Psiquiatria nas penitenciarias brasileiras

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O tratamento utilizado para o psicopata, nos dias atuais, é o mesmo que se dá a todo e qualquer preso. O mais viável seria equilibrar a observância ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e, ao mesmo tempo, não deixar de amparar a sociedade.

1. INTRODUÇÃO

A psicopatia, também conhecida como transtorno da personalidade antissocial, dissocial, psicopática, dentre outras nomenclaturas, transforma o indivíduo em um ser totalmente insensível, ao ponto que nem o Direito mostra-se apto para limitá-lo e, mesmo com isso, não pode servir como escopo para todos os crimes violentos que vierem à tona, porém, uma vez que se coloca um psicopata em um sistema carcerário sem o mínimo de condições reais para uma ressocialização, deve-se questionar acerca das opções de reabilitação que os mesmos terão, pois não há o que se falar em tratamento igualitário para presos psicopatas e presos comuns.

O direito à saúde está tutelado na Constituição Federal, em seus artigos 6º e 196, juntamente com o princípio expresso no artigo 7º, inciso II, da Lei 8.080 de 1990, então subentende-se que o direito à saúde está assegurado a todo indivíduo, logo, as políticas de saúde devem atuar, amparando e assegurando que os direitos humanos possam ser proporcionados com suas particularidades e de caráter imediato, seja aos grupos vulneráveis como também aos marginalizados.

Porém, existe um fator no sistema de saúde público brasileiro que muito é falado e pouco é solucionado, onde então caímos na escassez de recursos e verbas para um tratamento adequado, fazendo com que o Princípio da Reserva do Possível colide com o Princípio da Proibição do Retrocesso Social.

A multidisciplinariedade do tema e sua ampla abordagem de vertentes distintas, como a filosofia, psicologia, economia, sociologia, e, claro, o direito, foi uma das motivações de ter sido escolhido, apesar de ter a sensação de inércia crítica do mesmo.

É fundamental compreender as condições sociais, morais e culturais em que o indivíduo está inserido, pois é a partir deste momento que se consegue elucidar quais são as reais motivações que se desencadeiam na mente de um indivíduo que venha a cometer algum tipo de delito, e também, como se deve aplicar a lei penal ao caso concreto, de tal modo que o magistrado, na análise do caso efetivo, necessita da referida avaliação, que deve ser considerada conjuntamente com outros indícios e provas, seja para a absolvição, fixação da pena base - adequada e proporcional, bem como o cumprimento de uma medida de segurança.

A problemática citada neste artigo se manifesta desde a exclusão social da patologia em si e suas péssimas condições, no que diz respeito às instituições responsáveis, até na sanção penal ainda vigente defendida como tratamento. 

Muitos questionamentos rodeiam esse tema, e sempre vem a dúvida acerca da possibilidade de mudar a mente de um psicopata, e de acordo com estudos feitos pelo psicóloga Maitê Hammoud (2016), em seu artigo ela deixa bem claro que:

‘A psicopatia não tem cura, isso acontece por ser um transtorno de personalidade e não uma fase de alterações comportamentais momentâneas. Com raras exceções, as terapias biológicas (medicamentos) e as psicoterapias em geral se mostram ineficazes para a psicopatia.

Os psicopatas parecem estar inteiramente satisfeitos consigo mesmos e não apresentam constrangimentos morais nem sofrimentos emocionais, como depressão, ansiedade, culpas ou baixa autoestima, tornando-se impossível tratar um sofrimento inexistente. Porém, quando em grau leve e detectada ainda precocemente, a psicopatia pode, em alguns casos, ser modulada por meio de uma educação mais rigorosa.

Um ambiente familiar mais estruturado e com a vigilância constante em relação aos filhos ''problemáticos'' certamente não evita a psicopatia, mas pode inibir sua manifestação mais grave.’

No Brasil, a forma utilizada para lidar com esse tipo de situação é bastante retrógrado e este artigo traz um análise de quais são as alternativas de punição mais adequadas para os crimes cometidos por esses agentes, considerando que possuem consciência total das práticas realizadas, pois a sua parte racional/cognitiva é perfeita e íntegra, e ressaltando que os mesmos não assimilam a punição como deveriam e tampouco se arrependem dos crimes que cometem, motivo pelo qual a pena ou a medida de segurança não cumprem as suas finalidades.

