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Prerrogativas e poderes sindicais. Relação jurídica interna.

Proteção do trabalhador sindicalizado na empresa e controle contra discriminação anti-sindicais

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02/05/2005 às 00:00
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No exercício de suas prerrogativas, o sindicato conta necessariamente com o apoio legislativo estatal e a eficácia jurisdicional, e que lhe concedem inúmeros instrumentos de defesa em face de mecanismos que objetivem minar as suas atribuições.

1. APRESENTAÇÃO.

"No veio, o trabalho dos britadores tinha recomeçado. Muitas vezes eles apressavam o almoço para não perderem o calor do corpo; e seus sanduíches, comidos numa voracidade muda e naquela profundidade, transformava-se em chumbo no estômago. Deitados de lado, golpeavam mais forte, com a idéia fixa de completar um número elevado de vagonetes. Tudo desaparecia nessa fúria de ganho tão duramente disputado, nem mesmo assim sentiam mais a água que escorria e lhes inchava os membros, as cãibras resultantes das posições forçadas, as trevas sufocantes onde eles descoravam como plantas encerradas em adega." [1]

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"De repente, ouviu-se um grito: -Pão! Pão! Pão! Era meio-dia, a fome de seis semanas de greve despertava nos estômagos vazios, aguilhoada por essa marcha em campo aberto...; e os estômagos gritavam, e esse sofrimento vinha a aumentar a raiva contra os traidores. - Às minas! Nada de trabalho! Pão!". [2]

A história se passa no começo do século XIX, em Montsou, França. Milhares de maltrapilhos e famintos trabalhadores das minas de carvão, uma atividade quase que suicida; se a morte não chegasse, fulminante pelo desabamento ou explosão das precárias cavernas cavadas com as picaretas e mãos nuas, certamente viria de tifo ou dezenas de outras doenças decorrentes da insalubridade, da fome e da miséria. Em contraponto, os donos das minas, elegantes e ricos senhores com as suas casacas e cartolas, reduziam o soldo dos mineiros. Neste cenário surge Etienne Lantier, jovem operário que seduz os demais colegas e lidera uma greve de trágicas circunstâncias. Trata-se do clássico "Germinal", escrito em 1885, por Émile Zola. [3]

No livro, o personagem cria um fundo de greve, convence os demais colegas a aderirem ao movimento, organiza piquetes, institui comissão de trabalhadores e negocia com os patrões, objetivando o aumento do soldo pago pelo carvão extraído das minas, bem como a melhoria das condições de trabalho. Não havia propriamente um sindicato organizado, mas um movimento espontâneo dos mineiros e que teve como estopim os baixos salários, as péssimas condições de trabalho, a absoluta falta de perspectivas e as desigualdades sociais.

A ficção criada por Zola certamente foi convertida em realidade por milhares de vezes ao longo dos últimos três séculos.

Qualquer trabalho que pretenda decifrar as questões pertinentes ao estudo de Direito Coletivo do Trabalho demanda uma análise muito mais histórico-sociológica do que eminentemente de teoria ou filosofia do direito.

Isto porque a formatação do atual também denominado Direito Sindical surge dos movimentos e anseios coletivos no decorrer dos anos que sucederam à industrialização e modernização da economia. Portanto, foram dimensionados a partir das entranhas e das necessidades das classes operárias confrontadas com os interesses das classes empresariais.

Neste cenário nada se criou como uma mera tentativa de regulamentação organizada, mas tomou forma a partir das pressões sociais, advindas de necessidades quase que fisiológicas dos agentes envolvidos em disputas e controvérsias coletivas de ordem trabalhista.

Tanto é verdadeira esta pretensiosa argumentação inicial, que os movimentos organizados de trabalhadores que surgiram no início do século retrasado, para os olhos da sociedade da época, eram ilegais e subversivos, tais quais os demais crimes então tipificados.

Muito bem observou Amauri Mascaro Nascimento ao dizer que "a coalizão de trabalhadores, por muito tempo, foi considerada um movimento criminoso, quase que uma conspiração" [4]. Mas as pressões sociais e que eventualmente caminhassem contra as regras impostas, passaram necessariamente pela fase do proibido, do tolerado e finalmente do permitido.

