Cidadania e governação: implicações da cidadania na governação

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09/07/2018 às 14:36
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As Implicações da Cidadania na Governação, constitui o cerne da presente reflexão que parte do princípio de que a cidadania está associada ao processo de socialização do homem que culmina com a instituição de sociedades politicamente organizadas

                                                                                 

         Resumo

As Implicações da Cidadania na Governação, constitui o cerne da presente reflexão que parte do princípio de que a cidadania está associada ao processo de socialização do homem que culmina com a instituição de sociedades politicamente organizadas nas quais há governantes e governados. Apesar disso, o exercício (pleno) da cidadania está imbuído de enormes desafios para a sua materialização, visto haver fraca participação dos cidadãos em vários processos de tomada de decisões, sendo os processos eleitorais os mais críticos e preocupantes, onde a evolução da abstenção em Moçambique demonstra que desde as primeiras eleições multipartidárias de 1994, tem-se registado uma redução significativa da participação dos eleitores, com o nível de abstenção nos últimos três processos a rondar os 60%. E esse fenómeno leva-nos a busca de uma compreensão sobre as implicações do fraco exercício da cidadania para o processo de governação. Para a concretização desta abordagem foi pertinente o suporte bibliográfico e no uso dos métodos documentais e jurídicos. Não descuramos do uso do método hermenêutico. De uma forma geral há implicações da cidadania decorrentes na governação se reflectirmos todas as vicissitudes apontadas nesta reflexão. Se os cidadãos não participam activamente nos processos de tomada de decisões, deve considerar-se uma perda ampla, por que não haverá pressão sobre os políticos e nem exigências no cumprimento dos manifestos eleitorais. Ainda correr-se-á o perigo de não consolidação da própria democracia, na predisposição de que há uma desvinculação do poder popular, e consequentemente decorrerão fenómenos de má prestação política devido o desinteresse. Contudo, uma governação eficaz requer uma população consciente dos seus direitos e deveres cívicos, que possui a necessária capacidade colectiva para determinar o destino do seu contexto local e os meios para influenciar, de forma democrática, a arena pública de uma forma geral. O relacionamento recíproco entre o Estado e a Sociedade Civil pode ser mantido apenas através da capacitação e da participação das comunidades.

Palavras – Chave: cidadania; participação; cidadão
Introdução

Abordagem do presente artigo assenta sobre “As Implicações da Cidadania na Governação”, que parte do princípio de que a cidadania está associada ao processo de socialização do homem que culmina com a instituição de sociedades politicamente organizadas nas quais há governantes e governados. Portanto, no contexto moçambicano a cidadania, está evoluindo com o passar dos anos desde 1975, após uma fase em que o termo estava associado às vicissitudes do colonialismo.

Actualmente a sua concepção assenta em todas as classes sociais, deixando de se restringir apenas à participação política para relacionar uma série de deveres da sociedade para com o cidadão. Apesar disso, o exercício (pleno) da cidadania está imbuído de enormes desafios para a sua materialização, visto haver fraca participação dos cidadãos em vários processos de tomada de decisões, induzidas por vários factores que inviabilizam o exercício dos direitos civis, políticos e económicos consagrados na Lex fundamentalis. 