A lei 10.216 de 2001 (conhecida como a Lei de Reforma Psiquiátrica),  considera-se um divisor de águas no território brasileiro, pois traz em seu bojo de forma expressa, a necessidade do respeito a pessoa humana com transtornos mentais, em detrimento às legislações anteriores que usam o método de ‘exclusão social’ como forma de evitar algum tipo de ‘perturbação a ordem’, e não se importavam em oferecer tratamento adequado para modulação do estado psíquico do agente.

É essencial compreender que o estudo se faz com atenção à Constituição Federal, em observância aos direitos fundamentais, princípios e garantias inerentes ao Estado Democrático de Direito. E por essa razão, o estudo do psicopata pela Ciência Jurídica deve ser feito com enfoque especial, no intuito de proteger a sociedade, assegurando a paz coletiva.

Desta forma, a presente pesquisa apresenta a seguinte estruturação: além desta introdução, apresenta na seguinte seção a metodologia utilizada na pesquisa, bem como os objetivos desta, tanto o geral quanto os específicos. Na seção referencial teórico, faz uma demonstração sucinta dos principais autores que possuem trabalhos nesta temática. Por fim, nos resultados e discussões faz-se uma exposição das principais implicações da seara pra estudada.


2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O início da Loucura

Em meados do século XIX, com o surgimento do estudo da psicopatia, os primeiros conceitos foram de ‘loucura’ ou ‘criminoso’. Ainda nesse período, a expressão "psicopata" era utilizada pela literatura médica em seu sentido amplo, para designar os doentes mentais de modo geral, não havendo ainda uma ligação entre a psicopatia e a personalidade antissocial. A evolução para melhor definição veio com as publicações do Psiquiatra Hervey Cleckley e da Associação Americana de Psiquiatria (American Pschyatric Association), 1844.

O DSM-IV-TR (Manual Diagnóstico e estatístico de Transtornos Mentais) e o CID (Classificação Internacional de Doenças) (2018) classificam a psicopatia como Transtorno de Personalidade Antissocial, onde o indivíduo mesmo possuindo probidade de suas funções psíquicas e mentais, encontra-se com sua conduta patologicamente alterada.

Essa definição só é válida em indivíduos em sua vida adulta (leia-se 18 anos), apesar de crianças já no início de suas experiências por vezes apresentarem histórico de desordens comportamentais.

Vale ressaltar que o processo para se diagnosticar o transtorno é bastante complexo, considerando que os primeiros instintos desses assassinos podem ser observados de início na infância ou na adolescência e perdurar na idade adulta, podendo em alguns casos, a psicopatia ser modulada com uma educação mais rigorosa, dependendo do grau. Logo, é de suma importância que os pais tenham conhecimento sobre o assunto e observem seus filhos, segundo a psiquiatra Ana Beatriz Silva ressalta em seus artigos e em seu livro: mentes perigosas – o psicopata mora ao lado, 2014.

The Mask of Sanity (A máscara da sanidade), primeira edição de 1941, é o livro de Cleckley (1988) sobre a psicopatia, nesta obra, o autor faz um jogo de palavras, onde a ideia é dizer que a psicopatia é uma doença mental, porém, diferente do que a sociedade está acostumada a ver, sem os sintomas de psicoses e dessa forma atribuindo uma visão de normalidade.

Para Cleckley, o transtorno fundamental da psicopatia seria a "demência semântica", isto é, um déficit na compreensão dos sentimentos humanos em profundidade, embora no nível comportamental o indivíduo aparentasse compreendê-los. Em sua obra, o autor enfatiza, com frequência, o papel da constituição na etiologia da psicopatia.

