A defesa na ação de busca e apreensão

26/06/2017 às 17:28
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O artigo demonstra como funciona uma ação de busca e apreensão e as formas de defesa para esse tipo de ação.

Regulada pelo Decreto-lei 911/1969[1] em que o credor detém a propriedade resolúvel e a posse indireta do bem móvel alienado, o devedor terá a posse direta com as responsabilidades e encargos que lhe competem no ato do financiamento.

O devevor utilizará do bem móvel enquanto estiver em dia com o contrato de financiamento, sendo quitado poderá, em seguida, transferir-lhe a propriedade, caso venha a ficar inadimplente, o Banco credor poderá executar a garantia e vendê-lo a terceiro (independente de leilão, hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo disposição expressa em contrário prevista em contrato[2]) e o resultado da venda servirá para quitar o débito com o credor, caso consiga apurar um valor maior do que sua dívida, o que sobrar dessa venda deverá ser entregue ao devevor e, se, por ventura, esse bem for vendido por um valor menor do que a dívida existente, ficará o devevor responsável pelo saldo remanescente.

Para que o credor possa propor a ação de busca e apreensão exige-se que ele comprove a mora do devedor, que decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e deve ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento (notificação extrajudicial), não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário.[3] Pode ainda o credor utilizar do protesto do título para constituir a mora do devedor.

Poderá considerar o vencimento antecipado das parcelas em razão do inadimplemento ocasionado pelo devevor e não há um prazo limite para o ajuizamento da ação, basta que fique inadimplente com uma parcela a ação de busca e apreensão já poderá ser ajuizada.

E, para que o credor possa ter seu crédito reparado, poderá requerer liminarmente a busca e apreensão, podendo até utilizar o plantão judiciário para apreciação do pedido da liminar[4], ou seja, essa decisão pode ser proferida em menos de 24 horas. Ocorrendo a apreensão, o devevor (deverá entregar o bem e seus respectivos documentos[5]) terá cinco dias para pagamento do saldo devedor do contrato para purgar a mora. Deve-se verificar o entendimento do juízo em relação às parcelas vencidas e vincendas (integralidade do débito[6]), pois há entendimento que determina apenas o pagamento das parcelas vencidas (mais benéfica ao consumidor) e outros que entendem que o contrato deve ser pago integralmente (mais benéfico ao banco), considerando a cláusula estipulada em contrato de vencimento antecipado.

E, se não acontecer o pagamento, o credor consolidará a propriedade e a posse plena do bem, sendo expedido pelo órgão competente o certificado de registro, já livre do ônus da propriedade fiduciária[7]. Se o devevor pagar o débito no prazo estipulado, restituirá para si o bem também livre de ônus.

Cabe ainda ao devedor fiduciante, apresentar sua defesa, em 15 dias, através de contestação, a contar da data da apreensão do veículo, mesmo que tenha feito pagamento para purgar a mora do contrato, caso entenda que houve algum equívoco na cobrança do débito pelo credor. Após todo procedimento da ação de busca e apreensão, se o juiz determinar na sentença que a ação foi improcedente, poderá o credor ser condenado ao pagamento de multa em favor do devedor de 50% do valor do contrato, devidamente corrigido[8] ,caso o bem já tenha sido vendido, inclusive, poderá ser condenado por perdas e danos.[9]

Agora vamos adentrar nas possibilidades de defesa nesse tipo de ação, porém, precisamos entender que existem formas de financiamento para veículos novos ou usados, o C.D.C (Crédito Direto ao Consumidor) em que o devevor escolhe o banco em que financiará, e, por isso, é possível a negociação das taxas praticadas no contrato. Existe o Leasing que é uma espécie de aluguel ao devevor, e, ao final do contrato, tem a opção de ficar com o bem; caso ocorra a devolução do veículo (seja por entrega amigável ou por busca e apreensão), o devevor pode requerer a devolução do VRG (Valor Residual Garantido), porém, nessa modalidade, não acontecerá a devolução em dobro, e existe, ainda, o Consórcio em que o devevor estará em um grupo de cotistas. Nesta modalidade acontecem reuniões mensais em que o veículo pode sair por sorteio ou por lance (quem oferece maior lance), o valor das prestações sofre alterações em razões da avaliação do veículo e é possível conseguir taxas melhores para negociação, porém, existe a taxa de administração do grupo, que é paga por todos os cotistas, e a taxa varia de uma empresa para outra.

A defesa pode ser feita pela contestação (já mencionada), demonstrando a existência de cláusulas contratuais abusivas ou por revisional (com pedido de liminar de manutenção de posse). Neste caso, deve-se fazer uma análise detalhada das condições do contrato para verificar se houve ilegalidade cometida pelo banco, como a cobrança taxas ilegais (tais como serviços de terceiros, tarifa de registro de contrato, taxa de avaliação, taxa de emissão de boleto bancário, taxa de abertura de crédito (TAC), taxa de análise de Crédito, tarifas de cessão, transferência de obrigações, notificação extrajudicial etc.), sendo responsabilidade dos bancos suportar tais taxas, pois faz parte do risco do negócio, o que não pode ser repassado ao Consumidor. Caso ocorra a cobrança dessas taxas, é possível o pedido de devolução em dobro.

