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A responsabilidade civil do empregador nos acidentes de trabalho

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09/01/2017 às 15:10
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9. Atividades de risco

Uma das grandes discussões do Direito do Trabalho, uma vez aceita a validade do parágrafo único do art. 927 do CC, é definir o que seria atividade de risco.

Assim disciplina o parágrafo único do art. 927 do CC de 2002: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Extrai-se do dispositivo legal que a lei será uma das formas de se averiguar quais atividades poderão se socorrer do art. 927 do CC. Trata o artigo de lei de uma interpretação taxativa.

Por outro lado, apesar de o início do artigo em evidência ser taxativo, sua redação, ao final, permite uma subjetividade ao julgador. Daí que, ao nosso entender, nasce a subjetividade que balança a segurança jurídica. Tais atividades seriam aquelas que possuem o maior número de acidentes de trabalho de acordo com o CNAE? Seriam aquelas previstas como insalubres na Norma Regulamentadora n. 15 do Ministério do Trabalho e Emprego[24]?  Seriam as constantes do quadro do SESMT[25]?

A celeuma se coloca na medida em que o próprio Tribunal Superior do Trabalho já julgou que a atividade de gari[26], para citar um exemplo aleatório, não representa atividade de risco, enquanto a atividade de frentista de posto de gasolina[27], para citar outro exemplo, já representaria. Contudo, não estabeleceu a Corte constitucional trabalhista parâmetros objetivos para a solução da controvérsia.

Diego Petacci, ao analisar a controversa questão, chega às seguintes conclusões:

“A cláusula geral brasileira de responsabilidade pelo risco da atividade, nos termos do parágrafo único do art. 927 do CC de 2002, delineia-se com os seguintes pressupostos: a) desenvolvimento de uma atividade, e não de um simples ato; b) atividade esta de natureza econômica ou não c) atividade qualificado pelo perigo, de qualquer natureza, sendo este a probabilidade elevada, concreta, aferível por critérios científicos ou pela observação prática, de causar dano à vida ou à incolumidade física de terceiros; d) nexo de causalidade entre o desempenho da atividade perigosa e os danos suportados por terceiro; e) danos de ordem patrimonial, moral (extrapatrimonial) ou estética sofridos por terceiro em decorrência do exercício da referida atividade”.[28]


10. ônus da prova

A palavra chave é aptidão para a prova.

Quando se fala em produção de prova em juízo, está-se dizendo da formação do convencimento por parte do juiz acerca da existência de fatos relevantes do processo[29].

Em que pese o art. 333 do Código de Processo Civil traçar uma distribuição rígida do ônus da prova, a moderna concepção de processo atribui poderes mais amplos para o julgador, como em casos em que haja sujeito hipossuficiente ou contratualmente vulnerável, quando há a verossimilhança das alegações, quando há descumprimento de uma obrigação imposta por lei, quando a natureza jurídica do direito postulado como proeminente é fundamental e a obrigação da produção de determinada prova documental é diabólica, entre outros.

Para justificar a ampla liberdade do Juiz do Trabalho na condução da prova, o art. 765 da CLT diz que os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas. O termo qualquer diligência não foi usado ao acaso. A lei não possui palavras inúteis, aliás.

Assim sendo, o artigo em comento confere ao juiz trabalhista uma ampla liberdade na condução da prova, contanto que respeite a ampla defesa e o contraditório.

Ainda, esclarece que há certas obrigações patronais que estão expressamente catalogadas na lei, a exemplo do art. 157, incisos I a III da CLT presentes no capítulo da segurança e medicina do trabalho.

“Art. 157 - Cabe às empresas:

I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;

II - instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;

III - adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente”.

Com efeito, eventual acidente do trabalho decorrente do não cumprimento de normas de segurança e prevenção caracterizará inexecução de obrigação legal e contratual. Também nesta situação, o ônus da prova será invertido, seja pela aplicação do princípio da aptidão para a prova, seja porque a obrigação estava revestida de força legal, seja porque a inexecução contratual importa presunção de culpa do agente por outros motivos.      

