Violência doméstica antes e após a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

01/02/2022 às 19:48
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Desde os tempos mais remotos a violência praticada por homens contra as mulheres nunca deixou de existir. Hoje, de forma exorbitante, a violência persiste, seja ela física, sexual e moral. Diariamente, várias mulheres sofrem algum tipo de violência.

 

Para que o Mal triunfe, basta que os homens bons, não façam nada. 

 

Edmund Burke

 

 

NASCIMENTO, Cleriston Franco. Violência doméstica antes e após a Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). 2009. 52f. Trabalho de Curso (Bacharelado em Direito) – Centro Universitário Eurípides de Marília, Fundação de Ensino “Eurípides Soares da Rocha”, Marília, 2009.

 

 

RESUMO

 

 

Desde os tempos mais remotos a violência praticada por homens contra as mulheres nunca deixou de existir. Hoje, de forma exorbitante, a violência persiste, seja ela física, sexual e moral. Diariamente, várias mulheres sofrem algum tipo de violência. Em decorrência da globalização e dos avanços tecnológicos, principalmente da medicina, no tocante a métodos contraceptivos, a mulher atual não é a mesma dos tempos anteriores. Assim, houve a necessidade da vigência da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006(Lei Maria da Penha), para que as autoridades, tanto policial como judiciária, não permanecessem inertes como ocorria anteriormente, por exemplo, as aplicações dos ineficazes procedimentos da Lei 9099, de 26 de setembro de 1995. A perversa realidade se dá em razão da postura, ou seja, do comportamento imposto pela sociedade.

 

 

Palavras chave: Família. Violência. Convivência. Tolerância.

 

SUMÁRIO

 

 

INTRODUÇÃO.....

CAPÍTULO 1 - FORMAS DE REPRESSÃO ANTERIORES E ATUAIS À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA....

1.1 Aspecto histórico...

1.2 Os procedimentos atuais cabíveis à autoridade policial e autoridade judiciária..

1.3 Medidas protetivas de urgência...

1.4 As formas de violência.....

1.5 Atuação do Ministério Público.....

CAPITULO 2 – PROVIDÊNCIAS CABIVEIS À AUTORIDADE POLICIAL..

2.1 Atendimento pela autoridade policial....

2.2 Atuação da polícia judiciária anteriormente à vigência da Lei Maria da Penha..

2.3 A Lei 9.099 e seus procedimentos ineficazes à repressão à violência doméstica..

2.4 A identificação criminal do agressor....

CAPITULO 3 – ASPECTOS GERAIS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E LEI MARIA DA PENHA  

3.1 O perverso ciclo da violência...

3.2 Das práticas delituosas e aplicação das penas....

3.3 A assistência judiciária..

CONCLUSÃO.....

REFERÊNCIAS....

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXO.....

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O estudo elaborado neste projeto objetiva relatar como eram as formas de repressão ao delito de violência doméstica e familiar contra a mulher, antes e após a vigência do diploma legal, Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

A presente pesquisa teve como base lógica de investigação o método dialético, por meio de pesquisas bibliográficas e de informações eletrônicas.

Disposto em três capítulos, a pesquisa discorre em seu primeiro tópico sobre as formas de repressão anteriores e atuais à violência doméstica, aspecto histórico, os procedimentos atuais cabíveis à autoridade policial e à autoridade judiciária, as medidas protetivas de urgência, as formas de violência, a atuação do Ministério Público.

As formas de repressão anteriores à vigência da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006(Lei Maria da Penha) não eram tão eficazes quanto as normas atuais de combate a este tipo de delito, justamente em razão da ausência de uma legislação específica, como o diploma legal em questão. Os procedimentos atuais cabíveis à autoridade policial já não trata de procedimentos limitados como anteriormente, assim como os cabíveis à autoridade judiciária. As medidas protetivas de urgência, pode-se afirmar que foram uma inovação trazida pelo novel diploma, bem como as qualificações das formas de violência, a atuação do membro do Ministério Público não só como fiscal da lei, como de praxe, mas também como parte.   

O segundo capítulo discorre sobre as providências cabíveis à autoridade policial, o atendimento pela autoridade policial, atuação da polícia judiciária anteriormente à vigência da Lei Maria da Penha, a Lei 9099 e seus procedimentos ineficazes à repressão à violência doméstica e a identificação criminal do agressor.

Em razão de anteriormente não ter existido um diploma legal que oferecesse dispositivos legais eficientes no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, a polícia judiciária atuava de maneira limitada na repressão a esse delito. Os procedimentos da Lei 9099, de 26 de setembro de 1995 também apresentavam ineficácia ao combate e repressão a esse tipo de violência. A identificação criminal do agressor sempre deve ocorrer nos casos de violência doméstica.

