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Tombamento e função socioambiental da propriedade

Um estudo jurídico a partir da Operação Patrimônio

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19/04/2017 às 15:50
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4 LIMITES E DESAFIOS DO TOMBAMENTO: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DA “OPERAÇÃO PATRIMÔNIO”

Considerando as ações degradadoras do homem em conjunto aos fatores climáticos, a tutela do patrimônio cultural de São Luís por parte do poder público está cada vez mais inócua, principalmente pelo não comprometimento dos proprietários com seus imóveis. Consoante registros do IPHAN e da Defesa Civil do Município, aproximadamente 70 (setenta) prédios localizados no centro histórico da cidade estão em risco iminente de desabar, causando prejuízos não só ao patrimônio, mas às vidas humanas, uma vez que várias famílias carentes invadem os imóveis abandonados, depredando-os ainda mais.

Conforme a Superintendente do IPHAN, Kátia Bogéa, os casarões são constantemente monitorados pelos órgãos públicos e os com maiores problemas foram catalogados para que os proprietários, após notificados, façam intervenções imediatas, evitando os desabamentos.

Sucede que, apesar das intervenções feitas pelos órgãos públicos, a conservação do Conjunto Arquitetônico de São Luís enfrenta uma questão de difícil solução, qual seja, a dos estacionamentos, haja vista que os proprietários de casarões abandonam ou degradam os mesmos para transformá-los, não observando a função socioambiental da propriedade, mas tão somente a questão econômica. Por outro lado, os estacionamentos são uma demanda da população, o que acarreta em outro problema a ser enfrentado pelo poder público.

Nesse passo, mister a análise do título de Patrimônio Mundial concedido à cidade de São Luís, uma vez que, através deste, os conjuntos e sítios urbanos passam a ser designados como bem cultural possuidor de valores coletivos e referencias culturais dos seus moradores, necessitando da tutela privada e estatal.

Posteriormente, aborda-se a operação patrimônio, referente à proteção dos imóveis tombados no centro histórico de São Luís que são transformados em estacionamentos, buscando-se as possíveis alternativas para equilibrar os interesses sociais da população e a proteção do patrimônio cultural, uma vez que o meio ambiente ecologicamente equilibrado só é possível através de políticas de desenvolvimento social e econômico, dentro de um ambiente sadio, resultando, portanto, de uma parceria entre estado e comunidade para a garantia da ordem constitucional.

4.1 São Luís, Patrimônio Cultural da Humanidade

A cidade de São Luís foi fundada em 8 de setembro de 1612 pelos franceses, comandados por Daniel de La Touche, Senhor de La Ravardière. Esse nome decorreu de uma homenagem ao rei da França, entre 1610 e 1643, Luís XIII. Sucede que em 03 de novembro de 1615 a tropa portuguesa, comandada por Jerônimo de Albuquerque, expulsou os franceses da capital maranhense através da batalha de Guaxenduba (LIMA, 2006, p. 169).

Sabe-se que a cidade foi habitada por franceses e holandeses, mas edificada sob o domínio português. Nesse sentido, após a conquista dos portugueses o plano de São Luís foi conferido ao engenheiro-mor Francisco Frias da Mesquita, ao qual buscou adaptar o núcleo urbano já existente aos padrões estabelecidos pelas Leis das Índias8.

Nessa acepção, foi conferida à cidade uma arquitetura formada por casarões e azulejos, eficazes para a adaptação das edificações ao clima local. Nessa esteira, São Luís ficou conhecida como a “cidade dos azulejos”, pois estes foram trazidos de Portugal para a formação do centro histórico9, sendo imprescindível, portanto, a preservação de seu acervo cultural, que mantém intacto o traçado urbano seiscentista.

