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A evolução dos grupos especiais da Polícia Civil do Estado de São Paulo

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01/11/2019 às 11:07
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O artigo faz uma revisão histórica dos grupos especiais da Polícia Civil de São Paulo, desde os anos cinquenta até os dias de hoje.

1. ANTECEDENTES

No Estado de São Paulo, até o final da década de sessenta, o policiamento de rua (o chamado radiopatrulhamento), era supervisionado pela Polícia Civil, através da 6ª Divisão Policial. Com a edição do Decreto-Lei Federal n° 667, de 2 de julho de 1969, o policiamento ostensivo passou a ser exclusivamente executado pelas recém-criadas polícias militares, remanescendo, à Policia Civil paulista, as chamadas rondas especializadas.

Até então não tínhamos grupos especiais na Polícia, mas sim algumas equipes autônomas com a função de emprestar apoio as viaturas de rádio-patrulha, principalmente nas situações que escapassem do controle dos patrulheiros, os quais, por certo, eram preparados apenas para o atendimento de ocorrências convencionais.

Assim sendo, seria deveras injusto falarmos sobre os atuais grupamentos especializados da Polícia Civil sem mencionarmos um pouco da história daquelas lendárias equipes que, sob a égide de siglas já esquecidas pelo tempo, serviram de base para a concepção das atuais unidades de elite da nossa Instituição. Destarte, mesclando o passado com o presente, façamos então um resumo sobre a importante e pouco conhecida história dessas unidades, até para que os seus atuais integrantes saibam um pouco sobre a tradição delas.


2. O INÍCIO: “RONE – RONDA NOTURNA ESPECIAL”

Em 1956, as autoridades policiais paulistas notaram um acentuado recrudescimento dos crimes patrimoniais, cuja ocorrência, por certo, estava sendo creditada a presença de elementos ociosos na via pública. Achou-se por bem, então, criar-se uma equipe diferenciada, composta por duas guarnições formadas por investigadores oriundos das diversas Divisões da Polícia Civil, sem prejuízo das suas respectivas lotações originais. Desse modo, para atuar em conjunto com as viaturas de rádio-patrulha, foi concebida a RONE – Serviço de Ronda Noturna Especial, considerada a primeira equipe especializada da Polícia Civil de São Paulo. Assim, nos dizeres de Benedito Nunes Dias, foi ela estruturada “para atendimento rápido de ocorrências que escapassem da rotina ou ameaçassem gerar conflitos”[1].

A RONE foi oficialmente normatizada em 19 de setembro de 1956, por força da Portaria n° 91, de 17 de setembro do mesmo ano, durante a gestão do Secretário da Segurança Pública, Dr. Carlos Eugênio Fonseca, tendo o Delegado, Dr. Paulo Pestana, à frente da 6ª Divisão Policial. Dentre as suas atribuições lhe impendiam à prevenção e repressão dos crimes de furto qualificado e de roubo; das infrações previstas nos artigos 19, 24 e 25 da Lei das Contravenções Penais e de qualquer caso de flagrante, bem como a vigilância especial de locais e elementos suspeitos.

Sua ação preventiva, pela Capital e pelos municípios circunvizinhos, se estendia entre o período das 22:00 às 6:00 horas, sendo que as ocorrências de vulto verificadas durante esse interregno eram repassadas as equipes da RONE, através do Controle Geral de Policiamento.


3. A “RUPA – RONDAS UNIFICADAS DA PRIMEIRA AUXILIAR”

A RONE, inicialmente, era subordinada a 6ª Divisão da Polícia Civil[2], a qual, por sua vez, superintendia o serviço de rádio-patrulha. Verificada a eficiência desse tipo de atividade, a extinta 1ª Divisão Policial, em 1967, criou a RUPA – Rondas Unificadas da Primeira Auxiliar, o qual passou a operar em locais e horas incertas, na área da Capital  e dos municípios vizinhos, incluindo-se aí a zona hoje titulada pelo DEMACRO – Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo.


4. A “RONE – RONDA ESPECIAL DO DEGRAN”

Em 1969, a Delegacia Auxiliar da 1ª Divisão Policial foi extinta, passando a denominar-se Departamento Regional de Polícia da Grande São Paulo – DEGRAN[3]. A velha RONE, com a descentralização que vinha se operando na Polícia de São Paulo, havia sido desfigurada. Assim sendo, estando Delegado Dr. Mário Perez Fernandes à frente do novo DEGRAN, tratou o mesmo de adequar a RUPA à atual realidade administrativa que se instalara e, através da Portaria n° 1.359/69, fez alterar sua denominação para Ronda Especial do DEGRAN, reativando a famosa e respeitada sigla “RONE”.