O terceiro capítulo abrange os aspectos gerais da violência doméstica e a Lei Maria da Penha, o perverso ciclo da violência, as práticas delituosas e a aplicação das penas, a assistência judiciária.

A violência se fez presente na sociedade desde os tempos primordiais, e o seu perverso ciclo evoluiu constantemente. É de se notar que, no tocante à violência doméstica e familiar contra a mulher, tal evolução muito provavelmente, existiu e existe em decorrência da sociedade machista que predomina no mundo há vários e vários anos.

No tocante às práticas delituosas e à aplicação das penas são relevantes as inovações trazidas pelo novel diploma, bem como a inclusão de agravantes na legislação penal e também na legislação Processual Penal.

Quanto à assistência judiciária, é notável a inovação trazida por essa legislação, que tornou obrigatória a presença de advogado acompanhando a vítima até mesmo em audiências criminais, fato este que não ocorria antes da vigência da Lei Maria da Penha que, com certeza é a maior e mais eficiente forma de repressão e combate a violência doméstica e familiar.

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 1 - FORMAS DE REPRESSÃO ANTERIORES E ATUAIS À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

 

1.1 Aspecto histórico

 

Desde os tempos mais remotos, a violência praticada por homens contra as mulheres nunca deixou de existir. Diariamente, várias mulheres sofrem algum tipo de violência.

É de se notar que tais fatos são nada mais, nada menos do que o resultado do comportamento social da sociedade em geral, ou seja, uma tradição da realidade histórica social (PEREIRA, 2008).

A violência doméstica contra a mulher faz parte de uma tradição da realidade histórica social. Observando-se em um contexto não unicamente histórico, mas também geográfico e sociológico, nota-se que a cultura da agressão contra a mulher tem sido surpreendente, é espantoso o tamanho da violência contra a mesma. Desde os tempos mais remotos, a mulher tem sido escopo do sofrimento, discriminação e desumanização. A mesma passou e ainda passa pelo cenário de uma sociedade machista, onde predomina a hipocrisia e o separativismo primado pela desigualdade e exploração física, sexual, psicológica, moral e também patrimonial (PEREIRA, 2008). 

Como referido no entendimento acima, grotescamente dizendo, sempre foi uma tradição este comportamento existente na sociedade de um modo geral, pois a mulher sempre foi inferiorizada, ou seja, sempre permaneceu em patamar rigorosamente abaixo do homem.

Ainda segundo Pereira (2008),

 

A mulher foi literalmente discriminada de todas as formas possíveis desde a violência de seu lar à violência social. A mulher foi e infelizmente ainda é alvo de discriminação, sofrimento, de exploração, de abuso sexual e psicológico. Teve esta sua auto-estima comprometida por diversas décadas da história, onde hoje luta por uma melhor posição na sociedade contra o preconceito e o machismo existente.

 

No tocante a este entendimento, é possível perceber a relevante inovação que foi a vigência do diploma legal, Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), pois, em razão deste comportamento, ou melhor, postura machista que predomina na sociedade desde a “antiguidade”, torna-se indiscutível a necessidade da existência de uma legislação específica de repressão a este tipo de delito, pois, se a mulher ainda sofre discriminação e é agredida mesmo nos dias atuais, a existência de uma forma repressiva, como o diploma legal em questão, obviamente é indispensável.

Neste contexto, é relevante o entendimento de Dias (2007, p.17): “ao homem sempre coube o espaço público e a mulher foi confinada nos limites da família e do lar, o que enseja a formação de dois mundos: um de dominação, externo, produtor; o outro de submissão, interno e reprodutor”.

Em consonância com este entendimento, é possível perceber que a mulher sempre foi qualificada, ou de maneira grotesca, “vista” como mero instrumento de reprodução. Assim é possível notar o porquê do alto índice de coação sexual.

Devido à globalização e à evolução, principalmente da Medicina, em relação a descobertas de contraceptivos, e também evoluções do movimento feminista, o modelo ideal de família foi redefinido:

 

A evolução da Medicina, com a descoberta de métodos contraceptivos, bem como as lutas emancipatórias promovidas pelo movimento feminista levaram à redefinição do modelo ideal de família. A mulher, ao se integrar no mercado de trabalho, saiu do lar, impondo ao homem a necessidade de assumir responsabilidades dentro de casa. Essa mudança acabou provocando o afastamento do parâmetro preestabelecido, terreno fértil para conflitos (DIAS, 2007, p.17). 

