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Uma visão hermenêutica comprometida com a cidadania e os direitos humanos:

o início de um debate

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01/02/2001 às 00:00
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A CORRUPÇÃO COMO ELEMENTO VIOLADOR DOS DIREITOS HUMANOS NO CENÁRIO INTERNACIONAL 1. INTRODUÇÃO

O presente artigo dedica-se a abordar o tema "corrupção" procurando demonstrar as conseqüências deletérias dessa prática criminosa para as nações e seus respectivos cidadãos, algumas vezes impedindo-os de exercer plenamente seus direitos civis e políticos, e outras, privando-os de seus direitos sociais e econômicos, em qualquer caso criando obstáculos ao progresso e desenvolvimento desses países, prejudicando todos os setores da sociedade.

A escolha do tema deve-se à observação de que dia após dia sucedem-se os escândalos envolvendo a malversação do patrimônio público, não só em nosso país, mas também em nações que até então primavam pela boa reputação de seus administradores.

Parece-nos que a proliferação dessa espécie de delito não tem merecido a devida atenção por parte dos estudiosos do direito internacional, havendo a tendência por tratá-lo como um problema de ordem interna que só faz vítimas no Estado em que ocorre. Entretanto nos recusamos a pensar de tal modo, uma vez que em nossos dias já não existem barreiras quaisquer que possam impedir a influência política e econômica entre Estados e a facilidade de transporte e comunicação no mundo todo fez com que também as organizações criminosas se globalizassem a ponto de tornarem-se verdadeiras transnacionais, com ramificações em vários países, dedicadas a delitos de toda ordem, onde fatalmente figura a corrupção.

Desse modo, qualquer tentativa unilateral de combate ao problema será inócua, razão pela qual é imprescindível a busca de respostas pelo conjunto de nações que em um cenário internacional poderão encontrar mecanismos eficazes de prevenção e combate àquele mal.


2.CORRUPÇÃO : O CONCEITO E SUA DIMENSÃO.

O termo "corrupção", vem do latim corruptio, que segundo Aristóteles, constitui "a mudança que vai de algo ao não-ser desse algo; é absoluta quando vai da substância ao não-ser da substância, específica quando vai para a especificação oposta."(1)

Para o filósofo grego a corrupção é a alteração do estado das coisas, uma modificação, um desvio de conteúdo, assim ao levarmos essa idéia para o âmbito das relações humanas, podemos afirmar que a corrupção associa-se diretamente à idéia de desvirtuamento do homem, à idéia de decadência moral e espiritual.

A Igreja Ocidental redefiniu esse conceito através do mito segundo o qual o ser humano teria decaído do seu estado de perfeição original, quando "saído das mãos de Deus como criatura livre, ao usar a liberdade provocou a sua queda e, ao mesmo tempo, a ruína do mundo harmonioso criado por Deus."(2) Entretanto, é interessante observarmos que ao mesmo tempo que revela o estado miserável do homem, aponta-lhe também a salvação : "poderá erguer-se através da própria liberdade e da sucessão de provas dolorosas que o reeducarão, devolvendo-o a harmonia original do Universo."(3)

Modernamente entendemos a corrupção, em sentido bastante amplo, como uma espécie de conduta através da qual o indivíduo, motivado por alguma vantagem (a sedução da serpente), age desvirtuando a natureza de um determinado objeto, contrariando aquilo que coletivamente é visto como certo e justo (as ordens de Deus).

É verdade que lidamos com conceitos excessivamente amplos, pois "certo" e "justo" denotam idéias vagas, que poderiam suscitar discussões infindáveis. Entretanto, como esse não é o nosso objetivo, podemos dizer para solucionarmos a questão, que a nossa sociedade estabelece padrões de conduta, gravados em comandos, denominados normas jurídicas, e tais normas devem conter validade formal (submissão a uma regra de reconhecimento) e legitimidade(4), ou seja, devem ter por finalidade maior a satisfação do interesse coletivo, enfim devem corresponder às necessidades e anseios da maioria, não bastando a mera expressão do desejo dos que estão no Poder. Assim o "certo" e o "justo" resultará de uma eficiente combinação entre o que é socialmente exigível por ser obrigatório e aquilo que o é por ser legítimo.

Desse modo, uma vez estabelecidos esses padrões, a corrupção se caracterizará como a deturpação de um objeto, através de um comportamento que desrespeita àquela norma, motivado pelo desejo de obter vantagens indevidas.