O tombamento do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico de São Luís realizado pelo IPHAN ocorreu em 13 de março de 1974, por meio do Processo nº 454-T-51: inscrição n° 513 – Livro do Tombo de Belas Artes e inscrição n° 064 – Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Foi realizado em etapas sucessivas, tombando-se primeiramente monumentos isolados, como o prédio da Academia Maranhense de Letras, o Sobrado da Avenida D. Pedro II, e a Fonte do Ribeirão. Ademais, foram tombados os conjuntos arquitetônicos e paisagísticos do Largo do Desterro, Praça Benedito Leire, Praça João Lisboa, e por fim o Conjunto Arquitetônico e Paisagístico na forma como se apresenta atualmente (BOGÉA; SOARES DE BRITO; PESTANA, 2007, p. 27).

Através dessas inscrições, o IPHAN descreve da seguinte forma o tombamento:

O Centro Histórico de São Luís é formado de conjuntos homogêneos de arquitetura civil, remanescentes dos séculos XVIII e XIX, quando o Estado do Maranhão teve a participação decisiva na produção econômica do Brasil como um dos grandes exportadores de arroz, algodão e matérias-primas regionais. Nesta época, São Luís foi considerada a quarta cidade mais próspera do Brasil, depois de Salvador, Recife e Rio de Janeiro. O conjunto delimitado estritamente pelo perímetro do tombamento federal (cerca de 1000 edificações), possui imóveis de valor histórico e arquitetônico, a maioria civil, com construções do período colonial e imperial com características peculiares nas soluções arquitetônicas de tipologia, revestimento de fachadas e distribuição interna10

A área tombada pela UNESCO possui sessenta hectares, sendo o núcleo mais antigo da expansão urbana de São Luís, coincidindo com o mesmo que foi tombado pela União há cerca de dezessete anos. O Governo Estadual tem aproximadamente cinco mil e quinhentos imóveis tombados, ao passo que o Governo Federal tem cerca de mil, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN11.

No ano de 1997, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) conferiu a parte do centro histórico da cidade de São Luís o título de patrimônio cultural da humanidade, previsto na Convenção de Proteção do Patrimônio Mundial12. Conforme destaca Fiorillo (2007, p. 239), para que determinado bem seja considerado patrimônio histórico deve existir um nexo vinculante com a identidade, a ação e a memória dos grupos formadores de determinada sociedade.

Para a inscrição de bens na lista do patrimônio cultural e natural mundial deve-se seguir um procedimento composto por quatro fases, quais sejam, a identificação do bem, a proposta de inscrição, a avaliação e a decisão (SOUZA FILHO, 2006, p. 244).

Inicialmente, o Estado que tiver interesse em promover a inscrição de bens do seu território deve preparar um inventário dos bens, especificando-o, informando e descrevendo a situação dos mesmos e elencando os critérios que eles possuem para que sejam inscritos. Além disso, o Centro de Patrimônio Mundial deve verificar o preenchimento das formalidades, encaminhando a documentação para o órgão técnico especializado (SOUZA FILHO, 2006, p. 245).

Após verificar a decisão das agências especializadas o bem é recomendado para o comitê - que dará a decisão final - aceitando ou não o bem que for proposto. Esse procedimento tem duração de um ano, levando-se em consideração que a apresentação das propostas é feita até o dia 1º de julho, anualmente e, em dezembro do ano seguinte, o comitê defere ou não a proposta de inscrição (SOUZA FILHO, 2006, p. 246).

Os principais elementos que justificaram a inclusão do Patrimônio Arquitetônico do centro histórico de São Luís na categoria de Patrimônio Mundial referem-se ao desenho urbano do centro histórico, que é o original, assim como o seu conjunto de arquitetura civil, influenciado pelo projeto pombalino da reconstrução de Lisboa13. Assim, fizeram-se presentes os requisitos para que houvesse a concessão do título à cidade de São Luís.

Conseguintemente, a cidade é o único conjunto urbano brasileiro reconhecido pela UNESCO, cuja inscrição se baseia em três critérios distintos: o testemunho excepcional de tradição cultural; é exemplo destacado de conjunto arquitetônico e paisagem urbana que ilustra um momento significativo da história da humanidade; é também exemplo importante de um assentamento humano tradicional, representativo de uma cultura e de uma época14.