O mesmo doutrinador ainda observa que "é por este motivo que os juristas devem estar atentos aos fenômenos que ocorrem na vida social, dos quais a norma é um pedaço, mais precisamente, a tradução enunciativa do dever-ser social" [5].

Afinal, não é errado afirmar que as controvérsias existentes entre os pólos das relações de trabalho apresentam uma importante desigualdade; de um lado, o empregador, geralmente circundado pelo poder potestativo de gerenciar o seu negócio e dotado de recursos financeiros substanciais e, de outro lado, o empregado, dependente e hipossuficiente. O direito de organização e os instrumentos de pressão surgem como uma forma de equilibrar a relação social e, por conseqüência, permitir a solução das controvérsias surgidas no âmbito das relações de trabalho.

A compreensão da importância em dar vazão às necessidades sociais de coalizão, associação e sindicalização, traduz a gênese da liberação e controle do Direito Coletivo do Trabalho e, neste cenário, a criação de regras que permitam o pleno exercício da liberdade de associação e sindicalização, cláusulas pétreas do Direito do Trabalho, inseridas no contexto constitucional brasileiro, como forma de revestir o direito da sua merecida importância nos cenários social, político e econômico universal.

Ressalvadas estas diretrizes, as prerrogativas e poderes sindicais, o estabelecimento das relações jurídicas internas, a proteção do trabalhador sindicalizado na empresa e o controle contra a discriminação anti-sindical surgem como instrumentos para a garantia ao pleno exercício das prerrogativas constitucionais de liberdade de associação e sindicalização.

Ao final do trabalho, será possível verificar que atualmente é o próprio Estado, lastreado por um sofisticado ordenamento jurídico, que ampara o direito de organizar e liderar um grupo de trabalhadores.

Pena que não o fosse para o fictício Etienne Lantier, de Émile Zola, e todos os demais nem tão fictícios do passado em face dos quais pretendo homenagear com esta monografia.


2. FUNÇÕES E PRERROGATIVAS SINDICAIS.

"Ao sindicato devem ser garantidos os meios para o desenvolvimento da sua ação destinada a atingir os fins para os quais foi constituído. De nada adiantaria a lei garantir a existência de sindicatos e negar os meios para os quais as suas funções pudessem ser cumpridas." [6]. Com estas palavras, Amauri Mascaro Nascimento traduz com simplicidade a necessidade de delimitar de forma criteriosa quais as funções e prerrogativas outorgadas às entidades sindicais, bem como estabelecer os dispositivos legais que garantam a efetivação de suas finalidades.

2.1 – Alicerce legal.

O governo populista de Getúlio Vargas, ao editar a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei 5.452/43), incorporando as legislações pré-existentes (Decreto-lei 1.402, de 1939, sobre organização sindical. O Decreto-lei 2.381, de 1940, sobre enquadramento sindical, e o Decreto-lei 2.377, também de 1940, sobre contribuição sindical), ressaltou as funções e prerrogativas sindicais em seus arts. 513/514, obviamente, na época, como um instrumento de seu próprio modelo de governo, ressaltando a prerrogativa estatal de controle e admissão da criação de entidades sindicais a negar a plena autonomia e liberdade sindical, dado o compulsório vínculo ao endosso estatal.

No final dos governos militares surgiu um movimento, político e sindical, de reação contra as intervenções e restrições à liberdade sindical, imposta pelo regime político vigente. Neste diapasão surgem as Centrais Sindicais, organizações legalmente fictas, acima do sistema confederativo fixado pela legislação ainda em vigor, até o momento não acatadas pelo contexto legal do Direito Sindical.

A Constituição de 1988 também surge como um instrumento libertador do modelo anacrônico instituído antes mesmo de 1943, modernizando, ao menos parcialmente, o sistema sindical nacional, ao vedar a interferência estatal na organização e gerenciamento das entidades sindicais (inciso "I", art. 8º). Manteve-se, contudo, a unicidade sindical, o sindicato por categoria e o imposto sindical, na opinião de muitos, resquícios do corporativismo e intervencionismo do Estado Novo.

