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Excludentes de antijuridicidade, culpabilidade e tipicidade

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29/09/2014 às 10:36
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O presente artigo estuda os conceitos, exemplos e diferenças de excludentes penais.

I – CAUSAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE PENAL

O crime é fato típico e antijurídico. Para que se possa dizer que o fato concreto tem tipicidade é necessário que ele se contenha perfeitamente na descrição legal, e que haja perfeita adequação do fato concreto ao tipo penal. Deve-se dizer, para tanto, que são elementos do fato típico: a conduta, o resultado, a relação de causalidade, a tipicidade. Não há crime, pois, sem conduta, que constitui elemento estrutural do aspecto objetivo do crime.

O tipo penal é portador da ilicitude penal, dotado de conteúdo material possuindo uma função seletiva.

O tipo incriminador serve para fundamentar um juízo de tipicidade de certos comportamentos humanos.

Por sua vez, o evento seria parte do todo representado pelo resultado.

Tem-se o evento como efeito natural da conduta relevante para o direito penal.

Tanto o evento poderá ser produzido imediatamente após a conduta como ex intervallo.

Há crimes com evento e sem evento; materiais e formais.

Há crimes privados de evento(naturalístico) e crimes dotados de evento(naturalístico).

Há crimes de mera conduta que são aqueles nos quais, para integrar o elemento objetivo do crime, basta o comportamento do agente, independente dos efeitos que venha a produzir no mundo exterior. Assim prescindem de qualquer resultado naturalístico.

Crimes com evento(material) são aqueles em que o legislador distingue, na sua configuração objetiva, além da conduta, um resultado dela dependente. Sendo assim é insuficiente a atividade ou inatividade(omissão) do agente. Assim faz parte ainda do facti species legal um evento(naturalístico), que integra o tipo como elemento necessário e indispensável.

Nos crimes formais, a intenção do agente é a realização de um evento, cuja consumação a norma retroage para um momento anterior, dispensando a sua concretização. Considera-se que a mera conduta poderá estar potencialmente capacitada a gerar, no mundo fenomênico, uma transformação.

Há quem identifique os crimes formais com os de perigo e os materiais com os de dano, como se vê na doutrina italiana com Battaglini e Rocco e, no Brasil, com Nelson Hungria[1].

Há o tipo proibitivo de que emana norma penal proibitiva, como se lê do artigo 121 do Código Penal(matar alguém).

Por outro lado, há tipos justificantes que exigem do juiz uma valoração da situação justificante assim como dos bens em conflito. Na parte geral do Código Penal, encontram-se tipos permissivos (causas típicas de exclusão do crime, como a legítima defesa, o estado de necessidade etc).

A legítima defesa é posta ao lado do estado de necessidade, do estrito cumprimento do dever legal e do exercício regular de direito, como causa de exclusão da ilicitude. Estamos diante de causas de justificação que, quando incidem, o fato embora aparentemente típico, não será um crime, mas sim um lícito penal. Será o caso da legítima defesa, do estado de necessidade, por exemplo.

No estrito cumprimento do dever legal, imposto por lei, não comete crime o agente   embora esteja causando eventualmente lesão a um bem jurídico. É o que se tem da norma permissiva do artigo 23, III, primeira parte, do Código Penal. Atuam, de forma lícita, os agentes do Poder Público que efetuam prisões, arrombamentos, buscas e apreensões de pessoas e coisas etc, na forma da lei. Entende-se que se houver resistência com emprego de violência ou de ameaças, por parte do agente passivo, cria-se uma situação de legítima defesa que faculta aos agentes que assim atuam a possibilidade de reação com emprego moderado de meios necessários para impedir ou repelir a agressão. Os excessos poderão constituir  crime de abuso de autoridade(Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, artigos 3º e 4º) ou ainda outros crimes previstos desta forma na legislação penal.

Da mesma forma, as intervenções médicas necessárias a salvar a vida de um paciente ou curá-lo de uma enfermidade, tratando-se de uma atividade regulada pelo Estado que é objeto de regulação, tendo-se de reconhecer como legítimos os atos que a sua prática regularmente comporta, com os riscos que lhe são inerentes. Por certo o fundamento da determinação não é o consentimento do paciente. Mas a ausência do consentimento torna a intervenção ilegítima, porque,  então, não haveria exercício regular de uma faculdade, mas constrangimento ilícito, que retira desse exercício a sua legitimidade, salvo quando a vontade do paciente não se pode manifestar ou quando ocorrem os extremos do estado de necessidade.

Nesse quadro encontram-se os atos lesivos na prática regular de certos jogos, como o boxe, o futebol, a luta livre etc. A antijuridicidade se exclui quando se trata de uma prática regular que é autorizada pelo Estado, uma prática que é considerada socialmente útil. O exercício regular dessa prática deve vir,  segundo as regras, sendo  autorizada por lei.

Quanto ao consentimento do titular do bem jurídico, se dirá que a lesão não pode ser validamente consentida desde que ponha em perigo a vida ou diminua a capacidade do individuo como valor social, sem esquecer a influência que os costumes podem exercer sobre o julgamento da ilicitude do fato. Mesmo o desinteresse do indivíduo pela própria vida não exclui a esta da tutela penal. Isso porque o Estado deve proteger a vida como valor social, como bem disse Aníbal Bruno[2] e esse interesse superior torna inválido o consentimento do particular para que dela o privem. Isso é diverso de um dano quando o titular da coisa o permite. Para Francisco de Assis Toledo[3], em divergência ao ensinamento de Nelson Hungria, o consentimento do ofendido é uma causa supralegal de justificação, aquele que se impõe, de fora, para a exclusão da ilicitude.

Ainda constitui exclusão da ilicitude o exercício regular de direito. Uma ação juridicamente permitida não pode ser, ao mesmo tempo, proibida em direito.

A potencialidade agressiva de certos aparelhos, engenhos, cães ferozes, encontra melhor solução, para muitos como Francisco de Assis Toledo[4], dentro dos limites da legítima defesa. É a legítima defesa preordenada ou predisposta. É o que se chama de  ofendículas.

Nelson Hungria[5] considera que as ofendículas devem ser admitidas  mesmo com o risco de que, ao invés do ladrão, venha a ser vítima da armadilha uma pessoa inocente, caso em que, a seu ver, configuraria legítima defesa putativa. Por sua vez, Aníbal Bruno[6] anotou que a essa mesma categoria de exercício de um direito pertence o ato do individuo que, para defender a sua propriedade, cerca-a de vários meios de proteção, as chamadas defesas predispostas ou offendicula, dispositivos ou instrumentos que impeçam ou embarecem o acesso do malfeitor ao bem protegido, muros com pontas de ferro ou fragmentos de vidro, grades, foros ou aparelhos mecânicos, como armadilhas mais ou menos perigosas, inserindo a matéria no exercício regular de direito. Mas por certo, a zona do lícito termina necessariamente onde começa o abuso.

Nessas situações, expressamente mencionadas em lei, há tipos permissivos, em que mesmo praticando uma conduta que seria expressamente proibida por lei, se exclui a ilicitude penal.

No estado de necessidade(artigos 23,I e 24 do CP), onde há a prática de fato para salvar de perigo atual, que o agente ativo não provocou por sua vontade, nem poder de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, pelas circunstâncias, não era razoável exigir-se, são exigidos para a configuração da excludente:

a)perigo atual, presente a ameaça concreta a bem jurídico;

b) proteção do direito próprio ou alheio;

c) situação de perigo atual não causada de forma voluntária pelo agente;

d) inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.

Caracteriza-se o estado de necessidade ofensivo quando o titular do bem jurídico não é o causador do perigo atual. Já o estado de necessidade defensivo acontece quando o titular do bem jurídico sacrificado é o causador do perigo.

Fala-se com relação ao estado de necessidade na aplicação de duas teorias: a unitária e a diferenciadora. Penso que podemos adotar a segunda teoria.