Tendo desenvolvido predominantemente um trabalho clínico-descritivo, Cleckley baseou-se nas histórias de 15 pacientes, sem se debruçar sobre teorias psicopatológicas. Esse autor agrupa as principais características do psicopata em dezesseis itens:

1. Aparência sedutora e boa inteligência

2. Ausência de delírios e de outras alterações patológicas do pensamento

3. Ausência de "nervosidade" ou manifestações psiconeuróticas

4. Não confiabilidade

5. Desprezo para com a verdade e insinceridade

6. Falta de remorso ou culpa

7. Conduta antissocial não motivada pelas contingências

8. Julgamento pobre e falha em aprender através da experiência

9. Egocentrismo patológico e incapacidade para amar

10. Pobreza geral na maioria das reações afetivas

11. Perda específica de insight (compreensão interna)

12. Não reatividade afetiva nas relações interpessoais em geral

13. Comportamento extravagante e inconveniente, algumas vezes sob a ação de bebidas, outras não

14. Suicídio raramente praticado

15. Vida sexual impessoal, trivial e mal integrada

16. Falha em seguir qualquer plano de vida (Cleckley, 1988, p. 337-338).

São indivíduos que não se preocupam se suas ações são moralmente erradas, e de fato não os incomoda tal situação, e ao contrário do que a sociedade costuma pensar, está comprovado que nem sempre os psicopatas usam de violência, de acordo com Henrique Schützer Del Nero, um dos estimuladores da ciência cognitiva no Brasil, 2002.

E seguindo um pouco mais a fundo, algumas estimativas indicam que a psicopatia é encontrada em cerca de um porcento da população geral, e, por razões ainda não muito bem compreendidas, a maior índice encontra-se no sexo masculino. Não necessariamente são considerados indivíduos com uma psicopatia completa, mas possuem traços marcantes relacionados a psicopatias.

Compactuando com o entendimento acerca da perversidade que é observada nos acometidos pela personalidade antissocial, Guilherme de Souza Nucci (2014), narra:

‘São sujeitos frios, insensíveis e, por vezes, calculistas. Valem-se de sua inteligência, não raramente privilegiada, para cometer os mais atrozes delitos, ao menos à visto do senso comum. O ser humano maldoso sente prazer em atuar dessa forma. Do mesmo modo em que o altruísta sente-se aliviado ao promover o bem ao próximo, o perverso age em sentido oposto. O seu alívio advém da maldade concretizada ao semelhante.’

Os Direitos das Pessoas com Transtornos Mentais, encontra-se no art. 1º da Lei de Reforma Psiquiátrica, que afirma que os direitos e a proteção das pessoas com transtorno mental são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outro.

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O parágrafo único do Art. 2º da Lei ressalta os direitos das pessoas com transtornos mentais:

I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV – ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V – ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI – ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII – receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX – ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.

A lei ressalta a responsabilidade do Estado no desenvolvimento da política da saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família (Art. 3º).

É de suma importância o cumprimento do que está expresso na lei, para que haja um diagnóstico efetivo e dessa forma, ser possível a organização de um trabalho que permita uma maior possibilidade de ressocialização do individuo, pois é utópica tal hipótese se a mesma fizer parte de um ciclo vicioso de punições que estão predestinadas ao insucesso, pelo tratamento não adequado às reais necessidades. 

E então voltamos ao quesito inicial que destaca a punição privativa de liberdade, onde o psicopata não entende  tal ato como punição, e portanto, cada criminoso deve ser analisado em sua singularidade para que o poder judiciário não acabe pecando no ‘dever de segurança social’, diminuindo a pena, e os mesmo voltem a delinquir num curto espaço de tempo, e sendo assim, ‘realocados’ no sistema prisional novamente.

2.2 MEDIDA DE SEGURANÇA OU PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE?

Imputabilidade e exigibilidade de conduta diversa, são dois itens que pesam bastante no Direito Penal. Os psicopatas possuem pleno discernimento acerca das normas transgredidas e a antijuricidade dos seus atos, a diferença é que eles não se preocupam com isso e tratam com total indiferença.