Nesse lastro, São Luís é o exemplo de cidade colonial portuguesa que se adaptou às condições climáticas da América do Sul, conservando sua estrutura urbana, integrada com o ambiente natural em grau elevado, sendo este o aspecto relevante que contribui para o recebimento do título de Patrimônio Mundial, bem como para o tombamento de grande parte dos bens do centro histórico da cidade (LOPES, 2007, p. 33).

Nota-se, portanto, que tal título é um aspecto de relevante importância para a tutela dos bens do Conjunto Arquitetônico, haja vista que remonta a história da comunidade ludovicense, razão pela qual deve cumprir uma função social e ambiental com o escopo de rememorar tais aspectos culturais.

Vale registrar que nessa lista dos bens atinentes ao Patrimônio Mundial estão inscritos bens culturais e naturais de valor considerado excepcional, devendo essa lista ser atualizada pelo Comitê do Patrimônio Mundial (SILVA, 2006, p. 91).

Apesar de todas essas características de autenticidade, composição monumental e urbanidade, o título concedido a São Luís sofre a possibilidade de ser suprimido, devido ao descaso do poder público, e, principalmente, dos proprietários dos imóveis que lá se encontram, acarretando na descaracterização e destruição do Conjunto Arquitetônico.

Imperioso, em função disso, a tutela do centro histórico de São Luís através de instrumentos específicos, uma vez que o meio ambiente, em seu aspecto cultural, deve ser preservado, garantindo a possibilidade de presentes e futuras gerações conviverem em um ambiente com sadia qualidade de vida, bem como compreenderem os fatos memoráveis da história de seu povo.

Considerando, portanto, que a melhor maneira de garantir a proteção do patrimônio cultural é através da atuação dos órgãos públicos, verificar-se-á a eficácia da operação patrimônio, destacando seus aspectos principais, bem como a constatação (ou não) da efetividade da mesma para a tutela do Conjunto Arquitetônico de São Luís.

4.2 Descrição da operação patrimônio

De acordo com a Informação Técnica nº 212/08, disponibilizada pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a prática irregular de demolir e transformar casarões tombados em estacionamentos vinha sendo reiterada no centro histórico de São Luís, tanto na área de tombamento federal quanto estadual. Percebendo-se essa problemática, diversas reuniões foram feitas entre os órgãos de nível municipal, estadual e federal, constatando-se a gravidade da situação, uma vez que a integridade dos bens foi deveras afetada (ANEXO A, p. 70-71).

A partir dos debates nessas reuniões, no dia 24 de julho de 2008, realizou-se a denominada “operação patrimônio”, ação conjunta entre diversos órgãos públicos, cuja finalidade foi fiscalizar os casarões tombados no centro histórico de São Luís, que, sem licença dos órgãos competentes, foram alterados ou derrubados para transformação em estacionamentos, o que ocasionou em danos irreparáveis aos mesmos. Assim, a fiscalização foi a primeira medida a ser tomada, de modo a repreender o uso indevido dos imóveis tombados, que são utilizados com intuito econômico por parte dos proprietários dos casarões, acarretando na descaracterização e destruição dos mesmos.

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Nesse mesmo trilhar, o Promotor do Meio Ambiente, Fernando Barreto afirmou, em entrevista, que os imóveis estavam sendo utilizados de forma incompatível com a preservação do patrimônio. Para tanto, foi imprescindível a operação, com o condão de conscientizar os proprietários da importância do meio ambiente cultural e, através dos embargos e notificações, frear as atividades de degradação das edificações, tendo em vista que estavam ocorrendo demolições em massa para transformação em estacionamentos comerciais que funcionavam de forma irregular nos imóveis tombados.

