Função social e uso nocivo da propriedade no condomínio edilício:

a possibilidade de exclusão do condômino antissocial

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07/01/2019 às 17:30
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4 A EXCLUSÃO DO CONDÔMINO ANTISSOCIAL 

Na propriedade horizontal, por força da legislação que a disciplinava (Lei 4.591/64) e do Código Civil de 2002, mesmo que a propriedade seja exclusiva de seus titulares, devem estes sempre utilizar e gozar dentro dos limites da Convenção Condominial e da lei. [180]

A abordagem do cotidiano condominial é importante, uma vez que se trata de instituto jurídico único e diante disso indispensável são as palavras de Nehme[181]:

A vida em condomínio apresenta diferenças que não são adaptáveis a todos os cidadãos, especialmente àqueles que se recusam a aceitar limitações ao seu direito de proprietário de uma unidade. Estas limitações não estão inseridas apenas no contexto das áreas comuns; abrangem também o uso da área privativa, interferindo no dia-a-dia do condômino.

Nesse diapasão que o atual Código instituiu no inciso IV do artigo 1.336 os direitos de vizinhança relativos ao condomínio edilício, vedando o uso da propriedade condominial com fins de prejudicar a saúde, o sossego e a segurança dos demais. Portanto, tem-se como dever peculiar dos condôminos adequar-se a um padrão estipulado, não só de manutenção da propriedade, mas sim de agir de forma compatível com a convivência em comum, para que seja possível manter a harmonia no condomínio em edifícios.[182] 

Para ratificar a temática, impende o asseverado por Fachin[183]:

A situação condominial, por suas peculiaridades já explicitadas, impõe regras de vizinhança dotadas de maior rigidez, com vistas a tornar possível a convivência dos condôminos ou possuidores e a plena utilização das áreas comuns e unidades autônomas, com o mínio de interferências nocivas.

Para tanto, mister o que Pontes de Miranda261 acrescentou ao escrever:

O direito do imóvel é limitado pelo direito do proprietário do imóvel [184]vizinho. Ao sistema jurídico compete determinar o que cada um pode fazer e o que pode impedir, isto é, o núcleo positivo e o núcleo negativo do direito de propriedade. A técnica legislativa, a êsse respeito, representa elaboração de alguns séculos, na qual muito se deve aos costumes. 

O condômino que não se adapta a vida em condomínio assume uma postura incompatível com as regras do instituto jurídico e mesmo com sanções aplicadas para que fossem observadas as normas condominiais, as quais constam no artigo 1.336 e 1.337 do Código Civil, o morador continua a ofender bens econômicos e causar situações desagradáveis aos imóveis e moradores vizinhos, estando, com isso, enquadrado na figura do Condômino Antissocial, trazida pelo parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil, sendo essa a grande novidade trazida pelo Código Civil de 2002. [185]

Para dar base ao conteúdo exposto, segue parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil[186], o qual de forma genérica não faz conceituação de Condômino antissocial, nem descreve as condutas que o tornam nocivo:

Art. 1337. [...].

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembléia.

Entretanto, diante da falta de conceito de condômino antissocial pelo código, a doutrina buscou conceituar o termo e trazer algumas condutas que o caracterizam como nocivo, conforme podemos extrair do conhecimento de Farias e Rosenvald264:

Graves discussões são suscitadas com a introdução do art. 1.337, que cria a figura do „condômino nocivo‟, ou antissocial. Antissocial significa insociável, contrário à sociedade condominial. O conceito jurídico indeterminado pode ser qualificado como o proprietário ou possuidor que descumpre reiteradamente deveres perante o condomínio. Realmente, o condomínio é um manancial de discórdias; para ironia de alguns, seria melhor o termo „condemônio’. Imagine-se o condômino que consome drogas nas escadarias do prédio, promovendo algazarras ou se exibindo perante os demais moradores. De um modo geral utiliza a terminologia „condômino nocivo’ para designar pessoas que apresentam conduta incompatível, perturbando a paz condominial, prejudicando a segurança, tranquilidade, sossego, saúde e o equilíbrio psíquico, social e econômico dos demais. (grifo do autor).

Venosa prefere não elencar situações comportamentais dos condôminos, em razão de que somente a vivência em condomínio pode se encarregar de trazê-las, mas diz que no “[...] art. 1.337 a lei tem em mira o desajustado contumaz, aquele que se mostra incapaz de conviver na sociedade condominial”.[187] Nesse mesmo sentido, aduz Fachin[188]:

Há, por derradeiro, situações-limite, em que a infração dos deveres pelo possuidor ou pelo condômino é de tal gravidade que a convivência com os demais possuidores se torna extremamente difícil. Trata-se de hipóteses em que o comportamento do condômino ou possuidor não apenas se caracteriza como grave ou reiterado, mas, efetivamente, gera incompatibilidade com os demais, podendo ser classificado como anti-social. 

Moran traz que o condômino antissocial é aquele que possui conduta perniciosa e que por ação ou omissão prejudica a tríade condominial, bem como desequilibra psicológica e economicamente os demais vizinhos.[189] E, ainda, Moran[190] acrescenta algumas condutas passíveis de causarem tais lesões:

Os ruídos excessivos, as gritarias e brigas no recinto do condomínio; a guarda ou porte de substâncias tóxicas nas unidades autônomas ou o uso das mesmas nas áreas comuns do condomínio; o furto ou roubo praticado por condôminos em áreas privativas ou comuns; os crimes contra a honra, calúnia e injúria; a violência sexual no recinto do condomínio; a alteração da destinação do edifício, em detrimento da qualidade pretendida originalmente pelos condôminos, na instituição do condomínio; a falta de pagamento das despesas de condomínio são infrações que, ainda que indenizáveis patrimonialmente tornam insuportável a continuidade da vida em condomínio com o infrator.

Viana demonstra que “Temos comportamento anti-social todas as vezes que o condômino ou possuidor assume comportamento nocivo à convivência com os demais comunheiros”.[191]

Continua Rizzardo[192] na mesma linha quanto à conceituação do condômino:

Tem-se, na previsão, a conduta do chamado condômino antissocial, que é aquele que não tem uma conduta compatível com a vida em condomínio, que não respeita as limitações naturais dos edifícios coletivos, que viola os mais comezinhos princípios de convivência social, que se atrita com os vizinhos, apresentando um comportamento insuportável.

Para tanto, Nehme demonstra que “Conduta nociva   aquela prejudicial, causadora de mal, de prejuízo, dano. Diz respeito não apenas àquelas hipóteses previstas na lei (arts. 554 e 555 do CC e arts. 10 e 19 da Lei 4.591/64), como tamb m contr rias ao que estiver estipulado na convenç o de condomínio”.[193] Corroborando as conceituações já descritas, Nader[194] traz que a:

Conduta antissocial é a que foge aos padrões de normalidade e afronta os convencionalismos sociais, os princípios éticos, quando não chega às raias da prática contravencional ou delituosa; é a maneira abusiva, deseducada, desrespeitosa, egoísta, indisciplinada, provocadora de constrangimento, violadora das normas regulamentares do condomínio. Na prática, pode configurar-se pelos modos mais variados, como o de promover, em unidade residencial e repetidamente, festas até altas horas da madrugada e com aparelhos de som em grande volume, prejudicando o sossego dos demais condôminos ou possuidores.

E ainda, conforme Nehme,[195] temos que:

Os atos nocivos não têm enumeração taxativa; basta que sejam contrários à lei ou à convenção de condomínio, trazendo perturbação ou perigo ao sossego, à salubridade e à segurança dos demais condôminos e à arquitetura do conjunto condominial, para estarem caracterizados e repudiados pelo direito.

