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O assédio moral no ambiente do trabalho

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5. Estatísticas

Estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) [16] e a Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que as perspectivas para os próximos vinte anos são muito pessimistas no que tange ao impacto psicológico nos trabalhadores das novas políticas de gestão na organização do trabalho vinculadas às políticas neoliberais. Segundo tal pesquisa, predominará nas relações de trabalho as depressões, o stress, angústias, desajustes familiares e outros danos psíquicos, denotando o dano ao meio ambiente laboral.

A OIT ainda detectou a grave situação em que se encontram os milhares de trabalhadores que sofrem esse ataque perverso do assédio moral. Estudos realizados na União Européia explicitam que 8% (oito por cento) dos trabalhadores, o que corresponde a 12 milhões de pessoas, convivem com o tratamento tirânico de seus chefes [17].

Este foi o mesmo percentual encontrado por um estudo patrocinado pela União Européia em 1996, baseado em 15.800 entrevistas realizadas nos 15 Estados-Membros, revelando que:

-4% dos trabalhadores (6 milhões) foram vítimas de violências físicas no ano anterior;

-2% (3 milhões) foram vítimas de assédio sexual;

-8% (12 milhões) tinham sido vítimas de "atos de intimidação e de trotes";

Estima-se que entre 10% (dez por cento) e 15% (quinze por cento) dos suicídios na Suécia sejam decorrentes desse comportamento abusivo.

Conforme relatado em matéria jornalística [18], no Brasil o tema é ainda pouco discutido, mas os números também assustam. Estudo feito com 97 empresas de São Paulo (setores químico, plástico e cosmético) mostra que, dos 2.072 entrevistados, 870 deles (42 %) apresentam histórias de humilhação no trabalho. Segundo o estudo realizado pela médica Margarida Barreto, pesquisadora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), as mulheres são as maiores vítimas - 65 % das entrevistadas têm histórias de humilhação, contra 29 % dos homens.

Outro relatório da OIT apresentado em novembro/2000 na Conferência Internacional de Traumas no Trabalho, sediada em Joanesburgo [19], 53% dos empregados na Grã-Bretanha disseram já ter sofrido ataques oriundos de um tal comportamento no local de trabalho, enquanto que 78% declararam que já tinham sido testemunhas dessa situação. Conforme relata Schmidt [20], A Linha de Atendimento Nacional britânica às denúncias de assédio moral registrou 4000 casos de assédio, dentre os 5000 que pesquisou nos últimos 5 anos. Mais de dois terços provieram do setor público. Na França, 30% dos empregados declararam estar sofrendo assédio moral no trabalho e 37% disseram ter sido testemunhas desse fenômeno. O assédio moral abrange tanto homens (31%), quanto mulheres (29%) e tanto gerentes (35%), quanto operários (32%). Está presente do mesmo modo nas empresas privadas (30%) e nas públicas (29%).

Por fim, em pesquisa realizada no Brasil com um universo de 4.718 profissionais ouvidos em todo o território, 68% deles afirmaram sofrer algum tipo de humilhação várias vezes por semana, sendo que a maioria dos entrevistados (66%) disseram ter sido intimidados por seus respectivos superiores.


6. Regulamentação Internacional

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), no uso de suas atribuições de elaborar normas internacionais atinentes às questões do Direito do Trabalho, editou, em 2002, um Informe sobre algumas formas de configuração do assédio moral, elencando várias condutas que se mostraram mais típicas ou comuns. O rol estabelecia que o assédio moral consistiria em:

A. Medida destinada a excluir uma pessoa de uma atividade profissional;

B. Ataques persistentes e negativos ao rendimento pessoal ou profissional sem razão;

C. A manipulação da reputação pessoal ou profissional de uma pessoa através de rumores e ridicularizarão;

D. Abuso de poder através do menosprezo persistente do trabalho da pessoa ou a fixação de objetivos com prazos inatingíveis ou pouco razoáveis ou a atribuição de tarefas impossíveis;

E. Controle desmedido ou inapropriado do rendimento de uma pessoa.

As normas editadas pela OIT, tal como o informe acima referido, que proíbe o assédio moral, e a Convenção 111, que proíbe qualquer tipo de discriminação, devem ser observados como verdadeiros "sobreprincípios" dentro do ordenamento jurídico interno, devendo cada membro tomar as medidas necessárias ao efetivo respeito a esses direitos, concretizando-os através de medidas preventivas e repressoras.


