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Concubinato e convivência more uxorio

23/12/1998 às 00:00
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A família, como base da sociedade, detém especial proteção do Estado, consoante resta assegurado pelo art. 226 da vigente Constituição Federal. Mas não só a família regularmente constituída, disciplinada pelas regras rígidas destinadas a reger a instituição do matrimônio, é alvo da garantia constitucional que, no § 3º do mesmo art. 226, manda que a proteção estatal deva, outrossim, reconhecer como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher. Enfatizando esse intuito de proteção à união estável entre o homem e a mulher, resolveu o mesmo dispositivo constitucional determinar à lei ordinária que facilitasse a conversão dessa situação de fato em casamento.

Com o escopo de dar cumprimento à norma de hierarquia superior, foram editadas as Leis nºs 8.971, de 29.12.94, e 9.278, de 10.05.96, que se referem especificamente à regulamentação do § 3º do art. 226 da Constituição Federal, expresso no sentido de reconhecer a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar.

Tais normas, no entanto, longe de trazerem orientação pacificadora para o tema em discussão, passaram a ensejar interpretações variadas, veiculando-se e sustentando-se, com base nelas, de forma completamente absurda e dissociada de regras básicas de interpretação do direito, que ao ser editada a Lei nº 9.278/96, despiciendo seria levar-se em consideração o tempo de duração dessa convivência, já que a lei a tanto não se referiu, para o efeito de reconhecer-se, como entidade familiar, a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Há de se ter em mente, entretanto, que a própria lei, ao se referir à convivência duradoura já deixou implícita a possibilidade de verificação do tempo de duração dessa relação, não só pelo emprego da palavra convivência, como também porque duradoura somente poderá ser a relação que, dentro em um lapso de tempo, se mantenha de forma efetiva. Duradouro, no sentido dicionarizado, é o que dura muito ou pode durar muito, nunca o que se estabelece por um ato eventual ou de forma efêmera, ocasional.

Estabeleceu, outrossim, a mesma lei, que essa convivência duradoura, para gerar direitos e a proteção legal, terá necessariamente que ser estabelecida com o objetivo de constituição de família, restando induvidoso, ademais, que não basta a manutenção dessa relação com esse escopo específico, é necessário que essa situação, nessa condição, seja pública e contínua. Ou seja, os conviventes terão que estabelecer a sua relação de forma pública e contínua com o específico intuito de, nos moldes do matrimônio, constituírem uma família, pressupondo-se, portanto, a vida em comum, debaixo do mesmo teto, por um período de tempo duradouro, porquanto só dessa forma é que se terá como existente um núcleo familiar.

A dificuldade que têm sido vistas, portanto, decorrem mais do fato de errôneas e equivocadas interpretações estarem sendo utilizadas em benefício de alguns, com o desassossego da sociedade, do que propriamente da falta de texto legal que se preste a orientar no rumo correto e lógico. Não tendo a última lei estabelecido o tempo necessário a essa verificação, há de se preservar e respeitar o critério da anterior (Lei nº 8.971/94) que, para efeitos específicos de concessão de alimentos, estabelece que "a companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968 (Lei de Alimentos), enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade".

Para que se venha, portanto, a admitir e a reconhecer a união estável entre um homem e uma mulher, conferindo-lhes efeitos legais, ter-se-á que exigir a demonstração induvidosa dessa relação, seja pela demonstração de que convivem eles, como marido e mulher, debaixo do mesmo teto, há mais de cinco anos, ou, por qualquer tempo, quando houver filhos em comum.

Não é demais rememorar que conviver é, em sua acepção comum, significa "viver em comum com outrem em intimidade, familiaridade" (Minidicionário Aurélio, pág. 126), não autorizando, de nenhum modo, conclusões no sentido de que a convivência poderá ser presumida de meros encontros entre um homem e uma mulher, oportunizando o nascimento de direitos como se casados fossem.

O relacionamento eventual, o simples encontro, mesmo quando seguido de relações íntimas, poderá até se prestar à geração de efeitos no mundo jurídico quando, em decorrência, vier a mulher a engravidar, resultando desse fato para o seu parceiro eventual, as obrigações que normalmente advém, relacionadas ao dever de contribuir para a manutenção da prole gerada, assim como o direito de sucessão que para o filho nasce nesse instante.

Jamais, no entanto, poder-se-á admitir que de um encontro entre um homem e uma mulher, eventual ou até mesmo repetido, sem as conseqüências anteriormente indicadas, possam resultar direitos para um ou para outro, com base apenas nesse fato específico. Se assim se pudesse entender, estar-se-ia, sem sombra de dúvida, emprestando mais direitos a uma situação de fato que à própria instituição do casamento, o que não se mostra de forma nenhuma aceitável sob o prisma jurídico.

De modo sempre oportuno e atual, assevera CARLOS MAXIMILIANO (in, "Hermenêutica e Aplicação do Direito" - São Paulo: Forense, 1979 - 9ª ed. - p. 10) que "interpretar uma expressão de Direito não é simplesmente tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta".

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Observadas tais considerações há de se ter como certo, portanto, que o sistema legal atualmente em vigor não criou a possibilidade de reconhecimento de situações de fato independentemente de qualquer tempo de convivência entre um homem e uma mulher.

Em verdade, visam as normas anteriormente citadas dar guarida àquelas situações resultantes não de um mero encontro casual, mas de uma relação de fato consensualmente estabelecida pelo casal. Para esse efeito, deve-se levar em conta especialmente o fato de terem homem e mulher desenvolvido o seu relacionamento sob o mesmo teto, considerado o período de duração previsto na Lei nº 8.971/94, salvo se, tendo eles estabelecido a situação de fato por menor tempo, vierem a ter filho comum, quando então o período de convivência será de nenhuma importância.

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Sobre o autor
Airton Rocha Nobrega

Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Concubinato e convivência more uxorio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/544. Acesso em: 28 mar. 2024.

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