Assim o nosso Código Penal, bem como a legislação esparsa elenca uma série de delitos que se caracterizam como corrupção. Menciona-se a corrupção sexual, a corrupção de menores, a corrupção de água potável, a corrupção de substância alimentícia, e a corrupção na administração pública. Esta particularmente, é o objeto de nosso interesse, pois é prática criminosa que vem ocorrendo em larga escala, prejudicando o crescimento das nações e o bem-estar de seus cidadãos.

O nosso Código Penal (1940), em seu Título XI, define os "Crimes contra a Administração Pública", onde podemos alinhar : o peculato (art.312), extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento (art.314), emprego irregular de verbas ou rendas públicas (art.315), concussão (art.316), corrupção passiva (art.317), facilitação de contrabando ou descaminho (art.318), prevaricação (art.319), condescendência criminosa (art.320), advocacia administrativa (art.321), exploração de prestígio (art.332), corrupção ativa (art.333), etc... Podemos ainda mencionar a título de exemplificação, na legislação extravagante: a Lei nº4.717, de 29 de junho de 1965, que regula a ação popular, o Decreto-Lei nº201, de 27 de fevereiro de 1967, que trata da responsabilidade dos prefeitos e vereadores, a Lei nº7.347, de 2 de julho de 1985, que trata da ação civil pública, a Lei nº7.492, de 16 de junho de 1986, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, a Lei nº8.137, de 27 de dezembro de 1990, que trata dos crimes contra a ordem tributária e econômica, a Lei nº8.429, de 2 de junho de 1992, que trata do enriquecimento ilícito de agentes públicos e a Lei nº9.613, de 3 de março de 1998, que trata dos crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores.

Destarte, a dimensão que desejamos conceder ao termo corrupção no presente trabalho abrangerá uma variedade de condutas e práticas nocivas, situadas em âmbito político-administrativo, que se caracteriza por um desvio de conduta de ordem criminosa que objetiva determinada vantagem indevida em detrimento do interesse coletivo.


3. A CORRUPÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO

Historicamente, a corrupção no Brasil vem sendo uma das maiores causas de esfacelamento do Estado e miséria de sua população.

Já nascemos circundados por essa conduta criminosa, pois desde a época do descobrimento tal prática era disseminada nesta terra. Sim, "terra", pois não existia a idéia de uma nação brasileira, éramos apenas meros fornecedores de matéria-prima, fonte de enriquecimento fácil para os que aqui vinham apenas com a ambição de enriquecer e voltar a Europa.

No período do Brasil-Colônia eram comuns o contrabando, levado a efeito por estrangeiros auxiliados pelos nativos, e a sonegação de tributos a Coroa, duas espécies de delito facilmente praticáveis, tendo em vista a total impossibilidade de fiscalização eficiente do território, bem como pelo envolvimento direto dos emissários de Portugal naqueles delitos.

Ressalte-se que muitas vezes o Rei procurou se utilizar dos Tribunais da Inquisição, que alcançara o seu apogeu àquela época, para punir os acusados de traição a Corte, entretanto sabemos que o Santo Ofício não fora conhecido pelos seus métodos ilibados, razão pela qual eram freqüentes as falsas acusações com o objetivo vil de confiscar os bens do acusado e de sua família que nada podia fazer senão deixar-se expropriar pela Igreja e pelo Estado.(5)

Após a Independência, em sua fase imperial, o Brasil cresceu com rapidez extraordinária, entretanto a corrupção não fora eliminada, ao contrário encontrara novas formas, não era mais o contrabando a atividade praticada, mas sim a corrupção refinada, praticada por nobres e ministros, que se encarregavam de privilegiar parentes em negociações, lesando os cofres públicos e contribuindo para mais rapidamente ruir o regime.

A Proclamação da República ocorreu e pouca coisa mudou, a não ser para pior. O ‘coronelismo’, já nascido no Império se fortaleceu ainda mais, de tal forma que os Presidentes acabavam por consolidar um pacto com os ‘manda-chuvas’ locais, estes reconheciam a autoridade do Chefe de Estado e garantiam-lhe votos nas eleições e, aquele ouvia os coronéis para quaisquer nomeações regionais (polícia, justiça, educação, etc...), o que fechava o círculo infindável do tráfico de influências.(6) Foi a época em que a classe dos funcionários públicos cresceu, incentivada como solução para o crescente nível de desemprego e por ser a melhor moeda de troca para os políticos. Não é preciso dizer que este foi outro fator decisivo para o aumento da corrupção tendo em vista o processo seletivo, cujas regras eram quase que invariavelmente o apadrinhamento e o clientelismo.