A par disso, a participação dos cidadãos nos processos eleitorais é muita crítica, senão vejamos: o povo afluiu às urnas sem hesitação nas primeiras eleições multipartidárias de 1994, tendo a taxa de participação de 88%[2]. Enquanto isso, nas segundas eleições gerais decorridas em 1999, a participação eleitoral baixou significativamente em relação a 1994, tendo a abstenção passado de 12% para 30%. Ao mesmo tempo o bipartidarismo que se tinha anunciado em 1994 viu-se confirmado. Nisso, abstenção oficial em 1999, foi de 64%, mas na realidade, porque o registo eleitoral estava inflaccionado, ter-se-á situado na realidade à volta de 58% - conhecida, segundo o Brito, “de democracia sem eleitores”[3]. Enquanto isso, as eleições de 2004 (Gerais e Legislativas), foram também caracterizadas por uma taxa de abstenção muito elevada, oficialmente estimada em 64% ao nível nacional[4]. Estes processos mostram que a evolução da abstenção em Moçambique coloca um evidente problema de legitimidade aos dois principais partidos, cuja sua votação conjunta representava 72% do eleitorado em 1994, tendo descido para 50% em 1999 e atingido apenas 30% em 2004[5]. O culminar das abstenções foi demonstrado ainda no Relatório com o título “Crónicas de uma eleição falhada – Moçambique, Outubro de 2014”, que concluiu igualmente que, desde as primeiras eleições multipartidárias de 1994, tem-se registado uma redução significativa da participação dos eleitores, com o nível de abstenção nos últimos três processos a rondar os 60%[6]. Partindo desses pressupostos subjaz a questão fulcral que se sugere neste estudo: “ Que Implicações do fraco exercício da cidadania para o processo de governação? Ora, a governação em Estados democráticos implica a participação do cidadão. Sob o ponto de vista local (moçambicano), parece não existirem dúvidas sobre a fraca participação do cidadão na governação. Se este facto pode ser atribuído á maneira como a governação é conduzida, tem também suas implicações no processo, ou seja, a participação pode ser causa da governação e ter efeitos nela.

A ideia central do presente artigo é de demonstrar que a governação de sociedades democráticas nas quais os cidadãos assumem seus deveres à medida que usufruem seus direitos implica no mínimo a edificação da sua integração em todo o processo de governação e na necessidade de construir uma consciência colectivas coesas. Nisso, o presente trabalho tem como objectivo geral analisar as implicações da fraca participação do cidadão no processo de governação.

Para a concretização desta abordagem foi pertinente o suporte bibliográfico e no uso dos métodos documentais e jurídicos. Não descuramos o uso do método hermenêutico. A discussão do problema proposto teve como técnica a triangulação, partindo dos elementos empíricos e trazer a sua correlação teórica ou doutrinal e posteriormente tirar ilações em relação ao fenómeno em estudo.

Como estrutura deste artigo, partimos de uma revisão bibliográfica, começando pela discussão conceitual sobre a Cidadania, Direito de Participação na Coisa Pública e trazemos a discussão sobre a Cidadania e Governação. Na segunda parte discutimos abordagem central proposta nesta pesquisa – “As implicações da Cidadania na Governação”. Finalmente as considerações finais e o quadro bibliográfico da abordagem.

  1. Análise conceitual
    1. Cidadania

                 O Conceito da cidadania parece integrar acções centrais da filosofia política, como os reclamos de justiça e participação política. Cidadania vincula-se intimamente `a ideia de direitos individuais e de pertence a uma comunidade particular. Nesse corolário, é fundamental frisar que há um desafio da construção da cidadania, que é o desafio elementar do respeito ao homem-cidadão. Esta é “a cidadania no sentido de filiação a uma sociedade politicamente organizada e controlada por si mesma, de modo a que todos os seus membros são, ao mesmo tempo, produtores e utilizadores da organização política, administradores e legisladores[7]. Enquanto isso, Charles Taylor, entende que para conceituar a cidadania, “é imprescindível ter em conta dois modelos: uma cidadania de modelo individualista, baseado nos direitos individuais e no tratamento igual. O instrumental que define a participação no governo como essência da liberdade, como componente essencial da cidadania” [8].

              A cidadania está, pois, ligada ao conceito de estado do tipo pessoal e traduz-se num conjunto de direitos e obrigações entre o indivíduo e o seu respectivo Estado. A ideia de cidadania opõe-se historicamente ao privilégio e significa generalização dos direitos e, por conseguinte, democratização do acesso aos meios, como a justiça, e de salvaguarda desses mesmos direitos. E nesse corolário que buscando o parafraseado do Marcello Caetano[9], diríamos que “ a cidadania coincide com a nacionalidade. Nesta concepção, pode ter-se uma certa nacionalidade sem se ter a correspondente cidadania, justamente quando o nacional não goza dos direitos civis e políticos garantidos pela Constituição”. Assim, a nacionalidade é um pressuposto de cidadania. E o conceito de nacionalidade está ligado ao de Estado e seus elementos constitutivos, a saber: o povo, território e governo soberano.