Heleno Cláudio Fragoso[7],  defendendo a aplicação da teoria diferenciadora[8], por influência da doutrina alemã, disse o que segue:

¨A legislação vigente, adotando fórmula unitária para o estado de necessidade e aludindo apenas ao sacrifício de um bem que, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, compreende impropriamente também o caso de bens de igual valor(é o caso do naufrago que, para ter a única tábua de salvamento, sacrifica o outro). Em tais casos, subsiste a ilicitude e o que realmente ocorre é o estado de necessidade como excludente da culpa(inexigibilidade de outra conduta), que a seu tempo examinaremos.¨

Termina Heleno Cláudio Fragoso por dizer:

¨O estado de necessidade exclui a ilicitude quando, em situação de conflito ou colisão, ocorre o sacrifício do bem de menor valor. A inexigibilidade de outra conduta, no entanto, desculpa a ação quando se trata de sacrifício de bens de igual ou de maior valor, que ocorre em circunstâncias nas quais ao agente não era razoavelmente exigível o comportamento diverso. O estado de necessidade previsto no art. 20 do Código Penal vigente, portanto, pode excluir a antijuridicidade ou a culpabilidade, conforme o caso.¨

Se, pela teoria unitária, o estado de necessidade é sempre causa de exclusão da ilicitude, a teoria diferenciada, com a colisão entre bens jurídicos de igual ou maior valor, exclui a culpabilidade, enquanto que o sacrifício de bem de menor valor exclui a ilicitude.[9]

Para Júlio Fabbrini Mirabete[10]o Código brasileiro adotou a teoria unitária e não a teoria diferenciadora[11]. Assim, há estado de necessidade não só no sacrifício de um bem menor para salvar um de maior valor, mas também no sacrifício de um bem de valor idêntico ao preservado, como no caso do homicídio praticado por um náufrago para se apoderar da tábua de salvação. Não ocorrerá a justificativa se for de maior importância o bem lesado pelo agente. Assim não se poderia matar para garantir um bem patrimonial.

Sendo assim o estado de necessidade pode ser invocado quando da prática de qualquer crime, mesmo os delitos culposos, não se admitindo a sua aplicação nos casos de crimes permanentes ou habituais.

Mas há situação de estado de necessidade putativo, se o agente supõe por erro que está em perigo. É o caso conhecido do agente que, supondo, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, estar no meio de um incêndio, não responde por lesões corporais ou morte que vier a causar para se salvar. Repito que estamos no campo das chamadas discriminantes putativas.

Exige-se para a legítima defesa:

  1. repulsa a agressão atual ou iminente e injusta;
  2. defesa de direito próprio ou alheio;
  3. emprego moderado de meios necessários;
  4. orientação de ânimo do agente no sentido de praticar atos defensivos.

São necessários os meios reputados eficazes e suficientes para repelir a agressão. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que o modo de repelir a agressão também pode influir decisivamente na caracterização do elemento em exame(RTJ 85/475-7). Nessa linha de pensar, o emprego de arma de fogo não para matar, mas para ferir ou para amedrontar(tiro fora do alvo) poderia  ser considerado, em certas circunstâncias, o meio disponível, menos lesivo, eficaz e, portanto, necessário. Tal solução merece sérios debates numa sociedade que precisa combater o uso de armas.

Há a análise da questão da proporcionalidade, na legítima defesa

 Nelson Hungria[12] nos dá uma conclusão, a nosso ver radical, data vênia, quando embora entendendo que,  no caso do roubo de frutas, se  bastar a ameaça de arma, estaria excluída a legitimidade de disparas no ladrão. Destaca que, por mínimo que seja o mal ameaçado ou por mais modesto que seja o direito defendido, não há desconhecer a legítima defesa, se a maior gravidade da reação derivou da indisponibilidade de outro meio menos prejudicial, e posto que não tenha havido imoderação no seu emprego. Assim, para ele, à luz da doutrina alemã, abatendo o chamado sentimentalismo latino, qualquer bem jurídico pode ser defendido mesmo com a morte do agressor, se não há outro remédio para salvá-lo. Ora, data vênia, é brutal tal ponto de vista, pois a proporcionalidade da defesa deve ser condicionada não apenas a gravidade da agressão, mas ainda a relevância do bem ou interesse que se defende.

Ora, data vênia, não há direitos absolutos, pois não há falar em legítima defesa abusiva.

Pode-se falar em excesso  doloso ou culposo na legítima defesa, assim como também há no estado de necessidade.

Aqui vem  a ideia de excesso culposo,resultante de uma imprudente falta de compreensão, falta de contensão por parte do agente, quando isso era possível nas circunstâncias para evitar um resultado mais grave do que o necessário a defesa do bem agredido, que viria de um estado emotivo causado pela repulsa ao ato agressivo.[13]

Esse estado emotivo pode-nos trazer uma imaginação em nosso subconsciente de situações que não condizem com a realidade fática.

É conhecido o surrado exemplo quando no auge de uma discussão áspera entre duas pessoas, uma delas leve a mão ao bolso, e a outra, supondo que ela ia sacar uma arma, ou coisa que o valha, atira primeiro, mas depois se descobre que a vítima estava desarmada. É a chamada legítima defesa putativa, que está inserida entre as discriminantes putativas, previstas no artigo 20, § 1º, do Código Penal.

Ainda é devido trazer outro exemplo quando certa pessoa, tarde da noite, caminha por uma rua mal iluminada, em situação que já seria bastante a preocupar, diante de assassinatos recentes que ali surgiram, ao desenvolver sua caminhada, encontra uma pessoa que caminhava em sua direção, e que tinha feições de um criminoso que se dava como perigoso assassino. O agente, em estado de tensão,  saca a sua arma e dispara um tiro fatal contra  o suposto agressor. Ao seu aproximar se choca ao verificar que a pessoa atingida, na verdade, era um conhecido, que procurava a sua ajuda.

Na doutrina,  para a chamada teoria limitada da culpabilidade, nota-se que as discriminantes putativas são divididas entre as que ocorrem em relação a pressuposto fático de uma excludente de ilicitude(para uns, erro do tipo permisivo) e quando relacionadas ao limite ou a existência de uma causa de justificação(erro de proibição indireto). Com o devido respeito penso que o erro na discriminante putativa é o erro de proibição.

Para aquela teoria limitada da culpabilidade, no erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação, ocorre um erro do tipo permissivo. No erro sobre a existência ou sobre os limites de uma causa de justificação, configura-se o erro de proibição, com a exclusão da culpabilidade. 

Entre as discriminantes putativas, além da legitima defesa putativa, existe ainda o estado de necessidade putativo, o exercício regular de direito putativo e o estrito cumprimento do dever legal putativo.

O  quadro de legítima defesa putativa assim foi conceituada por Nelson Hungria:

¨Dá-se a legitima defesa putativa quando alguém erroneamente se julga em face de uma agressão actual e injusta, e, portanto, legalmente autorizado à reação que empreende.¨[14]

O agente se imagina na presença de uma causa, que se realmente existisse, justificaria sua conduta, ou seja, uma causa de justificação.

Aquele que reage a uma suposta agressão, que se mostrou real apenas em sua imaginação, e que se existisse tornaria a sua ação legítima, age em legítima defesa putativa.

Repete-se o exemplo  do agente que supõe que se encontra em meio a um incêndio, dada a quantidade de fumaça e os gritos dos circunstantes, ferindo alguém para safar-se do local e se apura que não havia incêndio(estado de necessidade putativo).

De outro modo, é conhecido o exemplo do policial, que munido de um mandado de prisão, recolhe à prisão A, supondo que este é B, irmão gênio daquele e objeto da ordem judicial ( estrito cumprimento do dever legal putativo). 

Certo que há, no direito penal, o  conceito de crime putativo ou crime imaginário, que se distancia da tentativa inidônea(crime impossível).

Adota-se o entendimento de que a lei penal adotou a chamada teoria objetiva na distinção entre inidoneidade absoluta e inidoneidade relativa de meios e de objeto. A tentativa absolutamente inidônea fica impune.

