Convergências de características da liderança do setor privado com a liderança do setor público

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Para liderar no setor público, é necessário reunir características ínsitas aos líderes do setor privado. Contudo, as diferenças de enfoque exigem análise das características convergentes e das dificuldades específicas do setor público.

INTRODUÇÃO

O conceito de liderança ganha conotações diferenciadas a depender do tipo de organização a que está vinculado, sendo que o conceito mais raso de liderança tem relação com o poder de influenciar indivíduos ou grupos dentro de uma organização.

Para fazer frente a esse conceito raso, se mostra salutar citar os ensinamentos de Bergamini (2009, p. 14), catedrática brasileira que trata do tema em suas valiosas obras, para quem “a liderança não pode ser concedida por poder ou segundo uma estrutura; só se é um líder, se as pessoas seguirem sua liderança, tendo a liberdade de não o fazerem”.

Conforme situado por LOCATELLI (2015, p. 1):

A prática da liderança no Brasil, tanto nas empresas privadas como nas organizações públicas é um assunto de extraordinária relevância, pois é fator fundamental no alcance dos resultados finais dessas organizações, tornando-as bem sucedidas ou não, a depender do nível de sincronia do líder no desenvolvimento e no crescimento intelectual, cultural e motivacional das equipes de colaboradores.

No conceito de liderança, observa-se que o líder tem importância e valor para as organizações privadas em razão da necessidade de direcionamento dos colaboradores e do atingimento de resultados. Nesse sentido, Bennis (1996, p. 22):

Os líderes são importantes por três motivos: em primeiro lugar, eles são responsáveis pela eficácia das organizações. O sucesso ou fracasso de qualquer organização. Em segundo, as adversidades que encontramos pelo caminho às vezes nos deixam sem rumo, então buscamos nos líderes um caminho, um porto seguro. E em terceiro lugar, o líder é aquele que conhece o problema, mas não se prende ao contexto, seja ele por conta dos cenários administrativos voláteis ou fusões e aquisições ou ainda por fatores demográficos.

De acordo com Robbins (2005, p. 258) “liderança é a capacidade de influenciar pessoas para o alcance das metas, sendo essa liderança formal, conferida pela organização, ou informal, definida como aquela exercida no grupo sem o cargo formal”

Entretanto, não obstante a importância que o líder tem tanto no setor privado como na administração pública, a diferença de enfoque torna necessária uma análise das características que são convergentes nas duas estruturas de governança e das dificuldades que o líder do setor público encontra para que a organização alcance de resultados, haja vista que as lideranças são fatores que certamente influenciam a qualidade das políticas econômicas e sociais.

O desenvolvimento das organizações privadas e públicas tem nos líderes a essência catalisadora capaz de gerar incentivos para fomentação de processos deliberativos que possibilite que a organização possa gerar o valor que se espera de cada uma, sendo que para a organização privada a força motriz é o valor econômico ao passo que para organização pública é o valor social.


1. DAS CARACTERÍSTICAS DA LIDERANÇA

Conforme Perez & Oliveira (apud CHIAVENATO e SAPIRO. 2010, p. 276), “a liderança aplicada nos dias de hoje, apresenta grandes diferenças em relação à atuação dos antigos líderes, e isso é perceptível tanto no tratamento com os seus liderados, quanto no desempenho da organização, como mostra o Quadro 1”:

Quanto aos estilos de liderança, Rocha (apud YUKL, 1998, p. 7), preleciona que:

Liderança é um relacionamento de influência entre líderes e liderados e que os resultados refletem seu propósito conjunto, portanto, a liderança é uma atividade com foco em pessoas, distinta da burocracia administrativa ou atividades de planejamento”. Em outras palavras, liderança envolve influência e ocorre entre pessoas que desejam mudanças significativas, a liderança. Por vezes, refere-se à posse de certas qualidades pessoais, tais como coragem, vigor ou carisma. Em outros contextos, remete à adoção de uma posição que confere a seu ocupante poder, autoridade e responsabilidade.