Assim, ao empregado, caberá apenas apontar os descumprimentos legais e requerer que o empregador demonstre em juízo o seu cumprimento.

Cabe ao empregado requerer a juntada de documentos relativos à EPI, PPRA e PCMSO sob pena das cominações do art. 400 do novo Código de Processo Civil.

Cabe ao empregado, outrossim, comprovar eventuais assédios verticais e horizontais sofridos no ambiente de trabalho, pois, nem toda vigilância pode ser atribuída aos deveres do empregador sob pena de presunção de responsabilidade.

Já ao empregador, como resposta à imputação da responsabilidade civil, caberá comprovar que observou integralmente as normas de SST ou demonstrar culpa exclusiva da vítima.

Extrai-se do exposto, que o ônus da prova trabalha como um pêndulo no Direito do Trabalho. Ora se aproxima do empregado, ora do empregador, mas sempre de maneira que aquele que tiver a aptidão da prova, que o faça.


11. Responsabilidade contratual e extracontratual

Ao fim e ao cabo, parece-nos que não obstante a discussão doutrinária sobre a responsabilidade trabalhista ser contratual ou extracontratual, parece-nos mais coerente entendê-lá como uma responsabilidade contratual, embora mitigada pelo poder do capital.

Com a responsabilidade contratual, não haverá necessidade de comprovação de culpa ou dolo do empregador para que seja ele responsável pela indenização.

É que faz parte do contrato de trabalho uma cláusula tácita de incolumidade que, se quebrada, é responsabilidade do empregador indenizar o empregado que sofreu danos, conquanto nem todo dano seja de origem laboral.

José Afonso Dallegrave Neto leciona que o dever de reparação do dano encontra-se fundamentado tanto na esfera contratual quanto na esfera extracontratual e dá o seguinte exemplo:

 “É o que ocorre, por exemplo, no caso de dano moral infligido ao empregado pelo empregador na execuçãoo do contrato de trabalho. Aqui, incidirá tanto o princípio legal e geral de respeito à honra – art. 5o, V e X, da Constituição Federal – como também a regra civil que prevê a indenizaçãoo por inexecuçãoo de obrigação contratual (art. 927 do Código Civil), no caso, o descumprimento do dever anexo de conduta de que os contratantes devem ser tratados mutuamente com lealdade e dignidade. Em tais casos, a responsabilidade civil do tipo contratual irá prevalecer, máxime porque a ofensa do agente se manifestou na condição de contratante e o dano afligiu a vítima na condição de contratado”.[30]

João Oreste Dalazen ratifica a ilação supra formulando o seguinte exemplo:

“Se, por hipótese, o empregador assaca expressões caluniosas, injuriosas ou difamatórias ao empregado, no exercício da função para a qual fora contratado, ou em razão dela, a competência para julgar a lide relativa à indenizaçãoo exsurgente é da Justiça do Trabalho: há conflito de interesses alusivo a uma cláusula imolícita do contrato de emprego, ou entre os correspectivos sujeitos atuando na qualidade jurídica de empregado e de empregador”.[31]

Registra-se que a ministra do Superior Tribunal de Justiça, Nancy Andrighi, em junho de 2009, RESP 1.067.738 defendeu que a responsabilidade civil trabalhista é contratual. No julgado em referência, a ministra chamou atenção para o fato que na responsabilidade contratual, para se obter reparação de perdas e danos, o contratante não precisa demonstrar a culpa do inadimplente, bastando a prova do descumprimento do contrato. Dessa forma, afirma a ministra, que nos acidentes de trabalho, cabe ao empregador provar que cumpriu seu dever contratual de preservação da integridade física do empregado, respeitando as normas de segurança e medicina do trabalho. Em outras palavras, fica estabelecida a presunção relativa de culpa do empregador.