Por sua vez, o crime imaginário é um fato que o agente julga punível, mas que, na realidade, não é definido como crime pela lei. O crime existe apenas em sua imaginação e essa errônea opinião não bastaria para torná-lo punível. Para Aníbal Bruno,[15] haveria atipicidade, ausência de tipicidade.

Para Aníbal Bruno [16], ainda há erro no crime putativo. O agente erra em supor criminoso o ato que pratica, na realidade não definido na lei como crime. Mas, não seria erro do agente que excluiria o tratamento penal, pois não haveria crime, porque não haveria nenhum tipo legal a que o ato praticado correspondesse. O fato na sua expressão objetiva e na sua elaboração psíquica seria totalmente estranho ao direito punitivo. Isso porque a norma proibitiva só existiria no subjetivo do agente.

 Há, sem dúvida, um enorme abismo entre legítima defesa putativa e legítima defesa real. A primeira existe no conhecimento equivocado do agente em relação aos pressupostos objetivos da legítima defesa enquanto a segunda se configura com a existência concreta desses pressupostos.

Aliás, dispõe o artigo 20,§ 1º, do Código Penal: ¨É isento de pena quem, por erro, plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.¨

O agente supõe que está agindo licitamente ao imaginar que se encontram presentes  os requisitos de uma das causas justificativas presentes na lei.

Estaríamos diante de um erro do tipo permissivo? Será caso de erro de proibição ou ainda um tipo intermediário?

Para isso, penso correto fazer uma divagação com relação a teoria da culpabilidade, desde a teoria normativa até a teoria finalista, para se verificar a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.


II – EXCLUDENTES DE CULPABILIDADE

Sem culpabilidade não é possível a aplicação da pena.

Dentro de uma concepção psicológica da culpabilidade, o dolo era representação e vontade, para que os que entendiam a culpabilidade como simples nexo psíquico. Assim a culpabilidade era ligação psicológica entre o agente e o seu fato e estaria no psiquismo do agente.

Posteriormente, com as ideias trazidas por Frank, em 1907, lançaram-se as bases da denominada ¨teoria normativa da culpabilidade¨, introduzindo-se no conceito de culpa a reprovabilidade do ato praticado.

Para ser culpável não bastava que o fato fosse doloso, ou culposo, mas era preciso que, além disso, seja censurável ao autor. Sendo assim o dolo e a culpa deixaram de ser espécies de culpabilidade e passaram a ser elementos dela. A culpabilidade era um juízo de reprovação ao autor do ato composto dos seguintes elementos: imputabilidade, dolo ou culpa stricto sensu(negligência, imprudência, imperícia); exigibilidade, nas circunstâncias de um comportamento conforme ao direito. O dolo era visto como voluntariedade, previsão e consciência atual do ilícito, que presentes possibilitam o juízo de censura de culpabilidade.

No entanto, Hans Welzel, professor da Universidade de Göttingen, e mais tarde da Universidade de Bonn, entendeu que o dolo faz parte da ação humana e não do juízo de culpabilidade. O dolo e a culpa stricto sensu foram extraídos da culpabilidade e inseridos no conceito de ação, incluídos no tipo legal do crime. Há, pois, tipos dolosos e tipos culposos.

Do dolo foi retirada a consciência da ilicitude, fazendo-se alteração no entendimento quanto  a consciência potencial da ilicitude,  ficando o dolo do tipo e a culpabilidade assim reduzidos:

dolo do tipo:

- intencionalidade, que é igual a finalidade da ação(elemento volitivo);

-previsão do resultado(elemento intelectual).

culpabilidade

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- imputabilidade;

-consciência potencial da ilicitude;

-possibilidade e exigibilidade, nas circunstâncias, de um agir de outro modo;

- juízo de censura do autor por não ter exercido, quando podia, esse poder-agir de outro modo.

Assim a culpabilidade é entendida como um juízo valorativo, um juízo de censura que se faz ao autor de um fato criminoso. Esse juízo terá por objetivo o agente do crime e sua ação criminosa enquanto que o dolo está no objeto da valoração, sendo um elemento necessário do tipo doloso.

Para Mezger, citado por Francisco de Assis Toledo[17], a culpabilidade é juízo de reprovação ao autor do fato, assim composto: imputabilidade, dolo ou culpa strictu sensu(negligência, imprudência, imperícia); exigibilidade de conduta diversa, nas circunstâncias de um comportamento conforme ao direito. Assim, a censura de culpabilidade pode ser feita ao agente de um injusto típico penal se ele, ao praticar a ação punível, não agiu de outro modo, conformando-se às exigências do direito, quando, nas circunstâncias, podia tê-lo feito, isto é: estava dotado de certa dose de autodeterminação e de compreensão(imputabilidade) que o tornava apto a frear, reprimir, ou a desviar sua vontade ou o impulso que o impelia para o fim ilícito(possibilidade de outra conduta) e que, apesar disso, consciente e voluntariamente(dolo) ou com negligência, imperícia ou imprudência, desencadeou o fato punível.

O que falar do dolo normativo? Que falar do criminoso habitual, alguém  nascido de família desajustada, criado num ambiente agressivo, onde viu unicamente a criminalidade?

Como exigir-se dessas criaturas uma exata compreensão da consciência atual da ilicitude? Logo ele que jamais soube ou compreendeu o que é ilícito diversamente do que é licito?

Mezger[18] elaborou um adendo à culpabilidade normativa, culpabilidade pela  condução de vida,

Uma corrente majoritária  de penalistas entende pela culpabilidade do fato. A censurabilidade de culpabilidade recai sobre o fato do agente, sobre o comportamento humano, dentro de ação e omissão, que realiza um fato-crime. A tônica estaria no fato do agente, não no agente do fato. O agente sendo dotado de certa capacidade de compreensão e escolha é culpável por um fato ilícito, na medida em que se concretiza o injusto, podendo, nas circunstâncias, ter agido de outro modo.

De outro modo, entende-se que censurável não seria o agente pelo seu comportamento, pelo seu justo típico, mas, sim, por sua conduta de vida, pelo seu caráter, pela sua personalidade, pelo seu modo de ser e viver. Assim, a leitura dos tipos penais que descrevem um modelo de conduta proibitiva e não um tipo criminológico de autor. Mas, e os tipos, que se circunscrevem a contravenção penal, como vadiagem, mendicância? E o  tipo penal do rufianismo?

Vai-se ao direito penal de autor e a culpabilidade de autor.

Fala-se na culpabilidade do caráter onde quem vive da deslealdade é responsável por ser um injusto. Estão aí causa e consequência, numa linha aristotélica.

Fala-se na culpabilidade pela conduta de vida, contribuição trazida por Mezger ao direito penal. Aqui se observa que o agente forma o seu caráter, em certas circunstâncias, de modo a alcançar uma posição censurável de inimizade ao direito. Ele tem uma cegueira jurídica, em face de seus maus hábitos. Ora, muitos doutrinadores a criticam entendendo que estamos diante de condenação de determinados agentes sem a exigência da consciência atual da ilicitude.

Para Bockelmann[19],  a culpabilidade não está na condução de vida, mas antes na seguinte e importante decisão vital: o agente, podendo ser outro, isto  é, podendo ser reto e bom, decide-se pelo seu eu mau.

Mesmo Welzel,[20]partidário da culpabilidade pelo fato, admite uma culpabilidade de caráter, ou da personalidade, ao falar em delinquente por tendência, do delinquente passional, do leviano.

No entanto, na doutrina majoritária, predomina a tese da culpabilidade pelo fato. A uma, porque o crime surge como um fato causado por um ser humano, podendo-se se identificar o fato e o autor; a duas, a comprovação dessa assertiva se faz pelo exame das leis penais; a três, o direito penal moderno é um direito penal de culpa(nulla poena sine culpa), de vez que o direito penal do fato e a culpabilidade do fato alinham-se numa sequência e implicação lógicas.

Como bem concluíram Günther Jakobs e Manoel Câncio Meliá[21],  o direito penal do inimigo constitui não uma regressão a meros mecanismos defensivistas, mas um movimento degenerativo no campo simbólico-social do significativo de pena e do sistema penal.