 

Neste entendimento, é possível ter a percepção de que, ao longo do tempo, com as evoluções e também com a globalização, a mulher de hoje não possui o mesmo comportamento da mulher dos tempos mais remotos. Logo, a sociedade, de forma lamentável, não evoluiu da mesma maneira que a mulher, e deste modo, em função da postura de todo homem como autoridade maior, colocando a mulher sempre em patamar inferior, os conflitos são cada vez mais intensos e mais violentos.

Segundo Dias (2007, p.17), nesse entendimento é que a violência surge, justifica-se como forma de suprir possíveis falhas no cumprimento ideal dos papéis de gênero. Quando um companheiro ou companheira não está satisfeito, ou vice-versa, com o comportamento do outro, surge a guerra dos sexos. Cada um utiliza as armas que possui: ele, os músculos; ela, as lágrimas. A mulher, evidentemente, leva a pior e se torna vítima da violência masculina.   

Em função deste entendimento, nota-se que, em razão da notável evolução dos tempos e, fatalmente, da sociedade não ter evoluído conjuntamente, a existência de uma legislação específica voltada ao combate e repressão ao delito de violência doméstica e familiar contra a mulher é indispensável, pois, sem uma lei como o diploma legal 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), a mulher, no caso vítima dessa violência, ficaria à mercê de toda essa agressividade e selvageria, e também o agente desta prática delituosa ficaria isento de alguma possível punição.

 

1.2 Os procedimentos atuais cabíveis à autoridade policial e autoridade judiciária

 

No tocante aos procedimentos cabíveis a tais autoridades, é possível visualizar notáveis modificações. Analisando-se a relação do dispositivo legal, artigo 16 caput, da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), constata-se a grande efetividade da repressão ao delito de violência doméstica, pois, quando a ofendida efetua uma representação contra seu agressor na Delegacia de Polícia, após efetivada esta representação, não mais será admitida renúncia. Tal fato só será possível perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes de recebida a denúncia e ouvido o Ministério Público.

Neste dispositivo legal, artigo 16 da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), é de se notar que o conteúdo de sua redação reduz, ou melhor dizendo, extingue o risco ou hipótese de que mulheres que, reconciliadas com companheiro ou marido, efetuando a renúncia, evite o ajuizamento da ação penal (NUCCI, 2008, p.1138).

É muito comum que mulheres, quando o delito depende de representação (ex: ameaça), registrem ocorrência na delegacia de policia, apresentem representação e, depois, reconcilhiando-se com seus companheiros ou maridos, busquem retratar-se da representação, que, certos autores denominam de renuncia, evitando-se, assim, o ajuizamento da ação penal ou o prosseguimento para a transação, quando possível (NUCCI, 2008, p.1138).

É possível visualizar a grande efetividade deste dispositivo legal na repressão ao delito de violência doméstica e familiar contra a mulher, pois se a redação admitisse, que posteriormente, feita a representação, a ofendida pudesse “efetuar” a renuncia, obviamente o agressor ficaria em uma posição extremamente confortável, em outras palavras, a impunidade seria disseminada.

Outro fator de notável relevância é o procedimento referido no artigo 14 da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), que vem a criar juizados específicos para coibir juntamente os delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher, assim evitando-se a dissociação da Justiça, pois como ensina Guilherme de Souza Nucci em sua obra Leis Penais e Processuais Penais Comentadas.

Cuida-se de norma inédita e, se efetivada na prática, positiva. Criam-se os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, órgãos integrantes da Justiça comum, naturalmente estadual, em decorrência da matéria, com competência cumulativa civil e criminal. Esta última parte é a principal. Evita-se a dissociação da Justiça, obrigando-se a mulher agredida a percorrer tanto o juízo criminal como o juízo cível, para resolver, definitivamente, seu problema com o agressor. Unem-se as competências e um só magistrado está apto a tanto (NUCCI, 2008, p.1137).

Nota-se que, em razão dessa união de competências, realmente se torna efetiva a repressão no delito de violência doméstica e familiar, e também tal fato gera certa celeridade, pois tratam-se de juizados específicos no “combate” a este tipo de crime.

 

1.3 Medidas protetivas de urgência

 

Analisando-se a situação anterior à vigência da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), não existiam dispositivos legais que oferecessem proteção satisfatória à ofendida, e nem meios de repressão ao agressor, por exemplo. A redação do artigo 19 e parágrafos, que se referem, às medidas protetivas de urgência, podem ser concedidas de imediato, e também podem ser aplicadas isoladamente ou cumulativamente, assim sendo possível obter um meio de repressão, dizendo, de uma forma grotesca,”mais duro”, pois como ensina Nucci (2008, p.1141):

 

Tal previsão é devidamente salutar, uma vez que as mais levianas podem não surtir efeito, valendo-se então. O deferimento de outras, mais rigorosas, inclusive cumulativamente. Verificando-se o disposto no parágrafo 2º, notáse que ele se compõe com o parágrafo 3º, indicando que a referida substituição dependeria de requerimento do Ministério Público ou da ofendida.