Citando Arion Sayão Romita, há que ressaltar que "quanto aos objetivos, o movimento sindical não pode deixar de perseguir a sua verdadeira finalidade, sua primordial razão de ser: a defesa dos interesses dos Trabalhadores. Esse objetivo não se subordina a qualquer outro, De nossa parte, acrescentaríamos: não só a defesa, mas também a promoção dos interesses. O objetivo não se esgota numa posição defensiva, mas deve apresentar também uma visão positiva, ativa." [7]

2.2 – Funções.

Na opinião de Amauri Mascaro Nascimento, ao sindicato devem ser garantidos os meios para o desenvolvimento da sua ação destinada a atingir os fins para os quais foi constituído. "De nada adiantaria a lei garantir a existência de sindicatos e negar os meios para que as suas funções pudessem ser cumpridas" [8].

Não bastaria, portanto, admitir a sua organização e gestão independentes, haveria, sobretudo, de imputar-lhes o monopólio de determinadas funções e atividades que só aos sindicatos são facultadas, portanto, verdadeiras prerrogativas funcionais que a nenhuma outra entidade seria permitido.

A própria Constituição Federal de 1988 garantiu, nos incisos I e III, do artigo 8º, a liberdade sindical combinada com a proibição de que o sindicato sofra com a interferência estatal. Conferiu, outrossim, à entidade sindical, a incumbência única de representar e falar em nome da categoria econômica ou profissional.

Revestidas do dever/poder funcional de atuar em favor da categoria, ressalvadas as limitações territoriais impostas pela lei, coube às entidades sindicais se posicionarem de forma independente e firme diante dos interesses dos representados.

Aos adversos, nenhuma outra alternativa senão submeter-se à representação compulsória das entidades sindicais, forçando as negociações e a pacificação dos conflitos oriundos das relações de trabalho.

Ao contrário de críticas preconceituosas e descabidas e que só revelam o imenso desconhecimento da filosofia do instituto, a outorga de prerrogativas funcionais exclusivamente aos sindicatos acaba mesmo por facilitar a organização das relações trabalhistas, sociais, políticas e econômicas, posto que deixar as relações conflituosas a cargo das próprias partes, sem um ente a homogeneizar os interesses e idéias, seria anarquizar os conflitos a ponto de impedir a sua pacificação.

A doutrina diverge quanto à indicação de quais seriam as funções sindicais. Amauri Mascaro Nascimento assevera que, ao sindicato, são reservadas as funções de representação, a negocial, a assistencial, a parafiscal e a política [9]. Octavio Bueno Magano dispõe a função de representação como "poder"; poder de representação, regulamentar, tributário, assistencial e ético [10].

Mauricio Godinho Delgado, em recente obra, igualou funções e prerrogativas sindicais, elencando a função de representação, esta subdividida em privada, administrativa, pública e judicial; função negocial, função assistencial, admitindo, ainda, as funções políticas e econômicas [11].

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2.2.1 – Função de Representação.

A principal função (e prerrogativa) dos sindicatos é a de representação, no sentido amplo, de suas bases trabalhistas. "O sindicato organiza-se para falar e agir em nome de sua categoria; para defender seus interesses no plano da relação de trabalho e, até mesmo, em plano social mais largo" [12].

Acolhendo a interessante subdivisão proposta por Maurício Godinho Delgado, a função representativa, lato sensu, abrangeria inúmeras dimensões. A privada, em que o sindicato coloca-se em diálogo ou confronto com os empregadores, em vista dos interesses coletivos da categoria. A administrativa, pela qual o sindicato busca relacionar-se com o Estado, visando a solução de problemas trabalhistas em sua área de atuação. A pública, em que ele tenta dialogar com a sociedade civil, na procura de suporte para as suas ações e teses laborativas. A judicial, em que atua o sindicato também na defesa dos interesses da categoria ou de seus filiados. Esta se faz pelos meios processuais existentes, ou pela atuação direta em favor dos membros da categoria, ainda que não associados, como sujeito coletivo próprio, tal como se passa nos dissídios coletivos e casos de substituição processual (art. 8º, III, CF/88), ou mesmo por mandato em favor dos trabalhadores (ações individuais ou plúrimas).