Em síntese, na matéria, disse Miguel Reale Jr.[22] que a culpabilidade é um juízo de reprovação relativo à formação dessa vontade enquanto que  a antijuridicidade é o caráter de comportamento dotado de sentido axiológico negativo, de forma que este  deflui da vontade axiológicamente negativa.

O Código Penal brasileiro, na estrutura da culpabilidade, enumerou três elementos que são: a) a imputabilidade, que é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento; b) a potencial consciência da ilicitude que é a possibilidade de que o agente tenha o conhecimento do caráter injusto no momento da ação ou omissão; c) a exigibilidade de conduta diversa, que consiste na expectativa de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente.

Ensina Miguel Reale Jr.[23] que a culpabilidade é um juízo de reprovação relativo à formação dessa vontade enquanto que  a antijuridicidade é o caráter de comportamento dotado de sentido axiológico negativo, de forma que este  deflui da vontade axiológicamente negativa.

As causas excludentes da culpabilidade(exculpantes, dirimentes ou eximentes) devem ser estudadas. As exculpantes, também denominadas de dirimentes ou eximentes, são as causas excludentes da culpabilidade e são, portanto, assim agrupadas: por ausência de imputabilidade, por ausência de potencial conhecimento da ilicitude e por ausência da culpabilidade por  inexigibilidade de conduta diversa.

Com relação a imputabilidade são excludentes: doença mental que é a perturbação mental(esquizofrenia, psicose, paranoia) ou psíquica(álcool, entorpecentes, estimulantes e alucinógenos) de qualquer ordem capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do crime do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendimento;  desenvolvimento mental incompleto e o desenvolvimento que ainda não se concluiu; desenvolvimento mental retardado; embriaguez acidental completa proveniente de caso fortuito ou força maior.

No Brasil, há excludente de culpabilidade, quando o agente estiver submetido a menoridade penal(menor de dezoito anos), for portador de doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado, estiver em embriaguês completa por caso fortuito ou força maior, por ele desconhecer o efeito inebriante de substância que ingere ou quando desconhecendo uma particular condição fisiológica, ingere substância que contém álcool, ficando embriagado. Na chamada embriaguês preordenada, actio libera in causa, onde o agente, com o fim precípuo de cometer o crime, embriaga-se para buscar para buscar coragem para executar o ato criminoso, não há que se falar em exclusão da imputabilidade ou diminuição da pena. Em verdade, como advertiu Fabbrini Mirabete[24], não há fato típico na ocorrência de resultado lesivo em decorrência de caso fortuito ou força maior. Fortuito é aquilo que se mostra imprevisível , quando não inevitável, é o que chega sem ser esperado e por força estranha à vontade do homem que não o pode impedir. Assim com a ocorrência do caso fortuito, não deixa de existir conduta, mas não será ela atribuída ao agente por ausência de dolo ou culpa em sentido estrito. Na mesma situação estão os casos de força maior.

Fala-se em excludentes da potencial consciência da ilicitude: erro de proibição inevitável, o erro de proibição que exclui a atual consciência da ilicitude; a discriminante putativa, por erro de proibição inevitável.

O erro é a falsa percepção da realidade, que pode recair tanto sobre elementos constitutivos do tipo como da ilicitude do comportamento.

Ilicitude de um fato é a correlação de contrariedade que se estabelece entre esse fato e a lei, norma escrita elaborada pelo Parlamento, órgão legislativo no Brasil.

O certo é que, a teor do artigo 21 do Código Penal, é inescusável o desconhecimento do injusto. Assim são erros inescusáveis:

  1. Erros de eficácia, que são os que versam sobre a não aceitação da legitimidade de um determinado preceito legal, na suposição de que contraria outro preceito;
  2. Erros de vigência: quando o autor ignora a existência de um preceito legal, ou ainda não teve tempo de conhecer uma lei;
  3. Erros de subsunção: quando o erro faz com que o agente se equivoque sobre o enquadramento legal da conduta;
  4. Erros de punibilidade: quando o agente sabe ou podia saber que faz algo proibido, mas imagina que não há punição para essa conduta.

A falta de consciência de ilicitude não pode ser confundida com ignorância da lei.

A partir disso é mister fazer a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.

Abordou-se que o erro pode recair sobre um elemento constitutivo de um fato típico como ainda sobre a ilicitude de um comportamento.

Quando o erro incide sobre um elemento constitutivo do tipo legal ele é um erro do tipo. Se ele incide sobre a ilicitude da ação há o que se chama de erro de proibição.

Afasta-se a dicotomia do erro sobre o fático e o jurídico, mudando-se o foco para a solução do problema.

É mister citar a lição de Francisco de Assis Toledo[25] quando coloca-se a distinção entre tipo e antijuridicidade(ou ilicitude).  O erro ou recai sobre elementos ou circunstâncias integrantes do tipo legal do crime(fático ou jurídico normativos, ora recai sobre a ilicitude da ação. Assim, no primeiro caso, tem-se erro sobre elementos ou circunstâncias do tipo, o erro do tipo. Na segunda hipótese, tem-se erro sobre a ilicitude do fato real, o erro de proibição.

É correto fazer a distinção entre tipo e ilicitude com a correspondente distinção entre erro do tipo(artigo 20 do CP) e erro de proibição.

São exemplos de erro do tipo:

  1. no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a autoria de um fato definido como crime porque acredita, de forma sincera, que tenha sido o mesmo praticado. O agente desconhece a elementar típica falsamente, uma condição do tipo. Assim se o agente não sabia que a imputação era falsa, não agiu com dolo de caluniar, excluindo-se a tipicidade;
  2. no delito de corrupção ativa(artigo 333 do CP), ser o agente passivo ¨funcionário público¨ constitui elemento essencial do tipo, constando o conceito de funcionário público da lei(artigo 327). Quem oferece propina, para a prática de ato de ofício, a um empregado de entidade autárquica, ou paraestatal, supondo que essa espécie de empregado não se reveste da qualidade de funcionário público, incorre em erro do tipo;
  3. No crime de furto(artigo 155 do CP) dois elementos do tipo são a coisa e a circunstância de ser alheia. Quem se apodera de um cheque ao portador, seja por supor que não se trata de coisa ou ainda por entender que lhe pertence, incorre em erro do tipo;
  4. No crime de desacato, se o agente desconhece que a pessoa contra a qual está agindo com desrespeito é funcionária pública, imaginando tratar-se de pessoa comum, não pratica o desacato, por não haver dolo de desacatar, podendo incidir no crime de injúria verbal;
  5. Em crime previsto na lei de drogas, se o agente tem cocaína em casa, supondo-se tratar de outra substância inócua, pratica erro do tipo;
  6. Em crime de homicídio, se um caçador dispara uma arma sobre um objeto escuro, imaginando-se tratar-se de um animal, e atinge uma pessoa, incide em erro do tipo;

O dolo, sabe-se, compreende a vontade e a consciência em realizar o tipo penal e se o agente errou sobre algum dos elementos do tipo, desaparece o dolo, há causa de exclusão da tipicidade.

O erro do tipo essencial exclui o dolo, mas permite a punição pelo crime culposo, se previsto em lei, não se falando em culpabilidade.

O erro do tipo essencial é o que recai sobre algum elemento do tipo, sem o qual o crime deixa de existir. Quem se apodera de coisa alheia móvel, pensando ser um objeto que lhe pertence, erra sobre um elemento do tipo, sem o qual o crime deixa de existir. Não comete furto algum. O erro é escusável.

Diferente é aquele que supondo matar A, mata B, por engano. É erro acidental, sendo irrelevante ser a vítima A ou B, bastando matar um ser humano, sendo que o crime não deixa de existir.

Fala-se num erro do tipo permissivo, que ocorre quando o objeto do erro for um pressuposto de uma causa de justificação. Para os adeptos da teoria limitada da culpa essa é a hipótese a tratar no que concerne às discriminantes putativas, do que se lê do artigo 20, parágrafo único, do Código Penal.