             No plano jurídico, há dois polos de opostos de definição de nacionalidade que determinam as condições de acesso à cidadania: o primeiro é o jus soli, que é um direito mais aberto que facilita a aquisição da cidadania. Pelo jus soli, é moçambicano, desde que haja nascido em Moçambique – nacionalidade originária[10]. O segundo é o jus sanguinis, segundo o qual a cidadania é privativa dos nacionais e seus descendentes, mesmo nascidos no exterior[11]. Neste caso o jus sanguinis é um direito mais fechado, pois dificulta a aquisição da cidadania. Buscando a posição da Luana Chopek[12], a dificuldade de aquisição da cidadania circunscreve-se pelo facto de grande parte dos doutrinadores entenderem que o ius sanguinis, também chamado de “direito do sangue”, baseia-se somente na filiação, isto é, na nacionalidade de seus genitores, descartando o local do seu nascimento. Por isso a autora em referência entende que este requisito não pode ser tido como absoluto. Ao passo de uma interpretação gramatical do texto constitucional, verifica-se não haver especificação de que o sujeito nascido no estrangeiro deva ter pais biológicos para obter a condição de nacional. Requer-se apenas que tenha “pais dessa nacionalidade”. Partindo dos pressupostos da autora em referência, diríamos que não pode ser considerada apenas como condição essencial, o filho ter sido fruto de um casamento formalmente celebrado, nos moldes previstos na Lei da Família (Lei nº 10/2004 de 25 de Agosto) podendo este ter advindo de uma união estável, de uma família monoparental, de uma relação extraconjugal ou até mesmo de um estupro.

                  Um outro pressuposto da cidadania tem a ver com a Igualdade de Oportunidades. A igualdade de oportunidades é uma componente de pleno direito da cidadania, pois o exercício da cidadania tem suporte no princípio da igualdade, o qual só ponto de vista jurídico- constitucional, assume relevo enquanto princípio de igualdade de oportunidade de (equality of opportunity) e de condições reais de vida. Este princípio vem consagrado na CRM, no art. 35º. O preceito constitucional em referência significa tradicionalmente, a exigência de igualdade na aplicação do direito, onde as leis devem ser executadas sem olhar a qualidade do sujeito.

              A igualdade de oportunidade entre os homens e mulheres pretende ultrapassar as barreiras visíveis e invisíveis que existem ou poderão surgir no acesso de mulheres e homens em condições de igualdade à participação económica, política e social[13]. Socorre-se do conceito operacional de igualdade de género, por virtude do qual tende a defender a ideia de que todos os seres humanos, mercê da dignidade inerente à sua natureza, são livres de desenvolver as suas capacidades pessoais e de fazer opções, muito para além dos pepéis social e culturalmente atribuídos a mulheres e homens.

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            A igualdade de tratamento entre homens e mulheres é um princípio fundamental constitucionalmente consagrado na Lex Fundamentalis, sendo por conseguinte, uma componente de pleno direito da cidadania[14].

              Desta feita, tendo presente o nosso texto constitucional é inequívoca a competência e obrigação do Estado relativamente a uma acção positiva em ordem à promoção de igualdade de oportunidades.

            Sem o respeito pela cidadania não há democracia e consequentemente não há paz. Hoje se fala de Estado de Direito, o qual é referido mais em função dos interesses económicos em jogo e da legitimação da actuação dos governos instalados e menos da função da defesa da cidadania da pessoa humana.