O inciso III, do art. 8º, da Constituição Federal, faculta ao sindicato representar os direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria em questões judiciais e administrativas, sob o manto da substituição processual, sendo que o Supremo Tribunal Federal vem emprestando ao referido dispositivo ampla aplicabilidade sob o entendimento de que ele não carece de regulamentação infraconstitucional [13].

A substituição processual, inovação trazida pela Carta Magna de 1988, é objeto de raivosos debates na doutrina. Relevante transcrever o sempre pertinente posicionamento de Arion Sayão Romita, citado por Cláudio Rodrigues Morales, ao dizer que "não vem ao caso indagar, em conseqüência, se o sindicato está autorizado por lei para agir. Autorizado está ele, sempre, e não mediante previsão específica, em cada caso. E independentemente de outorga de poderes por parte dos interessados (não ‘substituídos’), associados ou não, já que no direito brasileiro (ao contrário do que ocorre em outros ordenamentos jurídicos) o sindicato é portador do interesse da categoria e não apenas de seus associados" [14].

Amauri Mascaro Nascimento desdobra a função de representação em dois grupos: o coletivo e o individual. Diz que no plano coletivo, o sindicato representa grupos, nas suas relações com os outros órgãos e grupos sendo essa a sua natural atribuição. Assim, quer perante o estado, quer perante os empregadores ou outros órgãos, cabe ao sindicato atuar como intérprete das pretensões do grupo à frente do qual se põe e cujas reivindicações e posições encaminhará. Não só no nível coletivo, mas, também, no individual, o sindicato cumpre funções representativas, com maiores ou menores limitações: participando de processos judiciais, pratica atos homologatórios de rescisões contratuais, etc. [15]

2.2.2 - Função Negocial.

A função negocial decorre da necessidade dos entes em conflito propugnarem o diálogo com os empregadores e/ou sindicatos empresariais, ou vice-versa, com vistas à celebração dos diplomas negociais coletivos, até como prerrogativa exclusiva das entidades sindicais no sistema jurídico brasileiro (art. 8º, VI, CF/88).

No entendimento de Montoya Melgar, citado por Amauri Mascaro Nascimento, "a função negocial é a principal. Opina, outrossim, que talvez isso ocorra porque a negociação prevaleça nos sistemas nacionais em que a lei ocupa espaço menor e se valoriza a autonomia coletiva para a instauração de vínculos jurídicos" [16].

A própria Convenção nº 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) incentiva a atuação negocial dos sindicatos, "como instrumento de paz social e de grande utilidade técnica jurídica que permite às próprias partes de uma disputa trabalhista a escolha das normas a serem observadas para a composição dos seus conflitos" [17].

O art. 611 combinado com a alínea "b", do art. 513, ambos da Consolidação das Leis do Trabalho, dispõem, ainda, que os acordos e convenções coletivas de trabalho, desde que formalizados por sindicatos, são imediatamente aplicáveis como verdadeiras fontes de direito positivo.

A negociação coletiva se apresenta como alternativa ao direito do trabalho estatal, criando uma oportunidade para que as partes envolvidas: empregados e empregadores diminuam os conflitos existentes e ao mesmo tempo encontrem uma solução para o capital e o trabalho.

A Constituição Federal de 1988 lançou as "sementes da modernidade" no campo do Direito do Trabalho brasileiro, afastando a asfixiante tutela do Estado e abrindo largas margens ao entendimento direto entre empregados e empregadores, antes confinados em um campo estreito, tamanha a rigidez e a amplitude de normas de ordem pública que delimitavam todos os passos no campo negocial.

Certo, portanto, nada obstante as retrógradas e oportunistas resistências, que o entendimento direto entre empregados e empregadores, para que possam adotar as normas de convivência que assegurem a paz social, com grande poder de adaptação às peculiaridades de cada época, atendem melhor aos interesses das partes e de cada conjuntura.

A negociação coletiva, portanto, tem sido considerado o melhor sistema para solucionar os problemas que, freqüentemente, surgem entre o capital e o trabalho, não apenas para fixar salários e estabelecer condições laborais, mas, também, para regular todas os aspectos que envolvam questões entre empregador e empregado, ou mesmo os seus entes de representação.

2.2.3 – Função Assistencial.