A operação contou com a participação de diversos órgãos, dentre eles o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); a Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação (SEMURH); a Fundação Municipal do Patrimônio Histórico (FUMPH); o Ministério Público Estadual (Promotoria Especializada de Meio Ambiente, Patrimônio Cultural e Urbanismo); o Ministério Público Federal (MPF); o Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico (DPHAP); a Delegacia do Meio Ambiente (DEMA); a Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação (SEMURH); a Polícia Federal e a Polícia Civil, observando-se à atuação conjunta dos órgãos públicos.

Conforme Pedro Paulo da Cruz Rocha, Técnico do IPHAN, esse órgão tem poder de polícia, podendo embargar e notificar as obras realizadas no Conjunto Arquitetônico. Ocorre que, durante a operação, apenas 12 (doze) imóveis foram identificados pelo IPHAN, tendo em vista que o restante encontrava-se sob a esfera estadual de proteção.

Após os embargos, os proprietários foram notificados, sendo obrigados a apresentar projetos alternativos de uso dos imóveis perante o IPHAN e ao DPHAP, segundo as normas de preservação do patrimônio. Assim sendo, os casos de notificação eram, em sua maioria, ocupação em lotes vagos, não se sabendo ao certo o que existia nos locais anteriormente à destruição.

A partir da análise dos documentos disponibilizados pelo IPHAN, assevera-se que os seguintes imóveis integrantes da área tombada pelo Governo Federal foram notificados (ANEXO A, p. 76-77; ANEXO B, p. 83-85):

1. Rua Afonso Pena S/N, Quadra xx, “Estacionamento Afonso Pena”, cujo responsável era S. B. B. e o proprietário do imóvel, M.R.;

2. Rua dos Afogados, nº xx, Quadra xx, denominado de “Estacionamento Pare Fácil II”;

3. Rua João Vital de Matos (Pacotilha), nº xx, Quadra xx, responsável J. C. do N. e proprietário S. S.;

4. Rua do Ribeirão, S/N, Quadra x, “Estacionamento Pare Fácil”, cujo proprietário é F. M., sendo entorno de bem tombado isoladamente em nível federal, a Fonte do Ribeirão;

5. Rua do Giz, nº xx, Quadra xx;

6. Rua dos Afogados, nº xx, Quadra xx, propriedade do Consulado Mexicano que funcionava como estacionamento privativo;

7. Rua 15 de Novembro, nº xx, Quadra xx, estacionamento “Coqueiro”, cujos responsáveis eram A. M., J. de R. P. G. e A. P. G., sendo o imóvel de propriedade da CAEMA.

Com base na mesma documentação, destaca-se que dos imóveis notificados, apenas 05 (cinco) foram embargados:

1. Rua Cândido Ribeiro, nº xx, quadra xx, que é tombado pelo DPHAP, mas foi embargado pelo IPHAN por ser entorno de bem tombado isoladamente em nível federal, a extinta fábrica Santa Amélia (embargo n° 001-2008);

2. Rua da Palma, nº xx, quadra xx, esquina com a Rua 14 de Julho, cujo responsável era E. P. C., funcionário da Secretaria de Segurança Pública, continuou funcionando normalmente com a guarda dos carros de servidores da Secretaria de Estado Segurança Cidadã (embargo nº 002-2008);

3. Rua da Palma, nºxx, quadra xx, que funcionava como estacionamento privativo do antigo depósito da Casa da Borracha, cujo proprietário era o senhor J. E.o P. A., mas atualmente funciona como comitê eleitoral (embargo nº 003-2008);

4. Rua da Palma, nº xx, quadra xx, denominado de Estacionamento da Palma, que atualmente não funciona mais, sendo de responsabilidade de L. X. C. e de propriedade de G. C., cumprindo o embargo (embargo nº 004-2008);

5. Rua da Paz, nº xx, xx e parte do xx, quadra xx, denominado Estacionamento Colonial, que continua funcionando normalmente, tendo como proprietário F. S. B. e responsável J. F. S. B. (embargo nº 005-2008).