Por sua vez, o erro de proibição, na redação que foi dada ao artigo 21, caput, e parágrafo único, do Código Penal, pela Lei 7.209/84, Parte Geral, assim está previsto: ¨O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena: se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.¨

Correto o entendimento de que no erro de proibição há três elementos fundamentais: a lei, o fato e a ilicitude. A lei como proibição, o ente abstrato; o fato como ação, entidade material; a ilicitude como relação de contrariedade entre o fato e a norma.

O erro de proibição exclui a culpabilidade.

O projeto do Código Penal, voltando-se para um pluralismo que inexistia, por certo, à época do Código Penal de 1940, erigido no Estado Novo, e a reforma de sua Parte Geral, de 1984, ao final da ditadura militar, no caso de crimes de índios, defende que se trata de erro de proibição, quando o índio pratica o fato agindo de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo(artigo 36). Seria um erro de proibição culturalmente condicionado, que exclui a culpabilidade. Assim disseram Zaffaroni e Pierangeli: [26]

¨Muito embora existe delito que o silvícola pode entender perfeitamente, existem outros cuja ilicitude ele não pode entender, e, em tal caso, não existe outra solução que não a de respeitar a sua cultura no seu meio, e não interferir mediante pretensões de tipo etnocentrista, que escondem, ou exibem, a pretendida superioridade da nossa civilização industrial, para destruir todas aas relações culturais a ela alheias.¨

Correto o entendimento dos que entendem que ou seria reconhecida uma exculpação por fato de consciência ou ainda por reconhecimento da figura do autor por convicção.

É sabido que o autor comum é aquele que está normalmente em contradição consigo mesmo e reconhece, desta forma, a norma que viola. Por sua vez, o autor por convicção e o autor de consciência não estão em contradição consigo próprios, uma vez que agemsegundo as suas convicções, a sua consciência, consoante a sua visão de mundo, e assim rejeitam a ordem jurídica, por entenderem ser contrária aos seus entendimentos, às suas crenças e aos seus princípios éticos e morais. Sendo assim o autor por convicção tem consciência do caráter proibitivo do ato, mas em nome de uma certaconvicção política, religiosa ou social, nega a natureza criminosa do comportamento que leva a cabo, substituindo à sua a valoração legal, como ensina Eduardo Correia.[27]

Seja como for, a mensagem do projeto parece ser de que os índios devem ter a sua forma de organização social, política e jurídica respeitadas, mas coloca a oposição entre o índio e o homem branco, o que se distancia do direito penal liberal, em sua tradição, que se afirma cega a determinadas características contingenciais.

Ademais, fica nítido no Projeto, quando se estuda esses crimes praticados pelos índios, sob o enfoque de um erro de proibição, a questão, para muitosperigosa, do chamada culpabilidade da personalidade ou de pessoa. Para Figueiredo Dias[28], considerado o pai do código penal português, culpa da pessoa é a violação pelo homem do dever de conformar o seu existir por forma a que, na sua atuação de vida, não viole ou ponha em perigo bens juridicamente protegidos.

Assim a falta de consciência da ilicitude do fato irá excluir a culpabilidade. Porém, quem agir sem a consciência da ilicitude, quando podia e devia ter essa consciência, age com culpa.

Há o erro de proibição direto que ocorre quando o agente desconhece a norma proibitiva ou a conhece mal ou ainda por desconhecer a sua verdadeira incidência.

Ainda temos como erro de proibição escusável, o erro de mandamento(erro mandamental), quando o agente se encontra em posição de ¨garantidor¨, diante de situação de perigo de cujas circunstâncias fáticas tem perfeito conhecimento, omite a ação que lhe é determinada pela norma preceptiva, envolvendo um dever jurídico de impedir um resultado, supondo que não tem o dever jurídico de agir para impedir o resultado, por erro inevitável. O tutor, supondo já ser um pesado ônus ter aceitado os encargos da tutela, pensa não estar obrigado a arriscar a sua própria vida para salvar o irrequieto pupilo que está se afogando, num exemplo trazido por Francisco de Assis Toledo.[29]

No erro de proibição indireto o agente erra sobre a existência ou sobre os limites de uma causa de justificação. Ele sabe que pratica um fato em principio proibido, mas supõe, por erro inevitável, que, nas circunstâncias, milita a seu favor uma norma permissiva prevalente.

Veja-se a diferença: no erro de proibição indireto, o engano incide sobre o entendimento da norma excludente da ilicitude, seja quanto à existência dela, seja quanto aos seus limites jurídicos. É o exemplo da chamada legítima defesa da honra, no que concerne ao erro de proibição sobre os limites objetivos e subjetivos de uma causa de justificação. Há caso do exemplo da ultrapassada e censurável ideia da defesa da honra, quando o agente mata o cônjuge ao surpreendê-lo em flagrante adultério

Há ainda exemplo de erro de proibição quanto a existência ou sobre oslimites de causa de justificação quando há a prática de um furto, supondo estar o agente da subtração em estado de necessidade, uma vez que está desempregado e com dificuldades financeiras. Ora, estado de precisão não é estado de necessidade.

São hipóteses de erro sobre a ilicitude do fato.

A eles poderemos somar como casos de erros de proibição:

  1. matar uma pessoa gravemente enferma, a seu pedido, para livrá-la de um mal incurável, supondo o agente que a eutanásia é permitida;[30]
  2. vender o relógio que recebeu para conserto depois de escoar-se o prazo em que o proprietário deveria apanhá-lo,supondo o sujeito que a lei permite a venda para pagamento dos serviços dos reparos;
  3. vender mercadoria do empregador para se pagar de salários atrasados;
  4. a exibição de um filme pornográfico quando o agente supõe lícita sua conduta por ter sido liberado pela censura.

O Projeto do Código Penal manteve o erro do tipo como estava na Lei 7.209/84.

O Projeto, outrossim, extirpa a redação que era dada ao artigo 21 que ainda proclama a vigência do vetusto brocardo error iuris nocet, dificultando o reconhecimento prático da figura do erro de proibição.

Todavia, na redação que é dada ao artigo 35, § 1º, do Projeto, onde se observa que no erro de proibição evitável, o agente responderá pelo crime, sem dúvida, uma expressão coloquial que se distancia da definição científica que se deve dar ao texto da lei penal. Correto afirmar que no erro de proibição evitável, a pena será reduzida de forma obrigatória, diferentemente do que se lê na redação atual do artigo 21, ¨poderá¨.

Aliás, essa evitabilidade do erro de proibição deverá ser levada  em conta de acordo com as qualidades e defeitos do sujeito, sem considerar um padrão médio que se dê de comportamento.

Como bem advertiu Júlio Fabbrini Mirabete[31], diante dos termos do que reza a parte geral do Código Penal, com a redação dada pela Lei 7.209/84, há controvérsia séria sobre a sua natureza jurídica. Para a teoria limitada da culpabilidade, as discriminantes putativas constituem-se em erro do tipo permissivo, excluindo o dolo, isto é, ocorrendo quando o objeto do erro for pressuposto de uma causa de justificação, que excluem a antijuridicidade, excluem o crime. Para essa teoria, não age dolosamente quem supõe, justificadamente, pelas circunstâncias de fato, que esta praticando um ato típico, em legítima defesa, em estado de necessidade, etc. Para a teoria extremada da culpabilidade(normativa pura), trata-se de um erro de proibição, razão pela qual se exclui a culpabilidade.

Essa a melhor concepção, que tem apoio de Júlio Fabbrini Mirabete.[32]

Apesar disso considera-se a teoria limitada como dominante no direito brasileiro, como se lê da redação da Exposição de Motivos, item 17.

