interrogados separadamente, a fim de que a resposta do primeiro não interfira ou beneficie a do[s] seguinte[s].

A presença das partes no interrogatório tem função de fiscalização. O artigo 187 do CPP não proibiu o protesto da defesa ou do Ministério Público a qualquer irregularidade constatada durante o interrogatório ou no modo de inquirição. Proibiu somente a intervenção nas perguntas e respostas.

A ausência de advogado não lhe tira a validade jurídico-processual. Sua ausência só vicia o ato se demonstrada a ocorrência de prejuízo para a defesa.

Porém, diz o artigo 395 do Código de Processo Penal que o réu ou seu defensor poderá, logo após o interrogatório ou no prazo de três dias, oferecer a defesa prévia e arrolar testemunhas; pressupôs a presença do advogado na inquirição, sem o que, como é óbvio, ao defensor não seria possível, ou pelo menos seria bastante complicado, exercer a referida faculdade.

É certo que, sendo vedada a intervenção do defensor no interrogatório, isso não significa que tenha se tornado uma inutilidade ou estéril a sua assistência ao acusado no ato da inquirição, pois além de representar conforto moral para o réu, tem a vantagem, entre outras, de fiscalizar o ato por ser pessoa habilitada e de confiança do réu, bem como, a de habilitar-se, ante as atitudes e respostas do réu, para orientação e preparo da defesa mais conveniente.

O mesmo acontece com o representante do Ministério Público, que além de fiscalizar o ato, por também ser habilitado para isso, pode-se valer do ato para o preparo da acusação, ou melhor, para a continuação da acusação.

É, portanto, o interrogatório espécie sui generis de ato do processo, que se destaca dos demais por sua natureza personalíssima e por outorgar ao interrogado apenas o direito de defesa pessoal, vedando-se qualquer intervenção do acusador ou defensor.

2.3. Judicialidade

Caracteriza-se o interrogatório pela judicialidade por não admitir contraditório, cabendo somente ao juiz intervir, com a formulação de perguntas ao acusado.

O interrogatório é a oportunidade que tem o julgador de estabelecer contato direto com o acusado, conhecendo-lhe a personalidade, ouvindo-lhe a versão dos fatos e inquirindo-lhe sobre pontos obscuros.

Devido a isso, o entendimento majoritário na doutrina é que, embora a lei processual penal desconheça o princípio da identidade física do juiz, é de suma importância que o interrogatório seja realizado pelo juiz sentenciador.

Conveniente é que o juiz do feito realize a inquirição. Todavia, sempre que o brocardo ad impossibilia nemo tenetur ressumbre concretizado em determinada espécie, outra solução não será possível, como fórmula para contornar o impasse processual, senão a da realização – em caráter excepcional – do interrogatório por precatória.

"Embora o Código Processual Penal não tenha previsto expressamente a hipótese de ser o interrogatório judicial realizado por outro juiz que não o do foro competente, também não o proibiu". [4]

É de se trazer também os dizeres de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha ao analisar a questão do interrogatório por carta precatória:

"O Egrégio Tribunal Federal, chamado a se pronunciar sobre a legitimidade ou não dos interrogatórios fora do juízo do processo, afirmou somente não haver qualquer nulidade se realizado em outra comarca, desde que conte com o consentimento do interrogando". [5]

2.4. Publicidade do ato

O interrogatório, em regra, é ato público, podendo qualquer pessoa assistir a ele. A finalidade dessa publicidade é comprovar que as declarações do réu foram prestadas espontaneamente, sem qualquer tortura.

Porém, quando da publicidade do ato puder resultar escândalo, perigo de perturbação da ordem ou inconveniente grave, o interrogatório far-se-á a portas fechadas, o número de pessoas presentes será limitado, sendo conveniente que dentre elas esteja o defensor, de acordo com o artigo 792, §1º do Código de Processo Penal.

A confissão porventura pode acontecer no interrogatório, portanto inquestionável que o princípio da publicidade permite-nos concluir que essa confissão tenha sido espontânea, sem a utilização de meios ilegais e coercitivos.

2.5 Oralidade

O tom de voz, os gestos e a espontaneidade do acusado ao responder às perguntas, são importantes elementos de convicção do juiz a respeito do réu.

Ronaldo Batista Pinto fala sobre esse assunto de forma bem didática:

"Daí a relevância de esse ato ser realizado cara a cara, entre Magistrado e acusado, quando o primeiro poderá sentir as reações do interrogando: se vacila ou é firme no que diz, se demonstra sinceridade ou desonestidade, se revela arrependimento ou frieza quanto ao ato delituoso que praticou". [6]

Mas, conforme disposto no artigo 195 do Código de Processo Penal, tudo o que for dito pelo acusado, e qualquer expressão que tenha obtido o magistrado sobre as reações do interrogado, serão registradas, reduzidas a termo. Termo este, lido e rubricado pelo escrivão em todas as suas folhas, será assinado pelo juiz e pelo réu, bem como pelo promotor e o defensor, se presentes.