  1. Direito de participação na coisa pública

Vários pensadores da ciência continuam hoje em debate no quadro da doutrina de participação dos cidadãos quer seja na vida política, económica, social e cultural dum Estado. Porém, é de admitir que a participação dos cidadãos é uma realidade específica da superação do Estado liberal. É uma soma entre a progressiva intervenção pública no domínio social e o reforço dos meios e mecanismos de garantias de participação, que está na justificação e explicação do aumento do processo participativo.

Por sua vez, Fernandes[15] liga a participação à democracia, dado que esta é definida pelo grau e pela extensão da participação que permite ou promove. Tal concepção está subjacente à sua definição como governo do povo pelo povo. Porém, Webster[16] sustenta que a democracia está estritamente ligada ao desenvolvimento, no sentido de que os dois andam lado a lado e que a democracia não é apenas intrínseca ao desenvolvimento como também é pressuposto chave da abertura de espaços para a organização de pessoas individualmente ou em grupos na produção de demandas com vista a satisfação de seus interesses.

É importante fazer a destrinça entre participação activa da passiva, significando àquela, o exercício activo, com capacidade autónoma e influência no processo de tomada de decisão. Por sua vez, a participação passiva é dependente do grau de associação das pessoas e dos seus procedimentos, sem intervir na fase final da decisão[17].  

Participar e tomar parte não são realidades convertíveis. Se a participação se apresenta como essencialmente dependente, são lhe retirados a possibilidade e o conteúdo de tomar parte; somente toma parte quem desenvolve uma participação activa, na base de uma autonomia reconhecida, e com envolvimento e intervenção, não só na busca de soluções, como sobretudo na tomada de decisões.

De um modo geral, “a participação cria um sentido de envolvimento, de inclusão e engajamento”[18]. O fenómeno participativo deve ser considerado como uma componente fundamental de enriquecimento do processo de construção de decisão ao nível de base, o que se realizará através da capacidade que os canais de participação têm para servirem como ponte de materialização de factos e interesses da comunidade. Portanto, é necessário não descurar aqui da capacidade colectiva para determinar o destino do seu contexto local e os meios para influenciar, de forma democrática, a arena pública de uma forma geral. O relacionamento recíproco entre o Estado e a sociedade civil pode ser mantido apenas através da capacitação e da participação das comunidades. Por isso, “se o poder se exerce sem participação, torna-se autocrático. Se a participação se faz sem criatividade, é passiva. Unicamente o poder participado é democrático e apenas a participação realizada com criatividade opera a mudança”[19].

O Título III da CRM de 2004, sob a epígrafe “Direitos, Deveres e Liberdades Fundamentais”, integra no seu Capítulo IV, o princípio de participação do cidadão na vida política do Estado. Disto resulta que o legislador constituinte acolheu o direito de participação como sendo fundamental. A CRM ao estabelecer que “o povo moçambicano exerce o poder político pela permanente participação democrática dos cidadãos na vida da Nação”[20] subjaz aqui a ideia de participação a todos os níveis de administração do Estado.

Ao estabelecer esta norma, a Lex Fundamentalis, pretende mostrar que  para além dos direitos individuais, gozam os cidadãos (moçambicanos) dos direitos políticos, isto é, de direito de participação na Coisa Pública. É o que se chama de cidadania. Porém, o âmbito da cidadania é, por conseguinte, o espaço de soberania[21]. Os chamados direitos políticos são, assim, condições de exercício de cidadania, mas com ela não se confundem. Por outras palavras, é a cidadania que constitui a distinção entre o público e o privado, pois a cidadania é o princípio da liberdade participativa, base da vida política enquanto lugar em que o homem exerce o poder político[22].

A Constituição delineia assim, com base na cidadania, o próprio exercício de actividade política como poder em termos de princípio de representação partidária[23]. Na análise deste pressuposto podemos ilidir que a cidadania é um projecto em fase de crescimento, começando pelos direitos políticos (eleger e ser eleito para órgãos infra e supra nacional).