Nessa linha de  pensar trago o entendimento de Francisco de Assis Toledo[33]:

¨Embora a sede das discriminantes putativas seja o § 1º do art. 20  inicialmente citado (¨......que, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias impõe situação de fato que, se existisse tornaria a ação legítima¨) pensamos que tal preceito não é exaustivo, não esgota as hipóteses das discriminantes imaginárias. Percebe-se, com efeito, claramente, que esse preceito, completado pela parte final do parágrafo(¨não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa o fato é punível como crime culposo¨), aplica-se apenas ao erro do tipo permissivo excludente do dolo, não ao erro excludente da censura da culpabilidade, tanto que se permite a punição a título de culpa stricto sensu (esta é, aliás, a posição da teoria limitada da culpabilidade, que adotamos).¨

No entanto, o próprio Francisco de Assis Toledo[34] observa que as discriminantes putativas(erro que recai sobre uma causa de justificação) não se limitam às hipóteses de exclusão do dolo, mas apresentam-se, por vezes, com pretensão à exclusão da censura da culpabilidade. Disse ele: “ Considere-se que o erro sobre uma causa de justificação pode recair sobre os pressupostos fáticos dessa mesma causa(supor situação de fato), mas também – isso é inegável e aceito em doutrina – recair não sobre tais pressupostos fáticos, mas sobre os limites, ou à própria existência, da causa de justificação(supor estar autorizado)”. É trazido o exemplo de alguém, para defender-se de um tapa no rosto, supõe estar autorizado a desferir um tiro fatal no agressor, em legítima defesa, excedendo-se no emprego dos meios necessários. Realmente não seria razoável confundir-se “supor situação de fato” com “supor estar autorizado”.

Correta a posição de Alcides Munhoz Neto[35] para quem o erro nas discriminantes putativas é sempre erro de proibição. Disse ele:

¨A ausência do dolo por não representação da tipicidade não pode ser afirmada nos casos de invencível erro sobre circunstâncias de fato, que tornaria a ação legítima, isto é, nas hipóteses das discriminantes putativas fáticas. Quem, v.g, lesa corporalmente outrem, porque se imagina por ele injustamente agredido, tem representação da tipicidade de seu proceder; sabe que está a praticar a ação correspondente à definição típica de lesão corporal, ou seja, que ofende a integridade corporal e saúde de outrem; supõe, porém, que sua conduta é lícita, porque a tem como amparada por uma causa legal de exclusão da antijuricidade(legítima defesa). Desta forma, a eficácia do erro de fato só pode ser atribuída à ignorância da antijuridicidade.¨

Guilherme de Souza Nucci[36] defende a teoria extremada da culpabilidade.

Assim para a teoria extremada da culpabilidade todo e qualquer erro que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição.

O agente, em decorrência da situação de fato, supõe que sua conduta é lícita, mas age com dolo, que é a mera vontade de concretizar os elementos do tipo, não se fazendo indagação a respeito da antijuridicidade da conduta. O sujeito age com dolo, mas sua conduta não é considerada como reprovável por não ter consciência da ilicitude de sua conduta.

Se o erro do tipo exclui sempre o dolo, quer seja inevitável ou evitável; se o erro do tipo é evitável, mas não se evitou, há que se investigar a possibilidade de um crime culposo. Por sua vez, o erro de proibição exclui a culpabilidade somente quando inevitável.

Luiz Flávio Gomes[37] justifica o tratamento do erro do tipo permissivo, nas chamadas discriminantes putativas, em separado, do artigo 20, § 1ª, afirmando ser ele um erro sui  generis, situado entre o erro do tipo e o erro de proibição indireto. Assim o erro não afeta o conhecimento do tipo, mas leva o autor supor que a norma proibitiva é afastada excepcionalmente diante de uma norma permissiva.

Muito ainda há que se discutir sobre as discriminantes putativas, que surgem, no dia a dia, da vida, tal a riqueza dos exemplos que o cotidiano nos dá.

O Projeto do novo Código Penal inova ao proclamar que o erro do tipo permissivo, que não mais poderá ostentar esse nome, segundo a redação proposta, não exclui a punição pelo delito doloso, e submete-se às regras do erro de proibição, excluindo-se, se inevitável, a culpabilidade. Filia-se o Projeto a chamada teoria extremada da culpabilidade.

A discussão não para por aqui.

O Projeto considerou caprichosa[38] a distinção entre o erro que recai sobre a existência jurídica ou sobre a extensão de uma causa de justificação e o erro que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação. Considerou-se a solução atual do Código Penal, nos termos em que está a Lei 7.209/84, um verdadeiro artificialismo, pois o autor embora se tenha comportado dolosamente, responderá por crime culposo. Como será por exemplo se o autor erra no disparo? Por certo, não há falar em tentativa em crime culposo.

Mesmo diante da nova opção legal há, sem dúvida, um abismo no tratamento que é dado àquele que se crê autorizado pela ordem jurídica a disparar mortalmente contra o ladrão em fuga que furtara um boné e aquele que dispara por pensar que o ladrão que o assalta retirou uma arma no bolso, quando na verdade se tratava de uma lanterna. No primeiro caso, há nítido excesso de causa justificadora, que elidiria o crime, não representando um direito, mas um benefício, que a  lei, em condições de interpretação restrita, lhe dá.

Os que entendem ao contrário defendem os termos da redação dada pela reforma de 1984, que alterou o regime jurídico da teoria do erro, ao considerar que o erro do tipo permissivo exclui a punição por crime doloso.

Estuda-se na inexigibilidade de conduta diversa: a  coação moral irresistível; a obediência hierárquica; a inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Lembre-se que a possibilidade de exigir-se conduta diversa é, segundo a teoria finalista, um dos pressupostos da culpabilidade, da reprovabilidade penal de uma ação ou omissão típica e antijurídica. Isso porque não se pode falar em responsabilidade penal sem liberdade, fundamento daquela.

Deve-se ao Tribunal do Império Alemão a construção da doutrina da inexigibilidade de conduta diversa a partir das elaborações de Edmund Mezger e Freudenthal.

Como tal se traz julgamento envolvendo fatos dolosos:

Houve um acordo entre a empresa mineradora e os seus empregados, pelo qual, no dia em que a mulher de um deles desse à luz um filho, naquela data o mineiro estaria dispensado do serviço e receberia seu salário com se trabalhado tivesse. Os operários, então, ameaçando não mais procurar os trabalhos da parteira, exigiram que ela, em caso de parto no domingo, deveria declarar ter ele ocorrido em dia útil. Assim, a parteira com medo de perder a clientela e sua única fonte de renda - já que a vila era formada unicamente por trabalhadores nas minas -, foi responsável por diversas inscrições falsas no registro Civil.

No caso, o Tribunal absolveu-a e condenou aqueles responsáveis pela ameaça.

Um outro, bastante assemelhado ao exemplo citado na introdução deste trabalho, é o relatado pelo autor alemão Freudenthal, em sua monografia Shuld un Vorwurf, Tübinger, 1922, pág. 18, de uma "jovem siliciana, que matou o tio e a tia que a haviam feito vir de New York e de quem o tio se tornara amante com o conhecimento da tia. Casada mais tarde, a jovem se vê abandonada pelo marido, a quem a tia fizera ciente daquelas relações ilícitas, e por fim mata o tio e ao tia, mas é absolvida pelo Tribunal, FREUDENTHAL opina que a absolvição se justifica, porque em virtude das idéias dominantes no meio em que a jovem fôra educada, não lhe podia ser razoavelmente exigida conduta diversa".[39]

Ensinou Francisco de Assis Toledo[40] que o princípio da não-exigibilidade foi introduzido e desenvolvido na ciência penal como corolário da concepção normativa da culpabilidade, por Frank, Goldschmidt, Mezger, para citar seus principais autores. Pressuposto deste princÍpio é a motivação normal. A culpabilidade para configurar-se exige uma certa normalidade de circunstâncias que cercaram e poderiam ter influído sobre o desenvolvimento do ato volitivo do agente. Na medida em que essas circunstâncias apresentam-se significativamente anormais deve-se suspeitar também de anormalidade também no ato volitivo. Assim quando se parte do pressuposto de que um comportamento só é culpável na medida em que um sujeito capaz haja previsto e querido o fato lesivo, deve-se necessariamente admitir que tal comportamento já não possa considerar-se culpável todas as vezes em que, por causa de uma circunstância fática, o processo psíquico de representação e de motivação se tenha formado de modo anormal.