 

É possível verificar que deveria haver algo desse tipo referido em lei há mais tempo, pois medidas e formas punitivas brandas não coibiriam agressor algum. É evidente que tal dispositivo legal é imprescindível na repressão ao delito de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Outro fato que não era admitido anteriormente à vigência da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), é que a Lei admite que medidas protetivas de urgência do âmbito do Direito das Famílias possam ser requeridas pela vítima, perante a autoridade policial (DIAS, 2007, p.80).

Uma das grandes novidades da Lei Maria da Penha é admitir que medidas protetivas de urgência do âmbito do Direito das Famílias sejam requeridas pela vítima perante a autoridade policial. A vítima, ao registrar a ocorrência da prática de violência doméstica, pode requerer separação de corpos, alimentos, vedação de o agressor aproximar-se da vítima e de seus familiares ou que seja ele proibido de freqüentar determinados lugares. Essas providências podem ser requeridas pela parte pessoalmente na polícia (DIAS, 2007, p.80).

 

Realmente, o diploma legal em questão é um extraordinário meio de repressão à violência doméstica e familiar, pois, além das punições visando o âmbito penal, permite, por exemplo, aplicação de medidas no âmbito do Direito de Família, como exposto na obra da Desembargadora acima. Realmente, a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), abrangeu todas as formas de combate e repressão aos delitos de violência doméstica e  familiar contra a mulher, pois, sem um diploma legal específico como este, provavelmente não haveria punições e meios repressivos eficazes como os encontrados na legislação vigente. 

Ainda em relação a esse mérito levantado por Dias (2007, p.19), é possível obter o entendimento de que a Lei Maria da Penha veio inovar não somente no conceito de família, mas também rompeu com a dicotomia público/privada evidenciada pelo antigo ditado “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. 

Assim se expressam Rabelo e Saraiva (2006):

 

A Lei Maria da Penha, além de inovar no conceito de família, também, rompe com a dicotomia público/privada evidenciada pelo antigo ditado “em briga de marido e mulher, ninguém bota a colher”. O espaço doméstico que estava destinado exclusivamente à mulher era inatingível. Isso gerou um sentimento de impunidade pela violência doméstica, como se o que acontecesse dentro da casa não interessasse a ninguém. A autoridade do marido, nos moldes da família patriarcal, permitia o direito de dispor do corpo, da saúde e até da vida da sua esposa. Essa autoridade do homem, marido sempre foi respeitado de forma que a Justiça parava na porta do lar, e a polícia sequer podia prender o agressor em flagrante.

 

Nota-se que com a vigência do diploma legal em questão, tal ato de impunidade, como exposto pelos autores acima, na atualidade não permanecem mais sem meios de punição e repressão aos agressores que os praticam.

Outro dispositivo legal que, apesar de um termo equivocado utilizado pelo legislador, merece certa relevância no conteúdo de sua redação. É o artigo 21, caput, que diz que a ofendida deverá ser notificada em relação aos atos processuais relativos a seu agressor, como, por exemplo, ingresso e saída da prisão. Assim preleciona Nucci (2008, p.1142): 

O termo notificação é equivocado. O correto é intimação, pois dá-se ciência à ofendida de que o agressor foi preso ou que saiu do cárcere. A medida não deixa de ser positiva, afinal, quem se sente perseguida deve ter noção de onde anda o agressor.

 

Apesar do equívoco cometido pelo legislador ao termo errôneo empregado no texto legal, tal dispositivo é indispensável, pois, como explica o autor acima, a vítima de violência doméstica e familiar, sentindo-se perseguida, precisa saber onde se encontra o agressor, do contrário ninguém, ou melhor dizendo, nenhuma vítima conseguiria levar uma vida normal, temendo por sua integridade física e de seus dependentes. 

Analisando o artigo 20 da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), é possível notar-se outro equívoco, ou em outra colocação, uma inutilidade, pois a redação do dispositivo legal em questão trata da decretação de prisão preventiva, e tal prisão já é regida pelo Código de Processo Penal.

