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Psicologia jurídica na resolução de conflitos

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4 Interdisciplinaridade: a influência da Psicologia na resolução de conflitos

A Psicologia se relaciona intimamente com o ser humano em seu aspecto mais íntimo: “De acordo com o conceito fornecido pela American Psychological Association, a psicologia é a ciência que tem por objeto o estudo das funções mentais e do comportamento” (LORDELO, 2017, p.67). Na discussão dos métodos de resolução de conflitos, ela ajuda a compreender a verdadeira intenção das partes com o processo, muitas vezes saindo da ceara jurídica e abarcando interesses derivados das relações sociais.

É sabido que o homem é um ser social que necessita da convivência com seus similares. A análise de casos isolados mostra que crescer afastado do contato humano defasa o desenvolvimento. Na maior parte das vezes, o comportamento nessas condições se aproxima muito mais de um animal irracional que vive na natureza do que de uma pessoa capaz de socializar. A partir disso, o contato com o mundo social bem consolidado é responsável por um choque no qual não ocorre a adaptação efetiva, sendo uma questão de tempo a ocorrência da morte desses seres.

A comunicação é o meio pelo qual há a interação social, bem como tem a incumbência de manter as engrenagens sociais em funcionamento através da constante evolução da linguagem (ROSEMBERG, 2006). Dessa forma, compreender o conflito está intimamente ligado em compreender o ser humano em primeiro lugar.

É exigido do profissional da ciência jurídica saber lidar adequadamente com pessoas a todo o momento, trabalhando no direcionamento e auxílio à resolução dos conflitos de forma eficaz. Por isso, os conciliadores, e, sobretudo, mediadores e juízes devem atentar para a forma com a qual a comunicação das partes se desenrola, instigando a resolução do conflito de modo autocompositivo e livre de violência (LORDELO, 2017). Visto que o ato de judicializar um conflito pode encobrir interesses mais profundos, é dever do operador do direito buscar desvendar a verdadeira intenção das partes.

A sociedade não é autoexplicativa, sendo corroborada de interesses particulares de cada componente dela. Então, com o conflito sendo desdobramento inevitável do convívio social de seres distintos, é preciso a compreensão para depois atingir a solução. (LORDELO, 2017)

Não obstante, outras ciências humanas e sociais aplicadas são importantes aliadas no mundo jurídico para compreensão da sociedade em sua totalidade, como a Antropologia, Filosofia, História, Sociologia. Em contrapartida, a psicologia trata do ser social individualmente, observando questões particulares, inclusive o próprio subconsciente.

Diante de toda a interdisciplinaridade reiterada com o passar do tempo, ocorreu o surgimento da psicologia jurídica. Essa ciência é voltada justamente para o estudo comportamental relevante nos processos extrajudiciais e judiciais. Igualmente, essa disciplina influi em todos os métodos, ultrapassando a conciliação e mediação do CPC/2015 e a jurisdição propriamente dita. “No campo da psicologia, por seu turno, em especial no campo da psicanálise, os conflitos sociais consistem na exteriorização de conflitos internos, que se originam no inconsciente da mente humana (um conflito entre o id e o ego).” (LORDELO, 2017, p.79).

As condutas humanas implicam na construção de verdades judiciais, derivadas da interpretação individual e não de uma premissa absoluta. Porquanto os conflitos são definidos pela divergência entre dois polos, cada um deles tem para si o que é considerado verdade, ou seja, é uma verdade maculada pelo psicológico de cada pessoa. Devido a isso, não é recomendado se ater aos fatos tal como ocorrerem, já que existem duas verdades variando conforme o ponto de vista. Por isso, é apropriado que as decisões sejam fruto da justiça do caso concreto.