Outra espécie de corrupção comum nesse período era a paga por matérias jornalísticas que zelassem pela boa imagem do governo, sempre envolvido em escândalos(7).

Na sucessão de Presidentes, passaram por nossa História Getúlio Vargas, Juscelino Kubiteschek, Jânio Quadros e João Goulart, todos trouxeram promessas de moralização da Administração Pública, porém nada avançaram em concreto, só conseguiram aumentar ainda mais a corrupção, menos por má-fé do que por falta de apoio e determinação para enfrentar o ‘status quo’.

Dentre os presidentes mencionados, João Goulart, que governava o país em 1963, fora sem dúvida o que encontrara o ambiente mais hostil, pois a ‘direita’ via nele um simpatizante do comunismo, fazendo com que fosse deflagrada verdadeira campanha pública contra o Governo : era a preparação para o golpe.

Darcy Ribeiro, que àquela época era Chefe de Gabinete, nos conta que jornais, rádio e televisão se encarregavam de implantar o temor contra o comunismo e associar Jango a essa idéia, conta-nos ainda que os Estados Unidos, através de seus agentes participaram do golpe : "a sedição é articulada tecnicamente em Washington, com vasto assessoramento científico, como a primeira operação complexa de desestabilização de governos sul-americanos." (8)

Assim a "revolução" ocorreu e os militares tomaram o Poder prometendo extirpar os "subversivos" e a "corrupção". Hoje sabemos que "subversivos" eram quaisquer pessoas que tentassem expressar posicionamentos ideológicos diversos do Governo e quanto a ‘cruzada contra a corrupção’ servira apenas como pretexto justificador para o enrijecimento do sistema e para a prática das barbáries mais diversas que se seguiram.

O Estado nesse período aumentou em muito suas dimensões, através da criação de empresas estatais e a realização de obras faraônicas que fizeram com que o funcionalismo público crescesse em número, passando a ser comum a prática do "bakshish"(9) (modo de agir que consiste em criar dificuldades para vender facilidades), levando a Administração Pública a um descrédito cada vez maior. O regime de exceção em que se encontrava o país só favorecia a ampliação dos abusos, pois o poder se concentrava nas mãos de poucos e o princípio da publicidade só era lembrado para favorecer o Governo e seus partidários. Assim foi que em 1972, no Governo Médici, chegou-se ao cúmulo de proibir-se qualquer publicação que trouxesse notícias negativas sobre instituições financeiras que operassem no Mercado de Capitais.(10)

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Na década de 80 a abertura democrática finalmente chegou e Tancredo Neves se transformou na mais nova promessa de moralização do país, porém não pode viver para tentar concretizá-la, sucedendo-o o então Vice, José Sarney, que teve a sua administração marcada pela proliferação das CPI’s (Comissões Parlamentares de Inquérito), que uma após outra tentaram apurar a responsabilidade nos escândalos que chegavam a público, nomeando um "escolhido" que era afastado da Administração, freqüentemente deixando atrás de si, na impunidade, os principais responsáveis pelos crimes que apuravam.

Sarney concluiu seu mandato deixando uma nação sufocada pela dívida externa, desmoralizada pelo péssimo comportamento de seus políticos. Assim, aproveitando-se de tal situação, eis que surge o lendário "caçador de marajás", prometendo erradicar as mordomias de funcionários públicos que não trabalhavam e ganhavam salários absurdamente altos, prometendo moralizar o Governo, enfim prometendo ser uma espécie de Hobbin-Hood das Alagoas.

Uma vez eleito, a queda nos níveis de inflação o notabilizaram por certo tempo, até que fossem denunciadas suas falcatruas e passasse para a História como o primeiro Presidente brasileiro a perder o mandato em decorrência de um processo de "impeachment".

Hoje, ainda é cedo para analisarmos o período em que vivemos, mas podemos afirmar que desde o episódio Collor muitos outros escândalos vieram a público (desfalque na Previdência, desvio de numerário para o combate a seca, tráfico de influências em leilões de privatização, envolvimento de magistrados com desvio de verbas de obras públicas faraônicas, etc...), inúmeros foram os casos de corrupção em que se conheceram a formação de verdadeiras quadrilhas, com elementos infiltrados nos mais diversos setores do Estado, dotados de um arsenal tecnológico a seu serviço, voltados para o objetivo maior de se locupletarem às custas do patrimônio público.