A função assistencial, que se consiste na prestação de serviços a seus associados ou, de modo extensivo, em alguns casos, a todos os membros da categoria. Trata-se, ilustrativamente, de serviços educacionais, médicos, jurídicos e diversos outros. A disposição do art. 514 da CLT impõe os mencionados serviços como deveres das instituições sindicais, sendo que a referência legal mencionada não foi recepcionada pela CF de 1988, pois não se tratam os mencionados serviços propriamente em funções, mas meras prerrogativas sindicais. Ainda, dentro da função assistencial, encontramos a própria assistência "administrativa" nas homologações das rescisões contratuais.

Para Amauri Mascaro Nascimento, são atribuições impróprias, que desviam o sindicato do seu papel principal e que devem ser exercidas pelo Estado.

Respeitado o posicionamento quase que majoritário da doutrina e que se alia ao tratado no parágrafo anterior, ouso acreditar que a função assistencial mencionada equivocadamente pela legislação, pode até ser inútil e inconveniente, mas a função não é de todo atacável. A entidade sindical, enquanto associação profissional ou de categoria tende a reunir pessoas com interesses comuns, nem sempre voltados exclusivamente à belicosa relação com os seus empregadores ou vice-versa. Neste contexto, tendo esta natureza aglutinadora, é perfeitamente compreensível que ofereça um plano de assistência médica, odontológica ou seguro de vida em grupo e que disponibilize uma colônia de férias aos seus associados para que relaxem depois de um período de estafante trabalho. É certo que estes benefícios quando oferecidos coletivamente tendem a minorar os seus preços, pois outorgam grande poder de negociação ao grupo. Comumente os grandes sindicatos oferecem estes tipos de serviços aos seus associados, podendo ainda incrementa-los com outros tão úteis aos seus membros.

Não acreditamos que em vista da atuação criativa do sindicato e o incremento de seus "serviços", a entidade vá subverter as demais funções de defesa e de representação dos interesses da classe.

É certo que em um regime de unicidade sindical, sindicato por categoria e contribuição compulsória, cujo aliciamento (no bom sentido) de associados é absolutamente desnecessário, algumas entidades se vejam absolutamente desobrigadas de inovar e oferecer benefícios aos seus membros. As grandes entidades, por sua vez, talvez sentindo a maré de reforma sindical em curso, em face da qual os grandes doutrinadores rogam pelo fim dos últimos ranços de intervencionismo estatal, procurem o rompimento de paradigmas anacrônicos e ofereçam verdadeiros benefícios aos seus filiados, como por exemplo, as cooperativas de crédito, cooperativas de consumo, convênios médicos, odontológicos e jurídicos, convênios diversos para obtenção de descontos, farmácias próprias, serviços de recolocação profissional, treinamentos e cursos diversos (requalificação profissional) e até fundos de previdência privada.

O argumento de que o sindicato não poderia assumir o papel do Estado é impertinente, pois o Estado há muito tempo não vem exercendo as funções assistenciais, sendo de inequívoca utilidade a atuação da entidade sindical nas questões mencionadas.

2.2.4 – Função Política e Função Econômica.

Além das mencionadas três funções, mais reconhecidas pelo Direito Coletivo, é possível elencar outras duas, a função política e a função econômica, no entanto, mais controvertidas na doutrina, sob a justificativa de que estariam expressamente vedadas pelo texto legal construído nos períodos de autoritarismo no Brasil (o art. 564, da CLT, que proíbe a atividade econômica e, a seu lado, os arts. 511 e 521, também da CLT, que vedam as atividades políticas).

Não há duvida, no entanto, que os referidos dispositivos seguramente não foram recepcionados pela Carta Constitucional em vigor, pois afrontam de forma contundente os princípios de liberdade e autonomia sindical assegurados pela Constituição Federal.

A função econômica, portanto, decorre da própria auto-suficiência da instituição sindical prover e administrar o seu caixa ou demandar a respeito do incremento de seu patrimônio, instituindo e impondo as contribuições genéricas aos participantes da categoria, nos exatos termos da alínea "e", do artigo 513, da CLT.