Entretanto, esclarecedor e indispensável o ponto trazido por Pereira[196] ao demonstrar que a postura nociva não pode ser confundida com pessoa que não é cortês ou educada com todos os vizinhos:

Contudo, é evidente que não se poderá confundir uma conduta ou temperamento reservado ou diferente do comum, a traduzir até mesmo uma educação deficiente, assim, por exemplo, não cumprimentar os vizinhos ou não comparecer às Assembleias, ou festas de confraternização dos condôminos, com a postura “antissocial” que deve ser considerada aquela que viola as mais elementares regras de convivência civilizada, capaz de colocar em risco a integridade física ou moral dos demais.

Enfim, diante dos conceitos trazidos, entende-se, conforme Viana, que a expressão Condômino antissocial trazida pelo artigo 1.337 do Código Civil é conceito jurídico indeterminado, vago, impreciso, deixando, com isso, espaço para que o juiz nos casos concretos preencha o significado.275

4.1 Posicionamentos Doutrinários e Jurisprudenciais Acerca da Exclusão do Condômino Nocivo/Antissocial

Após a tentativa de conceituação da expressão condômino antissocial trazida pelo parágrafo único do artigo 1.337, necessária é a abordagem da segunda parte do mesmo, a qual traz a elevação da multa ao décuplo do valor das despesas condominiais até ulterior deliberação assemblear. Sendo que aqui se encontra o maior debate doutrinário e jurisprudencial, uma vez que não permite a possibilidade de exclusão do condômino incompatível com a sociedade condominial, nem veda de forma contundente.[197]

Nesse sentido, importante a questão levantada por Agostini277 acerca da temática:

Diante do silêncio do legislador no que toca à possibilidade de exclusão do condomínio, a única medida jurídica prevista no ordenamento para o caso de faltas graves seria a imposição de multa – ou poderiam os moradores, reunidos em assembleia, ir além disso e deliberar pela exclusão do condômino nocivo ou antissocial?

O que o parágrafo único do artigo mencionado possibilita é aplicação da multa do décuplo do valor das despesas condominiais, subordinando-as à votação assemblear. Inexistindo fixação de tal punição em qualquer dos documentos, convenção ou regimento interno, se faz necessária convocação de assembleia para que seja deliberada a aplicação da multa ao condômino prejudicial aos demais ou então convocação para manutenção da multa já aplicada pelo síndico, devendo haver nesta a presença de 3/4 (três quartos) dos condôminos restantes.[198]

Ademais, mesmo que prevista na convenção ou regimento, necessária a convocação posterior da assembleia para ratificação, conforme se extrai de Monteiro, atualizado por Maluf, quando escreveu que “ al multa pode ser imposta de imediato pelo síndico, ou pelo corpo diretivo do edifício, na forma do que for disciplinado na convenç o; deve, todavia, sua imposiç o ser ratificada por ulterior deliberaç o da assembleia”.[199]

E sustenta Rizzardo[200] que “Ao referir „at  ulterior deliberaç o da assembleia‟, não importa em concluir a existência de viabilidade de vir a assembleia a autorizar medidas mais fortes. Importa em deduzir que o síndico aplicará a penalidade, que permanecer  enquanto a assembleia n o a afastar”.

Para aplicação da multa condominial, entretanto, conforme se extrai do escrito por Borjes, “Sequer há a necessidade de se advertir o condômino antissocial, mas é importante que lhe seja dado conhecimento dos fatos a ele imputados, para que possa se defender”.[201]

Ratifica a questão do direito de defesa na aplicação das sanções ao condômino antissocial o acórdão do Superior Tribunal de Justiça que segue:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA CONVENCIONAL. ATO ANTISSOCIAL (ART. 1.337, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL). FALTA DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO CONDÔMINO PUNIDO. DIREITO DE DEFESA. NECESSIDADE. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. PENALIDADE ANULADA. 1. O art. 1.337 do Código Civil estabeleceu sancionamento para o condômino que reiteradamente venha a violar seus deveres para com o condomínio, além de instituir, em seu parágrafo único, punição extrema àquele que reitera comportamento antissocial, verbis: „O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberaç o da assembl ia‟. 2. Por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civilconstitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório. Com efeito, buscando concretizar a dignidade da pessoa humana nas relações privadas, a Constituição Federal, como vértice axiológico de todo o ordenamento, irradiou a incidência dos direitos fundamentais também nas relações particulares, emprestando máximo efeito aos valores constitucionais. Precedentes do STF. 3. Também foi a conclusão tirada das Jornadas de Direito Civil do CJF: En. 92: Art. 1.337: As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo. 4. Na hipótese, a assembleia extraordinária, com quórum qualificado, apenou o recorrido pelo seu comportamento nocivo, sem, no entanto, notificá-lo para fins de apresentação de defesa. Ocorre que a gravidade da punição do condômino antissocial, sem nenhuma garantia de defesa, acaba por onerar consideravelmente o suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral, sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade. 5. Recurso especial a que se nega provimento.[202]

O caso trazido demonstra a possibilidade de punibilidade do condômino antissocial diante das posturas incoerentes com o bem-estar da comunidade condominial, desequilibrando a vida no condomínio edilício. Entretanto, ressalta a necessidade da garantia ao direito de defesa, motivo pelo qual foi negado o provimento do recurso.

Para fundamentar o conteúdo do acórdão com relação à possibilidade de punibilidade do condômino antissocial o Ministro Relator Salomão[203] escreveu que:

De fato, o Código Civil de 2002, na linha de suas diretrizes da „socialidade‟, cunho de humanização do direito e de vivência social, da „eticidade‟, na busca de solução mais justa e equitativa, e da „operabilidade‟, alcançando o direito em sua concretude, previu, no âmbito da função social da posse e da propriedade, no particular, a proteção da convivência coletiva na propriedade horizontal. Nesse passo, como sabido, os condôminos podem usar, fruir e livremente dispor das suas unidades habitacionais, assim como das áreas comuns (CC, art. 1.335), desde que respeitem outros direitos e preceitos da legislação e da convenção condominial. Realmente, o bom exercício da propriedade se lastreia na sua função social, boafé, nos bons costumes, sem abuso e com respeito ao meio ambiente e aos vizinhos, notadamente os padrões de segurança, sossego, saúde e privacidade dos atores sociais que a norma visa proteger (CC, art. 1.277).

E acrescenta o Ministro Salomão284 que além da multa cominada pelo Código Civil é possível a exclusão, desde que se assegure o direito constitucional do contraditório, conforme se extrai:

Em casos como o presente, a importância do contraditório fica ainda mais relevante. É que boa parcela da doutrina vem defendendo, com base nesse mesmo dispositivo do Código Civil, a possibilidade de medida ainda mais drástica ao condômino nocivo, mais precisamente quando a pena pecuniária se mostrar ineficiente para garantir a função social da propriedade e cessação do abuso de direito, qual seja, a sua expulsão, com a perda do direito de propriedade

Para tanto, conforme visto, se tem que as sanções condominiais previstas no artigo 1.337 não podem ser impostas em desconformidade com a Constituição Federal, segundo se compreende do enunciado nº 92 da I Jornada de Direito Civil que assegura o contraditório e ampla defesa ao dizer que: “As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo”.[204]

Para enriquecer o conteúdo exposto, Penteado[205] escreveu:

O comportamento é antissocial, nos termos do dispositivo, quando gera incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Neste caso, ele deverá pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia. Pela maneira como foi redigido o dispositivo, pode-se interpretar que a aplicação não depende de procedimento prévio. Entretanto, tem-se entendido que deve ser ressalvada alguma possibilidade de defesa prévia à deliberação definitiva da Assembleia a fim de evitar que haja manejamento abusivo da multa.

