Da Inexecução das Obrigações

29/04/2022 às 15:17
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Por: Anna Teresa Abreu Naice

Noções Introdutórias

As obrigações são processos, criadas a partir da autonomia da vontade e extintas com o seu adimplemento. Elas existem para terem uma existência fugaz através do cumprimento fiel daquilo acordado pelas partes. Para que isso ocorra, o direito apresenta vários princípios que regem as obrigações e os contratos que as originam.

O mais importante princípio é o pactas sunt servanda, o princípio da força obrigatória do contrato. Por este princípio as partes ficam obrigadas a cumprir a obrigação da maneira como foi acertada, in natura. Desse modo, o direito obriga tanto o devedor quanto o credor a pagar e receber, respectivamente, a prestação da maneira como foi livremente convencionada. Esse princípio também garante ao direito instrumentos para forçar o adimplemento da obrigação, acarretando responsabilidade por perdas e danos (art.389 CC), bem como garantindo a segurança jurídica.

Ademais, o princípio da boa-fé objetiva estabelece que deve existir um comportamento leal e honesto entre as partes, durante todo o processo da obrigação e mesmo depois de seu cumprimento.

Ao lado deste princípio, o da função social do contrato demonstra que as partes da relação não são as únicas afetadas pela obrigação, ou seja, as consequências dela incidem além das partes envolvidas, devendo estar, portanto, a par com a sociedade que integram. Este princípio relativiza a noção de que o contrato produz efeitos apenas entre as partes da relação obrigacional.

Vale ressaltar que a responsabilidade civil é patrimonial, ou seja, pelo inadimplemento das obrigações respondem os bens do devedor (art. 391 CC), com exceção das dívidas de alimentos.

Decorrente da boa-fé objetiva, o princípio da cooperação, embora não seja explícito na nossa legislação, estabelece que entre as partes deve existir uma condição de cooperação e lealdade. O credor tem direito ao pagamento do mesmo modo que o devedor não deve, dentro do possível, ser onerado excessivamente. Porém, por esse mesmo princípio, esse devedor tem a incumbência de cumprir a obrigação do modo como foi convencionada.

Outro princípio que deve ser destacado é o da autonomia da vontade, o qual estabelece que os negócios jurídicos devem ser feitos livremente pelas partes, limitados apenas por situações ilícitas.

Esses axiomas devem ser analisados em conjunto para a análise do inadimplemento e dos efeitos que esse terá sobre as partes e sobre terceiros.

Por fim, numa visão generalizada todo inadimplemento pressupõe-se culposo, conforme redação do art. 389 CC, incumbindo ao inadimplente elidir tal presunção, demonstrando a ocorrência de caso fortuito ou força maior (art. 393 CC), fato alheio à vontade das partes ou por força da natureza, caracterizando-se pela inevitabilidade e que constitui excludente de responsabilidade civil, pois rompe com o nexo de causalidade.

A seguir, trataremos da responsabilidade negocial, ressaltando a importância da análise dos princípios acima descritos e das circunstâncias que cercam o inadimplemento.

Inadimplemento Absoluto

O inadimplemento trata-se, principalmente, do descumprimento da obrigação pelo devedor. É exceção, haja vista que, uma vez acordada uma obrigação, a regra é que ela se cumpra. Nesse sentido, pode-se dizer que é pressuposto para que haja o inadimplemento a existência de uma relação obrigacional válida baseada em um ato positivo (dar, fazer) ou negativo (não fazer) que não fora cumprido naturalmente.

A inexecução como gênero pode ser dividida em algumas espécies, sendo as mais importantes o inadimplemento absoluto e o inadimplemento mora. O inadimplemento é absoluto quando a obrigação não foi cumprida em tempo, lugar e forma convencionados e não mais poderá sê-lo; ou seja, diferentemente do inadimplemento relativo ou mora, não pode ser cumprido a destempo, e caberá ao Juiz verificar - contemplado o critério da utilidade - a possibilidade do cumprimento da obrigação ser ainda útil ao credor. Situação em que se observa tal fato é a referente a uma orquestra que deixa de comparecer a um evento para o qual foi contratada. De nada adiantará para o contratante da festa (o credor) que a orquestra disponha-se a apresentar-se no dia seguinte, pois a festa ter-se-á encerrado e os convidados já não estarão mais presentes. Outro exemplo seria a entrega de um vestido de noiva após a data do casamento, prestação que de nada adiantaria para a credora já casada. Logo, a inutilidade ao credor da prestação em tempo ulterior é traço expressivo do inadimplemento absoluto.