  1. Cidadania e Governação

Em conformidade com Thomas Marshall[24], o conceito de cidadania pode ser subdividido em três elementos: civil, político e social. O primeiro elemento ocorreu dentro dos tribunais e culminou com a aquisição de direitos de liberdade e trabalho no decorrer do século XVIII. O elemento político significa o poder de participar na governação e surge no século XX. O terceiro elemento (social) desenvolveu-se no século XX com a educação e a assistência e a forma de direitos[25]. Por isso a cidadania é vista como a pertença passiva e activa de indivíduos em Um determinado Estado- Nação, detentor de direitos e deveres. Deste conceito pode – se apontar três elementos constitutivos como a titularidade, a pertença d a possibilidade de contribuir para a vida pública[26]. Partindo destes elementos pode-se admitir que a abordagem sobre a cidadania está associada ao processo de socialização do homem que culmina com a instituição de sociedades politicamente organizadas, nas quais há governantes e governados. Porém, entre os governantes e os governados devem haver um pacto representado sob a forma de contrato que o Rousseau denominou contrato social, cuja ideia acentua que deve haver na comunidade política os que governam com a responsabilidade de conduzir a vida geral na respectiva comunidade na procura da satisfação de necessidades básicas do povo e, os governados, que devem cooperar com aqueles para que as suas necessidades de bem-estar comum sejam satisfeitas.

               Ao assumir a responsabilidade de satisfação das necessidades colectivas, o Estado é dotado de poderes especiais em relação aos particulares. Daqui podemos afirmar que a satisfação das necessidades colectivas implica a existência de um poder superior que defina os fins a atingir e escolhe os meios a utilizar. E cabe ao Estado estabelecer o equilíbrio entre necessidades e meios, terá ele de dispor de uma competência extensiva a todo o território nacional, agindo sem intermediários, abarcando todos os meios e todas as necessidades. Nesse corolário podemos falar de governação como o exercício que deve ser desenvolvido pelos detentores do poder para prover as necessidades da generalidade dos cidadãos.

               Para Dror[27], existem dois tipos de tarefas da governação: as tarefas ordinárias e as tarefas extraordinárias. As tarefas ordinárias incluem a satisfação das necessidades e desejos do cidadão e prestação de serviços de manutenção da ordem pública, de alocação de recursos, etc. Para as tarefas extraordinárias, elas se subdividem em substantivas e instrumentais. As substantivas são as determinadas por valores relativos ao futuro. Neste domínio, o governo deve intervir nos processos históricos com objectivo de impacto futuro. As instrumentais, tem como objectivo construir capacidades políticas e sociais, cognitivas, criativas e de raciocínio moral necessárias para que a governação possa tecer o futuro.

        Partindo daquele pressuposto sugere-nos a questão seguinte: será que o nosso governo está sendo capaz de executar as suas tarefas ordinárias? Olhando pela natureza das tarefas ordinárias apontadas pelo Dror, pode-se admitir que são decorrentes muitos desafios para que, efectivamente o governo execute as referidas, na predisposição de que o pais ainda vive com um índice da pobreza de 49,2%[28]. O relatório destaca que as diferenças são significativas a nível regional: entre 2008/09 e 2014/15, a pobreza cresceu 13 pontos percentuais na zona norte, enquanto decresceu 11 pontos na zona centro e 20 pontos percentuais na zona sul.

           Na senda mesma questão evidenciar que Moçambique é o décimo país mais pobre do mundo, de acordo com o relatório sobre o Índice do Desenvolvimento Humano (IDH) publicado recentemente na capital moçambicana no qual ocupa a posição 178 de um total de 187 países analisados[29]. A presente qualificação explica-se pelo facto de os níveis de escolaridade, a esperança de vida e a riqueza do país continuarem a ser baixos.

             Ainda segundo o relatório do IDH[30] a esperança de vida de um moçambicano é de 50 anos e a expectativa de permanecer na escola é de 9 anos. Na prática, os progressos que o país registou e que permitiram a sua subida na tabela classificativa são anulados quando se olha para a realidade em que vive a maioria dos moçambicanos e que o próprio relatório ilustra: sete em cada 100 crianças morrem antes de atingirem os cinco anos de vida, há falta de alimentação adequada ou básica, e um deficiente sistema de saneamento que aumenta o risco de infecções que impedem o crescimento das crianças.