Diante da inovação legislativa trazida pelo Código Civil no artigo 1.337, jurisprudência e doutrina têm se posicionado acerca da punição do condômino nocivo e a possibilidade de exclusão. 

Nesse sentido, e para dar ensejo às correntes doutrinárias e jurisprudenciais, segue entendimento negativo de aplicabilidade da multa prevista no Código Civil sem que haja o direito de defesa do condômino infrator, o descumprimento de requisito, mesmo diante da comprovação do reiterado comportamento nocivo, é motivo para negativa de aplicação inclusive das multas previstas.

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MULTA.            CONDOMÍNIO.          PEDIDO          JULGADO      PROCEDENTE. INSURGÊNCIA        DO      RÉU.   CONDUTA     ANTISSOCIAL           DE MORADOR, FILHO DA PROPRIETÁRIA, QUE FOI OBJETO DE DELIBERAÇÃO EM ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA ONDE SE DELIBEROU POR APLICAÇÃO DE MULTA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO POR ESCRITO. PROVIDÊNCIA PREVISTA NO PRÓPRIO       REGIMENTO       INTERNO       DO       CONDOMÍNIO.

NECESSIDADE DE OPORTUNIZAR AO CONDÔMINO DIREITO DE DEFESA (CF, ART. 5º, LV). ENTENDIMENTO PACIFICADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INEXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE A AUTORA OU O MORADOR TENHAM SE RECUSADO A RECEBER NOTIFICAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.287

Nesse caso, houve a punição da conduta nociva com a multa prevista no artigo 1.337 parágrafo único do Código Civil, diante da postura do filho da proprietária de reiteradas vezes impossibilitar o uso do elevador pelos demais condôminos. Entretanto, a multa foi anulada em juízo de primeiro grau e o apelo do condomínio em segunda instância foi desprovido, em razão da aplicação de forma incorreta da punição, eis que não deu ao condômino infrator o direito de defesa. 

Salientando a importância e necessidade da temática, Wloch288 escreve que o condômino sociopata (maneira pela qual ele se refere ao condômino antissocial), desrespeita o ambiente condominial e faz mal à coletividade, conforme se depreende:

Em caso de proprietário de apartamento que cause embaraço à tranquilidade e à boa convivência coletiva no condomínio de apartamentos, surge a altercação a respeito da possibilidade de expulsão ou limitação de seu acesso ao edifício em prol do interesse coletivo. A importância do presente tema está em encontrar uma solução jurídica para os condomínios que têm moradores sociopatas, que tumultuam e molestam a harmonia das relações interpessoais daquela comunidade pacífico, e se veem „de m os atadas‟, a n o ser a reparação civil ou a cominação de multa. Parte-se da hipótese de que, mesmo que a propriedade seja um direito fundamental, a má conduta do seu titular em um condomínio edilício, tendente a alterar a paz da coletividade, espanca o fundamento da própria Republica Federativa do Brasil, o da dignidade da pessoa humana, e não faz cumprir a sua função social. 

A partir dessa premissa, a casuística dos condomínios demandou que o direito impusesse maior sanção ao condômino que não se adapta ao dia a dia do condomínio em edifícios, gerando, com isso, posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais conflitantes acerca da possibilidade de maior punição do condômino antissocial.

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4.1.1 Negativa de Possibilidade de Exclusão com Base no Princípio da Legalidade

Penteado entendia que a expulsão do condômino antissocial, mesmo que comprovada a gravidade das condutas, é pedido juridicamente impossível,impossibilitando, com isso, punição mais severa ao mau comportamento nos condomínios, sendo cabível somente a aplicação da multa prevista no artigo 1.337, mesmo quando o pedido das ações for de exclusão do condômino nocivo. Ainda assevera que a multa pode se repetir na mesma proporção em que se dá a conduta prejudicial, podendo, com a repetição da sanção, alcançar o intento de saída do condômino.[206]

Nesse mesmo sentido, Zuliani[207] explica o que se busca com a aplicação da multa: 

Espera-se que, com o peso da sanção financeira a qual mexe no bolso do infrator, ele sofra um choque persuasivo e mude radicalmente a conduta, transformando-se, senão em morador exemplar, no mínimo em condômino que não cause encrencas.

E ainda Penteado[208], afirmando o entendimento de impossibilidade de exclusão, escreveu que:

Muito embora seja grave a infração, os tribunais também tem entendido, contrariamente a muitos pedidos deduzidos em juízo, que tais violações não permitem a expulsão do condômino ou possuidor infrator do condomínio, visto não haver previsão legal. A bem da verdade, por não haver previsão expressa na lei, a expulsão do condômino infrator, ainda que por ordem judicial, é pedido juridicamente impossível, devendo ser indeferido por carência de ação nas hipóteses em que eventualmente formulado.

Nesse diapasão, segue transcrição de ementa que corrobora o posicionamento:

Expulsão      de      condômino      por     comportamento      antissocial.Impossibilidade. Ausência de previsão legal. O Código Civil permite no art. 1.337 a aplicação de multas que podem ser elevadas ao décuplo em caso de incompatibilidade de convivência com os demais condôminos. Multa mensal que tem como termo inicial a citação e o final a publicação da r. sentença, a partir de quando somente será devida por fatos subseqüentes que vierem a ocorrer e forem objeto de decisão em assembléia. Recursos parcialmente providos. (TJSP.Apelação Cível n° 668.403.4/6, 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Rel.: Maia da Cunha J. 01/10/2009).[209]

Pode-se depreender desse caso que, mesmo diante da comprovação da incompatibilidade do condômino com a vida social do condomínio e da alegação de descumprimento da função social assegurada pela Constituição, o Tribunal decidiu de forma unânime a mantença da sentença de aplicação apenas da multa, pois não há previsão jurídica para expulsão do condômino nocivo. 

Sartorelli[210] realça que no Brasil não há lei que autorize a privação temporária do uso da unidade autônoma, nem mesmo a exclusão do condômino antissocial e lamentando a inexistência legislativa assevera que:

Resta, então, a aplicação ao infrator das penalidades previstas no art. 1.337, caput e parágrafo único, do CC, garantindo-se-lhe o exercício da ampla defesa, sem prejuízo do ingresso em juízo com ação de preceito cominatório, fixando-se multa diária visando compeli-lo a respeitar as normas previstas na lei e na convenção. 

No mesmo sentido, tem-se o posicionamento jurisprudencial que mantém sentença de primeiro grau ao dizer que o Código Civil é omisso quanto à questão de exclusão do condômino antissocial, conforme se extrai:

Condomínio edilício. Postulada a exclusão de condômino que atenta contra a tranquilidade dos demais moradores do edifício. Medida drástica e extrema que exige situação verdadeiramente excepcional. Quanto aos danos morais, ocorre a ilegitimidade ativa do condomínio.            Apelo não      provido.            (TJSP.            Apelação         nº 030298991.2009.8.26.0000, 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Rel.: Roberto Maia J.08/04/2014).294

Ademais, fundamenta-se que a legislação estrangeira possibilita a punição de condômino antissocial com a exclusão do condomínio de pessoa que é incompatível com a vida condominial (suíça), com o sequestro do bem por prazo determinado (argentina) e despejo dos ocupantes nocivos (Uruguai), entretanto, no Brasil não existem disposições semelhantes, prevalecendo o princípio da legalidade para vedar a aplicação de tais penalidades e manter somente a aplicação da multa prevista em lei.[211]

Em contraposição e ironizando a punição do condômino antissocial trazida pelo Código Civil de 2002 com apenas o pagamento de multa equivalente ao décuplo das despesas condominiais, salienta-se o trazido por Ruggiero[212]:

O suplício imposto aos moradores pelo mau uso, sobretudo quando convivem com vizinhos nocivos, escandalosos, imorais, barulhentos, desrespeitosos e loucos, vai continuar, se esse mau vizinho for fico. Em todos os países que cultivam o respeito ao ser humano, sobrepujando-o ao da santíssima propriedade, o morador de conduta nociva é desalojado, seja ele proprietário ou não. O projeto foi sensível ao problema, mas adotou solução elitista: o condômino, ou possuidor, que, por causa do seu reiterado comportamento antisocial, tornar insuportável a moradia dos demais possuidores ou a convivência com eles poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo de suas contribuições. Então, aquela „insuport vel convivência‟, ditada pelo reiterado comportamento antisocial, passará a ser suportável, com o pagamento do décuplo da contribuições condominiais. Assim, a suportabilidade ou insuportabilidade será uma questão de preço. A multa tornará suportável o que era insuportável. 

