O Uso de EPI eficaz e a decisão do STF no ARE 664.335/SC.

Insuficiência da declaração unilateral do empregador no perfil profissiográfico para comprovação da neutralização do agente nocivo

06/03/2015 às 00:09
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Supressão de direito em razão da leitura equivocada da decisão do STF no ARE 664.335/SC

                   

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC em 04/12/2014, fixou duas (02) teses distintas, é óbvio, que servirão para o reconhecimento de tempo de serviço sob condições prejudiciais à saúde ou a integridade física, reconhecimento este que serve à concessão de aposentadoria especial (aos 25 anos de atividade) ou para a conversão do tempo especial para tempo comum, a ser utilizada na concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.

A primeira tese faz referência ao uso de EPI (equipamento de proteção individual) sugerindo que se comprovadamente houve o uso eficaz do EPI não poderá ser reconhecido o direito ao reconhecimento do tempo de atividade especial.

 

Diz o STF: “O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial.”

 

A outra tese, também relativa ao uso do EPI, é mais especifica, uma vez que se relaciona a exposição ao agente físico ruído.

 

Entendeu o Tribunal que a despeito do uso de EPI de forma eficaz, caso o nível de exposição ao agente físico ruído esteja acima do nível de tolerância previsto na legislação pertinente (atualmente é a NR-15, que prevê como nociva a exposição ao ruído acima de 85 decibeis). “na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria”

 

O presente texto não tem a pretensão de trazer discussão acerca da fundamentação levada em consideração pelo STF para o acertamento das teses fixadas, porque seria intenção equivocada diante do pouco espaço e também porque já está disponível o acórdão do STF.

 

O que se propõe é, em breve e não esgotativo estudo, verificar qual efeito prático na vida do segurado a decisão do STF poderá ter.

 

No caso de exposição ao agente físico ruído, ao que parece, o efeito prático é manifesto, uma vez que caso o nível de exposição supere os níveis de tolerância, independente de existir ou não prova de que o uso do equipamento de proteção individual tenha sido eficaz, o INSS não poderá negar o reconhecimento da atividade especial.

 

Caso o faça, a intervenção judicial reverterá a decisão administrativa, uma vez que a decisão do STF se deu em repercussão geral, sendo obrigatória nesse sentido.

Entretanto, a grande preocupação, que demandará aos advogados mais conhecimento técnico, é com relação aos outros agentes nocivos.

 

Muito embora a decisão do STF por sí só não afirme que a simples declaração do empregador no Perfil Profissiográfico Previdenciário de que o uso de EPI é eficaz não seja suficiente para descaracterizar a atividade especial, já existem decisões judiciais negando o reconhecimento da atividade especial com base tão somente na informação constante do Perfil Profissiográfico Previdenciário de que o uso de EPI se deu de forma eficaz (campo padrão do PPP), o que se mostra incorreto.

 

A exemplo a decisão a seguir, prolatada pela 3ª TURMA RECURSAL DE PERNAMBUCO, nos autos de n.º 0503082-45.2013.4.05.8311, em 26 de fevereiro de 2015:

 

“Sem embargo de tudo que foi dito, reparo que o INSS aduz que houve utilização de EPI eficaz, o que deve ser levado em consideração na aplicação da orientação até aqui firmada ao caso concreto.

 

Em julgamento recente no STF do Recurso Extraordinário com Agravo nº 664335, com repercussão geral reconhecida, foi estabelecido que “o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial.”

Assim, uma vez comprovado o uso de EPI durante o período laboral, tornando inócua a exposição aos agentes nocivos descritos nos documentos apresentados, fica descaracterizada a especialidade das atividades desempenhadas.

Na hipótese em tela, o item 15.7 dos PPPs apresentados (anexo 5, 6 e 7) revela que no período laboral iniciado a partir de 01/01/1998 houve utilização de EPI, neutralizando os efeitos nefastos dos agentes nocivos, não sendo devido, pois, o enquadramento legal pretendido.”.

A prevalecer esse incipiente entendimento, excetuada o decorrente da exposição ao agente físico ruído, praticamente não haverá reconhecimento de tempo de atividade especial ainda que o trabalhador exerça suas funções em ambiente prejudicial a sua saúde ou a sua integridade física.