No tocante à função política dos sindicatos, é relevante ponderar que apesar de pouco recomendável a vinculação das instituições a partidos políticos ou adotar ideologias político-partidárias, mormente pelo desgaste que isso poderia implicar, não se confunde com a idéia de proibição normativa de exercício eventual de ações políticas que possam impactar diretamente sobre os interesses da categoria.

2.3 – Prerrogativas Sindicais.

Os princípios da liberdade associativa e da autonomia sindical determinam a franca prerrogativa de criação, estruturação e desenvolvimento das entidades sindicais, para que se tornem efetivos sujeitos de Direito Coletivo do Trabalho.

É sabido que a gênese do movimento sindical tem a inegável origem na ilicitude, dada a evidente afronta aos interesses da classe dominante dos meios de produção e serviços. Com a legalização da representação dos trabalhadores, o sistema legal tendeu a estabelecer determinadas prerrogativas às entidades de classe, visando garantir o livre exercício das funções mencionadas nos itens anteriores.

No sistema legal nacional, uma das principais prerrogativas sindicais é a GARANTIA PROVISÓRIA DE EMPREGO outorgada ao dirigente da instituição sindical, e que trata da vedação à dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura até um ano após o término do mandado (ou imediatamente no caso de insucesso eleitoral) (art, 8º, VIII, CF/88). Trata-se, portanto, de uma garantia de clara índole coletiva, limitada, no entanto, ao eventual cometimento de falta grave do dirigente sindical [18].

Diz Arion Sayão Romita que "a expressão ‘garantia de emprego’ ostenta diferentes significados. É expressão genérica, de que estabilidade no emprego constitui apenas uma das espécies. A garantia de emprego representa aplicação prática do princípio de direito ao trabalho, proclamado pela Constituição Federal (art. 6º), cujo valor social, particularmente com a política de emprego, envolvendo noções de economia, demografia, etc. Compreende técnicas e medidas destinadas a proporcionar o primeiro emprego, manutenção do conseguido, recolocação após a perda do anterior, etc." [19]

Opina Amauri Mascaro Nascimento que é bastante justa a estabilidade sindical, pois os representantes da categoria formulam pleitos para a solução de questões muitas vezes contrárias aos interesses dos empregadores, tanto de natureza individual como coletivas, pleitos que podem transformar-se, conforme o caso, em disputas, na maior parte solucionadas de modo consensual, em outras gerando conflitos. Menciona, outrossim, que em virtude da efetivação destas funções, o dirigente sindical expõe-se às retaliações que, se não protegido pela lei, poderiam colocar em risco o próprio exercício da representação sindical [20].

Partindo do contexto coletivo da estabilidade do dirigente sindical, surge a discussão acerca dos limites até os quais o dirigente sindical poderia fazer uso e proveito próprio da estabilidade de emprego. Questiona-se, desta forma, se poderia renunciar à representação, pedir demissão ou negociar o recebimento de valores compensatórios ao período de estabilidade.

Conforme antedito, a estabilidade sindical não privilegia interesses individuais, mas se propõe a garantir o sucesso dos objetivos da própria categoria profissional, não pertencendo, portanto, o mandato, exclusivamente ao dirigente sindical.

"A razão de ser da garantia de emprego está, justamente, na necessidade de viabilizar-se a atuação do dirigente da associação ou do sindicato, afastando, portanto, o risco de o empregador sofrer prejuízos considerada a relação jurídica que o aproxima do tomador dos serviços. Tem por escopo, portanto, evitar que este último, contrariado em interesses, isolados e momentâneos, acabe por intimidar o empregado, impedindo-o, assim, de atuar com desenvoltura no campo das reivindicações. Na verdade, em prol de um bem maior – o da coletividades de trabalhadores – acabou-se por retirar do patrimônio do empregador o direito potestativo de despedir. Assentada esta premissa conclui-se que o direito está ligado à existência de nexo causal sempre a exigir o fato de a atuação sindical fazer-se em benefício dos demais prestadores de serviços existentes na empresa. Nem se diga que o texto constitucional não faz distinção. No caso, não se trata de distinguir onde a lei não distingue, mas simplesmente de considerar o objetivo da própria norma. Para que haja campo propício à articulação em torno da garantia de emprego, indispensável é que, primeiro, o empregado esteja vinculado à entidade que congregue categoria profissional e, segundo, que esta se faça presente, mediante número expressivo de prestadores de serviços, na empresa" [21].

