Elucidação da decisão proferida no RHC nº 97.876 que deu provimento ao recurso a fim de desconstituir a apreensão do passaporte de devedor, determinando sua devolução, mantendo o não conhecimento do writ em relação a apreensão da CNH.
No dia 05 de junho de 2018 a Quarta Turma do STJ julgou o RHC nº 97.876, sob relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão e, por unanimidade, deram “provimento ao recurso ordinário a fim de desconstituir a medida executiva consistente na apreensão do passaporte do recorrente, determinando sua devolução, mantido o não conhecimento do writ em relação a apreensão da CNH”.
As mídias, de forma geral, publicaram diversas notícias[1] afirmando que o STJ teria autorizado a suspensão da carteira de motorista de devedores. Ocorre que, segundo consta na decisão exarada no RHC nº 97.876, o STJ não autorizou a suspensão da CNH de devedores, o que foi decidido é que o Habeas Corpus não é o meio jurídico para atacar a decisão que suspende a CNH de devedor, ou seja, houve o não conhecimento do recurso por inadequação da via eleita.
Portanto, sequer houve análise de mérito da questão relativa à suspensão da CNH do devedor, pois o STJ entende que “impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza”[2]. Cabe mencionar o voto – ainda sem revisão – do Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento em comento:
“7. Noutro ponto, no que respeita à determinação judicial de suspensão da carteira de habilitação nacional, anoto que a jurisprudência do STJ já se posicionou no sentido de que referida medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir do paciente, portanto, neste ponto o writ não poderia mesmo ser conhecido.
Isso porque, inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo.
De fato, entender essa questão de forma diferente significaria dizer que todos aqueles que não detêm a habilitação para dirigir estariam constrangidos em sua locomoção.
Com efeito, e ao contrário do passaporte, ninguém pode se considerar privado de ir a qualquer lugar por não ser habilitado à condução de veículo ou mesmo por o ser, mas não poder se utilizar dessa habilidade.
É fato que a retenção deste documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza.” (grifos do original)
Conforme se observa do voto, o Ministro não autoriza a suspensão da CNH para devedores, ele apenas não analisa a questão, por entender que o Habeas Corpus não é o meio adequado para a impugnação. Desta forma, o alvoroço levantado pelas mídias apresenta informação incorreta, pois o próprio Ministro relator afirma:
“É fato que a retenção deste documento tem potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem na condução de veículos a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa, todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza.” (grifou-se)
Sendo assim, verifica-se que a decisão, no que concerne à suspensão da CNH do devedor, seguiu a orientação jurisprudencial do STJ, no sentido de que a referida medida não afronta o direito de ir e vir e, portanto, o Habeas Corpus não deveria ser conhecido, pois este existe apenas para garantir o direito de locomoção. Ainda, ao final, o Ministro afirma que a suspensão da CNH em alguns casos poderia causar graves problemas e, nesses casos, a impugnação da suspensão seria correta, mas por outra via, diferente do Habeas Corpus.
Vale ressaltar que não estou concordando com a decisão, apenas tentando exemplificar o que de fato ocorreu no julgamento, pois o resultado desta decisão obteve grande repercussão, mas com afirmações midiáticas que não condizem com o que de fato foi decidido.
[1] Alguns exemplos de notícias veiculadas:
[2] Voto sem revisão: http://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/RHC%2097.876.pdf
Bruce Bruce
Cara Thais, no dia em que a senhora tiver um crédito de valor razoável e verificar a esquiva do executado de todas as formas para não pagar a divida, e a senhora após todas as tentativas possíveis infrutíferas, não encontrar outro meio de receber o seu crédito, aí a senhora volta aqui e comenta novamente informando se realmente é uma medida que criminaliza a divida e se tira a liberdade do devedor.
thais
A carteira de motorista é mais necessária que o passaporte para a locomoção diária das pessoas, a medida coercitiva, tirando a liberdade do devedor, criminaliza a dívida, coloca o devedor em condição assemelhada a de um preso. Suspender a carteira não impede que o devedor tenha um veículo, quer pode ser penhorado, mas sim que ele dirija, que ele alugue um carro, que ele dirija o carro da empresa, que ele leve um parente ao hospital. Isso é manter o direito de ir e vir? O brasil não fornece transporte público de qualidade, durante todos os horários, há pessoas que trabalham até de madrugada, que moram em locais perigosos, já pensaram nisso? A condição do endividado é por si só vexatória, nome sujo reduz as chances de empregabiidade, de locar um imóvel, são penas que oneram o endividado de diversas formas quase invisíveis às autoridades. O Novo código do processo civil chega a permitir penhora de salário e aposentadoria prividada, ameaçando a sobrevivência e o futuro do endividado. Onde foi para o princípio da menor onerosidade, da dignidade humana? Tratando- se de brasil, de uma economia desertada, de um país onde o transporte público nem sempre existe, onde não há segurança pra se locomover, qual a ideia da justiça quando encurrala um cidadão dessa forma? será que conhecem o que se passa na vida das pessoas para chegarem ao endividamento?