Após a análise feita através de pesquisas nos órgãos públicos, constatou-se que os bens supracitados estavam sendo utilizados inadequadamente, uma vez que houve a difusão da prática de alteração dos mesmos visando à atividade empresarial, qual seja, o uso para estacionamentos. No mesmo sentido, a Informação Técnica nº 212/08-4ª CCR, de 18 de setembro de 2008, elaborada pela perita Ludmila Lamounier, da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, cujas conclusões são esclarecedoras, litteris:

(...) a má adaptação e as modificações insensíveis ao caráter histórico que acontecem nos bens tombados para receber diferentes e inadequados usos têm como consequência a descaracterização desses edifícios. A questão em estudo nesta IT, transformação dos bens em estacionamento de veículos, representa um uso não harmônico e não compatível com a natureza e o caráter deles (ANEXO A, p. 74).

Com efeito, o uso desarmônico e incompatível dos bens tombados afetou o caráter histórico do conjunto arquitetônico da cidade, em razão de alterar a autenticidade no significado histórico deste. Necessária, portanto, a criação e o desenvolvimento de políticas que efetivamente tutelem a função socioambiental dos bens tombados a partir da fiscalização estatal, em conjunto à proteção dada pelos proprietários desses bens, ou pela comunidade em geral.

Depreende-se que, mesmo com a participação dos órgãos públicos em defesa do patrimônio cultural, os particulares não possuem interesses em tutelar seus bens imóveis, o que se verifica a partir do abandono e da própria demolição dos mesmos, com o intuito puramente econômico, o que vai de encontro ao cumprimento das funções social e ambiental da propriedade. A partir disso, analisa-se a operação patrimônio, cujo foco foi a tutela do Conjunto Arquitetônico tombado de São Luís.

4.3 A “operação patrimônio” atualmente: análise dos objetos de fiscalização

No tocante à operação patrimônio, percebe-se que a mesma culminou na aplicação de embargos extrajudiciais e notificações a proprietários ou responsáveis pelos estacionamentos irregulares em prédios protegidos pelas legislações estadual e federal.

O Promotor Fernando Barreto aduz que todos os bens imóveis abrangidos pela operação patrimônio, demolidos ou deteriorados, foram levados à justiça, sendo objeto de ações civis públicas ou ações penais, tanto por parte do Ministério Público Estadual quanto do Federal. Destacou que, por parte Ministério Público Estadual, foram propostas 29 (vinte e nove) ações civis públicas, quatro ações penais e dois inquéritos civis públicos referentes à descaracterização de imóveis tombados no centro histórico de São Luís.

No que concerne ao andamento da operação, destaca-se o caso de maior repercussão, qual seja, o da empresária C. C. E., tendo em vista que, anteriormente à operação, a proprietária já havia descumprido embargos municipais e estaduais, demolindo 05 (cinco) casas em um terreno pertencente à antiga Fábrica Santa Amélia, na Rua Cândido Ribeiro, xx.

Após as inspeções técnicas realizadas pelo IPHAN nos imóveis tombados, constatando-se a destruição dos mesmos, a Superintendência da Polícia Federal no Maranhão foi comunicada do fato, tramitando o inquérito policial. Em pesquisa realizada neste órgão, a única informação que foi obtida, através da Comunicação Social, foi que o inquérito teria sido enviado ao Ministério Público Federal após a operação para oferecimento da denúncia, não havendo documento algum na Polícia Federal que justifique a existência da mesma.

Com base em notícias jornalísticas e na cópia do auto de prisão em flagrante, relativos à conduta da empresária C. C. E, a Procuradoria da República no Estado do Maranhão instaurou o Procedimento Administrativo – PA nº 1.19.000.000820/2008-30. No curso desse procedimento, o IPHAN mencionou outros imóveis tombados pela União que estavam sendo utilizados, indevidamente, como estacionamentos. Instaurou-se inquérito civil público, com o desígnio de apurar os danos causados ao patrimônio cultural decorrentes da utilização indevida dos imóveis tombados no centro histórico de São Luís (ANEXO A, p. 70).