Justamente por isso, é importante a capacitação dos magistrados, com participação em cursos, palestras e grupos com o objetivo de compartilhar experiências e aprender o papel da psicologia na atividade jurisdicional. Igualmente, é importante que os respectivos tribunais ofertem aos seus magistrados serviços de psicologia, com a participação de profissionais capacitados, para que possam ser conhecidos e compreendidos os conflitos intrapsíquicos, apartando-os dos conflitos processuais. (LORDELO, 2017, p.88)

A psicologia é instrumento de peso na solução da lide sociológica. As questões subjetivas são identificadas pelo comportamento das partes e o modo pelo qual se comunicam durante o processo. A influência não se resume apenas às partes contrárias, englobando também as testemunhas. Nesse contexto, o questionário direcionado no momento das sessões de formas alternativas de resolução de conflitos é elaborado com a ajuda de profissionais psicólogos no intuito de descobrir o que realmente se passa na mente do entrevistado. Assim sendo, nenhuma pergunta é desinteressada ou fútil, posto que a finalidade principal é pacificar o conflito – muitas vezes mascarado – e todos os esforços pendem para a assimilação da vontade fidedigna.

 


5 Técnicas adotadas pela Psicologia para resolução de conflitos no Judiciário

Na busca pela resolução dos litígios, o mediador perito em psicologia ou o conciliador poderão valer se de diversas técnicas desenvolvidas pela psicologia. Essas, que são típicas da Psicanálise, terão a função de facilitar a comunicação entre as partes, bem como gerar o entendimento ao terceiro imparcial que conduz a sessão acerca das questões subjetivas que obscurecem e dificultam a resolução da lide tanto processual quanto sociológica.  (BACELLAR, 2016).

É possível destacar algumas dessas numerosas táticas. A primeira, bastante desenvolvida por Freud (1912), é a transferência, caracterizada por ser um episódio psicanalítico através do qual o paciente traduz com cristalinidade um lapso essencial da sua trajetória de vida, isto é, ele apresenta de forma representativa os fatos, não apenas contando. Ainda, sob essa técnica é construído o pilar quase total de fundamentação da relação de confiabilidade entre o interlocutor e as partes.

Um segundo método, também frisado por Freud em sua obra “Recomendações aos médicos que exercem Psicanálise”, é a atenção flutuante, que pode ser interpretada como a habilidade de escutar tudo o que as partes falam, mas sem prestar atenção em nada de forma seletiva ou dedicada:

A técnica, contudo, é muito simples. Como se verá, ela rejeita o emprego de qualquer expediente especial (mesmo de tomar notas). Consiste simplesmente em não dirigir o reparo para algo específico e em manter a mesma ‘atenção uniformemente suspensa’ (como a denominei) em face de tudo o que se escuta. Desta maneira, poupamos de esforço violento nossa atenção, a qual, de qualquer modo, não poderia ser mantida por várias horas diariamente, e evitamos um perigo que é inseparável do exercício da atenção deliberada. (FREUD, 1912, p. 67-68)

Seguindo com as estratégias, a percepção das sensações é extremamente útil na interpretação da linguagem não verbal transmitida pelas partes durante o diálogo nas sessões, seja de conciliação, mediação ou de instrução e julgamento. Situação esta que pode ser constatada por meio da análise do timbre de voz, da expressão facial, das atitudes e até mesmo do direcionamento da visão. O profissional que esteja encarregado de conduzir ou somente viabilizar o diálogo também deve estar preparado para canalizar a agressividade, transformando-a em comunicação não violenta e diálogo. Tal tática é comumente conhecida por gerenciamento da agressividade. (BARBIERI, 2012).

Em soma, é necessário tratar da utilização de perguntas acolhedoras e empáticas, abordagem pouco interessante de ser usada na mediação devido à interferência, pela qual o conciliador poderá incentivar determinado direcionamento ou acordo.