Arnaldo Süssekind trata da questão nos seguintes termos: "Conforme escrevemos, juntamente com Délio Maranhão, em parecer de 11 de junho de 1984, a simples leitura do artigo 543, já transcrito, revela claramente que a norma visa a proteger o trabalhador como empregado, contra atos do seu empregador, que lhe possam impedir ou dificultar o exercício de seus direitos sindicais." [22]

Na opinião de Amauri Mascaro Nascimento, "a titularidade da garantia é dupla, do representante e do grupo representado, de modo que se trata de imunidade conferida a quem vai agir em nome da categoria ou uma coletividade, proteção, portanto, que alcança diretamente a indivíduo e indiretamente a comunidade no interesse da qual atua. Não se trata de titularidade exclusiva e total da categoria, caso em que ficaria comprometida a liberdade individual do representante, inclusive para fazer acordos de rescisão do contrato de trabalho. Não é, também, um direito exclusivo do representante, uma vez que a sua condição como tal o transforma em agente do grupo que representa. O que não é razoável é tolher a liberdade do representante de, diante de justificadas razões, extinguir o contrato de trabalho do qual, e não a coletividade representada, é sujeito, mesmo porque esta pode ser representada por outra pessoa." [23]

Concordamos com o Professor Amauri, na medida em que a função sindical do empregado não poderia relativizar as prerrogativas e direitos oriundos do contrato individual de trabalho, sob pena de ferir o comezinho princípio de igualdade. Se qualquer empregado tem o direito de traçar o seu próprio destino profissional, inclusive pondo termo ao contrato de trabalho, como impedir o exercício deste direito ao dirigente sindical.

Entretanto, até em função da relevância social do exercício de representação coletiva de categoria, cabe impor ao sindicalista uma vigilância de suas condutas. Isto porque o mandato sindical não pode ser negociado em benefício exclusivo da pessoa que o usufrui e em detrimento de toda uma categoria.

Entendemos, portanto, que é perfeitamente possível ao dirigente sindical pedir demissão do emprego ou renunciar ao mandato. Entretanto, acreditamos não ser admissível que este renuncie ao mandato mediante o pagamento de indenização correspondente ao período de estabilidade.

Além da impossibilidade de desligamento unilateral, o dirigente sindical goza de INAMOVIBILIDADE, com respaldo no art. 543 da CLT, garantia pela qual o impede que seja removido para funções incompatíveis com a atuação sindical ou alteração (transferência) da base territorial.

Trata-se igualmente de prerrogativa destinada à proteção da categoria, uma vez que tendo sido eleito para representação daquele determinado grupo de empregados e naquela localidade, a empresa não poderia utilizar o artifício de catapultar o dirigente sindical para um outro local, objetivando enfraquecer a sua influência e limitar a atuação do sindicato.

A legislação ordinária permite, inclusive, a utilização de medidas liminares para a reintegração ao trabalho e/ou anulação de transferência indevida, aplicadas em face de dirigente sindical, com fundamento nos arts. 543, parágrafo 3º, 659, "X", 522 e 543, parágrafo 4º, até como uma forma de garantir o pleno exercício das atividades sindicais e conseqüentemente as suas prerrogativas funcionais.

Uma dúvida que freqüentemente surge na doutrina, dada as conseqüências do mandato sindical, trata da limitação imposta pela legislação quanto ao número máximo de dirigentes sindicais eleitos a gozarem das prerrogativas tratadas nos parágrafos anteriores.

A CLT, no art. 522, dispõe que a administração do sindicato será exercida por uma diretoria constituída, no máximo, de sete e, no mínimo, de três membros, eleitos pela assembléia geral. O art. 1º da Constituição Federal de 1988 veda a interferência e a intervenção do Poder Público na organização sindical. O problema jurídico que surgiu está em saber se fere o princípio constitucional da não-interferência do Estado na organização sindical a lei que limita o número de dirigentes de um sindicato. A Lei Magna faz consignar um princípio de não-interferência, a lei ordinária faz exatamente o contrário. Esta dicotomia implica na habitual controvérsia quanto ao tema, pois afeta inexoravelmente o contrato individual de trabalho mantido com o empregador. As entidades sindicais ultrapassam sem solenidade os números mínimos estabelecidos legislados ordinariamente a as empresas oficiam os sindicatos para que indiquem aqueles que gozarão das prerrogativas legais, a fim de considerar a estabilidade de emprego e garantia de inamovibilidade tão-somente a estes.