7. Legislação Estrangeira

O tema do assédio moral, muito embora represente um fenômeno existente há muito tempo no ambiente do trabalho, é relativamente novo, inclusive para as nações européias, as quais começaram a elaborar estudos sobre o mobbing a partir da década de 80, iniciando as propostas legislativas somente em momento posterior.

Como já se observou, a questão do assédio moral ganha corpo com as pesquisas do professor Leymann e sua escola, na Suécia, as quais começaram a relacionar o grande número de casos de pacientes em tratamento por problemas psicológicos com as dificuldades nas relações pessoais no local de trabalho. Do estudo das causas desses males psíquicos nasceu a elaboração do conceito do mobbing, de modo que este estudioso foi o verdadeiro fundador da pesquisa sobre o assédio moral, teorizando-o e obtendo o reconhecimento da comunidade internacional.

Dentre os países que possuem legislação específica sobre o assédio moral podemos elencar a Suécia, a França, a Noruega, a Finlândia e a Austrália. Quanto àqueles que possuem Projeto de Lei sobre o tema, incluímos Portugal, Suíça, Bélgica, Uruguai e o Brasil.

7.1.Suécia

Este país editou, em setembro de 1993, uma Ordenação do Conselho Nacional Sueco de Saúde e Segurança Ocupacionais "contendo medidas de prevenção contra o assédio no ambiente de trabalho", tendo sua vigência a partir de março de 1994.

Como observou Halfeld [21], as norma da Ordenação são muito genéricas, de modo que houve necessidade de regulamentação através de novo ato, o qual foi editado pelo Governo Sueco.

Neste ato regulamentador, estabeleceu-se que ao empregador incumbe "propiciar que cada empregado tenha o maior conhecimento possível sobre suas atividades e seus objetivos; informações regulares e reuniões no local de trabalho ajudarão a alcançar esse objetivo". Acrescenta ainda como obrigação do empregador "fornecer aos gerentes e supervisores treinamento pessoal em assuntos ligados às normas trabalhistas, aos efeitos de diferentes condições de trabalho na experiência de cada empregado, aos riscos decorrentes da interação e dos conflitos em grupos, e às qualificações necessárias para resposta rápida, em casos de stress ou de crise". Por fim, afirma que entrevistas individuais e trabalhos em grupo devem ser estimulados, com conversas francas, abertas e respeitosas.

7.2. França

A França foi o país pioneiro a instituir uma lei propriamente dita em seu ordenamento jurídico na busca de coibir o assédio moral, uma vez que a norma editada pelo governo sueco possui feições administrativas.

A normatização atinente ao assédio moral encontra-se no Capítulo IV da Lei 2002-73 de Modernização Social promulgada em 17 de janeiro de 2002, cujos artigos 168 a 180 e 224 alteram e inserem várias disposições no Código do Trabalho francês, bem como no próprio Código Penal.

Inicialmente, a lei insere o art. L. 120-4 no Código do Trabalho dispondo que o contrato de trabalho é executado de boa-fé. Segue estabelecendo, resumidamente:

-a vedação do assédio moral pela degradação deliberada das condições de trabalho do empregado, bem como a proteção à testemunha que haja presenciado a conduta referida e a nulidade de pleno direito da ruptura do contrato que advier do assédio (art. L. 122-49);

- possibilidade de sanção disciplinar ao empregado que praticar o assédio (art. L. 122-50), cabendo ao empregador tomar as medidas preventivas necessárias (art. L. 122-51);

-no caso de litígio envolvendo a ocorrência de assédio moral, caberá ao empregado (à vítima, no caso) apresentar os elementos indicativos da existência do assédio. Por outro lado, cabe ao réu provar que os fatos alegados não constituem assédio, estando justificados por elementos objetivos. O juiz poderá requisitar todas medidas necessárias ao seu convencimento. (art. L. 122-52);

-os sindicatos das empresas poderão atuar em juízo em favor de empregado da companhia nos casos que envolvam assédio moral, desde que haja acordo escrito (art. L. 122-53);

-insere uma seção no Código Penal denominada "Do assédio moral", estabelecendo uma pena de 01 (um) ano de reclusão, bem como o pagamento de uma multa no valor de 15.000 (quinze mil) Euros àqueles que praticarem o assédio moral (art. 222-33-2);