Conforme lembra Nucci (2008, p.1141):

 

O dispositivo é inútil. A decretação da prisão preventiva é regida pelo Código de Processo Penal, de modo que não há a menor necessidade de se repetir aquilo que é mais que óbvio. Se preenchidos os requisitos legais (art. 312, CPP), cabe a custódia cautelar. Entretanto, é fundamental muita cautela para tomar essa medida. Há delitos incompatíveis com a decretação de prisão preventiva 

 

Além de tal equívoco ou inutilidade, empregado no texto legal, vale efetuar uma ressalva, pois como ensina o autor acima, o magistrado deve ter grande cautela, ao aplicar essa medida, uma vez que existem delitos incompatíveis com a decretação de prisão preventiva. A ameaça é um desses delitos. Portanto, o magistrado deve ponderar se a prisão preventiva é necessária e compatível com  o delito em questão, do contrário o réu ficaria mais tempo detido do que com a aplicação da pena futura.

No tocante às medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, é passível de análise a redação e o conteúdo do dispositivo legal, artigo 22, caput, incisos e parágrafos, da citada Lei que, na redação do inciso I, impõe suspensão da posse ou restrição do porte de armas, o que é uma medida muito positiva e válida (NUCCI, 2008, p.1143).

E ainda,

 

A suspensão da posse ou porte de arma de fogo é valida, pois se pode evitar tragédia maior. Se o marido agride a esposa, causando-lhe lesão corporal, possuindo arma de fogo, é possível que, no futuro, progrida para o homicídio (NUCCI, 2008, p.1143).

 

É de se notar que a medida de suspensão ou restrição ao porte é algo imprescindível, pois, conforme o autor acima, o agressor, possuindo arma de fogo, é possível que uma lesão corporal evolua para homicídio. É simples chegar a esse consenso, avaliando-se os fatos ocorridos com a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, em Fortaleza-CE, quando ela foi alvejada nas costas, enquanto dormia, pelo seu marido, o professor universitário de economia, Marco Antônio Herredia Viveros, causando-lhe paraplegia dos membros inferiores. Portanto, é mais do que concreto que tal medida é indispensável na legislação vigente. Se não existisse uma legislação específica sobre a repressão ao delito de violência doméstica e familiar contra a mulher que oferecesse dispositivos legais como os existentes na Lei 11.340, não existiria uma medida tão eficaz como a citada anteriormente.

Outra medida que é passível de análise é a encontrada no inciso II que prevê em sua redação, afastamento do lar, domicilio, ou local de convivência com a ofendida. É necessário que tais medidas não devem restringir-se unicamente à residência da vítima, como expõem Cunha e Pinto (2008, p.140):

 

Tais medidas não devem se restringir a casa onde mora a vítima. Ao contrário, conforme assinalado acima, devem se estender a outros locais. Pode o juiz, assim, impedir que o agressor se aproxime do local de trabalho da vítima, ou que freqüente espaços de lazer ocupados por ela, de forma que, estando a ofendida num clube ou num bar, deve o agente, ao constatar esse fato, não ingressar no local ou imediatamente dele se retirar. Ou, ainda, impedir que ambos se valham do mesmo meio de transporte como ônibus, trens etc.

 

Tal medida prevista no inciso II, é de notável relevância, pois, se o dispositivo legal oferecesse restrição da presença do agressor unicamente à residência da vítima, em outros locais como, por exemplo, o local de trabalho, esta ficaria exposta a sofrer novas possíveis agressões.

 

1.4 As formas de violência

 

É óbvio que o citado diploma legal é uma legislação específica para a repressão aos delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher, mas, além disso, o legislador teve a cautela de definir e especificar as formas de violência, já que no Direito Penal vigoram os princípios da taxatividade e da legalidade. 

Menciona Dias (2007, p. 46): 

Preocupou-se o legislador não só em definir a violência doméstica e familiar. Também especificou suas formas, até porque, no âmbito do Direito Penal, vigoram os princípios da taxatividade e da legalidade, sede em que, não se admitem conceitos vagos.

 

Vê-se que sem a existência de uma legislação específica, como o diploma legal em questão, não seria possível definir a violência doméstica e familiar e, ainda mais, especificar suas formas. Somente com a vigência da Lei Maria da Penha é que veio a surgir tamanha inovação. Existe um detalhe no texto legal, especificamente no artigo 7º, em que o legislador utilizou a expressão “entre outras”, ou seja, não se trata de numerus clausus. Portanto pode-se obter o entendimento que, além das ações citadas em lei como violência doméstica e familiar, outras mais podem ser acolhidas e configuradas como violência doméstica e familiar contra a mulher, é claro que com a ressalva efetuada por Dias (2007, p.46): “as ações fora do elenco legal podem gerar a adoção das medidas protetivas no âmbito civil, mas não em sede de Direito Penal, pela falta de tipicidade”.