Durante a operação, a proprietária foi presa em flagrante no momento em que destruía azulejos, demolia as casas e alterava a fachada do imóvel. Nesse caso, os órgãos puderam constatar a lesão e embargar o imóvel, enquadrando-se o caso no artigo 17 do Decreto-Lei nº 25/37, que estabelece que as coisas tombadas não podem - em hipótese alguma - serem destruídas, demolidas ou mutiladas.

O IPHAN, inicialmente, propôs ação civil pública - nº 2009.37.00.001014-5 em face da empresária, tendo em vista que os imóveis degradados compunham a ambiência de um imóvel de grande valor histórico, tombado isoladamente pelo Governo Federal, através do processo nº 1.144-T-85, inscrito no livro histórico, Vol. 1, nas folhas 86, inscrito sob o nº 513, em 12 de julho de 1987 (ANEXO C).

A partir desse procedimento, o MPF, por sua vez, propôs no ano de 2010 quatro ações civis públicas em face dos seguintes proprietários:

1. Estado do Maranhão, responsável pelo estacionamento situado à Rua da Palma nº XX, esquina com a Rua 14 de Julho – Embargo Extrajudicial n° 002/2008;

2. G. C. de A., proprietário; e Luis Xavier Caetano de Aquino, responsável pelo estacionamento situado à Rua da Palma n° XX, quadra X – Embargo Extrajudicial nº 003/2008 – Processo nº 001247-1.2010-4.01.3700;

3. J. E. P. A., proprietário do imóvel situado à Rua da Palma nº XX, quadra XX – Embargo Extrajudicial nº 004/2008;

4. F. S. B., o proprietário; e o Estacionamento Colonial, pessoa jurídica, situado à Rua da Paz nº XX, XX e parte do XX, quadra XX – Embargo Extrajudicial nº 005/2008.

Conforme pesquisa na Justiça Federal (ANEXO D), a ação em face de C. C. E foi proposta em 19/02/2009, tramitando perante a 8ª Vara Federal, e sua última movimentação foi em 10/01/2012, encontrando-se os autos do processo no gabinete do Magistrado, conclusos para despacho.

No que tange ao proprietário G. C. de A (Processo nº 2010.37.00.002048-9), o mesmo confirmou a destinação do imóvel para a atividade de estacionamento, mas alegou que as modificações feitas no imóvel foram antes da aquisição da propriedade. Ademais, o IPHAN foi intimado para elaborar um laudo circunstanciado sobre a situação atual do bem, mas ainda não o apresentou.

A respeito da ação proposta em face de F. S. B., a decisão foi no sentido de determinar ao réu que se abstenha de utilizar a área interna do imóvel como estacionamento ou outra destinação incompatível com sua natureza, bem como de demolir o mesmo, ainda que de forma parcial, sob pena do pagamento de multa diária, fixada no valor de R$1.000,00 (mil reais).

Ocorre que o MPF manifestou-se a respeito do descumprimento da tutela antecipada por parte do réu, conforme Informação Técnica do IPHAN, constatando-se, portanto, que o imóvel continuava sendo indevidamente utilizado como estacionamento. Em agosto de 2011 foi solicitado ao Superintendente da Polícia Federal do Maranhão a adoção de providências visando disponibilizar força policial para o cumprimento do mandado de interdição do estacionamento colonial, porém o processo continua parado.

Sobre o processo em face de J. E. P. de A., consta nos autos que o requerido faleceu, e a contestação foi apresentada pelo filho do mesmo, substituto no processo, não havendo qualquer movimentação de 2011 até agora.