Reconhecendo que o pessoal da RONE deveria deter especial preparo, a Secretaria da Segurança Pública, em 17 de fevereiro de 1972, baixou a Resolução SSP-12, a qual, em caráter intensivo, instituiu um estágio direcionado ao treinamento dos componentes daquela equipe, em técnicas de armamento e tiro, abordagens etc.

Em 2 de janeiro de 1973, o saudoso diretor do DEGRAN, o Delegado Celso Telles, fez vigorar a Portaria n° 1/73, que passou a detalhar a nova rotina de trabalho que se impunha a RONE, a qual, doravante, operaria de forma diuturna, com quarenta viaturas distribuídas em duas turmas. As equipes eram guarnecidas por dois investigadores (um encarregado e um auxiliar) e o respectivo motorista (hoje, agente policial).


5. A “RUDI – RONDAS UNIFICADAS DO DEPARTAMENTO DE INVESTIGAÇÕES”

Tendo em vista o excelente trabalho desenvolvido pela RONE, o antigo Departamento de Investigações da Polícia Civil (a 4ª Divisão Policial), tratou de conceber uma equipe galgada nos mesmos moldes daquele serviço, então ligado a 6ª Auxiliar. Assim, por Portaria do 4º Delegado Auxiliar, foi criada, na década de cinquenta, a RUDI – Rondas Unificadas do Departamento de Investigações, a qual, doravante, recaiu o exercício da vigilância ininterrupta, diurna e noturna, sobre indivíduos e locais suspeitos na Capital e nos municípios circunvizinhos.

Era ela formada por investigadores de polícia – cedidos pelas Delegacias Especializadas do DI – e chefiada por um Delegado Supervisor. Suas equipes trabalhavam em viaturas ligadas ao Controle Central da Diretoria de Policiamento da Rádio-Patrulha, interligando-se com as equipes operacionais da RONE. A energia dos policiais da RUDI para com os infratores era corrente na crônica policial e, no submundo do crime, ela passou a ser conhecida pelo sugestivo nome de “Tempestade”. Assim, juntamente com os policiais da Delegacia de Roubos do DI, a RUDI fez frente aos piores criminosos daquele período, não se tendo notícia, até hoje, de outra equipe tão respeitada quanto ela.

Em 1967 o Departamento de Investigações foi totalmente reestruturado e, em seu lugar, foi instituído o DEIC – Departamento Estadual de Investigações Criminais. A RUDI, então, acabou dissolvida. Dois anos depois a prática veio a demonstrar que ela fazia falta no policiamento da Capital. Assim, conquanto houvessem sido criadas algumas rondas especializadas no DEIC (como a RUDEIC), o seu respectivo diretor, Delegado de Polícia, Dr. Mario Perez Fernandes, decidiu reorganizar as famosas “Ronda Unificadas”, motivo pelo qual, em março de 1969, estando o jurista Hely Lopes Meirelles a frente da Pasta da Segurança, foi ela novamente reativada.

Nestes termos, durante a cerimônia que marcou a volta das Rondas Unificadas às ruas da Capital, houve uma solenidade no Palácio da Polícia, onde foram demonstrados alguns dos equipamentos dispostos a nova RUDI, incluindo-se carabinas winchester, rifles e cápsulas de gás lacrimogêneo, o que dava a ela um caráter de equipe especializada, dotada de armas e itens não não utilizados pelas guarnições comuns, as quais, em sendo o caso, deveriam acionar a RUDI para o devido apoio. A supervisão da RUDI, durante esse período, foi entregue ao Delegado de Polícia, Dr. Rodolfo Carvalho Coelho, e os primeiro pilotos foram os Delegados de Polícia, Dr. Hélio Tavares, Dr. Sérgio Fernando Paranhos Fleury e Dr. Eduardo Celidonio.