               A pesquisa revela ainda que mais de 70 por cento da população continuam “multidimensionalmente pobre” e o resto encontra-se igualmente perto da pobreza multidimensional, isto é, vive com pouco mais de 1 dólar por dia.

           O relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano aponta que em Moçambique, os sectores da educação, saúde, género, gravidez precoce, acesso ao emprego, desastres naturais, entre outros, são os apontados como os mais vulneráveis[31].

Estes dados demonstram que o governo moçambicano ainda tem muitos desafios para executar as suas tarefas ordinárias e mesmo extraordinárias.

            A governação só ganha sentido se ela corresponde à satisfação das necessidades do seu povo e, por isso mesmo, num pais com 15 milhões de pessoas a viver em pobreza extrema, ou seja, quase 60% da população, o que o coloca entre os 10 países com maior proporção de pobreza e com maior número de pobres, segundo o Banco Mundial[32]. É nesse pressuposto que em conformidade com Dror, o bom governo é aquele que é capaz de proporcionar uma vida boa à sociedade por ele governados[33]. Enquanto para Luiz Bresser-Pereira, “um bom governo deve ser ético, democrático e competente e que através da sua acção, a sociedade alcance os quatro objectivos políticos dos países democráticos que são a ordem, liberdade, justiça social e bem-estar económico[34]. O autor avança mais dizendo que, por ser ético e democrático, age de forma transparente, respeita a oposição e as minorias, fortalece os quatros direitos básicos da cidadania (civis, políticos, sociais e republicanos) e presta permanentemente contas de seus actos.

                 A governação de sociedades democráticas nas quais os cidadãos assumem seus deveres à medida que usufruem seus direitos implica no mínimo a edificação de duas realidades: Por um lado, a integração dos cidadãos em todo o processo de governação quer sob a forma de fiscalização, quer sob a forma de contribuição financeira e/ou material. Porém, o grau de participação dos cidadãos e a consequência consciência da importância dos actos que esta toma, irá responsabilizá-lo no desenvolvimento da sociedade. Por outro lado, é necessário que se construa consciência colectiva coesa, que consiste na intervenção directa, onde o cidadão identifica-se comos interesses nacionais e com o bem-estar comum. Para o efeito, é fundamental garantir a participação efectiva do cidadão.

  1. Implicações da Cidadania na Governação

Quem Implicações da Cidadania na Governação?

As implicações da cidadania na governação é o tema que nos propõe para a presente discussão. Nesse corolário, a governação em Estados democráticos implica a participação dos cidadãos de forma efectiva em todos os processos de tomada de decisão como nos confere a Lex Fundamentalis[35]. Para explicar esta realidade partimos da análise da relação entre os indivíduos e os grupos sociais e entre estes e o Estado. Nisso, a presente reflexão pretende buscar um entendimento das causas que condicionaram a emergência do nosso Estado; das ligações sociais existentes e como subsistem os membros da nossa sociedade.

Em relação a primeira indagação (emergência da nossa sociedade), subjaz-nos a referir que a dominação colonial desfez as ligações étnicas e culturais entre os vários povos que habitavam no território, hoje Moçambique, tendo sido rompidos os laços naturais de união entre união e clãs. Na correlação disso, Fernandes acentua que os ligantes socias se apresentam rompidos e a atomização se mostra difusa, o poder revela graus de concentração e de expansão mais acentuados do que naquela em que a coesão de grupos é forte[36].

Mesmo depois da revolução armada seguida por uma ideia de unidade nacional, ainda mostra contornos de divisões étnico - tribais. No decorrente disso, a ideia da unidade nacional provocou convulsões sociais entre moçambicanos, devido diferenças étnicas e culturais existentes. Nisso, António Fernandes, entende que os governos que emergem de convulsões sociais entram quase sempre em relativo colapso porque quando têm a tendência de correr mais rápido que o movimento geral da população, perdem o povo. E se avançam a um ritmo mais lento, permitem que novas forças, que desejam ver realizadas as transformações almejadas pelo povo, ocupem o seu lugar[37].