Ainda é Miguel Reale Jr.[41] quem nos ensina que dentro do quadro da culpabilidade, a não exigibilidade é um juízo de valor sobre a formação do querer do agente e encerra, primeiramente, a valoração da situação na qual é necessária a presença de necessários requisitos objetivos e, posteriormente, a avaliação da opção realizada em função que, naquela situação, assume relevância, perante um juízo de direito como deve ser. Assim, quando não é possível exigir-se outra conduta ao agente de um fato, estar-se-ia na presença de uma causa genérica de exclusão da culpabilidade, esta entendida como um juízo de reprovação.

Na linha de Megzer, citado por Aníbal Bruno[42], tem-se que o direito exige necessariamente esforços e sacrifícios para que se evite a prática de crimes. A não exigibilidade de conduta diversa supõe que a ocorrência excede a natural capacidade humana de resistência à pressão dos fatos, pois se o Direito não impõe heroísmos, reclama uma vontade anticriminosa firme, até o limite em que razoavelmente pode ser exigida de um homem normal.

Mas muito se tem discutido sobre a extensão da aplicação do princípio da não-exigibilidade, havendo autores que observam que a sua utilização deva ser restringida às hipóteses previstas pelo legislador, para evitar-se mais uma alegação de defesa que poderia conduzir à excessiva impunidade dos crimes. Por outro lado, e de forma correta, Francisco de Assis Toledo[43] não vê razão para esse temor, desde que se considere a não exigibilidade  em seus devidos termos, isto é, não como um juízo subjetivo do próprio agente do crime, mas, ao contrário, como um momento do juízo de reprovação da culpabilidade normativa, o qual compete ao juiz do processo e a mais ninguém. Tal foi aplicado no julgamento do Recurso Especial 2.492 – RS, em que se discutiu julgamento de crime de homicídio. Portanto, admite-se essa causa supralegal de exclusão da culpabilidade.

Especificamente no campo dos crimes que envolvem omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias(artigo 168 – A do Código Penal) tem-se jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 5º Região, para aquele crime omissivo próprio, no sentido de exigência dos acusados apresentarem prova inequívoca da alegação de dificuldades financeiras enfrentadas, para efeito da demonstração da exculpante, como se lê, dentre outros, do ACR 5516, DJ de 2 de maio de 2008, Relator Desembargador Ivan Lira de Carvalho.

Interessa-nos, ainda,  no presente estudo a coação irresistível e a obediência hierárquica trazidas no artigo 22 do Código Penal como causas excludentes de culpabilidade. Assim se tem:

Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Na lição de Miguel Reale Júnior[44] a situação de coação tem como fato elementar constitutivo o constrangimento à prática de um delito, sob ameaça de um mal. São dois males, restando o agente na alternativa de sofrer o mal ameaçado ou de praticar o crime. Para ele, constrói-se o tipo da dirimente, com a seguinte estrutura: não é punível o fato cometido sob ameaça de sofrer ofensa certa, iminente e grave a direito seu, ou de alguém ligado por laços de afeição, não sendo razoável exigir-se conduta diversa. Pune-se o autor da ameaça.

A ofensa se é futura é de ser, todavia, iminente, jamais distante do tempo, caso em que perderia seu efeito intimidativo. A ofensa que se ameaça realizar deve ser certa, ou seja, ofensa que se sabe pode o autor da ameaça cumprir, e não hipótese de factibilidade duvidosa. A ameaça, portanto, deve ser séria. De toda sorte, a coação deve ser irresistível, insuperável, que deve ser aferida em concreto de acordo com a situação, condição e personalidade do coagido. Tem-se que “a coação moral irresistível, para ser aceita como excludente de culpabilidade, há de ficar substancialmente comprovada por elementos concretos existentes dentro do processo, não bastando a simples versão dada pelos próprios agentes que se dizem vítimas da coação, especialmente quando a descrição do fato por eles fornecida está contaminada pelo vício de inconsistência e da contradição”(RJTAMG 21/366).

Aníbal Bruno[45] disse: “ o que desde logo deve entender-se por coação irresistível é a que resulta do emprego da violência física, a vis corporalis. Na hipótese, não deve, porém, compreender-se a força absoluta, aquela em que o coato não participa da ação nem com seu gesto, nem sequer  com a vontade, mesmo imperfeita, como acontece, por exemplo, quando alguém segura e move a mão de outrem para que desfira o golpe ou destrua a coisa. Aquele que se encontra sob essa coação absoluta, tolhido no seu movimento e no seu querer, não atua, e então, em relação a ele, não é só a culpabilidade que está ausente, é a própria ação, que não é coisa sua em nenhum dos seus elementos. A sua função é a de simples instrumento nas mãos do coagente, sem vontade e sem atividade própria, e a este é que caberá responder penalmente pelo fato, como o seu verdadeiro e exclusivo autor”. Prosseguiu Aníbal Bruno ao ensinar que assim também se dá quando se priva o coato de sua liberdade, prendendo-o , atando-o, impedindo-o, em suma, de mover-se e agir segundo a sua vontade, o que é comum nos crimes omissivos, onde mais frequente é o emprego de coação. Disse Aníbal Bruno que “casos próprios de coação em que a culpabilidade resulta ausente, por falta de imputabilidade, existem na vis compulsiva, que se pode realizar por meio físico, na força física que compele o agente a inclinar-se pelo fato punível, ou por meio moral, na ameaça, que, por via diretamente psíquica, chega ao mesmo resultado”.  Para ele, exclui a culpabilidade a força física que determina alguém, irresistivelmente, a decidir-se pela prática do crime. Pode-se reduzir essa hipótese à da ameaça, dentro da categoria da vis compulsiva, como um poder que atua sobre a vontade e a decide a dirigir-se no sentido do crime, pois realmente o que leva o coato a ceder não é tanto o dano que sofreu ou está sofrendo, mas a ameaça que daí resulta de um dano indefinido a sofrer.

Estudando o artigo 22 do Código Penal, Celso Delmanto e outros[46] lecionaram: “Coação é a utilização de força física(coação física) ou grave ameaça(coação moral) contra alguém a fim de que esse faça ou deixe de fazer alguma coisa. O artigo 22 do CP cuida de coação moral, pois a coação física irresistível retira a própria voluntariedade do comportamento, deixando de haver conduta(vontade mais manifestação da vontade). Assim deve tratar-se de coação moral irresistível, que leva a não exigibilidade de conduta diversa. Se for resistível somente beneficiária o agente como atenuante(Código Penal, artigo 65, III, c, primeira parte). Tem-se que a não exigibilidade de conduta diversa encerra um juízo de valor sobre a formação de querer do agente. Assim avalia-se se a opção feita contra o direito, naquela situação, presentes os elementos objetivos é válida, por não ser exigível conduta diversa, levando-se em conta as circunstâncias pessoais do agente. Sendo assim a não exigibilidade de conduta diversa é valor a iluminar o juízo de censura ou não da ação.”

Analisando a coação física irresistível, Heleno Cláudio Fragoso[47]aduz que nessa hipótese há inexistência do próprio fato típico.

Ao analisar a coação irresistível disse Fabbrini Mirabete[48]que “a coação existe quando há o emprego de força física ou de grave ameaça para obrigar o sujeito a praticar o crime. Pode ser assim física(vis corporalis ou vis absoluta) ou moral(vis compulsiva). Na coação física, o coator emprega meios que impedem o agente de resistir porque seu movimento corpóreo ou sua abstenção do movimento(na omissão) estão submetidos fisicamente ao coator. Não existe, na coação física, ação voluntária do coato e não se pode falar em conduta o que leva à afirmação na doutrina da existência do próprio fato típico. É preciso, porém, distinguir duas hipóteses. Pode haver violência física que retira do agente qualquer possibilidade de atuar voluntariamente, inexistindo a própria conduta. Como exemplos: apertar a mão do agente que dispara o revolver na prática de um crime comissivo(homicídio, lesão corporal etc); amarrar o sujeito para que não faça o que é devido num crime omissivo puro ou crime comissivo por omissão(omissão de notificação de doença, homicídio por ausência de tratamento etc. Pode a força física, porém, não eliminar a ação como na hipótese de torturar-se o gerente de uma agência bancária para que forneça a combinação do cofre ou assine uma autorização para a retirada do dinheiro, obtendo o coator sua colaboração na retirada do roubo ou extorsão. A atividade do gerente, ao declinar o numero da combinação do cofre ou assinar a autorização, constitui-se em ação porque há vontade(embora não vontade livre), excluindo-se a culpabilidade pela coação moral. O coacto pratica a ação, não pela violência que foi empregada, mas pelo temor de que ela se repita e por não lhe sobrarem forças para resistir”.