E, ainda, diante da negativa de possibilidade de exclusão do condômino antissocial com base no princípio da legalidade, cabe a crítica de Zuliani[213] ao escrever que:

Não se ignora a força do princípio nulla poena sine lege e urge reverenciá-lo para o bem da legalidade da ordem constitucional. Ocorre que a ordem de expulsão do condômino não é, em verdade, uma pena civil que o juiz aplica sem ter norma que o autorize a isso, mas, sim, uma solução prevista no ordenamento para adequar os interesses conflitantes dos proprietários. Não se engessam as mentes dos juízes ou imobilizam suas canetas com o frágil discurso de que a lei não autoriza determinado julgamento, bastando recorrer ao disposto no art. 126, do CPC, para se afastar tal argumento. O condômino desafia a ordem jurídica e a convenção, pouco se importando com as regras institucionais e morais, prejudicando, com isso, direitos de ordem pessoal e reais dos demais proprietários, o que autoriza criar o título coercitivo da saída forçada do conjunto de apartamentos (art. 461, §5º, do CPC), devido ao não cumprimento da obrigação prevista no art. 1.336, IV, e 1.337 do CC. 

Portanto, afasta-se a negativa de exclusão do condômino antissocial com base no princípio da legalidade, uma vez que possível se houver análise do sistema jurídico como um todo.

4.1.2 Negativa de Possibilidade de Exclusão com Base na Inconstitucionalidade

Alguns autores entendem que a exclusão do condômino antissocial seria inconstitucional, uma vez que violaria vários direitos assegurados pela Carta Magna, estando Maluf e Marques[214] entre os que dão razão ao legislador de 2002 ao negar a possibilidade de exclusão ou a qualquer outra pena mais severa ao condômino infrator, conforme se pode aduzir que:

Ao prever multa pecuni ria a ser aplicada ao condômino antissocial, o legislador civil de 2002, a nosso ver, agiu corretamente, afastandose de penas como a interdiç o de direitos, v. g., proibiç o de frequentar partes da  rea comum, como piscinas e quadras de tênis etc., uma vez que esse tipo de reprimenda poderia infringir normas constitucionais que regulam os direitos individuais, tornando-as, portanto, inócuas.

Corroborando a tese de que mesmo em casos graves e comprovados de comportamento antissocial não é possível a exclusão do condômino nocivo em face da violação de preceitos constitucionais Tartuce[215] escreve:

Mesmo em casos graves como o julgado, não se filia a tal corrente, por violar o princípio de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inc. III, da CF/1988) e a solidariedade social (art. 3.º, inc. I, da CF/1988); bem como a concreção da tutela da moradia (art. 6.º da CF/1988). Em suma, a tese da expulsão do condômino antissocial viola preceitos máximos de ordem pública, sendo alternativas viáveis as duras sanções pecuniárias previstas no art. 1.337 do CC/2002.

Os princípios constitucionais são valorados para harmonizar o sistema jurídico e servir como auxiliares à paz social e nesse sentido escreveu Alves[216] que “[...] os valores consagrados nos princípios constitucionais têm uma pretensão de se efetivarem concretamente nas relações sociais”.

O princípio da dignidade da pessoal humana, trazido pelo artigo 1º da Constituição Federal de 1988, embora de difícil conceituação, ganhou definição nas palavras de Sarlet[217]:

A dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade.

Enriquecendo o conteúdo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e trazendo-o para o enfoque da temática relacionada a assegurar o bemestar da coletividade, tem-se o entendimento de Martins[218] ao interpretar a Constituição de 1988:

Passa-se, a partir do texto de 1988, a ter consciência constitucional de que a propriedade do Estado (política, social, econômica e jurídica) deve ser o homem, em todas as suas dimensões como fonte de sua inspiração e fim último. Mas não o ser humano abstrato do Direito, dos Códigos e das Leis, e sim, o ser humano concreto, da vida real. Destarte, deixa-se de lado uma visão patrimonialista das relações políticas, econômicas e sociais para conceber o Estado, e o sistema jurídico que ele estabelece a partir destas relações, como estrutura voltada ao bem estar e desenvolvimento do ser humano. Assim, a pessoa humana passa a ser concebida como centro do universo jurídico e prioridade justificante do Direito. 

Ainda, Silva[219] acrescenta que dignidade da pessoa humana “[...]   um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem”.

Quanto ao direito fundamental à moradia assegurado pela Constituição Federal no artigo 6º, se faz importante o que escreveu Pansieri304 mencionando a Observaç o Geral n. 4 do Comitê de Direitos Econômicos,  ociais e Culturais das Nações Unidas:

[...] o Direito à  oradia encontra definiç o apropriada na Observaç o Geral no 4 do Comitê de Direitos Econômicos,  ociais e Culturais das Nações  nidas, que prescreve: o direito a uma moradia adequada significa dispor de um lugar onde se possa asilar, caso o deseje, com espaço adequado, segurança, iluminaç o, ventilaç o, infraestrutura b sica, uma situaç o adequada em relaç o ao trabalho e o acesso aos serviços b sico, todos a um custo razo vel.

Para tanto, o direito fundamental à moradia e o princípio da dignidade da pessoa humana foram colocados na Constituição Federal de 1988 como asseguradores da justiça social, sendo essa uma importante forma de garantia de direitos, conforme se extrai de Wloch305:

Essa justiça lato sensu coloca seu instrumental a serviço do direito individual, direito da pessoa, que carece de um campo livre para o desenvolvimento das suas potencialidades; a justiça social cuida do coletivo, de suas funções e responsabilidades na sociedade, como agente integrador que busca o ideal comum a toda a comunidade.

E acrescenta Mello306 ao escrever acerca da justiça social trazida já na Constituição de 1967 com a emenda número I como asseguradora de direitos, os quais são mantidos da mesma forma até os dias atuais:

Uma vez que a nota típica do Direito é a imposição de condutas, compreende-se que o regramento constitucional é, acima de tudo, um conjunto de dispositivos que estabelecem comportamentos obrigatórios para o Estado e para os indivíduos. Assim, quando dispõe sobre a realização da Justiça Social - mesmo nas regras chamadas programáticas - está, na verdade, imperativamente, constituindo o Estado brasileiro no indeclinável dever jurídico de realizá-la.

Por fim, a negativa de possibilidade de exclusão com base nesses fundamentos constitucionais não é muito aventada, uma vez que os mesmos princípios constitucionais usados para proibir a exclusão do condômino nocivo podem, também, ser usados como argumento para permissão, conforme se depreenderá nos itens subsequentes.