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Raimundo Simão de Melo diz que “no caso de acidente decorrente de condição insegura, deverá, para se isentar da condenação, comprovar que cumpriu as obrigações contratuais no que diz respeito às normas de segurança e medicina do trabalho, pois na responsabilidade contratual, que é o caso, a culpa é presumida, porque há um dever positivo de adimplemento do objeto do contrato”.

Ponderando a respeito do tema, pensamos que o cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho é dever do empregador imposto por lei e seu cumprimento não pode ser visto como uma excludente de ilicitude, mas importante obrigação imposta ao empregador. Seu atendimento não deve excluir sua responsabilidade, mas antes servir de atenuante em caso de eventual indenização trabalhista.

O contrário também nos parece válido. Caso o empregador não cumpra obrigação legal e contratual, nada obstante o comando do art. 944 do Código Civil medir a indenização pelo dano, caso haja o descumprimento das normas de saúde e segurança, deve o empregador ser condenado em uma indenização por danos morais exemplar, haja vista que estamos tratando da vida de um trabalhador.


12. Particularidades do Direito Italiano

Diferentemente do que ocorre no Brasil, no direito estrangeiro, a responsabilidade civil é tratada de maneira diversa, mas não se nega que a cultura de prevenção é mais destacada.

Na Itália, a empresa não possui responsabilidade civil na reparação do dano ao empregado, pois, paga o seguro contra acidente de trabalho ao INAIL (Istituto Nazionale per L´Assicurazione contro gli Infortuni Sul Lavoro e le Malattie Professionali ) a não ser que a empresa tenha violado norma de saúde e segurança do trabalho:

“Con l’assicurazione il datore di lavoro è esonerato dalla responsabilità civile conseguente all’evento lesivo subìto dai propri dipendenti, salvo i casi in cui, in sede penale o - se occorre - in sede civile, sia riconosciuta la sua responsabilità per reato commesso con violazione delle norme di prevenzione e igiene sul lavoro[32].

Desta forma, tem-se que na Itália, o mero dano é coberto pelo seguro contra acidentes do trabalho. Já quando há dolo ou culpa do empregador, haverá obrigação de indenizar, independentemente de seguro.

Interessante ressaltar que o INAIL é uma autarquia federal que, tal como o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), paga benefícios previdenciários acidentários aos seus segurados. Já não paga os benefícios previdenciários cuja origem tem outros fundamentos que não o trabalho. Estas indenizações são a cargo do Istituto Nazionale della Previdenza Sociale (INPS).

Silvia D´Amario, coordenadora do departamento de estatísticas do INAIL, informou, no 2º Seminário Internacional sobre os Sistemas de Seguro contra Acidentes de Trabalho no Brasil e na Itália que o seguro pago ao INAIL subsidia as empresas, oferecendo treinamento para prevenção de acidentes, bem como cobre próteses, paga o pessoal administrativo do órgão, funerais etc. Eis uma grande diferença entre o Brasil e a Itália.

Silvia D´Amario demonstrou que a política de prevenção parece funcionar na Itália, haja vista uma diminuição de quatro vezes o número de acidentes em relação ao momento anterior à atuação do INAIL. Mesmo se considerarmos a crise europeia e a diminuição do número de empregos no país, teria havido uma drástica redução no número de acidentes de trabalho entre 2010 e 2014.[33]

Nada obstante o tamanho da Itália em relação ao Brasil, com toda a sua complexidade, parece-nos um paradigma a ser seguido, sobretudo em uma era de informatização das relações sociais onde o controle dos gastos e investimentos parece ser cada dia mais transparente.

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Sobre o autor
Thiago Mendonça de Castro

Professor universitário, advogado desde 2004, Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Thiago Mendonça. A responsabilidade civil do empregador nos acidentes de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4940, 9 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54922. Acesso em: 29 mar. 2024.

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