Não há o que se falar em doença, pois esses indivíduos não se encaixam exatamente como doentes mentais, mas vivem em uma fronteira entre a loucura e a sanidade. Seus atos são direcionados à plena satisfação dos desejos tais como: homicídio, estupro, golpes, furtos e etc., onde os mesmos entendem o caráter ilícito e possuem capacidade de direcionamento de suas ações. Nas palavras do Douto Jorge Trindade (2010):

‘São sujeitos que não internalizaram a noção de lei, transgressão e culpa. Na realidade, os psicopatas sentem-se 'além' das normas, quando, na verdade, são sujeitos 'fora'  e 'aquém' do mundo da cultura. Pensar em psicopatia como uma incapacidade de internalizar valores e uma insujeição à norma aponta menos para uma doença nos moldes médico e psicológico e mais para uma constelação de caráter com precárias condições para realizar aquisições éticas.’

Um caso verídico é de “Pedrinho o Matador”, o homem mais temido  da história das cadeias brasileiras, ícone de uma geração  de bandidos, e lenda viva entre as paredes do sistema prisional, não pertencia a nenhuma organização criminosa, agia sozinho, por instinto, gostava de matar, disse ter eliminado mais de 100 presos, 47 deles na prisão, para onde foi mandado aos 18 anos, e atrás das grades passou a cumular novas penas, matando companheiros de prisão. Passou a maior parte de sua vida encarcerado, de acordo com o artigo da  Sadia pitanga, publicado em 06 de abril de 2012.

O Psiquiatra José Elias Andreus, foi um dos médicos que analisaram a mente do matador e o descreve como “um psicopata frio, que fala com naturalidade sobre as mortes, sem nenhum remorso, embora fosse um sujeito bom de papo e educado, nunca levantou a mão para ninguém que trabalhava no presídio, segundo o artigo de Willian Vieira, publicado em 25 fevereiro de 2011.

Com o trecho acima citado, temos claramente que, a experiencia do ‘castigo’ ou ‘punição’ não é incorporada de forma significativa pelo indivíduo delinquente que possui algum tipo de transtorno de personalidade. E mais que isso, a ressocialização desses indivíduos em muitas vezes é fingida ou meramente intermitente. A verdade por trás disso tudo é que, o psicopata sabe exatamente os seus direitos e todas as coisas necessárias para agilizar sua saída.

A autora Sadia pitanga, 2012, ainda ressalta que esse tipo de individuo sabe que sendo um preso modelo, a sua pena terá uma redução. Dono de uma organização minuciosa, sempre agindo com cautela e precisão na hora que considerar mais oportuna e onde julgar ideal. É alguém impulsivo, e nada passional. Consegue administrar seus sentimentos e é um manipulador nato, onde ameaça outros presos, prejudica a pena de outros, desenvolve rebeliões e serve de modelo negativo, porém, de forma silenciosa e quase que abstrata. Seu dom de manipulação é tão extraordinário que o mesmo busca utilizar de tais artifícios perante os juízes, seus próprios advogados, peritos, familiares das vitimas e afins,

As pessoas tem a falsa percepção de mundo, onde a ideia de ‘quanto mais prender, mais as ruas estarão seguras’, sendo que, esse pensamento não gera nenhum reflexo positivo, pois no atual sistema de punição onde prende-se todos os cidadãos de forma conjunta, prende-se mal, e deixa os presos em condições degradantes, á mercê da desídia e mentes perigosas prontas para manipular, tornando assim, a expectativa de reabilitação, numa verdadeira faculdade de crimes. Além de que, o nosso atual sistema não possui eficácia no tocante de ressocialização e massacra o direito a Dignidade da Pessoa Humana, que é base de nossa Constituição Federal e de qualquer Estado Democrático de Direito, ou pelo menos deveria ser.

Depois de uma pesquisa árdua e fazendo diversas leituras em pareceres de especialistas no assunto, o mais viável seria, após um julgamento adequado, colocá-los em cadeias especiais, para que possam ser acompanhados por profissionais especializados, que trabalhariam nesses perfis e assim poderiam determinar a possibilidade de sair e voltar para a sociedade. Baseando-se numa pesquisa feita pela Sheilagh Hodgins, professora da Universidade de Montreal e do Instituto Universitário em Saúde Mental de Montreal (Canadá), 2010, com o auxilio de ressonâncias magnéticas, a professora verificou que essas pessoas têm anormalidades em partes do cérebro relacionadas à noção de castigo. As anomalias explicariam, segundo os cientistas, maiores taxas de reincidência em crimes e inadequação a programas de reabilitação. Diversas pesquisas mostram que os indivíduos com alguma psicopatia cometem crimes mais graves e reincidem em menor lapso temporal.  