4.1.3 Possibilidade de Expulsão de Plano, Sem que Haja Aplicação das Multas Previstas, Assegurando Somente o Direito de Defesa do Condômino Nocivo 

Com o entendimento de que a exclusão condominial é a medida cabível de plano, sem a aplicação de multas, pois estas não são eficazes para alterar o comportamento antissocial, conclui de Venosa[220] acerca da temática quando escreve:

Nossa conclusão propende para o sentido de que a permanência abusiva ou potencialmente perigosa de qualquer pessoa no condomínio deve possibilitar sua exclusão mediante decisão assemblear, com direito de defesa assegurado, submetendo-se a questão ao judiciário. Entender-se diferentemente na atualidade é fechar os olhos à realidade e desatender ao sentido social dado à propriedade pela própria Constituição. A decisão de proibição não atinge todo o direito de propriedade do condômino em questão, como se poderia objetar; ela apenas o limita, tolhendo em seu direito de habitar e usar da coisa em pro de toda a coletividade. Quem opta por residir ou trabalhar em condomínio de edifício ou comunhão condominial assemelhada deve amoldar-se e estar apto para a vida coletiva. 

Assentando a possibilidade de exclusão do condômino antissocial sem a cominação das multas previstas, somente assegurando o direito de defesa do condômino, segue entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo:

ILEGITIMIDADE DE PARTE. PRIMEIRO REQUERIDO, PAI DO SEGUNDO, QUE ALEGA NÃO SER PARTE LEGÍTIMA PARA RESPONDER À AÇÃO, EM VIRTUDE DE NÃO SER EFETIVAMENTE O PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. INADMISSIBILIDADE. APELANTE QUE INVARIAVELMENTE AGIU COMO SE PROPRIETÁRIO FOSSE PERANTE O CONDOMÍNIO AUTOR, PARTICIPANDO DE ASSEMBLEIAS E RECEBENDO NOTIFICAÇÕES, SEM JAMAIS REVELAR SUA CONDIÇÃO DE NÃO PROPRIETÁRIO.

OBSERVÂNCIA DA TEORIA DA APARÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. CONDOMÍNIO. DEMANDA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER AJUIZADA POR CONDOMÍNIO PARA EXPULSÃO DE MORADOR ANTISSOCIAL E PARA RETIRADA DE LIXO ACUMULADO NA UNIDADE. ADMISSIBILIDADE. PRÉVIA DELIBERAÇÃO DA MEDIDA EM ASSEMBLEIA. REITERADO DESCUMPRIMENTO DAS POSTURAS MÍNIMAS DE CONVIVÊNCIA SOCIAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS IMPROVIDOS.[221]

No caso, houve alegação da ilegitimidade passiva do pai do condômino nocivo, a qual foi afastada mediante argumento que sempre atuou como responsável pela propriedade e deverá, portanto, fazê-lo em juízo igualmente. Quanto ao condômino antissocial, houve a notificação das condutas nocivas reiteradas, sendo que este não alterou a postura, tendo por consequência aprovação em assembleia para ajuizamento de ação para expulsão do condomínio. Em sentença foi deferida a expulsão e mantida no juízo ad quem. Não houve determinação de prazo para retorno ao condomínio pelos réus entendendo o juiz que tal decisão e prazo cabem à assembleia, pois dela veio a deliberação para postular o afastamento. 

Diante de situações causadoras de insuportabilidade de convivência é possível a exclusão do condômino sem mesmo aplicação das multas, apenas garantindo-lhe o direito de defesa, conforme se aduz de Morsello[222]:

[...] em situação excepcional, após a ampla defesa, uma vez constatada prática antissocial reiterada e que torne insuportável a vida comunitária, em adoção as regras de proporcionalidade e razoabilidade, reputamos viável, à luz da funcionalização do instituto da propriedade e deveres de solidariedade na vida em comunidade, a viabilidade de exclusão. 

Conforme visto, diante de situação drástica e insuportável, garantida a ampla defesa, se faz possível a exclusão do condômino antissocial, não sendo imprescindível aplicação das multas cominadas no artigo 1.337 do Código Civil, pois a medida de exclusão é necessária para manter a paz condominial e fazer prevalecer o bem estar social. 

4.1.4 Possibilidade de Exclusão do Condômino Antissocial Diante da Aplicação das Multas Previstas no Ordenamento

A possibilidade de exclusão do condômino nocivo após a aplicação das sanções pecuniárias previstas pelo Código Civil foi aventada inicialmente pelo enunciado 508 da V Jornada de Direito Civil[223], o qual traz o enfrentamento da matéria quando as multas se mostraram ineficazes:

508 Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal.

No mesmo sentido do enunciado está o entendimento de Soares[224] ao escrever que:

[...] em nome do bem-estar da coletividade condominial e dos preceitos de boa vizinhança (preservação da paz condominial) é justificável a privação do titular de um direito de propriedade que deixe de atender aos deveres impostos pela lei e pela convenção condominial, adotando-se medidas como a interdição temporária do uso ou alienação compulsória da unidade imobiliária, desde que haja previsão convencional e após se esgotar todos os outros recursos previstos nas normas internas do condomínio.

Em decisão do Tribunal de Justiça do Paraná foi aceita a exclusão do condômino antissocial, diante da comprovação do cumprimento da punição com aplicação das sanções impostas pelo Código Civil e o atendimento ao contraditório assegurado pela Constituição Federal e enunciado 92, já citado.

Para tanto, segue ementa da decisão:

APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO EDILÍCIO VERTICAL. PRELIMINAR. INTEMPESTIVIDADE. INOCORRÊNCIA. APELO INTERPOSTO ANTES DA DECISÃO DOS EMBARGOS. RATIFICAÇÃO. DESNECESSIDADE. EXCLUSÃO DE CONDÔMINO NOCIVO. LIMITAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO, TÃOSOMENTE. POSSIBILIDADE, APÓS ESGOTADA A VIA ADMINISTRATIVA. ASSEMBLÉIA GERAL REALIZADA. NOTIFICAÇÕES COM OPORTUNIZAÇÃO DO CONTRADITÓRIO. QUORUM MÍNIMO RESPETITADO (3/4 DOS CONDÔMINOS). MULTA REFERENTE AO DÉCUPLO DO VALOR DO CONDOMÍNIO. MEDIDA INSUFICIENTE. CONDUTA ANTISSOCIAL CONTUMAZ REITERADA. GRAVES INDÍCIOS DE CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL, REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. CONDÔMINO QUE ALICIAVA CANDIDATAS A EMPREGO DE DOMÉSTICAS COM SALÁRIOS ACIMA DO MERCADO, MANTENDO-AS PRESAS E INCOMUNICÁVEIS NA UNIDADE CONDOMINIAL. ALTA ROTATIVIDADE DE FUNCIONÁRIAS QUE, INVARIAVELMENTE SAIAM DO EMPREGO NOTICIANDO MAUS TRATOS, AGRESSÕES FÍSICAS E VERBAIS, ALÉM DE ASSEDIOS SEXUAIS ENTRE OUTRAS ACUSAÇÕES. RETENÇÃO DE DOCUMENTOS. ESCÂNDALOS REITERADOS DENTRO E FORA DO CONDOMÍNIO. PRÁTICAS QUE EVOLUIRAM PARA INVESTIDA EM MORADORA MENOR DO CONDOMÍNIO, CONDUTA ANTISSOCIAL INADMISSÍVEL QUE IMPÕE PROVIMENTO JURISDICIONAL EFETIVO. CABIMENTO. CLÁUSULA GERAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. MITIGAÇÃO DO DIREITO DE USO/HABITAÇÃO. DANO MORAL. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA NÃO DEDUZIDA E TAMPOUCO APRECIADA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS FIXADOS EM R$ 6.000,00 (SEIS MIL REAIS). MANTENÇA. PECULIRIDADES DO CASO CONCRETO.SENTENÇA  MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.[225]

No caso exposto o empresário, réu, praticava crimes na sua unidade autônoma há muito tempo, se tornando notícia midiática. A postura do condômino era reiterada, fazendo com que o condomínio abrisse livro de ocorrências para anotação de todos os atos atentatórios à vida condominial praticados por ele. Quando do ajuizamento da ação, 90% das reclamações e ocorrências registradas no livro se tratavam do réu. A postura adquirida por ele trouxe mal estar aos demais condôminos durante muitos anos, pois mesmo diante das notificações, multas e assembleias para puni-lo não foram suficientes para coibir os atos nocivos do proprietário.