Outro fato que é de notável relevância é que, mesmo sendo o delito de menor potencial ofensivo, a ação tramitará nas Varas Criminais, enquanto não forem criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. A questão é que não tramitará nas Varas dos Juizados Especiais Criminais; logo o réu não fará jus à Lei dos Juizados Especiais, segundo, ao posicionamento de Dias (2007, p.46):

 

Além das seqüelas decorrentes do reconhecimento do delito como violência doméstica, com o aumento da pena (CP, art.61, II, F), sujeita-se o réu às demais  vicissitudes que impõe a Lei Maria da Penha. Assim mesmo que o crime possa ser reconhecido como de pequeno potencial ofensivo, a ação não tramita nas Varas dos Juizados Especiais Criminais – JECrims, mas nas Varas Criminais, enquanto não instalados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher – JVDFMs. No entanto não faz jus o réu às benesses da Lei dos Juizados Especiais 

 

De acordo com a citação acima torna-se claro que, se o trâmite se desse pelo Juizado Especial, o réu teria os “ benefícios” da Lei dos Juizados Especiais, o que  não ocorre, pois a Lei 11.340 torna tal fato inviável, evitando possíveis “regalias “ ao agressor.

É possível analisar às qualificações dos tipos de violência citados pelo legislador. Por exemplo, a qualificação de violência física, que é referida no texto legal como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal praticada contra a mulher no ambiente doméstico ou familiar, já existe no Código Penal, artigo 129, parágrafos 9º e 10º, como preleciona Nucci (2008, p.1131-1132):

Violência física, é a lesão corporal praticada contra a mulher no âmbito doméstico ou familiar. Neste caso, já existe o tipo penal incriminador próprio (129, parágrafos 9º e 10º, do Código Penal), razão pela qual não se pode aplicar a agravante, sob pena de bis in idem (dupla punição pelo mesmo fato), o que é vedado em Direito Penal. 

 

Apesar de tal impeculiaridade cometida pelo legislador, a redação é válida e positiva, pois se tratasse de crime cometido contra a mulher em qualquer relação intíma de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, estaria fora do contexto do artigo 61, II, do Código Penal, segundo entendimento do autor mencionado acima, o que nem é cabível contestar.

Em relação à qualificação de violência como violência psicológica, nota-se que o legislador estendeu demais as hipóteses que a retratam, pois considerou violência psicológica como qualquer dano emocional, humilhação ou ridicularização, segundo o entendimento de Nucci (2008, p.1132):

 

Ora, em tese, todo e qualquer crime é capaz de gerar dano emocional à vítima, seja ela mulher, seja homem. Por isso, não se pode ter uma agravante excessivamente aberta,vale dizer, sempre que a pessoa ofendida for mulher aplicar-se-ia a agravante de crime cometido “com violência contra a mulher na forma da lei específica” (nova redação do art. 61, II, f, do Código Penal).

 

Nota-se que o legislador deveria ter-se postado mais restrito em tal qualificação de violência, assim não colocando uma agravante exageradamente aberta, como o apresentado pelo autor acima citado.

Quanto à qualificação sobre violência sexual, é possível notar-se que o legislador,

mais uma vez excedeu-se na sua ampliação, pois como afirma Nucci (2008, p.1132):

 

A definição estabelecida neste inciso é ampla, envolvendo desde o constrangimento físico (coação ou uso de força) até a indução ao comércio da sexualidade, dentre outras formas. Muitas delas já estão previstas no Código Penal como agravantes (crime praticado contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; art. 61, II, e) ou como causas de aumento de pena (crime cometido por ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tenha autoridade sobre ela) (art. 226, II).

 

Apesar de o legislador ter-se alongado, fatalmente ampliando tal qualificação dessa forma de violência, tal norma é válida e positiva, o que é um tanto “esquisito”; é que na descrição efetivada no inciso III, atingiria uma situação que nem é tipificada pela lei penal, como por exemplo, o pai que proíbe a filha de sair com o namorado, para manter relações sexuais, impondo assim uma limitação ao exercício de seu direito sexual, isto não configura constrangimento ilegal ou seqüestro; não há portanto, tipo penal apropriado.