Atrávés da retrospectiva histórica de nosso país poderíamos chegar a conclusão de que o problema está com o nosso povo, que somos um povo destinado a ser reiteradamente lesado, que somos por natureza seres corrompidos, e quando não corrompidos, totalmente apáticos, pois não reagimos ao que nos acontece. Entretanto, é preciso saber que somos sim historicamente usurpados, entretanto, a corrupção não é um mal que esteja apenas em nosso país, está em todos os lugares, em todas as nações, está onde estiver o poder, pois é dele que se alimenta, é dele que sobrevive, e é com ele que aumenta mais ainda suas dimensões.

Bastará analisarmos aleatoriamente o que se divulga na mídia para percebermos o estágio em que a corrupção avança por todo o mundo : no Mali, Traore Moussa (ex-ditador) e sua mulher Mariam, foram condenados à morte por desviar cerca de US$400 mil dos cofres públicos(11); na Palestina, o governo de Arafat também sofre com as denúncias : "um ano atrás um relatório de uma comissão legislativa disse que a corrupção, a malversação de fundos públicos e a ineficiência no governo atingia níveis preocupantes e que quase a metade dos 800 milhões de dólares do orçamento fora desperdiçada. A comissão chegou a recomendar que três ministros fossem submetidos a julgamento, porém Arafat confirmou os três na reforma do gabinete"(12); e mesmo na tão promissora União Européia : "Casos de Corrupção Abalam UE - O parlamento europeu debaterá hoje uma moção de censura (...) a moção de censura visaria a Comissão em seu conjunto, mas parte especificamente da crítica a Cresson e Marin por fraudes detectadas em seus respectivos departamentos. No caso de Marín, diz respeito aos contratos irregulares que a oficina humanitária Echo assinou para poder fazer contratações. Cresson por sua vez, contratou um amigo pessoal."(13)

Como se pode perceber o problema tem dimensões que vão muito além das fronteiras desses países, a corrupção prejudica a todos, criando obstáculos às relações comerciais entre os Estados e suas empresas, facilitando a prática de outros crimes, como o narcotráfico e a ‘lavagem’ de dinheiro.

O próprio Banco Mundial já se manifestou a respeito, chamando a atenção para o fato de que os Estados em que existem altos índices de corrupção são prejudicados uma vez que a propina aumenta o custo da operacionalização de negócios nesses países, afastando investidores. Assim se manifestou o Presidente daquela instituição sobre esse enorme mal : "É praticada em todos os países e uma sondagem chegou à conclusão que 40% dos fornecedores ou empreiteiros tiveram de pagar propinas ao governo sob uma forma ou outra. Existem os corruptores e, neste caso, os países industrializados não são inocentes : na Alemanha e na França e certamente em outros países, os gastos de corrupção podem ser deduzidos do Imposto de Renda."(14)


4. AS CAUSAS

A grande questão da Criminologia talvez seja a descoberta das razões pelas quais alguém se desvia do padrão de conduta de uma determinada sociedade para delinqüir, isto mesmo tendo o conhecimento de que poderá ser punido.

Nas trilhas de Lombroso e de seu "l’homo deliqüente" poderíamos dizer que esses seres já nascem predestinados geneticamente para o crime, algo como um ‘chamado’ de sua natureza contra o qual não podem lutar. Entretanto, há muito tal teoria encontra-se superada, não havendo determinismo biológico que diga se um indivíduo irá ou não ser um criminoso no futuro.

Após termos estudado o caso brasileiro, seria perfeitamente coerente argumentarmos com a própria história de nossa colonização, posto que fomos desde o início tratados como vis mercadorias, como moeda-de-troca.

Jamais fomos vistos como uma nação pelos que aqui primeiro chegaram, pois aqui vieram homens em busca de enriquecimento fácil, que viam no Brasil apenas um meio de fazer fortuna e partir de volta para a Europa. Ademais, somente o fato de ter sido o Brasil utilizado nos primeiros anos como punição para os condenados em Portugal, já demonstra que os valores morais dos que aqui estavam não eram suficientemente sólidos para exigir conduta diversa.(15)

Os nossos colonizadores viram esta terra como a matéria-prima a ser continuamente explorada, e assim aprendemos a conviver com as regras da "lei da vantagem", na relação dominador-dominado nos ensinaram a ser dependentes e a nos deixar explorar, foi assim com os portugueses no Brasil-Colônia, foi assim com os ingleses no Império, e tem sido assim com o domínio econômico americano desde a Proclamação da República.