Posteriormente às pesquisas feitas nos Ministério Público Estadual e Federal, no Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e na Justiça Federal, pode-se concluir que existe dificuldade no acesso ao procedimento administrativo referente à operação patrimônio.

A partir da ata da 360ª reunião ordinária do MPF que ocorreu este ano (ANEXO E) constatou-se que foi homologado o arquivamento dos autos do Procedimento Administrativo. Ocorre que, após diversas tentativas de verificar tal documento, o mesmo órgão não disponibilizou as fls. 338/342, referentes à promoção de arquivamento.

Após entrevista com o Promotor F. B., o mesmo alega ter conhecimento de apenas dois casos cujas situações foram revertidas. Um dos imóveis está localizado na Rua 07 de Setembro, nº xx, sendo atualmente a Pousada das Águias, notando-se, portanto, a transformação para a garantia da função social da propriedade. Outro imóvel era um estacionamento da Funerária Pax União, mas este já foi desativado.

Assevera, ademais, que o principal problema inerente à operação é a lentidão dos processos, bem como os diferentes graus de autonomia de cada órgão envolvido e a atuação diversa dos mesmos, vez que com a demora no âmbito jurídico os casarões degradam-se pelo próprio tempo, não aguardando as decisões judiciais.

A possível solução proposta pelo membro do parquet para o problema dos estacionamentos seria, primeiramente, a regularização, por parte do Município, de determinados imóveis que foram alterados há anos, antes mesmo do tombamento, para que sejam utilizados como estacionamentos, tendo em vista a irreversibilidade de restauração dos mesmos.

Em segundo plano, a utilização de transportes públicos seria uma alternativa. Mas, ao considerar a ineficiência do transporte público de São Luís, essa solução não seria eficaz, uma vez que não abarcaria todas as pessoas que trabalham e vivem no centro histórico. Por fim, o rodízio de carros no centro seria uma opção viável, mas seria necessário um plano urbanístico satisfatório em conjunto à essa solução.

Em entrevista, a Procuradora do IPHAN, Laura Rita Mendes Miranda, faz críticas à operação patrimônio, afirmando que não havia embasamento jurídico para que a mesma fosse feita, uma vez que não houve prova concreta de que os carros dentro dos imóveis foram os causadores da degradação dos mesmos, mas somente especulações.

A entrevistada questionou a concretude do tombamento anterior à degradação do imóvel, pois os órgãos que atuaram na operação não tinham indícios de que o imóvel foi degradado anterior ou posteriormente ao tombamento. Assim, ao analisar o aspecto de lesão patrimonial, deve-se ter uma referência para questionar tal lesão, ou seja, imprescindíveis seriam os inventários dos imóveis notificados que comprovassem a efetiva lesão dos mesmos após o tombamento, porque caso tenha sido antes, não haveria necessidade de embargar os estacionamentos.

Outrossim, elencou as possíveis soluções para enfrentar a questão da falta de estacionamentos no centro histórico. Como primeiro ponto, aduz que deve haver uma educação cultural e patrimonial da sociedade, que não conserva o próprio meio em que vive. Em seguida, alega que já está sendo elaborado um estudo urbanístico, de mobilidade urbana, por parte do Município e com colaboração do IPHAN.

A última solução apresentada foi a elaboração de um projeto do centro histórico como um todo, e não de bens isolados, no intento de tutelar toda a questão sanitária, energética, de moradia e de lazer, visando à garantia da proteção do meio ambiente cultural.

Após as averiguações feitas nos diversos órgãos, percebe-se que mesmo com a instauração dos inquéritos e das ações, não houve recuperação dos bens, pois além da degradação gerada, a maior parte dos imóveis abrangidos pela operação continuam sendo utilizados como estacionamentos ou estão sem alguma outra utilidade, não se iniciando reformas por parte dos proprietários na tentativa de reverter tal situação.