É evidente que todo empregador vai inserir no Perfil Profissiográfico que o uso do EPI é eficaz. Primeiro em razão de que o empregador não pode colocar o empregado em ambiente nocivo sem o uso de equipamento de proteção.

Imagine um trabalhador em uma fábrica de produtos químicos na forma de gases.

O próprio trabalhador não suportaria ficar alguns minutos sem máscara de proteção, é óbvio. Para que o exercício ocorra necessariamente o empregador terá de fornecer esse EPI.

Entretanto, é evidente que o uso de EPI para que o trabalho seja exercido não se confunde com a eliminação da nocividade ao trabalhador.

No nosso entender, a decisão que admite que a mera declaração do empregador no Perfil Profissiográfico Previdenciário seja suficiente para negar o reconhecimento da atividade especial, além de manifestamente ilegal, mais parece uma orientação burguesa relativa ao trabalho nos tempos da revolução industrial, onde o proletariado era empurrado para aquelas funções que sabidamente iria comprometer a saúde.

É que o STF em momento nenhum admite esse entendimento esdrúxulo. Vale a transcrição do que foi colocado no item 11 da ementa do ARE 664.335/SC:

“11. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.”

De acordo com essa orientação do STF, é obvio que não é admissível que órgão do Poder Judiciário venha negar o reconhecimento de período de atividade especial por entender que a mera declaração do empregador no Perfil Previdenciário Profissiográfico seja suficiente para descaracterizar a atividade especial.

Administrativamente, o uso de EPI é considerado eficaz somente ocorrendo as hipóteses ilustradas na Instrução Normativa INSS/PRES 45/2010, e respeitadas as orientações da NR-06:

“Art. 238. Os procedimentos técnicos de levantamento ambiental, ressalvada disposição em contrário, deverão considerar:

§ 6º Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância:

I - da hierarquia estabelecida no item 9.3.5.4 da NR-09 do MTE, ou seja, medidas de proteção coletiva, medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho e utilização de EPI, nesta ordem, admitindo-se a utilização de EPI somente em situações de inviabilidade técnica, insuficiência ou interinidade à implementação do EPC ou, ainda, em caráter complementar ou emergencial;

II - das condições de funcionamento e do uso ininterrupto do EPI ao longo do tempo, conforme especificação técnica do fabricante, ajustada às condições de campo;

III - do prazo de validade, conforme Certificado de Aprovação do MTE;

IV - da periodicidade de troca definida pelos programas ambientais, comprovada mediante recibo assinado pelo usuário em época própria; e

V - da higienização.”

A NR -06, por sua vez, dispõe o seguinte acerca do EPI: “ Cabe ao empregador quanto ao EPI: a) adquirir o adequado ao risco de cada atividade; b) exigir seu uso; c) fornecer ao trabalhador somente o aprovado pelo órgão nacional competente em matéria de segurança e saúde no trabalho; d) orientar e treinar o trabalhador sobre o uso adequado, guarda e conservação; e) substituir imediatamente, quando danificado ou extraviado; f) responsabilizar-se pela higienização e manutenção periódica; g) comunicar ao MTE qualquer irregularidade observada e (h) registrar o seu fornecimento ao trabalhador, podendo ser adotados livros.

Como se observa, a simples menção no Perfil Profissiográfico Previdenciário de que o uso de EPI é eficaz não se mostra suficiente para se entender que o seu uso se deu de forma a neutralizar a agente nocivo; ou que o trouxe a níveis de tolerância adequados, sem que as informações previstas na NR-06 sejam visualizadas; Quer seja visualizadas no campo “observações” do PPP ou que o laudo técnico pericial venha a informar e tais circunstâncias de uso.

Nesse sentido a decisão do eminente Juiz Federal e doutrinador JOSE ANTÔNIO SAVARIS, que nos autos do RECURSO CÍVEL Nº 5005117-43.2012.404.7007 /PR, em julgado de 25/02/2015, entendeu que, tendo em vista as teses fixadas pelo STF no ARE 664.335, a mera declaração do empregador no PPP informando o uso de EPI eficaz não importa em comprovação da neutralização do agente nocivo, quando não demonstrados os requisitos da NR-06.