Corroborando com a função social como fundamento deste acórdão e também mencionado no enunciado 508 da V Jornada de Direito Civil, importantes são as palavras de Agostini quando escreve que “O princípio da funç o social molda a propriedade, fazendo com que esta só possa ser exercida segundo os fins sociais, não se admitindo, portanto, que o seu exercício contrarie o interesse social”.[226] 

Ademais, necessárias também são as palavras de Azevedo[227] ao escrever que:

A exclusão do condômino nocivo é a única solução para conter os aludidos abusos no direito de propriedade, que tem seu fundamento, principalmente constitucional, na ideia de função social. A propriedade há de exercer-se, sempre, segundo sua função social. A lei civil, assim, dá um passo adiante na complementação desse significado importante, do condicionamento do uso da propriedade de forma harmônica, pacífica, nos moldes legais, preservando o bemestar dos condôminos, dos vizinhos e o meio ambiente. 

Adequando-se ao caso, seguem as palavras de Franco[228] quanto ao papel da função social da propriedade na exclusão do condômino nocivo:

O preceito constitucional que assegura o direito de propriedade não conflitará com a lei ordinária que prescrever a interdição temporária do uso, ou a alienação compulsória do apartamento cujo titular cause intranquilidade à vida condominial. Isso porque aquele direito tem de ser exercido visando o bem-estar social nunca para prejudica-lo na sua realização prática.

Ainda com base em questões constitucionais, em confronto com a impossibilidade de exclusão do condômino nocivo da convivência em condomínio, Wloch316 critica a posição de não permiti-la com base na inconstitucionalidade quando escreveu:

Ipso facto, a permanência de morador anti-social num condomínio edilício prejudica o bem-estar, a qualidade de vida das pessoas que também residem no prédio e afronta um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, de maneira que a privação de sua propriedade, seja com a expulsão, seja com a proibição se seu uso, gozo e disposição é medida que se impõe, pois não cumpre com a função social de propriedade. E tal providência não implica em violação ao direito de propriedade do sujeito. (grifo do autor).

Ademais, acerca da postura nociva dos condôminos, Farias e Rosenvald[229] escrevem que o condômino que não se adapta às condições condominiais e que se porta de maneira a causar mal aos demais condôminos tem caráter antissocial e que para ele a sanção pecuniária seria, de fato, insuficiente para mudar o comportamento do causador dos males, pois não tem respeito pelos demais. Trazem, ainda, um comparativo com legislação de outros ordenamentos jurídicos, os quais permitem a exclusão do condômino nocivo e demonstram que a nossa legislação foi omissa ao tratar do tema, mas que é possível a retirada do antissocial quando se faz uma leitura do sistema jurídico:

Apesar da omissão do legislador, cremos que na hipótese de pagamento da multa pelo condômino nocivo, a reiteração das condutas antissociais poderá ensejar ao prédio, por meio do síndico, o ingresso com a pretensão de exclusão do condômino desordeiro do prédio, aplicando-se a tutela especifica de obrigação de fazer, com imposição de multa diária para o caso de descumprimento da liminar a ser concedida pelo magistrado, em antecipação de tutela (art. 273 do CPC). Vale dizer, quanto ao juízo de probabilidade quanto à veracidades dos fatos não acarretará a perda do direito de propriedade ou a restrição à fruição da coisa por seu titular (v. g. locação), mas impedirá a faculdade de uso pessoal do imóvel, eis que suprimido o direito de moradia naquele prédio.

Para tanto, importante decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que anulou a sentença de primeiro grau que negou a possibilidade de exclusão do condômino antissocial por impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que mesmo que o Código seja omisso quanto à punição, o sistema como um todo não a veda e por isso necessária análise de um contexto legislativo em geral, juntamente com os fatos para que se possa aplicar a sanção, sempre assegurando o direito de defesa:

CONDOMÍNIO EXCLUSÃO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL AÇÃO JULGADA EXTINTA CARÊNCIA. DE AÇÃO IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO SANÇÃO GRAVOSA QUE NÃO POSSUI PREVISÃO  NO CÓDIGO CIVIL INCONFORMISMO OMISSÃO DO LEGISLADOR QUE, POR SI SÓ, NÃO PROÍBE A PRETENSÃO DEDUZIDA EM JUÍZO, NEM AFASTA A APLICAÇÃO DE NORMAS CONSTITUCIONAIS QUE INTEGRAM O DIREITO PRIVADO DEVER DA JUSTIÇA DE SOLUCIONAR A CONTROVÉRSIA PELO MÉRITO DIREITO DE AÇÃO RECONHECIDO – SENTENÇA ANULADA.RESULTADO: apelação parcialmente provida.[230]

Ainda no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve-se a decisão interlocutória que deferiu a tutela de exclusão do condômino comprovadamente antissocial do condomínio autor, uma vez que aplicadas inúmeras multas as quais não se mostraram suficientes para que o condômino mudasse a postura nociva diante dos demais, demonstrando, portanto, a impossibilidade de convivência em condomínio, conforme ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXCLUSÃO DE CONDÔMINO ANTISSOCIAL. TUTELA ANTECIPADA.DEFERIMENTO. POSSIBILIDADE. Verossimilhança dos fatos alegados, tendo em vista que o agravado comprova, de forma inequívoca, o comportamento antissocial do demandado a impedir a convencia pacífica com os demais moradores. Receio de dano irreparável ou de difícil reparação, uma vez que a permanência do réu no condomínio coloca em risco à segurança e à integridade dos demais moradores. Manutenção da decisão que deferiu a tutela antecipada de exclusão do condômino, nos termos do art. 273, I, do CPC. NEGARAM SEGUIMENTO ao recurso, por decisão monocrática.319

Verifica-se, diante do debate doutrinário e das controvérsias jurisprudenciais, que o legislador perdeu oportunidade de inserir no novo Código Civil a possibilidade de punição mais severa ao condômino antissocial, pois poderia tal punição se dar por tempo determinado ou, em casos extremos, poderia haver a exclusão definitiva.[231]

Outrossim, o direito de vizinhança é alicerce do direito condominial, cabendo as regras vicinais para solução de conflitos no condomínio quando a relação é entre unidades autônomas e para tanto merece prosperar o conhecimento de Azevedo[232] ao escrever:

Essa conduta anti-social vislumbra-se, reprimida, no capítulo dos direitos de vizinhança, do Código Civil, como uso anormal da propriedade. Pelo art. 1.277 do mesmo Código, o proprietário ou o possuidor de um prédio têm o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que habitam. Do mesmo modo, e como consequência, têm proprietário ou possuidor o dever de respeitar essas normas coabitacionais. 

