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O voto é um direito ou um dever?

28/08/2014 às 17:25
Leia nesta página:

Por que não realizar um plebiscito para saber se a maioria deseja que o voto continue obrigatório? Se a maioria decidir por experimentar um novo modelo, qual será o problema? Quem tem receio?

A discussão sobre qual é o sistema de voto ideal para o País, se obrigatório ou facultativo, já foi feita à exaustão, inclusive durante a Constituinte que aprovou a Constituição vigente. Porém, devemos analisar se a forma do voto hoje se enquadra no contexto democrático atual ou se há necessidade de se adequar aos princípios e critérios fixados pela Constituição e pelos avanços sociais e políticos conquistados nestes mais de 20 anos de vigência.

O voto obrigatório surgiu no Brasil com o Código Eleitoral de 1932 e foi mantido na Carta de 1988. Estávamos no início da redemocratização após 20 anos de ditadura militar. O receio de retrocesso era grande e o voto obrigatório, visto como uma das principais armas para a consolidação da democracia. Agora o momento político é outro. Temos uma democracia consolidada. Alcançamos a marca de seis democráticas eleições diretas e ininterruptas para presidente, sendo que no curso deste período tivemos o primeiro impeachment de um presidente da República, sem qualquer abalo em nosso reinício democrático.

Agora, precisamos continuar evoluindo na consolidação democrática que inegavelmente produziu uma maturidade política nos cidadãos brasileiros.

E se não evoluímos ainda o que deveríamos, foi por culpa da resistência conservadora que insiste em não mudar a mentalidade para adaptar-se ao novo mundo. O primeiro ponto a ser esclarecido é se o voto é um dever ou um direito.

A essência do pensamento daqueles que defendem que o voto é um dever está no compromisso do cidadão perante sua coletividade e, consequentemente, com o de escolher os seus representantes políticos. Dentre os defensores do voto facultativo, temos a respeitada voz do ex-senador Jutahy Magalhães, que afirmou, em um de seus muitos pronunciamentos na tribuna do Senado Federal. que "os defensores deste constrangimento legal — que é o voto obrigatório — têm a pretensão de impor a participação política como um modo de estabelecer legitimidade para a democracia representativa”.

Os que defendem a obrigatoriedade do voto utilizam-se, principalmente, dos seguintes argumentos: que o voto é um dever; que a tradição é pelo voto obrigatório; que os benefícios trazidos pelo atual sistema político-eleitoral são maiores que a relativa perda de liberdade de cada cidadão; que o Brasil não está preparado para o voto facultativo (“o povo não sabe votar”); que falta educação política ao eleitor; que o voto obrigatório faz com que a maioria da população vote e, ainda, que o modelo obrigatório diminui o risco de venda do voto.

Já aqueles que defendem o voto facultativo argumentam que o voto é um direito; que a obrigatoriedade do voto não educa ninguém politicamente; que é inverídica a afirmação de que a maioria dos cidadãos participa das votações obrigatórias; que as nações democráticas e evoluídas adotam o voto facultativo e que é inadmissível num Estado Democrático de Direito obrigar o cidadão a exercer a sua cidadania.

Em 1992, quando do impeachment do primeiro presidente eleito democraticamente após 20 anos de autoritarismo, a democracia não sofreu qualquer abalo e se estabeleceu em definitivo nos corações livres dos brasileiros.

Alguns poucos anos atrás, uma pesquisa do Instituto Datafolha mostrou uma exata divisão nas opiniões: 48% foram a favor do voto obrigatório e 48% foram favoráveis ao voto facultativo. Outras pesquisas mostram também que, se o voto fosse facultativo, quem não compareceria às urnas seria a classe média e não a classe mais carente, como se imaginava. As eleições nos ensinam que aproximadamente 40% dos eleitores brasileiros não querem participar do processo eleitoral com esse modelo. Entre abstenções, votos brancos, nulos, justificados e aqueles que pagam os quase R$ 5 de multa pelo não comparecimento às urnas, ficamos próximos dos percentuais de comparecimento do eleitorado nos países onde o voto facultativo é adotado.

Em outras palavras, usando os mecanismos já existentes – justificativas, votos brancos e nulos – os brasileiros expressam seu desejo de não participar do importante momento de escolha dos seus representantes políticos.

A nossa expertise em realizar eleições e a nossa tecnologia de última geração, usada nas urnas eletrônicas, são reconhecidas mundialmente. Nossa evolução no sistema eleitoral é tão grande que o Tribunal Superior Eleitoral já entrou na era da biometria, ou seja, da leitura das digitais dos eleitores.

Com essa consolidação democrática, evolução tecnológica e maturidade política, por que não realizar um plebiscito para saber se a maioria deseja que o voto continue obrigatório? Se a maioria decidir por experimentar um novo modelo, qual será o problema? Qual o risco para a democracia? Quem tem receio de que o sistema eleitoral venha ao encontro do desejado pelo povo?

Contudo, entendemos ser necessário realizar o plebiscito em duas etapas. A primeira, para saber qual é a vontade popular. Se a maioria decidir pela manutenção do voto obrigatório, a questão está encerrada. Se, ao contrário, a maioria decidir pelo voto facultativo, devemos discutir a fixação de um número de eleições neste novo modelo – seis ou oito eleições, por exemplo — deixando consignado que, ao final do número de eleições estabelecido será realizado um novo plebiscito, para que o povo novamente avalie a experiência do voto facultativo, validando-o ou não.

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Sobre o autor
Marcelo Nobre

Advogado, ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça - CNJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOBRE, Marcelo. O voto é um direito ou um dever?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4075, 28 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31457. Acesso em: 28 mar. 2024.

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