-prevê um procedimento de mediação que pode ser iniciado pela vítima de assédio moral ou sexual. O mediador é uma pessoa escolhida fora do âmbito da empresa e que tenha reconhecida idoneidade moral ou competência na prevenção desses males. Sua função é tentar reconciliar as partes pessoalmente, elencando cláusulas escritas a que as mesmas deverão se submeter no intuito de colocar um fim ao assédio. Se frustrada a tentativa de reconciliação, o mediador deve informar as partes sobre as sanções previstas, bem como sobre as garantias processuais que visam proteger a vítima do assédio;

-acrescenta ao art. L. 230-2 a expressão "psíquica e mental" referente à proteção da saúde do trabalhador;

7.3. Itália

A experiência italiana nos mostra que, apesar da ausência de uma legislação específica vedando a prática de assédio moral, é possível coibir judicialmente tal conduta através dos estudos que vêm sendo aprofundados e disseminados sobre o tema na comunidade jurídica, em especial na área do Direito do Trabalho.

Em seu artigo sobre a abordagem italiana do assédio moral [22] ressaltam os autores que a importância de se incluir uma série de condutas "multiformes de comportamento" em uma definição única de mobbing, como é chamado neste país, é a de se ter um salto quantitativo na indenização, isto é, reorganiza-se a tutela compensatória do trabalhador.

De acordo com o mesmo artigo, as primeiras decisões que enfrentaram diretamente a questão do mobbing são recentes (por volta dos anos 1999/2000), pois, até então, os tribunais italianos tratavam do fenômeno sem uma visão consciente de conjunto, de modo que o que se verificava era a fragmentação das ações que hoje pode se considerar como mobbing. Assim, verificamos a ampla casuística sobre danos por desqualificação e rebaixamento profissional.

Temos como exemplo a desqualificação profissional reconhecida no caso em que um trabalhador, cuja função era testar pneus em pista e estrada, foi designado para o controle das reclamações de pneus, que consistia numa atividade meramente manual, totalmente destituída de responsabilidade e autonomia na execução do trabalho [23].

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Neste tocante, o art. 2.103 do Código Civil italiano desempenhou papel relevante, assim como as disposições combinadas dos arts. 32 Const., 2.043 e 2.103 do Código Civil, que tratam, basicamente, da responsabilidade do empregador, a qual foi amplamente reconhecida nos seguintes casos: "marginalização do empregado através da desqualificação progressiva da sua atividade; variação in pejus das tarefas a cumprir; empobrecimento da bagagem profissional devido à constrição do trabalhador à inatividade; atribuição ao trabalhador de tarefas diferentes e de menor qualificação por ele pertencer a uma determinada área política (chamado de "loteamento"); pôr junto um ou mais indivíduos a fim de controlar e desvalorizar a atividade da vítima; subutilização do trabalhador em relação às funções de direito; reintegração do trabalhador ilegitimamente despedido para desempenhar funções que não correspondem à sua qualificação."

Cita-se um caso decidido pelo Tribunal de Milão [24], que hoje seria classificado como mobbing, no qual se considerou que "a designação do trabalhador para funções não condizentes com a categoria à qual pertence, que não permitem nenhum enriquecimento do patrimônio profissional nem avanços de carreira, e que, pelo contrário, determina um estado de inatividade e marginalização viola o art. 2.103 Código Civil e implica na condenação do empregador ao ressarcimento dos danos ao profissionalismo".

A jurisprudência italiana ainda reconheceu vários casos de dano com a responsabilidade do empregador, tais como: "a transferência não justificada do trabalhador para outro escritório da empresa; a ameaça de demissão; a maquinação delituosa por parte do chefe de pessoal em detrimento do trabalhador, consistindo numa simulação de reiterada e imotivada de sanções disciplinares; a imposição de participar de um curso de auto-avaliação das aptidões profissionais a fim de gerar nos trabalhadores a convicção de serem inúteis na organização empresarial; retorno e abertura sistemáticos da correspondência endereçada à vítima; atribuição de benefícios não merecidos a indivíduos do mesmo nível da vítima; emprego excessivo do trabalhador (levando-o ao estresse); abuso de controle da doença do empregado."