No caso de inviabilidade do cumprimento da obrigação de acordo com o tempo, local e forma convencionados restará ao credor pedir pela indenização de perdas e danos, o que se mostra expresso no artigo 389 do Código Civil de maneira genérica. A indenização requer que exista um prejuízo, uma diminuição do patrimônio, que deve decorrer, em regra, de culpa, além do nexo causal, o vínculo entre a conduta do agente e o resultado. A indenização nunca equivalerá ao cumprimento, mas é um substitutivo frente a uma má execução da obrigação, de tal forma que satisfará indiretamente a pretensão do credor. No caso do inadimplemento absoluto, a responsabilidade de indenizar cabe aos prejuízos, lucros cessantes previsíveis (aquilo que o credor deixou razoavelmente de lucrar) e aos lucros imprevisíveis (caput do art. 402 CC). O artigo inicial do tema do inadimplemento também alude à atualização monetária. Essa se faz necessária para que não haja enriquecimento sem causa do devedor. Conclui-se, assim, que tal dispositivo expõe a noção da responsabilidade civil negocial patrimonial como efeito da inexecução da obrigação.

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Inadimplemento mora

Nos termos do artigo 394 do Código Civil de 2002, inadimplemento mora, também conhecido como inadimplemento relativo, é caracterizado pelo imperfeito cumprimento da obrigação, isto é, quando a obrigação não for cumprida no tempo, lugar e nos modos estabelecidos em disposição legal ou convencional.

Nesse contexto, é possível afirmar que tanto o devedor (mora solvendi) quanto o credor (mora accipiendi) poderão incorrer em mora desde que não tenha ocorrido fato inimputável (caso fortuito ou força maior) impediente do adimplemento da relação obrigacional. Em regra, o devedor deverá pagar no momento, lugar e modo e ao credor cabe receber a prestação devida no local e na forma estabelecidos em lei ou entre as partes.

Na mora solvendi, conforme o artigo 396 do aludido Código, a culpa é essencial, já na mora do credor (accipiendi), em princípio, não necessita do elemento subjetivo culpa.

  • Mora do devedor

    Haverá a mora do devedor quando este não cumprir, por culpa, a prestação devida na forma, tempo e lugar devidos em virtude de lei ou contrato. Dessa forma, conclui-se que dois são seus elementos: o objetivo, a não realização da obrigação nos moldes da lei ou do convencionado entre as partes, e o subjetivo, inexecução culposa por parte do devedor.

    Quando a obrigação é líquida e certa, com termo determinado para o cumprimento, o simples advento do termo final, constitui o devedor em mora. É a mora ex re, que decorra da própria coisa, estampada no caput do artigo 397 do atual Código.

    Quanto aos efeitos resultantes da mora do devedor é possível colocar em destaque a responsabilidade transferida ao devedor de arcar com os prejuízos que o credor possivelmente venha a sofrer, devido a sua conduta culposa.

    Ademais, o credor, se ainda considerar útil à prestação devida, poderá exigir indenização moratória cumulada com a execução direta da prestação. Logo, ter recebido uma prestação de maneira irregular, não impede o credor de reclamar os danos sofridos, o que possui respaldo legal, nos termos do artigo 395 c/c 389 do CC/2002.

    Existe, entretanto, uma hipótese em que a mora não pode mais ser considerada e deve ser vista como inadimplemento absoluto. No caso em que a prestação da dívida deixa de ter utilidade ao credor em virtude da mora, considera-se esta segunda ocorrência, conforme o supramencionado exemplo do vestido de noiva.

    A inutilidade da prestação após decorrência da mora, contudo, deve ser provada pelo credor, recaindo sobre ele o ônus da prova, uma vez que a utilidade da prestação é presumida. Esse efeito resultante do retardamento da prestação pode ser tirado do credor, se previamente for acordado entre as partes, que esta será efetuada em desconformidade com o tempo, lugar ou forma, caracterizará o inadimplemento absoluto.

  • Mora do credor

    O artigo 394 do CC/02 aduz que o credor estará em mora quando se recusar em aceitar o adimplemento da obrigação no tempo, lugar e forma convencionados. Dessa forma, fazem-se necessários para caracterizar a mora do credor os seguintes pressupostos:

    1. A oferta regular do devedor feita de maneira correta, no lugar e tempo oportunos;

    2. A recusa sem justa causa do credor em receber o pagamento.

    Para Agostinho Alvim, a mora do credor tem início a partir do momento em que é feita a recusa injustificada da oferta de pagamento, saneamento, da obrigação. Isso se deve ao fato, principalmente, de que para ele não há possibilidade de ocorrer mora simultânea, ou seja, mora do credor e do devedor conjuntamente, uma vez que isso faria com que elas se anulassem.

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil 1: esquematizado: parte geral: obrigações e contratos 7ª edição. São Paulo. Saraiva, 2017.

TEPEDINO, Gustavo; HELENA BARBOZA, Heloisa; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Código Civil interpretado - Conforme a Constituição da República - Volume I Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, 2004.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria geral das obrigações e Teoria geral dos contratos 16ª edição. São Paulo. Editora Atlas, 2016.

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