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No tocante à qualificação referente à violência patrimonial, é possível analisar que tal qualificação foi muito viável para reprimir tal violência especificamente, e também para reduzir ou até mesmo sanar benefícios ao praticante de tal delito, conforme entendimento de Dias (2007, p. 52):

 

A Lei Maria da Penha reconhece como violência patrimonial o ato de “subtrair” objetos da mulher, o que nada mais é do que furtar. Assim, se subtrair para si coisa alheia móvel configura o delito de furto, quando a vítima é mulher com quem o agente mantém relação de ordem afetiva, não se pode mais reconhecer a possibilidade de isenção da pena.

 

Deve ser ressaltado que o entendimento acima obviamente faz menção aos objetos que já sofreram divisão com o trânsito em julgado da separação, e não anteriormente do que era comum do casal, mas agora o que pertence unicamente à mulher.

É possível notar-se que tal qualificação de violência é de fato positiva, pois como dito pela autora acima, sendo a vítima mulher com quem o agente possui relação de ordem afetiva, não é admissível possibilidade de isenção de pena, o que não existia anteriormente segundo os dispositivos da Lei 9099, de 26 de setembro de 1995. Tal fato só foi realmente possível com a vigência da Lei 11.340.

É cabível analisar a qualificação de violência, no tocante à violência moral, pois parece difícil qualquer reflexo na esfera penal. Nota-se que o legislador cometeu uma certa desigualdade de forma artificial, pois se, por exemplo, um amigo comete o delito de injúria contra uma amiga, neste caso se aplicaria a agravante; mas se a amiga comete o mesmo delito contra o amigo, neste caso não seria viável aplicar agravante. Em função de tal tratamento, dá a impressão de inconstitucionalidade, como afirma Nucci (2008, p.1133):

 

Inexistindo peculiaridade a fundar o rompimento da igualdade entre as pessoas, parece-nos inconstitucional o tratamento desequilibrado. Restaria o crime contra a honra nas relações domésticas e familiares, o que já era previsto pelo Código Penal, com agravantes.

 

Nota-se que o legislador deveria ter tido um cuidado maior neste tipo de qualificação de violência, pois, além de passar este aspecto de inconstitucionalidade, como diz o autor acima, no tocante às relações domésticas e familiares, o crime contra a honra já era previsto pelo Código Penal.

 

1.5 Atuação do Ministério Público

 

Em relação à atuação do Ministério Público, pode-se dizer que se trata basicamente da atuação como “custos legis”. O que é de certa relevância é que o promotor de justiça possui liberdade de opinião, ou seja, não permanece adstrito unicamente aos interesses da parte assistida, pelo contrário, pode até mesmo opinar em desfavor de tal parte segundo entendimento de Cunha e Pinto (2008, p.164):

 

O promotor de justiça, mesmo oficiando num feito em razão da hipossuficiência (ou incapacidade) de uma das partes, conserva sua liberdade de opinião, não ficando adstrito, cegamente, aos interesses da parte assistida, o que torna possível que opine, inclusive, em desfavor dela.

 

De acordo com o entendimento dos autores acima, constata-se justamente a função de “custos legis”, pois atuar na fiscalização da lei, dizendo de uma forma grotesca é “brigar”, “lutar” pela efetivação da justiça, e se a parte assistida estiver de má-fé, o representante do Ministério Público realmente deverá opinar em seu desfavor.

Além dessa atuação como fiscal da lei, cabe ao Ministério Público também atuar como parte, podendo requerer medidas individuais de urgência em prol da ofendida, como afirma Fonseca (2006):

 

Como parte, o Ministério Público pode requerer medidas protetivas individuais de urgência em prol da mulher agredida, ao lado do pedido da ofendida (art. 18, III), assim como, importante inovação da lei, ajuizar ações civis públicas em defesa de direitos transindividuais ou interesses coletivos, em sentido lato.

 

É notável o que o diploma legal Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) propiciou, pois tornou possível que o Ministério Público, além de exercer sua tradicional função de “custos legis”, também foi-lhe atribuído atuar como parte, conforme entendimento do autor acima, fato que só foi possível em conseqüência da vigência do novel diploma legal.

CAPITULO         2        –        PROVIDÊNCIAS         CABIVEIS          À AUTORIDADE POLICIAL

 

2.1 Atendimento pela autoridade policial

 

Anteriormente à vigência do diploma legal, Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), nota-se que, no atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar, as providências legais cabíveis não eram de tamanha eficácia como, por exemplo, a redação dada no seu artigo 11, inciso I, que relata que a autoridade policial deve garantir proteção policial à ofendida, quando necessário, e também comunicar de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. Outra providência deste dispositivo legal, que demonstra eficácia, que não existia anteriormente, está nos incisos III e IV do artigo 11 da Lei 11.340. No inciso III, cabe à autoridade policial fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida. A redação do inciso IV, manda, se houver necessidade, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar.