Imperioso destacar, portanto, que a imposição por parte do poder público em face dos proprietários de bens imóveis não é suficiente para a proteção do Conjunto Arquitetônico, levando-se em conta que a propriedade deve cumprir um papel importante, qual seja, a garantia de sua função socioambiental. Assim, para que haja uma efetiva mudança na situação do centro histórico da cidade é necessária uma atuação conjunta, envolvendo os órgãos competentes e a sociedade.

No relatório de informação técnica do IPHAN, constam algumas sugestões para a atuação de cada órgão na tutela do patrimônio cultural:

IPHAN: integrar grupo de trabalho e assessorar tecnicamente os trabalhos, consultores e especialistas; fornecer informações referentes à área; confirmar a área tombada em nível federal para que abranja a mesma área tombada pela UNESCO; Município de São Luís: compor o grupo de trabalho; elaborar e encaminhar à Câmara Municipal o projeto de lei baseado nos resultados do trabalho; Câmara Municipal: acompanhar o grupo de trabalho; Ministério das Cidades: compor o grupo de trabalho, disponibilizar técnicos e consultores ligados ao Programa de Reabilitação das Áreas Urbanas Antigas, além de recursos financeiros; DPHAP: integrar grupo de trabalho e assessorar tecnicamente os trabalhos, consultores e especialistas, fornecendo informações referente à área. O acompanhamento poderá ser feito pelo MPF e pelo MPE (ANEXO A, p. 79-80).

Ademais, conforme aduziu a Superintendente Kátia Bogéa, deve haver a formalização de um termo de ajuste de conduta solucionando tal situação, ou seja, necessária a elaboração de um plano de mobilidade viária para o centro histórico de São Luís, no intuito de facilitar o fluxo de carros, sem prejudicar os casarões, conservando-os de forma ampla.

Com efeito, evidencia-se que a maioria dos prédios notificados e embargados pela operação patrimônio continuam sendo utilizados indevidamente. Partindo-se dessa premissa, o mero fechamento dos estacionamentos não garante a conservação dos imóveis tampouco o cumprimento da função socioambiental da propriedade, isso porque os mesmos devem passar por um processo de recuperação, contando com a atuação das instituições federais, estaduais e municipais, bem como da sociedade.

A respeito da possível recuperação dos imóveis destruídos, Kátia Bogéa afirma a impossibilidade do retorno dos imóveis ao status quo ante, sendo possível apenas uma reforma na fachada para a melhoria do conjunto. Ressalta, ainda, que a destruição dos casarões acarreta em crime contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, capitulado na Lei nº 9605 de 1998, prevendo penas de reclusão ou detenção e multa, o que acaba intimidando os proprietários, ainda que timidamente.

Em torno dessa questão, percebe-se que a conservação dos imóveis do centro histórico depende puramente do uso que é destinado a eles, uma vez que não havendo uso adequado e compatível ao bem, ocorre sua deterioração e destruição. Assim sendo, o uso deve ser harmonizado às características estruturais do bem, respeitando seu valor histórico e cultural, de modo a conferir função social à propriedade. Neste sentido, a circulação de veículos no centro histórico deve ser regulamentada, uma vez que as ruas foram traçadas no século XVII e por isso não houve planejamento para o uso de automóveis.

Além da preservação do conjunto arquitetônico deve-se observar as necessidades da população no que tange aos estacionamentos, de modo a agregar tanto o aspecto social quanto o ambiental. Destaca-se a possibilidade de utilização de imóveis, que não mais podem ser recuperados, para tal finalidade, bem como o rodízio de carros, através da criação de um planejamento urbanístico eficaz para a cidade.

Apesar dessas possibilidades é inviável a recuperação do centro histórico sem a existência de um projeto completo do mesmo que abarque questões como moradia, educação, saúde e lazer, englobando, portanto, a tutela do meio ambiente como um todo.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Natália Lago. Tombamento e função socioambiental da propriedade: Um estudo jurídico a partir da Operação Patrimônio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5040, 19 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56941. Acesso em: 28 mar. 2024.

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