6. A “PATRULHA BANCÁRIA” DO DEIC

No final da década de sessenta, alguns grupos de criminosos deram início a execução de uma nova prática delituosa, o assalto a banco. O ano era 1968 e o professor Hely Lopes Meirelles, Secretário da Segurança de então, criou uma comissão para avaliar a concepção de uma Polícia Bancária. Conquanto a Força Pública já houvesse estruturado um grupo de militares para policiar alguns pontos mais visados pelos assaltantes, a Polícia Civil, então chefiada pelo Delegado Geral, Dr. René Mota, criou a Patrulha Bancária, destinada a fazer frente aquele tipo de infração. E foi assim que, na manhã do dia 6 de novembro de 1968, investigadores do DEIC, equipados com carabinas whincester .44, submetralhadoras e carabinas URKO-22, saíram as ruas da Capital para reprimir a ação daqueles delinquentes.

A implacável ação do tempo veio a modificar a ação da Patrulha Bancária e, durante os anos seguintes, as suas funções foram absorvidas pela 5ª Delegacia da Divisão de Patrimônio.

Em 20 de março de 2007, foi criado, junto a 5ª Delegacia da Divisão de Investigações de Crimes Sobre o Patrimônio deste DEIC, o SORB – Setor Operacional da Delegacia de Roubo a Bancos, composto por 5 (cinco) equipes distintas, supervisionadas por um Delegado de Polícia, nos mesmos moldes da antiga Patrulha Bancária. Incumbia à referida equipe efetuar o policiamento preventivo especializado direcionado a prevenção e a imediata repressão dos crimes de roubo, sempre que a vítima for agência bancária, estabelecimento de crédito ou empresa transportadora de valores.


7. O “GARRA – GRUPO ARMADO DE REPRESSÃO A ROUBOS E ASSALTOS”

No início da segunda metade da década de setenta[4], a recém-criada Polícia Militar[5], há cinco anos, já titulava com exclusividade o serviço de rádio-patrulha na Capital.

Com o intuito de aperfeiçoar o policiamento, veio a lume, em 8 de outubro de 1976, a Nota de Serviço CIOP n° 06/76, a qual, no âmbito do DEIC, criou o famoso Grupo Armado de Repressão a Roubos de Assaltos – GARRA. Tal unidade, inicialmente concebida para substituir as equipes volantes da RUDI, teve como primeiro supervisor o Delegado Alberto Angerami. Suas valorosas equipes saíram as ruas pela primeira vez no dia 15 de outubro de 1976, ocupando viaturas Chevrolet veraneio, ornamentadas com as cores preta e branca.

Em sua esgotadíssima obra “Polícia e Espírito de Corpo”, o ex-Delegado Geral, Dr. Maurício Henrique Guimarães Pereira, ao comentar alguns dísticos das Unidades da Polícia Civil, assim se referiu ao recém criado Grupo Armado:

“Não há redundância na menção de roubo e assalto, porque o primeiro é previsto no Código Penal e o último, na Lei de Segurança Nacional. As duas infrações são aqui mencionadas porque, apesar da primeira, quando de autoria desconhecida, ser de atribuição do Departamento Estadual de Investigações Criminais e a última, do Departamento Estadual de Ordem Política e Social, todos os órgãos estão obrigados a apoio recíproco.

Esse grupo foi ideado pelo Centro de Planejamento e Controle de Polícia Especializada e seu emblema esboçado por Arlindo Ferraz, Operador de Telecomunicações, e executado pelo escritório técnico de João Carlos Della Mana, sendo ambos aprovados pela Coordenadoria dos Centros, em reunião de 9 de agosto de 1976.

O emblema em referência consta de: um círculo de goles; sobre este, uma águia alada em voo, sustentando nas garras um par de algemas; na parte superior do círculo, a sigla “DEIC” e, na inferior, a do grupo – “ GARRA”.

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A águia foi escolhida porque representa a altivez, inteligência, imponência, rapidez e eficiência, que os requisitos dessa unidade policial, a par de, semelhantemente, ser a Polícia da própria natureza, por manter-lhe o equilíbrio ecológico, eliminando animais nocivos”.

No ano de 1985, foi criada no DEIC a DEO – Divisão Especial de Operações[6] e o GARRA passou a compor a 1ª Delegacia daquela especializada. Sua função, dentre outras, era de executar operações de prevenção ao delito de sequestro. Em 1986, com a extinção da DEO, o GARRA foi transferido para os quadros da Divisão de Investigações Sobre Crimes Contra o Patrimônio. Em 1991 foram criados diversos órgãos de execução na Polícia Civil[7] e, na estrutura das Delegacias Seccionais do Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo, ouve expressa menção sobre a existência de equipes do GARRA em suas frentes. Alguns anos antes, algumas Delegacias de Investigações Gerais das velhas regionais dos DEINTERs já haviam substituído suas unidades de ronda por equipes do GARRA, isso após um período de treinamento capitaneado por policiais veteranos do DEIC.