Em relação ao sistema carcerário, o mesmo encontra-se em condições lastimáveis, tanto pela precariedade dos serviços, quanto pela superlotação que, de acordo com o INFOPEN (dados referentes ao ano de 2015 e primeiro semestre de 2016), há  726.712 pessoas presas no Brasil e na mesma linha de pensamento tem-se os direitos humanos que são violados de forma brutal.

Como Rafael Damasceno de Assis (2007) elucida que: "[...] acaba ocorrendo é uma dupla penalização na pessoa do condenado: a pena de prisão propriamente dita e o lamentável estado de saúde que ele adquire durante a sua permanência no cárcere".

Também não há o que se falar em prisão especial para psicopatas no Brasil, o Juiz pode declará-lo imputável (tem plena consciência de seus atos e é punível como criminoso comum), ou semi-imputável (não consegue controlar seu atos, embora tenha consciência deles) e, nesse segundo caso, existe uma possibilidade de redução de pena (de um a dois terços) ou enviá-lo para um hospital de custódia, se considerar que tem tratamento, o que não é o caso da psicopatia, e então esses indivíduos são ‘jogados’ em locais com presos comuns, e  segundo Julio Fabbrini Mirabete (2008):

‘A falência de nosso sistema carcerário tem sido apontada, acertadamente, como uma das maiores mazelas do modelo repressivo brasileiro, que, hipocritamente, envia condenados para penitenciárias, com a apregoada finalidade de reabilitá-lo ao convívio social, mas já sabendo que, ao retornar à sociedade, esse indivíduo estará mais despreparado, desambientado, insensível e, provavelmente, com maior desenvoltura para a prática de outros crimes, até mais violentos em relação ao que o conduziu ao cárcere.’ (2008, p.89)

Nesse sentido há uma série de exemplos, “Chico Picadinho”, e o do “Bandido da luz vermelha”.

Chico Picadinho sofreu abusos sexuais no colégio de padres onde estudou e também por parte de seus colegas de brincadeiras na rua. Ele continuou mantendo relações homossexuais ao longo de sua vida, mas também matinha relações com mulheres, que segundo ele mesmo eram eivadas de agressividade acentuada. Numa das noites boêmias que frequentava conheceu Margareth, bailarina e massagista, com quem manteve relações sexuais e acabou matando enforcada. Na tentativa de se livrar do corpo, mutilou-a e cortou em pedaços. Chico foi preso, processado e condenado, cumpriu pena; em decorrência de seu bom comportamento obteve liberdade condicional em 1974, segundo artigo publicado em 2018, por Nathalia Cristina Soto Banha.

Em 1976 voltou a cometer um crime - mostrando que o tempo de prisão não surtiu nenhum efeito reeducador, muito menos ressocializador: após relacionar-se sexualmente com uma moça tentou enforcá-la e perfurou o útero da mesma com um objeto não identificado; não a matou apenas porque ela conseguiu fugir. A mesma sorte não teve sua terceira vítima, que no momento do ato sexual acabou sendo enforcada e morta; mais uma vez, na tentativa de esconder o crime a cortou em pequenos pedaços. Por tal fato criminoso ele foi preso, e depois de devidamente julgado - importante frisar que no processo foi acostado laudo de sanidade mental, o qual atestou que ele era semi-imputável, portador de personalidade psicopática (CASOY, 2004) - cumpriu pena de reclusão. No decurso de tempo desta pena, foram detectadas características que reafirmavam a semi-imputabilidade, motivo que levou a transferência dele à Casa de Custódia e Tratamento.