O que se observa no âmbito da organização privada é que o líder tem papel inovador voltado a fomentar o crescimento da organização, razão pela qual deve direcionar a sua liderança para: conduzir as pessoas para resultados individuais e em grupo; adotar estratégias para impulsionar o desempenho; fomentar e facilitar as parcerias dentre e entre equipes; gerenciar o trabalho cotidiano; influenciar através do poder pessoal; saber identificar, avaliar e selecionar talentos internos ou externos e inspirar lealdade e confiança.

Dentro da iniciativa privada, o líder deve criar um ambiente que permita aos colaboradores a maximização dos respectivos talentos para que o desempenho supere a expectativa.

Para Perez & Oliveira (apud O´TOOLE.1998. p. 33), "quando os líderes de uma empresa compreendem que as mudanças devem basear-se na cultura existente daquela organização e quando demonstram paciência para envolver no processo de mudança toda esta mesma organização, então é possível transformar a empresa.

A liderança corporativa não tem vínculo umbilical somente com o líder, haja vista que há uma gama de variáveis e fatores que acabam tendo consequências para o processo de liderança.

Assim, nas organizações privadas a liderança é compreendida como uma atividade que se relaciona com a situação e o contexto da organização, o que exige a capacidade de relacionamento entre os líderes e liderados com objetivo de alcançar resultados que congregue o propósito de todo o conjunto organizacional, razão pela qual a liderança pode ser considerada uma atividade de e com pessoas que se distingue da atividade meramente burocrática desempenhada pela administração pública.

Segundo Chiavenato e Sapiro:

A mudança cultural – diferentemente da mudança em produtos, serviços, processos, tecnologias – é geralmente lenta e demorada. Ela sofre resistências e barreiras e de todos os tipos. Mas é preciso mudar, pois: A mudança da cultura organizacional não somente é possível e desejável como também indispensável e fundamental para o sucesso organizacional, levando-se em conta que a organização atua em ambientes altamente dinâmicos, mutáveis, instáveis, voláteis e em constante transformação. (CHIAVENATO e SAPIRO, 2010, p. 274).

No mundo corporativo, a liderança tem papel essencial na medida em que o desenvolvimento de pessoas é imprescindível para as empresas assegurarem a qualidade e a produtividade, garantindo a sua sobrevivência nesse mercado altamente competitivo.


2. CONVERGÊNCIA DE CARACTERÍSTICAS DOS LÍDERES DO SETOR PRIVADO E PÚBLICO

Cabe destacar que as distinções entre gestão pública e privada são visíveis e, de certa forma, influenciam na forma que a liderança deve ser exercida dentro das organizações.

Em razão do movimento global que se iniciou nas últimas décadas para discutir e pensar o ideal de modelo de gestão que deve ser adotado pelos setores públicos, a liderança ganhou papel de destaque na engrenagem de construção de organizações mais estruturadas e voltadas para os resultados, cabendo salientar que na administração pública o resultado deve ser direcionado a geração de valor social.

Locatelli (apud BRESSER PEREIRA, 1997) informa que nesse processo de estruturação, na busca de capital intelectual, as organizações passam a necessitar de gestores mais autônomos, com maior iniciativa e responsabilidade, com perfil bastante diferente daquele exigido até então, que era baseado na obediência e na submissão. Ao se instituir esse novo perfil, o setor público passa a requerer novos sistemas de gestão, capazes de apresentar respostas mais efetivas às necessidades da nova etapa da administração pública.

As características da liderança até então existentes no mundo corporativo passam a ser demandadas pela administração pública, o que torna necessária a construção e legitimação de um novo modelo de liderança, fundamentado em conceitos e premissas mais modernos, tais como inovação gerencial, autonomia administrativa, descentralização, delegação de autoridade, dentre outros ( LOCATELLI apud BRESSER PEREIRA, 1995).

Assim, conforme Robbins (2005. p.122), "um dos grandes desafios do gestor público é motivar os colaboradores, torná-los direcionados, satisfeitos e naturalmente comprometidos para alcançar as metas, os objetivos propostos”.