As duas sentenças do Tribunal de Turim constituem um marco na jurisprudência trabalhista italiana, pois pela primeira vez, fez-se utilização do mobbing, considerando-o como um fenômeno unitário, como categoria de responsabilidade e de dano apta a tornar mais eficaz a tutela integral da personalidade moral e da saúde dos trabalhadores.

Atualmente, tramitam no Congresso italiano vários projetos de lei sobre o problema de perseguições no ambiente de trabalho.


8. Legislação Nacional

8.1.Leis municipais

Primeiramente, é importante ressaltar que a competência para legislar sobre direito do trabalho é privativa da União, conforme dicção do art. 22, I da Constituição Federal. Assim, as leis abaixo analisadas não são normas jurídicas trabalhistas, mas sim normas administrativas que visam a regulamentação de condutas havidas entre a Administração Pública e seus contratados.

O que se verifica através de uma busca na legislação nacional é a existência de leis municipais, como nas cidades a seguir discriminadas por ordem cronológica de aprovação, além de lei do Estado do RJ:

-Iracemápolis (Lei 1.163 de 24/04/2000 e Decreto Regulamentador 1134/2001)

-Cascavel (Lei 3.243 de 15/05/2001)

-Guarulhos (Lei 358 de 19/07/2001)

-Sidrolândia (Lei 1.078 de 05/11/2001)

-Jaboticabal (Lei 2.982 de 17/11/2001)

-São Paulo (Lei 13.288 de 10/01/2002)

-Natal (Lei 189 de 23/02/2002)

-Americana (Lei 3.671 de 07/06/2002)

-Campinas (Lei 11.409 de 04/11/2002)

-São Gabriel do Oeste (Lei 511 de 04/04/2003)

A leitura das mencionadas normas municipais nos indica que as mesmas destinam-se aos servidores públicos municipais nas dependências, em regra, da Administração Pública direta, indireta, autárquica e fundacional.

Em regra, as leis municipais utilizam o mesmo conceito de assédio moral, vedando-o, nos seguintes termos:

"Para fins do disposto nesta lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar créditos de idéias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços".

Os principais pontos abordados são:

-Aspecto subjetivo: a grande maioria direciona a vedação do assédio moral a todos os servidores, não fazendo distinção entre superiores hierárquicos ou funcionários entre si, exceto a lei da cidade de Natal, a qual sujeita tão-somente aqueles nomeados para cargos de confiança, excluindo os efetivos.

-Sanção: estabelecem as seguintes penalidades: advertência, suspensão, a qual pode ser cumulada com a participação em curso de aprimoramento profissional e multa, e exoneração/demissão, obecendo-se um critério de gradação.

Procedimento: a parte ofendida ou a autoridade que tiver conhecimento da infração poderá, de ofício, iniciar procedimento administrativo para apuração daquela, sendo assegurada a ampla defesa

Em especial, a lei da cidade de Campinas, mais recente entre as elencadas, revela-se inovadora e mais ousada ao tocar em pontos mais sensíveis, como a previsão de Plano de Prevenção ao Assédio Moral, tratando-o como verdadeiro dever dos órgãos da administração.

8.2. Projeto de Lei Federal

Temos o PL 4742/2001, o qual pretende incluir o art. 146-A no Código Penal Brasileiro com a seguinte redação:

"Art. 146-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica.

Pena - detenção de um a dois anos."

O mesmo encontra-se junto à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados desde 01.12.2003.

Por fim, temos o Projeto de Lei Federal 4591/2001 da Deputada Rita Camata, o qual dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de assédio moral por parte de servidores públicos da União, das autarquias e das fundações públicas federais a seus subordinados, alterando a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, tendo redação assemelhada àquela das leis municipais supra citadas. Referido projeto tem como relator designado o Deputado Vicentinho e se encontra na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público desde 14.04.2004.

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Sobre a autora
Sônia A.C. Mascaro Nascimento

Consultora jurídico-trabalhista, Advogada, Conselheira e Presidente da Comissão de Defesa da Advocacia Trabalhista da OAB/SP, Diretora do Núcleo Mascaro Desenvolvimento Cultural e Treinamento – Trabalhista, Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Sônia A.C. Mascaro. O assédio moral no ambiente do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 371, 13 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5433. Acesso em: 29 mar. 2024.

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