A existência de cobrança de comissão de permanência só é ilegal quando cobrada junto a outros encargos de mora, ou seja, o banco pode cobrar desde que não ultrapasse o total dos encargos contratuais e de mora. E, nesse sentido, já se manifestou o STJ através da súmula 472, vejamos:

 “Súmula 472 STJ – A cobrança de comissão de permanência – cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato – exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual. ”. [10]

Outra questão é a verificação de juros, a cobrança não pode ser de valor superior ao praticado no mercado (conforme índices levantados pelo Banco Central – Súmula 296 - STJ) e não é possível a cobrança de juros sobre juros (juros compostos), pois a Súmula 121 do STF veda a prática.

“Súmula 296 STJ – Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. ”[11]

“Súmula 121 STF – É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada. “[12]

Referida súmula poderá ser usada em conjunto com o art. 39, inciso V do Código de defesa do Consumidor, combinada com o art. 51 também do CDC, em que diz:

“Art. 39 CDC – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...)

V – Exigir do Consumidor vantagem manifestadamente excessiva; ”[13]

“Art. 51 CDC – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...)

VI – Estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ”[14]               

Controversa a matéria que trata dos juros na prática forense, porque outro entendimento já foi estabelecido pelo Supremo Tribunal de Justiça na súmula 541;

“Súmula 541 STJ – A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada. ”[15]  

 A análise a ser feita é que, se o contrato foi assinado depois de 31 de março de 2000, o banco pode praticar a cobrança de capitalização mensal, desde que prevista em contrato.

“Súmula 539 STJ – É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/03/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada. ”[16]      

Após os cálculos do contrato, sendo verificada divergência com o estipulado em contrato, o ideal é fazer uma consignação em pagamento (depositar em juízo) em que o devevor vai depositar o valor incontroverso calculado com juros simples, demonstrando a boa-fé nessa relação.  Se houver disparidade entre o estipulado em contrato com o valor pago é possível requerer a repetição de indébito, que é justamente a devolução em dobro do que foi cobrado indevidamente, acrescidos de juros e correção monetária, amparado pelo art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.

“Art. 42 – Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único – O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. ”[17]            

A multa cobrada em caso de inadimplência nas relações de consumo, anteriormente era praticada no percentual de 10% e atualmente não pode ultrapassar o percentual de 2%, conforme prevê o art. 52, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.

“Art. 52 CDC – No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

§1º - As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação; ”[18]

Outra situação é a possibilidade de incluir no pedido Danos Materiais e Morais em razão dos danos sofridos, essa conduta procura impossibilitar que o credor continue praticando ato ilícito utilizando a teoria do desestímulo, que funciona de forma pedagógica para a parte que causou o dano, considerando a capacidade econômica, com um valor razoável de condenação. Como fundamento para reparação em danos materiais e morais temos o art. 6º do CDC, em conjunto com o art. 186 do Código Civil e com o art. 927 do Código, que demonstra a responsabilidade Civil do causador do dano.

“Art. 6º CDC – São direitos básicos do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; ”[19]

“Art. 186 CC – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito; ”[20]

“Art. 927 CC – Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo; ”[21]

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A própria Constituição Federal prevê a reparação dos danos causados no art. 5°, incisos V e X, combinados com a súmula 37 do STJ:

“Art. 5 CF – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material ou à imagem;

(...)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou material decorrente da sua violação; ”[22]

“Súmula 37 STJ – São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.[23]

É importante que o devevor continue com o pagamento do contrato, utilizando o depósito judicial (através de pedido liminar) para demonstrar a boa-fé, buscando pagar um valor justo, lícito e aceitável diante do credor bancário. Para isso, o contrato deve ser claro, trazendo informações precisas do que está sendo cobrado.


Notas

[1] Dec. 911/1969 – Estabelece normas de processo sobre alienação fiduciária ;

[2] Art. 2 Decreto-Lei 911/1969;

[3] Art. 2 §2º Decreto-lei 911/1969, alterado pela Lei 13.043/2014;

[4] Art. 3 Decreto-Lei 911/1969;

[5] Art. 3 §14º Decreto Lei 911/1969;

[6] Art. 56 § 2º da Lei 10.931 de 2004 que alterou o Decreto 911 de 1969;

[7] Alterado pela Lei 10.931/2004;

[8] Art. 3 §6º do Decreto Lei 911/1969;

[9] Art. 3 §7º do Decreto Lei 911/1969;

[10] http://www.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp - acessado em 12/06/2017 - 11:07h;

[11] http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=296&&b=SUMU&thesaurus=JURIDICO&p=true – acessado em 20/06/2017 – 22:29h;

[12] http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumarioSumulas.asp?sumula=2000 – acessado em 19/06/2017 – 23:29h;

[13] Art. 39 inciso V do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/1990;

[14] Art. 51 inciso VI do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/1990;

[15] Súmula 541 http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=541&&b=SUMU&thesaurus=JURIDICO&p=true – acessado em 20/06/2017 – 21:24h;

[16] Súmula 539 STJ - http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?livre=539&&b=SUMU&thesaurus=JURIDICO&p=true – acessado em 20/06/2017 – 22:44h;

[17] Art. 42 paragrafo único do Cóigo de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/1990;

[18] Art. 52 do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078 de 1990;

[19] Art. 6º do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078 de 1990;

[20] Art. 186 do Código Civil – Lei 10.406 de 2002;

[21] Art. 927 do Código Civil – Lei 10.406 de 2002;

[22] Art. 5 incisos V e X da Constituição Federal de 1988;

[23] Súmula 37 STJ - http://www.stj.jus.br/docs_internet/VerbetesSTJ_asc.pdf - acessado em 20/06/2017 - 19:07h;

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