Para se ter noção da necessidade de se direcionar essa perspectiva da liderança da gestão privada ao setor público, se mostra salutar a diferença existente entre o mundo corporativo e a administração pública quanto ao momento de escolha e demissão dos profissionais, o que exige que o líder esteja preparado para lidar com as peculiaridades relacionadas à cada organização.

No setor privado, em geral, busca-se alguém com experiência de mercado, na medida em que no público a prioridade é a qualificação técnica. Assim, o líder tem como desafio no setor privado gerir a escolha de um funcionário com habilidades inerentes à função que será realizada. Já, na organização pública, é necessário que o líder saiba alinhar diferentes perfis de profissionais que não foram por ele escolhidos, para que todos trabalhem em função do mesmo propósito.

Com a contratação do funcionário, seja no setor privado, seja no público, o líder deve manter a equipe motivada, alinhada e direcionada para os resultados almejados. A maior dificuldade no setor público está na possibilidade de demissão, o que justifica a ideia equivocada de que a cobrança deve ser menor nesse setor, ideia esta que deve ser trabalhada pelo líder, haja vista que na nova administração as metas e indicadores precisam ser atingidos para que os resultados sejam factíveis e alcançados.

Em ambas as organizações, públicas ou privadas, o engajamento dos funcionários é indispensável para a eficiência e eficácia, razão pela qual um denominador comum que deve pautar a liderança é o fomento da motivação, além da necessidade de se conhecer a função desempenhada por cada um dos funcionários para possível adequação.

Assim, aqui se mostra ainda mais importante não dissociar liderança e motivação, definida como "o processo responsável pela intensidade, direção e persistência dos esforços de uma pessoa para o alcance de uma determinada meta" (ROBBINS, 2005, p. 123).

A atividade de liderar pessoas dentro de uma organização privada se mostra complexa, complexidade esta que também é observada dentro da administração pública, não obstante as peculiaridades das organizações privadas, sendo que tanto em uma como em outra, o líder deve estar entrosado em seu ambiente de trabalho para que possa influenciar, de alguma maneira, a motivação do grupo para o atingimento das metas e objetivos da organização.

Conforme citado por Locatelli (apud ROBBINS, 2005), "motivação é a concentração de esforços para atingir a meta definida que incluem as características de persistência, intensidade e direção. Como o indivíduo reage à determinada situação pode variar em um indivíduo ou em vários indivíduos".

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As lições de Bergamini citadas por LOCATELLI (2015, p. 8), indica que devemos atribuir quatro competências a quem cabe dirigir pessoas, sendo que essas competências são comuns tanto na esfera privada quanto na pública:

O líder atrai a atenção devido ao seu forte engajamento com os valores organizacionais; inspira confiança quando atende expectativas daqueles que preferem seguir pessoas nas quais confiam, mesmo que discordem delas; gerencia a si mesmo ao conhecer suas próprias capacidades sendo capaz de usá-las oportunamente. Ao serem capazes de dar significado às coisas, os líderes transmitem sua visão, comunicando-a e aglutinando os demais para que possam formar um todo. O líder é capaz de articular e personificar os ideais pelos quais a sua organização luta. Essa é uma forma de dar sentido àquilo que as pessoas estão fazendo. Com essas habilidades, o líder conseguirá também dar ritmo e energia ao trabalho. Os seguidores, por sua vez, conhecerão sua importância e sentirão que fazem parte da comunidade, desde que estejam abertos ao constante aprendizado. (BERGAMINI, 2009, p. 65-66)

Importante trazer à tona pesquisa realizada por Locatelli (2015, p. 13), onde demonstra que "a atitude e o comportamento do líder no ambiente organizacional são preponderantes para contribuir com o processo de motivação do servidor, mesmo dentro de uma organização em que, pela característica do serviço público que presta, não se dispõe de muitos mecanismos para influenciar a motivação".

Além da capacidade de motivação, é inegável que a honestidade, confiabilidade, conhecimento e o respeito com os liderados são características que o líder deve cultivar dentro do âmbito de trabalho, isso tanto no interior das organizações privadas como no das públicas, isso ao se considerar o resultado da pesquisa externada por Locatelli (2015. p. 13), onde ficou demonstrado que a atitude e o comportamento do líder no ambiente organizacional são preponderantes para contribuir com o processo de motivação do servidor, mesmo dentro de uma organização em que, pela característica do serviço público que presta, não se dispõe de muitos mecanismos para influenciar a motivação.