Não é essencial, entretanto, a oralidade, pois a legislação processual prevê como exceção nos artigos 192 e 193 regras para o interrogatório de surdo, mudo, surdo-mudo e de estrangeiro.

Ao imputado surdo serão apresentadas perguntas por escrito e ele as responderá oralmente. Ao mudo, as perguntas serão feitas oralmente, e as respostas dadas por escrito. No caso de surdo-mudo as perguntas e respostas serão escritas.

Entretanto, pode acontecer de além de serem portadores dessas deficiências físicas, serem também analfabetos. Nesse caso, uma pessoa habilitada servirá de intérprete, sob compromisso de seriedade e idoneidade.

Se o interrogado não falar a língua nacional, será então necessária a presença de um tradutor. Nesse ponto é bom observar que, ainda que o juiz fale a língua do acusado, não poderá interrogá-lo sem intérprete, pois o Código, no artigo 193 é incisivo e induvidoso a respeito.

Artigo 193: "Quando o acusado não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por intérprete". [7]

É evidente que não propriamente pelo intérprete, mas pelo juiz, por meio de intérprete.

2.6 Ato necessário

A necessidade de ouvir o acusado presente se infere do próprio texto do artigo 185 do Código de Processo Penal quando determina sua qualificação e interrogatório assim que for preso ou comparecer, espontaneamente ou em cumprimento de intimação, perante a autoridade judiciária.

Essa necessidade vem da importância deste ato processual na verificação pelo juiz da personalidade do interrogado e dos motivos e circunstâncias do crime.

Estando o agente em lugar certo e conhecido, o seu interrogatório é da essência do processo, acarretando a nulidade deste a sua não intimação para audição. Todavia, dentro do princípio de que ninguém pode ser condenado sem ser ouvido, já se decidiu que "não pode o magistrado sentenciar o feito sem interrogar o réu, não sendo este revel". [8] Nessa contingência é que se diz que o interrogatório é termo essencial do processo, cuja supressão injustificada acarreta a sua nulidade, é o que nos diz o artigo 564, inciso III, "e", do Código Processual Penal.

Apesar de o interrogatório ser ato processual obrigatório quando o acusado está presente, não é ato imprescindível, tanto que há processo contra revel. Assim é que cabe ao réu a prescindibilidade do ato. Deverá esse suportar as conseqüências da revelia ao renunciá-lo.

Diz Fernando de Almeida Pedroso que "deverá ser realizado a qualquer tempo, sem prejuízo dos atos anteriores, se o acusado, inicialmente revel, for preso ou comparecer, espontaneamente, no curso do processo penal, perante a autoridade judiciária". [9]

Acrescenta José Frederico Marques que "não pode o réu, em interrogatório realizado fora de seu momento específico, requerer provas. Já se deu a preclusão desse direito, pelo que só lhe restará a possibilidade de o próprio juiz, de ofício, determinar que se realizem tais atos instrutórios". [10]

Surge na doutrina e jurisprudência, outra dissidência, é quanto ao réu revel que é preso ou comparece em juízo quando já proferida a sentença condenatória, embora ainda não transitada em julgado.

Há uma corrente, que tem entre outros seguidores Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha [11], que entende que a obrigatoriedade de tomar seu interrogatório vai até a sentença, porque este ato processual só pode ser praticado no "curso do processo". A partir daí é um ato facultativo do juiz. Neste sentido: RT 157/636, 277/141, 388/314 e 393/371.

Outra corrente, seguida pelo mestre Fernando da Costa Tourinho Filho [12], defende a tese de que essa obrigatoriedade vai até o trânsito em julgado da sentença final. Tem-se neste sentido: RT 148/86, 152/66, 223/63 e 273/454.

É essa nossa opinião, pois só deve caber ao réu a escusa de ser ouvido em juízo. E, além disso, entendemos que enquanto não passa em julgado a sentença, tem curso o processo penal.

Necessário será o interrogatório não realizado no curso da ação penal em decorrência da revelia, quando o réu comparece depois da sentença condenatória e antes do trânsito em julgado. Não se trata isto do novo interrogatório tratado no artigo 616 do Código Penal, qual seja:

Artigo 616: "No julgamento das apelações poderá o tribunal, câmara ou turma proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências". [13]

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Sobre a autora
Aline Iacovelo El Debs

advogada em Ribeirão Preto (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EL DEBS, Aline Iacovelo. Natureza jurídica do interrogatório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -335, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3123. Acesso em: 28 mar. 2024.

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