Capa da publicação O que estamos comemorando no dia 8 de março?
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8 de março: dia da mulher?

Para além das comemorações, a luta e o empoderamento das mulheres

09/03/2018 às 10:59
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Não precisamos de flores neste dia, nem de presentes, nem de parabéns. Precisamos de respeito durante todo o ano.

O que efetivamente estamos comemorando no dia 8 de março? 8 de março é o dia da mulher, mas 8 de março é dia de luta. Inicio esta reflexão indicando que, em minha opinião, não temos O QUE comemorar, temos que comemorar A data em si, que remete ao empoderamento, à mobilização, à luta das mulheres por igualdade e direitos. Portanto, para além das comemorações, a luta não deve ser em um dia específico do calendário, e sim todos os dias.

Digo isso porque o comércio invadiu a data, o que acaba por negligenciar o motivo da comemoração. O 8 de março não é um dia qualquer para sair parabenizando toda mulher por “ser mulher”. O dia 8 de março é muito mais que isso, é um marco da luta das mulheres.

A origem da data é controversa, mas todas elas têm em comum a luta das mulheres por igualdade de condições e direitos. Além deste fato, podemos voltar a outras tantas lutas das mulheres em diversos contextos, sejam históricos ou culturais, nos movimentos de resistência, nas organizações femininas, em movimentos operários, na luta pelo direito ao voto, na luta pela emancipação. Em suma, seja qual for a origem desta data, sabemos que ela, reconhecida oficialmente pela ONU em 1977, representa a luta das mulheres por igualdade política, social, profissional. É este o significado do 8 de março, para muito além do caráter mercantil que adquiriu.

As pessoas – homens e mulheres – se esquecem das formas pelas quais a mulher é vista e tratada em nossa sociedade, embora reafirmem corriqueiramente o suposto “lugar” da mulher, carregado de esteriótipos e rotulações. As mulheres não são todas iguais e por isso não são tratadas da mesma forma. Raça, idade, classe social, nível educacional, são alguns dos elementos que apresentam diferentes dificuldades enfrentadas pelas mulheres, de ontem e de hoje.

Por exemplo, as primeiras eleições no Brasil aconteceram em 1532. Apenas em 1932, as mulheres conquistaram o direito de votar. Porém, só poderiam exercer o direito ao voto mulheres casadas com autorização dos maridos, ou viúvas e solteiras que tivessem renda própria, o que limitou um direito básico da cidadania às mulheres da elite. Em 1934, as restrições ao voto feminino foram eliminadas do Código Eleitoral e apenas em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres. A Constituição de 1934 confirmou o direito ao voto feminino, mas as restrições só foram eliminadas em 1965. E, a Constituição de 1988 estendeu o direito de voto às mulheres analfabetas, para as quais o voto é facultativo. As mulheres votam e se candidatam a cargos públicos há pouquíssimos anos no Brasil.

É a esta realidade, e a outras tantas situações que me refiro quando reflito sobre o 8 de março. Dia em as mulheres ganham parabéns, flores, perfumes, chocolate, presentes “de mulher”. Na mídia, propagandas emotivas que em geral reafirmam aquela rotulação já mencionada, aquele lugar estereotipado da mulher na sociedade patriarcal. Publicidade carregada de clichês e trivialidades que servem para lembrar aos homens e às mulheres que elas têm um lugar na sociedade, bem definido, relacionado aos cuidados da família, dos filhos, do marido, da casa. Infelizmente é propagado o chavão do “ei, mulher, não se esqueça o seu lugar na sociedade”. Uma noção discriminatória e machista, que vai na contramão do significado oficial e primeiro deste dia: a luta por igualdade.

Então, o que comemorar se mulheres continuam sofrendo violência física e simbólica, abuso sexual e moral, assédio, se as mulheres continuam ganhando menos no mercado de trabalho, se continuam sendo objetificadas, rotuladas, estupradas, discriminadas? Para que servem os parabéns dado nas ruas, se nessas mesmas ruas, durante o resto do ano, as mulheres são assediadas com cantadas? Para que servem as flores que são dadas nas ruas se muitas mulheres enfrentam situações de violência doméstica? É preciso considerar que 5 mulheres a cada 2 minutos são submetidas a esta violência e que 15 mulheres morrem por dia, vítimas do feminicídio no Brasil. No mercado de trabalho, as mulheres continuam a receber salários menores que os homens, realizam dupla jornada, trabalhando dentro e fora de casa. Algumas vivenciam situações de assédio sexual e moral no ambiente de trabalho.

Não comemoremos enquanto o Brasil ocupar a sétima posição no ranking mundial de países com maior número de homicídios femininos. Não enquanto a cultura patriarcal for encarada como natural. Não enquanto reforçarmos rótulos preconceituosos que incidem na mulher. Nós precisamos falar da opressão que as mulheres sofrem e mudar essa realidade. Temos que falar sobre machismo, racismo, discriminação sexual e de gênero, sexismos e preconceito, sobre esta cultura misógina. E isso tem que ser durante o ano todo. Não podemos ignorar fatos nem comemorar apenas por comemorar o “ser mulher”.

Não precisamos de flores neste dia, nem de presentes, nem de parabéns. Precisamos de respeito durante todo o ano. É fundamental a lembrança desta data para que todos saibam da luta das mulheres por condições de vida e trabalho. São muitas conquistas, por vezes negligenciadas em uma história majoritariamente escrita por homens brancos heterossexuais. As conquistas são recentes e ainda temos muito o que lutar e conquistar. A luta não pode parar, enquanto mulheres sofrerem violências, enquanto isso for tratado de forma banalizada e naturalizada, enquanto o machismo for essencializado.

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A luta não cessa e acontece todos os dias, há séculos. Ainda bem. Ainda bem que muitas mulheres do passado lutaram por nós, que lembremos delas neste dia internacional da mulher, e que lutemos para as mulheres do futuro. Que lembremos dessa luta e que no cotidiano possamos ter atitudes pequenas que sirvam à construção de uma sociedade mais igualitária. Não é necessário ser militante do movimento feminista para isso, basta ter consciência da situação atual das mulheres e vontade de mudar essa realidade. É possível combater o machismo com ações diárias, é um trabalho de formiguinha, é lento, é processual, mas é um processo que já está em curso. E por estar em curso hoje, podemos comemorar um dia internacional da mulher.

Temos ainda uma batalha árdua para efetivar mudanças reais em situações tantas que as mulheres enfrentam, para desconstruir modelos que nos inferiorizam, limitam nossa autonomia e nos delegam papéis secundários e de dependência no interior da sociedade. Por isso tudo, não reproduzam estes clichês no dia 8 de março, e sim colaborem para fortalecimento da luta das mulheres, para o empoderamento das mulheres, para a conquista pela igualdade de gênero e direitos. A todos, desejo que esta data não se resuma a atitudes vazias e destituídas de reflexão e ação. Às mulheres, meus votos de luta e resistência.

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Sobre a autora
Rebeca Campos Ferreira

Doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), Graduanda em Direito, Bacharel em Ciências Sociais (USP), Pesquisadora do Núcleo de Antropologia do Direito (USP), Professora voluntária da UNEAFRO Brasil e Perita em Antropologia do Ministério Público Federal (MPF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Rebeca Campos. 8 de março: dia da mulher?: Para além das comemorações, a luta e o empoderamento das mulheres. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5364, 9 mar. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48542. Acesso em: 24 abr. 2024.

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