Ocorre que com a reforma penal de 1984 (para que não houvesse perigo de voltar às ruas), visto que na medida de segurança todo ano é feita uma perícia para detectar a periculosidade do apenado - e Chico estava muito mais calmo podendo vir a ser liberado - foi decretada sua interdição civil, sendo então encaminhado para um hospital psiquiátrico (BANHA, 2018).

Quanto ao “bandido da luz vermelha”, a situação é bastante semelhante: foi rejeitado quando criança e passou a viver sozinho em São Paulo, cometendo assaltos a mansões para se manter, sempre levando consigo uma lanterna com lâmpada de luz vermelha no bocal. Ocorre que por vezes obrigava as vítimas a manter relações sexuais com o mesmo, sob grave ameaça; e em algumas situações as assassinava antes de sair. Seu nome era João Acácio Pereira da Costa, ele foi preso em 1967, tendo sido julgado e condenado a 351 anos de reclusão. Durante sua prisão recebia visitas e presente de algumas vítimas, que tendo sido estupradas, acabaram desenvolvendo o sentimento de paixão por ele (BANHA, 2018).

Pelas leis brasileiras ele só poderia cumpri 30 anos de prisão, e após esse período foi liberado (fim de 1997); passando, então, a residir em Joinville, abrigado por uma família de pescadores. Estando em quatro meses em liberdade, foi morto por aquele que o abrigou, em decorrência de João Acácio ter tentado abusar sexualmente da mãe do pescador, uma senhora idosa, de quase 80 anos (BANHA, 2018).

Das duas narrativas pode ser apreendido que indivíduos acometidos pela psicopatia não podem voltar ao convívio social, sem acompanhamento continuo, porque a punição sofrida não alcançou seu objetivo, de maneira que não houve reeducação. E é cediço que a reeducação é um dos objetivos da pena, mesmo que raramente seja alcançada. Como consequência, temos que, mesmo ficando muito tempo presos, eles voltam a cometer crimes, por conta de sua natureza impulsiva e falta de limites no que tange as regras sociais, de forma que fica fácil a conclusão que precisam de muito mais que a simples reclusão para dar solução a estes. Alega-se inclusive, que o período em que passaram neutralizados aumenta sua agressividade, que muitas vezes na prisão é controlada com anti-depressivos, e ao voltarem ao convívio social acabam extravasando toda sua agressividade acumulada.

Já que não entendem a pena aplicada, de modo que a tríade funcional desta (prevenir, punir e ressocializar) não se efetiva, verifica-se que o índice de reincidência de crimes cometidos pelos sociopatas é exorbitante, e segundo Morana (2006), estes reincidem até três vezes mais que os criminosos normais, justamente por acharem que não estão fazendo nada de errado.

Não obstante tudo que foi relatado até aqui, outra problemática vem sendo estabelecida: como possuem inteligência acima da média somada a grande capacidade de influenciar as pessoas, os psicopatas vem se transformando em verdadeiros chefes dos presídios. São eles que, na maioria das vezes, comandam rebeliões, controlam o tráfico mesmo dentro das prisões e ainda aprimoram o conhecimento e a crueldade de presos comuns, confirmando a idéia de que a prisão é uma escola do crime. Sobre este ponto Garrido (2007) afirma ser impressionante a capacidade que o sociopata tem de se rodear de pessoas inescrupulosas, que facilitam a concretização de seus objetivos.

2.3 Sanções Estrangeiras x Sanções Brasileiras

Como já fora visto ao longo deste artigo, o Brasil encontra-se em inercia e total divergência quando abordamos o assunto de ‘tratamentos’ para indivíduos com transtornos de personalidade.

Porém, existem métodos eficazes em diversos países, métodos os quais poderiam ser adotados pelo sistema brasileiro, como por exemplo o método criado pelo psiquiatra canadense, Robert Hare, que é considerado o maior especialista no mundo em psicopatia, ele dedicou anos de sua vida profissional reunindo características comuns entre pessoas que apresentavam esse transtorno, ate conseguir montar, em 1991, um sofisticado questionário denominado escala Hare e que hoje é o método mais confiável na identificação de psicopatas, segundo artigo publicado em 23 de julho de 2011, por Fabíola Araujo.