Buscando a realidade moçambicana, pode-se ilidir, a partir do entendimento do Fernandes, que estamos perante a uma situação de um governo que caminha a um ritmo mais lento do que o anseio do povo, olhando pela diversidade de problemas que o Pais vive: pobreza, insegurança, analfabetismo, etc., que são agudizadas pela corrupção, nepotismo e o excesso de burocracia. Como resultado disso, o governo não consegue responder as exigências básicas como abastecimento de água as populações, a educação, os cuidados de saúde, alimentação, entre outros.

A forma de subsistência dos membros de uma sociedade, em conformidade com a nossa terceira indagação, constitui um dos elementos fundamentais que determina a participação dos cidadãos em estados democráticos. A realidade moçambicana mostra que a generalidade dos cidadãos não têm autonomia económica – financeira, não podendo, proverem por si mesmos. Este aspecto pressupõe que a participação cidadã é directamente proporcional ao poder económico dos cidadãos.

Muito desses factores podem condicionar a consciência política dos cidadãos, na predisposição de que a participação do cidadão na vida política é condicionada pelas características da sociedade onde se encontra, pela consciência cidadã nela existente e, pelo poder ou autonomia económica de cada um dos cidadãos. Por isso, autores como Georges Burdeau, citado por António Fernandes[38], aponta a existência de níveis de consciência política. Um nível de carácter exterior, que é determinada pela imagem que o poder apresenta em ligação com o destino colectivo ou com os interesses dos indivíduos. Esta situação se explicita em tempo de crise. Exprime-se como uma consciência partidária porque são os partidos que exteriorizam e interpretam as suas exigências. A segunda é a consciência política profunda que diz respeito a própria sociedade global, à vontade de viver em comum.

Partindo desses níveis pode-se ilidir que a expressão “consciência partidária não é por si mesma o sinónimo de divisões profundas da sociedade. Estas representam apenas a expressão de opiniões de carácter particular e exteriores a questões mais profundas da sociedade.

Partindo dos pressupostos apresentados, resulta que, há fraca participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão, contra a previsão do art. 73º da CRM, que consagra a participação do cidadão na vida política do Pais. Como consequência disso fragiliza a soberania, enfraquecendo o processo de apropriação nacional do processo de tomada de decisões, nos termos do nº 1 do art. 2 da CRM. E esse facto vai desobrigar os políticos no processo de prestação de contas, por falta de uma exigência ou pressão popular.

Considerações finais

           A noção de cidadania remete à cristalização dos direitos civis, políticos e sociais, caracterizando uma situação de inclusão e de pertença dos cidadãos à comunidade política. A cidadania significa ainda, de forma mais vincada, a participação em Estado democrático. Embora os cidadãos tenham o direito formal de se organizar, de expressar livremente suas opiniões e interesses, de participar das decisões políticas, questiona- se

a ausência de condições favoráveis para estimular tal participação. Aqui é dotada a perspectiva que defende a participação como um pressuposto decisivo para o fortalecimento das instituições democráticas e das organizações sociais, na medida em que propicia ao cidadão possibilidades de se pronunciar e de ser incluído nos processos políticos. Torna-se necessário buscar formas alternativas de participação política, com objetivo de alcançar uma cidadania activa e efectiva.

É fundamental compreender a essência da cidadania no sentido de que ela objectiva-se como consequência do contrato social decorrente da natureza relacional e conflitual da política. Nesse corolário, deve-se buscar um entendimento de que se  do conteúdo da relação  entre os governados e os governantes resulta a representação social conducente à sua legitimação ou mesmo ilegitimação do político, a dinâmica do conceito de cidadania se articula a procura da perfectibilidade desta relação social[39].