Ciente de que os policiais civis do GARRA deveria possuir especial preparo para a árdua tarefa de reprimir os assaltantes nas ruas da Capital, o então Delegado Supervisor, Dr. Mitsuyuki Taniguchi, criou, ainda em 1986, o Centro de Adestramento Especializado, voltado para a formação física dos seus integrantes, principalmente na área de defesa pessoal.

Posteriormente as atribuições do GARRA passaram a ser descritas na Portaria DGP-22, de 18 de outubro de 1995, a saber: “O Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos – GARRA, tem por atribuições: I – o atendimento imediato dos locais de crime de roubo, bem como a perseguição, cerco e prisão dos seus autores; II – o auxílio operacional e apoio tático às outras unidades do DEPATI (hoje DEIC) e da Polícia Civil e; III – o cumprimento de outras missões que lhe forem cometidas pelas autoridades superiores da Secretaria da Segurança Pública”.

Em 8 de janeiro de 2007 o GARRA foi reestruturado pela Portaria DEIC n° 5 e, em 22 de maio de 2013, foi editado o Decreto n° 59.219, o qual criou a Divisão de Operações Especiais – DOE no DEIC, oportunidade em que o GARRA, agora como “Grupo Armado de Repressão a Roubos”, passou a fazer parte da sua estrutura.

Com a entrada em vigor do Decreto Estadual nº 64.359, de 2 de agosto de 2019, a unidade passou a compor a Divisão de Operações Especiais do Departamento de Operações Policiais Estratégicas. 

6. O "CERCO – CORPO ESPECIAL DE REPRESSÃO AO CRIME ORGANIZADO"

Em 1986, força do Decreto n° 24.765, de 18 de fevereiro, foi criado, nas Delegacias Seccionais de Polícia das Delegacias Regionais de Polícia da Capital e da Periferia, o Corpo Especial de Repressão ao Crime Organizado (CERCO), composto de um Setor de Furtos e Roubos; um Setor de Entorpecentes e um Setor de Investigações Gerais. O CERCO, em suas respectivas áreas de atuação, tinha as seguintes atribuições básicas: por meio do Setor de Furtos e Roubos, proceder a investigações sobre crimes contra o patrimônio, de autoria desconhecida, especialmente de quadrilhas; por meio do Setor de Entorpecentes, apurar os crimes que envolvam o tráfico e produção de entorpecentes e por meio do Setor de Investigações Gerais, apurar a autoria de outras infrações penais que se caracterizem como de ação organizada, sendo que as atividades de Polícia Judiciária decorrentes da ação das unidades de que trata este artigo serão formalizadas pelos Distritos Policiais ou Delegacias de Polícia do Município da área onde ocorrer o fato. O aludido Corpo foi extinto em 9 de março de 1989, em razão do Decreto n° 29.730.

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Sobre o autor
Marcelo de Lima Lessa

Formado em Direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos (1994). Delegado de Polícia no Estado de São Paulo (1996), professor concursado de “Gerenciamento de Crises” da Academia de Polícia “Dr. Coriolano Nogueira Cobra”. Ex-Escrivão de Polícia. Articulista nas áreas jurídica e de segurança pública. Graduado em "Criminal Intelligence" pelo corpo de instrução do Miami Dade Police Department, em "High Risk Police Patrol", pela Tactical Explosive Entry School, em "Controle e Resolução de Conflitos e Situações de Crise com Reféns" pelo Ministério da Justiça, em "Gerenciamento de Crises e Negociação de Reféns" pelo grupo de respostas a incidentes críticos do FBI - Federal Bureau of Investigation e em "Gerenciamento de Crises", "Uso Diferenciado da Força", "Técnicas e Tecnologias Não Letais de Atuação Policial" e "Aspectos Jurídicos da Abordagem Policial", pela Secretaria Nacional de Segurança Pública. Atuou no Grupo de Operações Especiais - GOE, no Grupo Especial de Resgate - GER e no Grupo Armado de Repressão a Roubos - GARRA, todos da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Marcelo Lima. A evolução dos grupos especiais da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5966, 1 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65082. Acesso em: 28 mar. 2024.

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