Angélico[233] traz exemplo de conduta incompatível com a vida condominial descrevendo a situação de um condômino que sempre alcoolizado vive vomitando pelas áreas comuns do condomínio e é encontrado desacordado nas escadarias e elevadores. Diante disso o condomínio toma todas as atitudes cabíveis e corretas para aplicação da multa do décuplo do valor da cota condominial, convocação de assembleia na qual houve aprovação de ¾ para aplicação da penalidade garantindose o direito de defesa. Porém, após o pagamento da multa prevista pelo Código Civil, o condômino acentuou o comportamento antissocial, sendo, portanto, necessária medida mais drástica para fazer cessar o comportamento nocivo. Para tanto, como solução da omissão legislativa quanto à punição mais severa do condômino antissocial, traz maneira de resolver o conflito com base no direito de vizinhança, fazendo uma leitura do sistema jurídico em geral e buscando o albergue do judiciário:

O condomínio ingressa com pedido de tutela jurisdicional antecipada, colimando a exclusão do condômino do condomínio, trazendo inequívoca prova dos fatos ocorridos, demonstrando a verossimilhança das alegações e preenchendo todos os demais pressupostos legais exigidos (art. 273, do CPC (LGL\1973\5)), requerendo a exclusão do condômino daquele condomínio. O condomínio, então autor, pode também, com base no art. 461, § 5.º, do CPC (LGL\1973\5), requerer ao juiz a concessão da tutela específica da obrigação, e, assim, de ofício ou a requerimento, poderá determinar a remoção de pessoas e coisas (arts. 273 e 461, do CPC (LGL\1973\5 [...]. O legislador civil, quanto ao condomínio edilício, trouxe limitação social no direito de propriedade criando um direito complexo, um binômio propriedade-exclusiva e propriedadecomum (art. 1.331, do CC/2002 (LGL\2002\400)). Na vertente hipótese, salvo melhor juízo, o comportamento anti-social extravasa o lar, a propriedade exclusiva do comproprietário para as áreas comuns edilícias, também denominadas frações ideais, de impossível divisão, levando o condomínio à impossibilidade de corrigir tal comportamento, mesmo após a imposição do constrangimento legal. Pode o juiz, então, ante a evidência dos fatos, da prova inequívoca e do convencimento da verossimilhança, decidir pela exclusão do co-proprietário da unidade condominial, continuando este com seu patrimônio, podendo locá-lo, emprestá-lo ou vendê-lo, perdendo, porém, o direito de convivência naquele condomínio.

Corroborando com os instrumentos de punição do antissocial, Agostini[234] escreve a possibilidade do juiz assegurar um resultado útil para o condomínio e os demais condôminos com base na legislação existente, conforme segue:

Também parece adequado destacar que, por mais que o art. 1.337 do Código Civil não preveja expressamente a possibilidade de exclusão do condômino nocivo, a própria legislação processual estabelece que o juiz poderá assegurar o resultado prático equivalente, utilizar-se de medidas que visem impedir o réu da prática de atividades nocivas (art. 461,§5º, CPC). Assim, parece perfeitamente adequada a possibilidade de que o juiz, diante da gravidade dos fatos, defira medida consistente em obrigação de não fazer (obrigação de não habitar a unidade), sem que, com isso, esteja ultrapassando os limites previstos em sua alçada.

E ratificando, tem-se que os direitos de vizinhança elencados no Código Civil de 2002 trazem o uso anormal da propriedade, o que defere o direito dos proprietários ou possuidores fazer cessar as interferências prejudiciais advindas dos vizinhos, nesse sentido o juiz com seus poderes faz com que tal providência seja atendida por meio do artigo 461, parágrafo quinto do Código de Processo Civil, uma vez que tal artigo admite, entre as possibilidades de fazer cumprir a obrigação, a remoção de pessoas, o que, viabiliza a remoção do condômino prejudicial à vida condominial.[235]

Para tanto, a jurisprudência tem sido favorável à ação cominatória como forma de exclusão do condômino nocivo, como se pode aduzir do acórdão:

APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. DIREITO CIVIL. COISAS. PROPRIEDADE. Exclusão do condômino nocivo. Impossibilidade convivência pacífica ante a conduta anti-social do condômino. APELO NÃO PROVIDO. UNÂNIME. 325

Esse processo se trata de ação cominatória que tramitou na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul sob nº 001/107.0292828-7, condenando os réus a se afastarem da unidade condominial diante de toda a prova de que a convivência deles com os demais condôminos era insuportável. Em sentença de primeiro grau foi determinada a exclusão da convivência dos demais condôminos. A decisão em segundo grau foi mantida, diante de todas as provas carreadas aos autos e pela insustentável convivência com os réus, para que o Condomínio Edifício Giovana pudesse retomar a paz condominial.

Na decisão de primeiro grau, o magistrado Régis de Oliveira Montenegro Barbosa bem escreve que mesmo diante da falta de cominação da exclusão do condômino antissocial no Código Civil, está é possível a fim de assegurar os direitos dos demais vizinhos, conforme pode-se extrair do seguinte:

Assim, em que pese não haja previsão expressa a amparar a pretensão de exclusão do réu do condomínio autor, uma vez que o art. 1337 do CC/2002 não contempla tal possibilidade, pode o magistrado, verificando que o comportamento anti-social extravasa a unidade condominial do „infrator‟ para as áreas comuns do edifício, levando o condomínio à impossibilidade de corrigir tal comportamento mesmo após a imposição do constrangimento legal – multa-, decidir pela exclusão do proprietário da unidade autônoma, continuando este com seu patrimônio, podendo ainda dispor do imóvel, perdendo, entretanto, o direito de convivência naquele condomínio.326           

Enriquecendo a possibilidade de exclusão com base na legislação vigente e garantido o direito de defesa do condômino antissocial, cabível o escrito pelo Ministro Salomão[236] acerca da possibilidade da análise do sistema legislativo como um todo:

É que, por se tratar de punição imputada por conduta contrária ao direito, na esteira da visão civil-constitucional do sistema, deve-se reconhecer a aplicação imediata dos princípios que protegem a pessoa humana nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, deve incidir nas relações condominiais, para assegurar, na medida do possível, a ampla defesa e o contraditório.

Outrossim, antes de continuar com o embasamento da possibilidade de exclusão, diante da exposição da forma de resolução do tema por Angélico, Agostini e Miranda também já mencionada brevemente por Zuliani ao final do subtópico 4.1.1, cabe uma breve questão processual, tendo em vista que o Código de Processo Civil de 1973328 não está mais vigente, sendo necessária a colocação dos artigos mencionados baseando-se já no Código de Processo Civil de março de 2015.

Para tanto, o artigo 461, parágrafo 5º do Código de Processo Civil de 1973 foi substituído pelo artigo 536, parágrafo 1º do Código de Processo de Processo Civil, bem como a tutela antecipada trazida no artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973 foi substituída pelas tutelas constantes nos artigos 294 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015.[237]

Referente às tutelas trazidas pelo novo Código de Processo Civil, de urgência e evidência, importante artigo escrito por Rodrigues330

No artigo 294 do CPC o legislador colocou sob o tronco comum da tutela provisória as tutelas de urgência e da evidência. Expressmente disse que „a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência‟. Ambas têm como troco ontológico único a função de evitar que o tempo do processo seja um fator de injustiça na prestação da tutela jurisdicional. Por isso, ambas pretendem corrigir o problema do „fato tempo‟ neutralizando o processo contra situações de urgência que tanto podem afetar o próprio processo quanto o direito material nele contido (tutela de urgência cautelar ou antecipada) ou então redistribuindo o ônus do tempo de duração do processo segundo critérios de evidência do direito pleiteado em juízo (tutela de evidência). (grifo do autor).