Aprendemos a achar que aquilo que é público não é de todos, mas sim é coisa de ninguém, aos moldes do tratamento que a Metrópole nos dispensava, e assim durante anos e anos seguidos presenciamos a usurpação de um patrimônio que é nosso e permanecemos impassíveis, calados, apáticos.

Passamos a acreditar em criações genuinamente brasileiras para situações adversas, como o famoso "jeitinho", visto até com certa simpatia pela maioria das pessoas, visto como sinônimo de esperteza, considerado como a habilidade de sempre ‘lucrar’ nas mais diversas situações.

Assim devemos nos perguntar : somos esse povo viciado e corrompido, aquela raça inferior que se deixou explorar pelo mais forte e só a linguagem da exploração aprendeu a falar?

Somos essa gente sem brio, sem pudor, sem moral?

O que leva nossos administradores a reiteradamente usurparem de seu poder e nos roubar um pouco mais a cada mandato?

Não, as respostas não estão na índole do nosso povo, pois não há raças inferiores, não há povos nascidos para serem explorados, não existe essa tão decantada vocação para a submissão.

Somos sim reiteradamente usurpados, mas porque aprendemos a conviver com a lei da impunidade, somos totalmente descrentes de nossas instituições porque raramente as vemos funcionar.

E não há maior mal a qualquer sociedade do que a crença na impunidade, pois o homem diferencia-se dos demais animais por gozar de liberdade para optar pela conduta a seguir, e a lei não lhe priva dessa liberdade, mas apenas impõe condições para seu exercício.

Assim, se esse homem escolhe delinqüir ainda que seja conhecedor da sanção, será ou porque não se importa com essa possibilidade (e poderá então, estar beirando a insanidade) ou porque efetivamente não acredita nela. E este sim é o grande risco que qualquer grupo pode correr : a total descrença de seus membros em suas instituições, pois quanto maior e mais difundida a idéia da impunidade, tanto maior serão as chances de desintegração do grupo.

No momento em que esta idéia estiver definitivamente implantada no subconsciente coletivo, "as leis de pouco adiantarão de vez que elas representam somente uma condição formal, necessária, mas não suficiente para que haja consciência e ação moral"(16)

Por isso estamos convencidos de que uma das mais importantes causas da corrupção é a idéia da impunidade, que em nosso país está presente em virtude de todo o seu histórico de desmandos e usurpações, e em outras nações está presente também pelo fato de que os delitos cometidos contra a Administração Pública, invariavelmente são cometidos por aqueles que detém poder, em maior ou menor escala, o que faz com que disponham de mecanismos mais eficientes para atuar criminosamente, além de poderem mais facilmente apagarem qualquer vestígio de sua atuação.

Adicione-se a isso ainda o fato de que a ascensão do capitalismo e o avanço da globalização fez com que a cultura ocidental de valorização do consumo se expandisse por todo o mundo, criando a noção de que para se obter respeito é necessário ter determinados símbolos de poder que representam o ‘vencedor’, todos eles adquiridos com muito dinheiro.

C. Wright Mills define perfeitamente essa condição ao afirmar :

"O dinheiro ainda é o único critério de êxito, e o êxito ainda é o valor soberano para a América. Sempre que os padrões de vida endinheirada predominam, o homem com dinheiro, não importa a forma pela qual o tenha conseguido, acabará sendo respeitado. Um milhão de dólares, diz-se, cobre uma multidão de pecados."(17)

Destarte podemos sintetizar afirmando que as causas da maior ou menor incidência de corrupção na estrutura dos Estados deve-se principalmente a conjugação daqueles dois fatores ideológicos : a convicção na impunidade e a cultura do enriquecimento a qualquer preço.

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Sobre a autora
Alessandra Moraes Teixeira

advogada em São Paulo (SP), professora da UNIC e UNIP, mestranda em Direito pela UNESP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Alessandra Moraes. Uma visão hermenêutica comprometida com a cidadania e os direitos humanos:: o início de um debate. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32. Acesso em: 28 mar. 2024.

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