Por fim, ainda de acordo com Barbieri (2012), a análise e síntese, são técnicas complementares. A primeira indica uma compreensão extensa do conflito e do que está acontecendo, cabendo ao interlocutor traçar os limites entre o que está no plano físico e o que é psicológico, se inteirar das circunstâncias fontes do litígio e reconhecer as prováveis consequências. Enquanto a síntese, cuja função é preencher a análise, tem como tarefa estruturar as informações obtidas em uma linha de raciocínio eficiente.

 


6 Conclusão

A justiça brasileira caminha em direção ao fim da cultura do litígio, tendo seu alicerce nas outras formas de resolução de conflitos previstas nos dispositivos legais. Nessa conjuntura, as técnicas oriundas do estudo psíquico são empregadas no cotidiano da prestação jurisdicional como forma de contribuir para a resolução dos conflitos.

A Psicologia auxilia a interpretação dos diálogos travados entre as partes, influindo diretamente no desfecho da situação conflituosa. O concatenação de ideias que envolve cada caso concreto levado à apreciação do Poder Judiciário deve ser compreendida integralmente para chegar à finalidade de pacificação social visada. Diante disso, há perfeita harmonia da Psicologia com o Direito, uma vez que o objeto para o qual se volta o estudo daquela é justamente o comportamento humano, sendo este incisivo no momento de proceder à solução das contendas sociais.

O processo deve findar em conformidade com a satisfação das partes, ao mesmo tempo em que não deve subverter a vontade consolidada na intenção individual, extinguindo o conflito processual e sociologicamente. Portanto, o acesso à justiça e efetiva pacificação social encontram assistência decisiva nas outras disciplinas que versam acerca da sociedade, em especial a Psicologia.

Superando a jurisdição como única forma de resolução de conflitos, é dever do Estado criar condições para o desenvolvimento dos outros métodos, realçados no CPC/2015 pela conciliação e mediação. Dessarte, a interdisciplinaridade da psicologia jurídica já é praticada e precisa ser cada vez mais incentivada para alcançar o objetivo teleológico de justiça explicitado na pacificação social, tratando o ser humano em vista da realidade em que está adequado, simultaneamente à eficácia da solução da situação conflituosa.

 


7 Referências

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             . Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm. Acessado em 09 de dezembro de 2017 às 15h24min.

 

 

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LEGAL PSYCHOLOGY IN THE RESOLUTION OF CONFLICTS

 

Abstract: This article aims at a practical relationship between Law and Psychology. Specifically, it intends to analyze the meaning of social litigation in the reality of the Judiciary as consensual forms of conflict resolution, as well as the importance of communication in the media and the conciliation and the effect of consolidated interdisciplinarity between law and psychology, culminating in the application of techniques developed for the science of psychology as a basis for full justice. For the development of the study, the methods were deductive, monographic and bibliographic methods. In this context, it was possible to verify a relevance of the teachings of psychology in the resolution of conflicts, since they facilitate an understanding of subjective issues of the parties, contributing to the effective resolution of the dispute, since it closes the conflict in the judicial scope and in the daily life of the parties . In this way, juridical psychology is consolidated in the Judiciary as an incentive to expeditious jurisdictional provision, influencing conciliation, mediation and jurisdiction.

 

Keywords: conflict. Psychology. Society. Pacification.

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Sobre os autores
Cynara Silde Mesquita Veloso

Professora da Unimontes. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Doutora pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas)

Mariana Domingos Lacerda

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Tem experiência na área de Direito. Atualmente conciliadora no Juizado Especial de Montes Claros (MG).

Ingred Tahiane Queiroz Souza

Acadêmica do curso de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) e do curso de Ciências Contábeis na Universidade Paulista (Unip).

Maria Luiza Alves Silveira

Acadêmica do curso de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).

Fernando Augusto Vieira Campos

Acadêmico do curso de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VELOSO, Cynara Silde Mesquita ; LACERDA, Mariana Domingos et al. Psicologia jurídica na resolução de conflitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5351, 24 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64346. Acesso em: 24 abr. 2024.

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