Por certo existe na coação moral uma ameaça e a vontade do coacto não é livre, embora possa decidir pelo que considere para si um mal menor, sendo hipótese de exclui-se não a ação,mas a culpabilidade, por não lhe ser exigível um comportamento diverso. Mas a coação deve ser irresistível, inevitável, insuperável.

A lição de Francisco de Assis Toledo[49] é digna de registro: “Costuma-se distinguir a coação fisica(vis absoluta) da coação moral(vis compulsiva). Na primeira, aquele que é coagido não realiza uma verdadeira ação ou omissão, apresentando-se como simples objeto ou instrumento de violência, pelo que só se deve considerar autor do crime o agente da coação, não o coagido, paciente dessa mesma coação. A coação física, denominada por Soler “violência física”, exclui, se irresistível, o coagido de qualquer cogitação de autoria ou de coautoria, visto que non agit sed agitur. A responsabilidade pelo fato é, pois, exclusiva do agente coator, figura indispensável na definição de qualquer ocorrência reputada coativa. Na segunda – a coação moral – o coagido tem suas possibilidades de opção bastante restringidas pelo temor de sofrer algum mal, não obstante age ou se omite, impelido pelo medo, valendo-se de suas próprias forças. Se essa última forma de coação – a vis compulsiva – for igualmente irresistível, exclui-se a responsabilidade do coagido, por não lhe ser exigida, nas circunstâncias, conduta diversa da que realizou. Assim, o art. 22 do Código Penal(“se o fato é cometido sob coação irresistível... só é punível o autor da coação...”) regula, induvidosamente, a coação moral, isso é, a vis compulsiva, sendo, porém, muito discutível sua extensão, aliás, desnecessária, à coação física. Assim, apesar do precioso testemunho de Nelson Hungria no sentido de que a Comissão Revisora, contra seu voto, decidiu adotar a fórmula do primitivo art. 18, “compreensiva da coação física e da coação moral”, o absurdo a que isso conduz(discutir-se a inculpabilidade de quem sequer é autor ou coautor do crime) leva-nos a aceitar a solução apresentada, entre outros, por Everardo da Cunha Luna nestes termos: “Verifica-se , na coação irresistível, que serve, com a obediência hierárquica, de objeto ao art. 18 do Código Penal, o concurso de dois agentes – um, coativo e culpado, e outro, coato e sem culpa. A coexistência de agente, na coação irresistível, leva-nos a ver, nesta, apenas a coação moral, a vis compulsiva, porque, na coação física, na vis absoluta, em lugar de dois,apenas um agente concorre – aquele que coage e que domina, como simples instrumento, o outro aparentemente agente. Assim, a coação física,  que constitui problema atinente à causalidade, disciplina-se pelo art. 11,  e a coação moral, que diz respeito à culpabilidade, ocupa a primeira parte do art. 18, do Código de 1940”.

Realmente, como disse Maximiliano Roberto Ernesto  Führer[50]o artigo 22 do Código Penal refere-se exclusivamente à coação moral(grave ameaça), pois na coação física não há ação por parte de quem foi coagido. Com efeito, na coação física(vis absoluta) o coato “não age, mas é agido”, enquanto na coação moral(vis compulsiva) o coato exerce alguma vontade e ação, embora coagido. Mas a coação deve ser irresistível.

Para que se possa falar em coação é mister que exista uma terceira pessoa(o coator), além do coagido e da vítima.

O coator deve responder pelo crime de forma especialmente agravada(artigo 62, II, do Código Penal). Mas não deve haver aplicação do concurso formal com o crime de constrangimento ilegal(artigo 146 do Código Penal) sob pena de resultar em dupla punição.

São, portanto, requisitos:

  1. Irreversibilidade da coação, isso porque o coagido não pode vencê-la, por ter havido a supressão da liberdade de agir, em sentido oposto à liberdade do coator;
  2. Existência de três pessoas, coator; coato e vitima;

É irresistível a coação moral quando não pode ser superada senão com uma energia extraordinária e, portanto, juridicamente, inexigível(RT 501/382, 488/382).

Discute-se com relação a utilização da hipnose na coação. Ora, a hipnose elimina a própria vontade do sujeito, inexistindo a própria conduta. Há entendimento de que o artigo 22 do Código Penal se refere apenas á coação física ou moral e não a coação meramente psíquica(RT 380/310).

A culpabilidade ainda pode ser afastada pela obediência hierárquica.

Em relação à obediência hierárquica a doutrina tem adotado o ensinamento de Juan Jimenez de Asúa[51] para quem “o que age em obediência hierárquica acredita que a ordem é legítima, e por isso atua. Não se nos diga que quando a ordem vem de um superior dentro do circulo de suas atribuições e chega até o subordinado na forma requerida, o erro é invencível. Por ser dessa maneira é que se exclui totalmente a culpabilidade, já que, se não fosse assim, estaríamos na presença de um erro vencível que se imputa a título de culpa”.

Se o superior dá a ordem, nos limites de sua respectiva competência, revestindo-se ela das formalidades legais necessárias, o subalterno ou presume a licitude da ordem (erro de fato) ou se sente impossibilitado de desobedecer o funcionário de onde a ordem emanou(inexibilidade de outra conduta). De uma forma ou de outra é incensurável o proceder do inferior hierárquico e, por essa razão, o fato praticado não é punível em relação a ele, como ensinou José Frederico Marques[52]. No entanto, a conduta do agente torna-se culpável, se a ilegalidade da ordem era sabida pelo agente, ou se ele podia ter ciência dessa ilegalidade.

Para tanto, são requisitos:

  1. Relação de subordinação fundada no direito administrativo;
  2. Ordem não manifestamente ilegal, de sorte que ela será manifestamente ilegal quando dada por funcionário incompetente, quando sua execução não se enquadre nas atribuições legais de quem a recebe; quando não se reveste de forma legal; quando evidentemente constitui crime;
  3. Estrita obediência da ordem, de sorte que deve a execução limitar-se à estrita observância da ordem, não podendo o subordinado exceder-se na execução da ordem, sob pena de responder pelo excesso, como mencionou Heleno Cláudio Fragoso[53].

O artigo 22 do Código Penal não alcança outras subordinações, como a empregatícia, familiar, religiosa e a ordem deve provir de funcionário competente para determiná-la. A ordem não pode ser manifestadamente ilegal.

Para que o subordinado cumpra a ordem e se exclua a responsabilidade, é, portanto, necessário que aquela: seja emanada da autoridade competente; tenha o agente atribuições para a prática do ato e não seja a ordem manifestadamente ilegal.

Assim a ordem deve ser emanada de superior hierárquico(autoridade pública) e só isenta o agente se não for manifestamente ilegal(RT 579/393).

Registre-se que é punido sempre, segundo o artigo 22 do Código Penal, o autor da ordem legal. Trata-se, ainda, de autoria mediata quando o subordinado desconhece a ilegitimidade da ordem não manifestadamente ilegal.

O artigo 65, III, c, segunda parte, do Código Penal traz hipótese de atenuante genérica quanto ao fato de ter cometido o crime em cumprimento de ordem de autoridade superior. Não se exclui a culpabilidade quando o agente pratica o crime sabendo ou podendo saber que se trata de ordem ilegal, hipótese em que a pena seja atenuada, diante da reprovabilidade  da conduta. 

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Excludentes de antijuridicidade, culpabilidade e tipicidade . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4107, 29 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32324. Acesso em: 29 mar. 2024.

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