De uma forma geral há implicações da cidadania decorrentes na governação se reflectirmos todas as vicissitudes apontadas nesta reflexão. Se os cidadãos não participam activamente nos processos de tomada de decisões, deve considerar-se uma perda ampla, por que não haverá pressão sobre os políticos e nem exigências no cumprimento dos manifestos eleitorais. Ainda correr-se-á o perigo de não consolidação da própria democracia, na predisposição de que há uma desvinculação do poder popular, e consequentemente decorrerão fenómenos de má prestação política devido o desinteresse.

Apesar dos factores que são tidos como impeditivos para o avanço no exercício de cidadania, regista-se um certo avanço na participação do cidadão na tomada de decisões, ainda que se tenha que imprimir mais dinâmica para envolver todos os cidadãos. Por isso, é consensual aceitar que a consequência da dignidade humana é a máxima participação do indivíduo no âmbito político-social com a liberdade espiritual e livre expressão da opinião. O fenómeno participativo deve ser considerado como uma componente fundamental de enriquecimento do processo de construção de decisão ao nível de base, o que se realizará através da capacidade que os canais de participação têm para servirem como ponte de materialização de factos e interesses da comunidade.

    Contudo a falta de exercício de cidadania influencia no processo de governação, pois a contribuição que os cidadãos dão à qualidade da governação num determinado Estado é, de certa forma, determinada pela cultura. Baseando-se no Cloete, pode definir a cultura “como sendo um conjunto de valores, atitudes e percepções desenvolvidas ao longo dos anos e que governa a conduta de todos os habitantes ou grupos específicos de pessoas”[40]. Nessa perspectiva, a cultura política deve consubstanciar-se aos valores da transparência e da responsabilização, de forma a dinamizarem o desenvolvimento.

            A ausência de informação, ou baixos níveis de consciencialização, também podem reforçar a má governação. Contudo, os altos níveis de consciencialização dos cidadãos podem fazer com que, se o povo não está satisfeito com as decisões dos seus líderes locais ou outros podem responsabiliza-los ou retirá-los do poder. Mas para isso é fundamental uma capacitação permanente, no sentido de elevar a consciência das massas populares no cumprimento dos seus direitos como cidadãos e suas obrigações; Por conseguinte, torna-se urgente a criação de certas condições, como sejam organismos idóneos que permita controlar, verificar e promover o direito de participação, como forma de garantir a participação efectiva de todos os membros de uma comunidade política, de modo a que se crie um espaço prático de governação participativa a todos os níveis da sociedade. Dessa forma, a participação cria sentido de envolvimento, de inclusão e engajamento.

                Contudo, um dos desafios da participação é envolver os actores não só na execução de programas governamentais, como também nas decisões relativas à forma como o governo deve alocar fundos e que tipo de programas devem ser implementados. Esses esforços implica a criação de fóruns onde o cidadão comum possa debater assuntos tais como a habitação, saúde, educação e política orçamental. Em conformidade com McCarney e Halfani[41], “uma governação eficaz requer uma população consciente dos seus direitos e deveres cívicos, que possui a necessária capacidade colectiva para determinar o destino do seu contexto local e os meios para influenciar, de forma democrática, a arena pública de uma forma geral. O relacionamento recíproco entre o Estado e a Sociedade Civil pode ser mantido apenas através da capacitação e da participação das comunidades”.

Bibliográfica

Legislação

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  • PIRES, Francisco Lucas, Introdução a Ciências Políticas, Ed. Portugal, 1998.
  • TOURAINE, Alain. O que é a Democracia? (s/e)

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Sobre o autor
Barbosa Alberto Morais

Barbosa Alberto,Jurista - Docente Universitário a 15 anos, da Universidade Católica de Moçambique, Faculdade de Direito - Nampula, Pesquisador na área jurídica, consultor e Coordenador dos Pos - Graduação (Mestrados em Direito) e Doutoramento em Direito Publico em andamento (fase de desenvolvimento da tese).

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