Consoante isso se interpreta que a aplicação das tutelas de urgência antecipatórias e a tutela de evidência são cabíveis aos casos de exclusão do condômino antissocial, pois ambas tem função satisfativa mediante cognição não exauriente do processo, conferindo a quem a postular os efeitos da tutela final pretendida. A tutela antecipada de urgência dos artigos 303 a 309 do Código de Processo Civil é aplicada quando há elementos que evidenciem a probabilidade do direito material a ser tutelado e situação de urgência que coloca em risco o direito material pretendido. Já na tutela de evidência do artigo 311 o legislador a criou para proteger um direito evidente, não sendo necessária a urgência. Mais precisamente aplicável à situação condominial o artigo 311, inciso IV, no qual o autor na petição inicial traz prova documental suficiente dos fatos constitutivos de seu direito e o réu não faz prova capaz de provar o contrário, sendo, portanto, deferido a tutela cautelar pretendida, alterando a situação de inércia do réu e trazendo para ele o ônus de suportar o tempo do processo. Ainda, ambas podem ser modificadas e revogadas no decorrer da ação.[238]

Diante disso e da inexistência de previsão acerca da possibilidade de exclusão do condômino antissocial, tais possibilidades se tornam subjetivas e devem ser analisadas minuciosamente pelos julgadores.

Ainda que a questão principal da monografia seja a possibilidade de exclusão do condômino antissocial, faz-se necessário aventar a questão, brevemente, da possibilidade do despejo do locatário ou a retirada de um possuidor que tenha qualquer outra relação de contrato obrigacional ou real com o proprietário de unidade condominial. Para tanto, segue o caso da ementa a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO POR QUEBRA DE CLÁUSULA CONTRATUAL. DESRESPEITO AO  DIREITO     DE     VIZINHANÇA     E     AOS     BONS     COSTUMES.COMPROVADO. 1. No caso, restaram incontroversos os excessos cometidos pelo locatário, que culminaram em agressões físicas à vizinha, provocando-lhe ferimentos, bem como em avaria a marco e guarnições da porta de entrada do apartamento da condômina, em razão da atitude violenta e desmedida do réu. 2. Além disso, foi juntado aos autos abaixo-assinado firmado por doze moradores, solicitando providências à administradora do imóvel locado, tendo em vista o comportamento antissocial do locatário. 3. É possível a resolução do contrato de locação, em decorrência da prática de infração contratual, pois havendo colisão entre o direito de moradia do locatário, que causa transtornos, e a dignidade de outras pessoas que residem no condomínio edilício, deve prevalecer a dignidade da pessoa humana. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO. (grifo nosso).[239]

A casuística é relativa a conflito de vizinhança em condomínio edilício no qual o réu é locatário e age de maneira a prejudicar a saúde, sossego e segurança dos demais proprietários ou possuidores. Comprovado o comportamento antissocial do condômino que agredia os vizinhos, ajuizou a locadora ação de despejo para retirada do condômino nocivo do prédio, diante do descumprimento de cláusula contratual do contrato de aluguel que possuía finalidade de manter a boa convivência com os vizinhos, cláusula que faz com que o locatário se encaixe no contexto social no qual pretendeu ao alugar o imóvel, ou seja, anuiu com todas as regras condominiais. Em reforma à sentença de primeiro grau, o juízo ad quem alega a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana sobre o direito de moradia do locatário, permitindo a resolução do contrato com base no descumprimento do contrato de aluguel ao infringir a cláusula de boa convivência e deu provimento para o despejo do condômino locatário nocivo.

Após todo o estudado, é cabível a colocação de Morsello ao questionar acerca da punibilidade do condômino nocivo após a aplicaç o das multas: “Quid juris, então se houver comportamento absoluta e reiteradamente lesivo à comunidade condominial, sem qualquer mudança comportamental após a imposição de sanções pecuni rias?”.[240]

Em resposta, sabe-se que a propriedade tem valor social, conforme se extrai do contexto histórico, ao decorrer dos tempos se transformou em instituto baseado na função social e quando esta é descumprida dá ensejo para que o condômino antissocial seja retirado do condomínio. Fundamenta-se tal exclusão na interpretação constitucional e sua força normativa, corrigindo a lacuna existente no parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil.334

Ademais,  oran escreve que “As penas meramente pecuni rias, em expressivo número de litígios, são inócuas para fazer cessar as práticas nocivas à segurança, à saúde, ao sossego e tranquilidade, no interior das unidades autônomas e nas  reas comuns dos edifícios”.[241]

A falta de previsão legal para punição efetiva do condômino antissocial consta nos ensinamentos de Franco[242], que escreveu que:

Possivelmente, o legislador não quis enfrentar o problema, temeroso de ferir o direito de propriedade. Rigoroso em outros pontos, o legislador foi muito tímido ao regular a utilização do apartamento da porta para dentro. Contudo, os abusos têm de ser punidos com a exclusão definitiva do condômino ou, pelo menos, com condenação de mudar-se para outro local, pois não é justo que o edifício seja afetado em seu bom nome e seus moradores forçados a suportar a presença de alguém cujo mau comportamento seja incompatível com a moralidade e os bons costumes. 

Deixar de punir o condômino que não se comporta em conformidade com a vida condominial e descumpre a legislação, seria desassistir àqueles que o fazem, dar-se-ia privilégios aos antissociais e à ilegalidade e seria um convite para a autotutela como resolução do conflito.337

E também, com a mantença do antissocial no condomínio, dar-se-ia privilégio apenas ao direito fundamental da propriedade, deixando de lado o fundamento principal desta que é cumprir com a função social, também assegurada constitucionalmente. E, ainda, desmereceria o princípio da dignidade da pessoa humana e da justiça social, tendo em vista que o condômino nocivo age de maneira a prejudicar a saúde, o sossego e a segurança dos demais e, ao privilegiar um único condômino causador de mal em seu direito de propriedade, prejudicar-se-ia todo o resto da comunidade condominial. Sendo, portanto, a exclusão medida impositiva para manutenção da ordem e qualidade de vida do condomínio.338

Outrossim, Sartorelli339 ao fazer direito comparado com alguns países que aceitam punição mais severa do condômino antissocial aduz que:

[...] é lamentável que não haja no ordenamento jurídico pátrio medida efetiva para assegurar ao condomínio a exclusão definitiva do condômino nocivo ou, ao menos, a privação temporária do uso da unidade autônoma

Assim, Nehme340 escreve que para sanar a lacuna legislativa acerca da exclusão do condômino antissocial é necessário que seja criada uma lei e que esta não será inconstitucional, enquanto não ocorrer teremos de nos manter fiéis às legislações existentes usando da interpretação:

[...] com base no cumprimento da função social, como elemento transformador e limitador do direito de propriedade, tem-se que eventual lei infraconstitucional que autoriza a exclusão temporária ou mesmo definitiva do condômino antissocial é perfeitamente compatível com a atual Carta Magna. 

Finalmente, após exposições doutrinárias e jurisprudenciais trazidas, acreditase que seja juridicamente possível a exclusão do condômino antissocial, mesmo que o legislador tenha se mantido silente acerca da possibilidade no parágrafo único do artigo 1.337 do Código Civil, uma vez que a leitura do sistema jurídico como um todo possibilita tal ação. A existência de uma pessoa com conduta antissocial vai muito além de punição pecuniária e de normas previstas, trata-se de conflito entre direitos fundamentais assegurados a todos pela Constituição Federal. Portanto, se o direito da maioria dos moradores está sendo prejudicado pela conduta de um indivíduo é admissível a prestação jurisdicional para excluí-lo do convívio dos demais. [243]

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Sobre a autora
Tatiana Lima da Silva

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

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