CONCLUSÃO

Apesar das diversas características e conceitos atrelados à liderança, foi possível demonstrar no presente artigo a convergência de características dos líderes do setor privado e do setor público, o que pode dar guarida ao entendimento de que a administração pública gerencial pode se valer de conceitos do mundo corporativo como forma de alcançar resultados satisfatórios, bem como em resposta à crise do Estado, como forma de enfrentamento da crise fiscal, bem como estratégia para reduzir custos e tornar mais eficiente a administração dos imensos serviços que cabem ao Estado.

Assim, cabe à administração pública fomentar lideranças funcionais de forma a atender as peculiaridades da administração pública gerencial, de forma que o líder seja orientado para o cidadão e para a obtenção de resultados com o fomento de incentivo à criatividade e à inovação.


REFERÊNCIAS

A política das políticas públicas : progresso econômico e social na América Latina : relatório 2006 / Banco Interamericano de Desenvolvimento e David Rockefeller Center for Latin America Studies, Harvard University; tradução Banco Interamericano de Desenvolvimento. - Rio de Janeiro : Elsevier; Washington, DC : BID, 2007.

BENNIS, W. A formação do líder. São Paulo: Atlas, 1996.

BERGAMINI, C. W. O líder eficaz. São Paulo: Atlas,2009.

BRESSER PEREIRA, L.C. Estratégia e estrutura para um novo Estado. São Paulo: Revista do Serviço Público, vol. 124, n. 1., 1997.

CHIAVANETO, I.; SAPIRO, A. Planejamento Estratégico. São Paulo: Elsevier, 2010.

LOCATELLI, Giselle P. P. Liderança no setor público: sob a ótica dos liderados. Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Gestão de Pessoas - Universidade do Sul de Santa Catarina. Santa Catarina, p. 1-17. 2015. Disponível em: https://riuni.unisul.br/bitstream/handle/12345/5736/GISELE_PAULA_PIERDONA_LOCATELLI-%5B49060-11299-5-743723%5DARTIGO.pdf?sequence=1&isAllowed=y.Acesso em: 20.09.2019.

OLIVEIRA, F. B., SANT´ANNA, A. d., & VAZ, S. L. (2010). Liderança no contexto da nova administração pública:. Revista de Administração Pública, p. 23.

O´ TOOLE, J. Liderando Mudanças. São Paulo: Afiliada, 1998.

PEREIRA, L. C. (1997). Estratégia e estrutura para. Revista do Serviço Público, I(48), 1-21.

PEREZ, Olívia Cristina & OLIVEIRA, Ana P. Modesto. Liderança eficaz: o poder e a influência de um líder no comportamento organizacional de uma empresa. Revista Administração de Empresas. v.14, n.15. 2015. Disponível em: https://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/admrevista/article/view/889/0. Acesso em: 20.09.2019.

ROBBINS, Stephen P. Comportamento Organizacional. Tradução técnica Reynaldo Marcondes. 11. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005.

ROCHA, Aparecido de Oliveira. Liderança no setor público. Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista na Pós Graduação em Gestão Pública - Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR – Câmpus Pato Branco. Paraná, p. 22. 2014.

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Sobre os autores
Luiz Cesar Barbosa Lopes

Superintendente do Ibama no Estado do Ceará de 05/2021 a 12/2022; Secretário Executivo da Controladoria Geral do Município de Goiânia de 01/2023 a 07/2023; Mestre em Administração Pública pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, Ensino e Pesquisa - IDP; Pós-Graduado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC/Minas; Consultor Político e Eleitoral; Pós-graduado em Direito Penal; Especialista em Direito Eleitoral.

Sâmella Saraiva de Freitas

Delegada de Polícia do Estado do Ceará, escritora, poetisa, palestrante, percursora de iniciativas de combate à violência doméstica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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