“O Supremo Tribunal Federal do ARE 664335 (Rel. Min. Luiz Fux) recentemente decidiu que "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial".

No caso dos autos, embora o PPP ateste a implementação de EPI eficaz, não restou demonstrado que os equipamentos eram efetivamente utilizados pelos empregados e que de fato eliminassem o risco e a insalubridade a que estavam expostos, notadamente em relação ao agente eletricidade.

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Nos termos da jurisprudência da TRU4, "o uso de EPI descaracteriza a especialidade da atividade laboral quando comprovada a eficácia na proteção ao trabalhador, consoante atestado em laudo técnico ou PPP que preencha os seguintes requisitos: a) seja elaborado por pessoa habilitada; b) contenha descrição do tipo de equipamento utilizado; c) demonstre a intensidade de proteção proporcionada ao trabalhador; d) certifique o uso efetivo do equipamento e a fiscalização pelo empregador" (IUJEF nº 5000955-05.2012.404.7104, Rel. Juiz Federal José Francisco Andreotti Spizzirri, D. E. 26.04.2013)."

O Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, nos autos do Processo n.º 00001703220124058000, AC543198/ Relator: Desembargador Federal MANOEL ERHARDT, Primeira Turma, PUBLICAÇÃO: DJE 11/02/2015 - Página 33, em juízo de adequação, também fez importante observação diante de um formulário PPP preenchido com a anotação de uso de EPI eficaz.

"3. Embora conste no PPP que o EPI é eficaz, verifica-se, a partir da informação contida no laudo técnico elaborado por engenheiro de segurança do trabalho (fls. 16/16-v), que os equipamentos de proteção fornecidos ao segurado não são capazes de neutralizar a nocividade do risco causado pela eletricidade acima de 250 volts. Nos termos do referido laudo: "A empresa fornece, treina e fiscaliza o uso dos equipamentos de proteção individual e coletivo para execução das atividades de risco do empregado, visando proteger a saúde e a integridade física do trabalhador. Mesmo com o fornecimento dos equipamentos de proteção não elimina ou neutraliza a periculosidade do risco a que está exposto".

 4. Se a exposição ao agente nocivo persiste, mesmo considerando o uso correto, obrigatório e permanente dos equipamentos de proteção coletiva e individual, não há falar em adequação ao julgado do STF, devendo ser mantido o entendimento de que as atividades exercidas pelo autor, no período de 1976 a 2011, são de natureza especial.

5. Reapreciação do acórdão recorrido, nos termos do art. 543-B§ 3º, do CPC, à luz do entendimento adotado pelo STF no ARE 664335-SC; contudo, para o caso dos autos não houve modificação do resultado proferido anteriormente por esta Turma, que ratificou o comando sentencial no sentido de condenar a autarquia previdenciária à concessão do benefício de aposentadoria especial ao autor. Mantido o julgamento anterior que negou provimento à Apelação do INSS".

Como se observa, o STF, ao pacificar a questão acerca do uso do epi com relação ao ruído criou outra problemática com relação aos outros agentes nocivos. E essa questão já se desenhava no voto do eminente Ministro Roberto barroso (pag 63) in verbis:

“Partindo dessa premissa de humildade judicial, parece bastante claro não ser recomendável ao Tribunal apreciar, nesse processo, a eficácia do EPI em relação a todos os agentes nocivos à saúde do trabalhador. Para além da enorme dificuldade na identificação de todos esses agentes nocivos, a análise da eficácia do EPI em relação a cada um deles suscita discussões técnicas complexas e específicas, e, como o processo originário dispunha sobre a exposição de trabalhador a ruído, os estudos técnicos constantes dos autos versam, essencialmente, sobre esse agente nocivo.”

Entretanto, o STF descuidou ao não deixar claro que a simples declaração unilateral do empregador, no Perfil Profissiográfico Previdenciário, por si só não serviria para a comprovação efetiva da neutralização do agente nocivo, dando margem a que direito sejam suprimidos.

A esperança é que o bom senso prevaleça como nas duas decisões citadas acima.

 

 

Sobre o autor
Romildo Rodrigues

Bacharel em direito - UFPE e Servidor do MPF

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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