A escala Hare também recebe o nome de psychopathy checklist ou PCL, sua aceitação e relevância têm levado diversos países de todo o mundo a utiliza-la como um instrumento de grande valor no combate a violência e na melhoria ética da sociedade. Quando o PCL é usado no sistema carcerário por um profissional da área da saúde mental, podem-se identificar os psicopatas, que ali estão camuflados no meio dos demais presos, e dar-lhe um tratamento mais rigoroso ou diferenciado. Constatou-se que nos países que usam a escala Hare, como procedimento de diagnostico para psicopatas no sistema prisional, houve uma redução de dois terços na taxa de reincidência dos crimes mais grave e violentos, e por consequência disso acabou reduzindo a violência na sociedade como um todo, inclusive a escala Hare foi tema de diversos artigos científicos no Brasil, e um desses artigos  foi defendido pela psiquiatra Hilda Morana, que expressa a necessidade real do sistema brasileiro trabalhar com boas ferramentas (ARAUJO, 2011).

Existem algumas medidas tomadas por outros países a respeito das sanções aos psicopatas e que, até o momento, não foram recepcionadas pelo atual ordenamento jurídico brasileiro.

Países como Alemanha, Estados Unidos, Suécia, Dinamarca entre outros realizam a aplicação de hormônios femininos (mais conhecido como castração química) em indivíduos que possuem o transtorno e abusam sexualmente de outras pessoas, e dessa forma, reduz o nível de testosterona e, consequentemente, a libido sexual, segundo Mara Elisa de Oliveira em seu artigo publicado em 16 de setembro de 2012.

 Na França existe uma linha inovadora de castração química, na qual há um centro de acompanhamento médico-psicológico para os apenados, local que teria avaliações constantes. Este projeto do presidente Nicholas Sarkozy seria destinado aos reincidentes de crimes de cunho sexual que houvessem cumprido parte de sua pena e, posteriormente, optassem pelo tratamento (Oliveira, 2012).

A psiquiatra Ana Beatriz Silva afirma que “em países como Austrália e Canadá e em alguns estados americanos, há diferenciação legal entre os criminosos psicopatas e os não psicopatas”. E percebe-se que o foco principal não é o crime em si, mas sim o agente e baseando-se nessa percepção os médicos podem analisar a sanção mais efetiva para a situação, começando pela separação desses indivíduos dos presos comuns (Mentes perigosas - O psicopata mora ao lado de Ana Beatriz Barbosa)

Se houver esse diagnóstico, os códigos Penal e o de Execuções Penais são totalmente diferentes. O autor de determinados crimes com certo grau de perversidade tende a repetir. Um exemplo clássico é o pedófilo. Não existe pedófilo que não seja psicopata, ele fica maquinando de forma maquiavélica o ataque ao que há de mais puro e usa a criança como objeto de poder e diversão. E ele sempre volta a cometer o mesmo crime.

 “No momento, parece haver consenso de que o PCL-R é o mais adequado instrumento, sob a forma de escala, para avaliar psicopatia e identificar fatores de risco de violência. Com demonstrada confiabilidade, tem sido adotado em diversos países como instrumento de eleição para a pesquisa e para o estudo clínico da psicopatia, como escala de predição de recidivismo, violência e intervenção terapêutica.” (TRINDADE, 2012)

Existe outro mecanismo que é adotado pelo Canadá e pelos Estados Unidos, que visa sobre a criação de leis especificas para os indivíduos com transtornos de personalidade, onde tem-se como ponto de partida, que existem atitudes similares entre os delinquentes com personalidades e condutas díspares, de forma que, deve ser analisado individualmente suas peculiaridades, segundo artigo publicado por Sara Cristina Pinto dos Santos - Psicopatia E Comportamento Criminoso: Uma Revisão De Literatura, 2014.