A fim de fulminar com a dúvida, a Seção de Dissídios Individuais do Colendo Tribunal Superior do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal já cristalizaram o entendimento de que a Constituição Federal de 1988 recepcionou a redação do art. 522 da Consolidação das Leis do Trabalho, mantendo os limites ali estabelecidos [24].

O fundamento jurisdicional para a chegada ao mencionado convencimento esclareceu que o que deve ser entendido é que a Constituição Federal, que assegura a liberdade sindical, no sentido de que "a lei não poderá exigir autorização do Estado para a formação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao poder público a interferência e intervenção na organização sindical", não tem o condão de permitir à entidade de classe que fixe abusivamente um número excessivo de dirigentes a conceder indiscriminadamente a estabilidade de emprego.

No entendimento de Amauri Mascaro Nascimento, "restringir a sete o número máximo de diretores de uma entidade sindical, independentemente do seu tamanho, natureza ou número de associados, é uniformizar o que por natureza não é uniforme: sindicatos nacionais com estaduais ou municipais, sindicatos de categoriais grandes com os de categorias pequenas, sindicatos por categoria com sindicatos por profissão, enfim, situações díspares. O princípio constitucional da não-interferência do Estado na organização sindical não é restrito ao direito de fundar sindicatos. É dirigido, também, à liberdade de auto-organização interna do sindicato. Se assim não fosse, os fins visados pelo princípio em questão não seriam atingidos quanto o Estado resolvesse dificultar a administração do sindicato do sindicato pela limitação do número de dirigentes, contrariando, assim, o preceito da liberdade sindical. Logo, saber, se um sindicato deve ter sete, dez ou vinte diretores deve ser, no sistema de autonomia sindical, questão interna corporis, a ser resolvida no âmbito do próprio sindicato. No entanto, como os dirigentes sindicais têm estabilidade no emprego, o sindicato teria meios para estabilizar o maior número possível de empregados. Bastaria ter uma diretoria com número elevado de integrantes." [25]

O ilustre jurista entende que a limitação de dirigentes sindicais afronta o princípio constitucional, a despeito da definição da questão imposta pelas decisões superiores mencionadas. Entretanto, disponibiliza uma solução para o problema, ressalvando que lei não poderia limitar o número de dirigentes, todavia, poderia faze-lo com relação ao número de dirigentes estáveis e inamovíveis.

Somos favoráveis ao entendimento manifestado por Amauri Mascaro, pois não tem sentido manter o mesmo número de dirigentes para sindicatos tão diferentes no que tange à categoria e localização, sendo perfeitamente possível que a própria norma coletiva fixe limites concernentes às prerrogativas de seus dirigentes, mediante a via negociada.

No entanto, prevalece o entendimento jurisprudencial de que as limitações impostas pela lei ordinária foram recepcionadas pelo texto constitucional.

Não bastassem as prerrogativas tratadas pela legislação nacional, é relevante citar as GARANTIAS ORIUNDAS DE NORMAS INTERNACIONAIS E FIXADAS PELA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT).

A Convenção 98 [26] e 135 [27] condenam atos que possam prejudicar o trabalhador, por qualquer forma, tendo em vista a sua participação em atividades sindicais.

Portanto, o Brasil é signatário dos referidos diplomas internacionais e que passaram a integram o patrimônio normativo nacional, objetivando a proteção aos princípios de livre exercício da atividade sindical.

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Sobre o autor
Marcelo Ricardo Grünwald

advogado em São Paulo, especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil e mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRÜNWALD, Marcelo Ricardo. Prerrogativas e poderes sindicais. Relação jurídica interna.: Proteção do trabalhador sindicalizado na empresa e controle contra discriminação anti-sindicais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 665, 2 mai. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6664. Acesso em: 28 mar. 2024.

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