 “Quanto a se discutir eventual liberação pela suspensão da medida de segurança, quase há um consenso, com poucas discórdias em torno dele, no sentido de que tais formas extremas de psicopatia que se manifestam através da violência são intratáveis e que seus portadores devem ser confinados. Deve-se a propósito deste pensamento considerar que os portadores de personalidade psicopática são aproximadamente de três a quatro vezes propensos a apresentar recidivas de seu quadro do que os não psicopatas.”(PALOMBA, 2003, p. 186)

“A partir do cometimento de um crime, o Estado deve exercer o seu direito de punir, e o faz pela cominação de uma punição. Muito se discute acerca da pena, mas a grande maioria dos doutrinadores acredita que esta justifica-se por sua necessidade.”(BITENCOURT, 2004)

Pré-crime

Prevenir é algo que vai além do verbo punir, pois seria viável incluir no sistema brasileiro, um projeto que fosse preventivo ao invés de punitivo, pois o ‘punir’ vem posterior a algum tipo de crime.

Na Inglaterra já existe um projeto piloto em andamento: o Programa para Pessoas Perigosas com Transtornos Graves da Personalidade (DSPD, da sigla em inglês), onde os presos que já estão em liberdade ou até os que estão próximo do final da sentença, passam a ser acompanhados por funcionários do governo, que analisarão se estes voltam ou continuarÃO presos ou internados, por Adriana Ferreira - A Justiça Brasileira E A Psicopatia Aos Olhos De Uma Psicanalista, 2016.

Porém, tal projeto vai de encontro com a legislação brasileira que não 18 permite prisão ou internação superior a 30 anos, pois feriria a dignidade da pessoa humana, que é uma garantia fundamental prevista na Constituição da República.

O sistema citado acima, funciona da seguinte forma, segundo o autor Eduardo Szklarz explica em seu artigo – ‘E se fosse possível prever os crimes dos psicopatas?’:

FAREJAR

Profissionais de saúde identificam uma pessoa com alta probabilidade de reincidir em crimes violentos, como resultado de transtornos da personalidade. Ela pode ser tanto um preso que voltou à liberdade quanto um que está perto de terminar sua sentença.

VIGIAR

Essa pessoa passa então a ser acompanhada de perto por um funcionário do governo para que não venha a cometer esses crimes novamente.

ILAR

Ela só será presa ou internada se a probabilidade de cometer um crime que provoque danos físicos e psicológicos graves a outros for maior do que a de não o cometer. Há 150 celas individuais em prisões de alta segurança e 140 vagas em dois hospitais psiquiátricos de alta segurança. Psicopatas podem ir para prisões ou hospitais.

TRATAR

Em um desses hospitais, o de Rampton, existem quase 5 funcionários para cada um de seus 400 pacientes, 70 deles do DSPD. O custo semanal por internado é de R$ 5 mil. Deles, 75% já foram condenados por crimes muito graves, como estupro e homicídio. Os 25% restantes não foram condenados e estão internados para tratar suas propensões violentas, perigosas ou criminosas, esses não participam do DSPD.

REINTEGRAR

Se a pessoa progredir, poderá ser transferida a outra instituição de menor segurança ou liberada, porém sob supervisão do Estado.

Ana Beatriz afirma que criminosos psicopatas não podem ser recuperados nem com tratamentos psicológicos e, que nesses casos, a melhor solução seria a prisão perpétua com cela de isolamento. “Acho pouco provável que alguém que faça isso possa ter algum tipo de recuperação ou de arrependimento. Em países como a Austrália e o Canadá, e em alguns estados americanos, há diferenciação legal entre os criminosos psicopatas e os não psicopatas”, justifica Priscyla Oliveira, em seu artigo - Direito Comparado E A Punibilidade Do Psicopata Homicida, 2015.

 A autora supra mencionada defende mudanças na lei para que o Brasil também passe a adotar essa postura.  Existe também a possibilidade desses tipos de criminosos ficarem presos por tempo indeterminado em países como Itália, Suécia e Reino Unido. No Brasil, no entanto, não há estrutura para acolher estes assassinos contumazes. Com isso, criminosos de altíssima periculosidade são liberados voltam a reincidir.

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Sobre as autoras
Karen Rosendo de Almeida Leite Rodrigues

ADVOGADA, PROFESSORA UNIVERSITÁRIA, PESQUISADORA

ROBERTA MORAES MOTA

GRADUANDA EM DIREITO DA UNINORTE MANAUS

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