Nota-se que, anteriormente à vigência da Lei 11.340, não havia dispositivos legais que previam tais providências com a eficácia de hoje.

Outro aspecto que demonstra eficácia é no tocante ao encaminhamento da ofendida ao hospital, posto de saúde e ao Instituto Médico Legal, previsto no inciso II do artigo 11, da Lei 11.340, como se vê em Cunha e Pinto (2008, p.89), no seu trabalho, Violência Doméstica, Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), Comentada artigo por artigo;

Um dos fins de encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e também ao Instituto Médico Legal é atestar, de maneira incontestável, o tipo e grau da lesão sofrida, evitando que eventuais vestígios se apaguem ou sofram alterações antes de serem examinados. Os laudos ou prontuários médicos serão admitidos como meios de prova como dispõe o artigo 12, parágrafo 3º, da Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). (CUNHA; PINTO, 2008, p.89).

É totalmente possível analisar-se, que, se houvesse normas e procedimentos tão eficazes quanto os da Lei 11.340, a impunidade não teria predominado, pois conforme demonstrado no trabalho dos autores acima, a finalidade do encaminhamento da ofendida ao hospital, posto de saúde e ao Instituto Médico Legal é atestar de forma concreta tipo e grau de lesões, evitando que eventuais vestígios, realmente, se apaguem. Isto é confirmado por França (2008, p.81):

 

A tonalidade da equimose é outro aspecto de grande interesse médicopericial. De início, é sempre avermelhada. Depois, com o correr do tempo, ela se apresenta vermelho-escura, violácea, azulada, esverdeada e, finalmente, amarelada, desaparecendo, em média, entre 15 e 20 dias, cronologia esta incerta, levando em conta as dimensões da equimose, sua localização e os próprios fatores individuais.

 

Como citado acima, é possível inferir-se que, se não existisse este procedimento de encaminhar a ofendida ao hospital, posto de saúde e ao Instituto Médico Legal, numa possível agressão que talvez resultasse em lesão leve, que só causasse um “olho roxo”, na ofendida, talvez o agressor ficasse impune, mas tal procedimento previsto, na Lei 11.340 faz com que tal fato permaneça  inviável na atualidade. 

 

2.2 Atuação da polícia judiciária anteriormente à vigência da Lei Maria da Penha

 

Pode-se afirmar que a Lei 11.340 veio não só inovar, como uma mera e simples legislação, mas na realidade corrigir uma dura e perversa realidade, logicamente agravada em conseqüência da ausência de uma legislação própria, conforme palavras de Dias (2007, p.127):

 

A Lei Maria da Penha veio para corrigir uma perversa realidade em tudo agravada pela ausência de uma legislação própria, e também pelo inadequado tratamento que era dispensado à mulher que se dirigia à delegacia de polícia na busca de socorro. Era desastrosa – para dizer o mínimo – a forma como a violência doméstica era enfrentada no país, principalmente após a vigência da Lei dos Juizados Especiais, agravado pelo descaso na criação das Delegacias da Mulher.

 

Em razão do citado acima, é notável a percepção que a ausência de uma legislação própria à repressão dos delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher, prejudicava e limitava de forma significativa o trabalho da polícia judiciária. Anteriormente à vigência da Lei em questão, a autoridade policial efetuava um resumo dos fatos em um Termo Circunstanciado. Agora há um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial nos casos de violência doméstica contra a mulher. Assim é possível perceber que o Diploma Legal em questão permite que a autoridade policial realize um trabalho de maior eficácia, propiciando maior segurança e proteção à ofendida.

Outro fator de relevância, é que a Lei Maria da Penha permite que a autoridade policial, no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, garanta proteção à ofendida, independente de ordem judicial (MENDES, 2007).

E,

 

No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial, entre outras medidas, garantirá a proteção policial, independente de ordem judicial, visto que a comunicação imediata ao Poder Judiciário e ao Ministério Público só se fará quando necessário (MENDES, 2007). 

 

É possível verificar que anteriormente à vigência da Lei Maria da Penha, tal fato como o exposto nas palavras da autora acima, jamais seria possível que a autoridade policial procedesse de tal maneira, pois a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 e os procedimentos nela existentes não permitiriam que a polícia judiciária tivesse essa conduta.

 

2.3 A Lei 9.099 e seus procedimentos ineficazes à repressão à violência doméstica

 

Por se tratar de uma legislação não específica à repressão a este tipo de delito, as atividades e os procedimentos em relação à polícia judiciária, e não unicamente à autoridade policial, mas às autoridades de um modo geral, pode-se dizer que as medidas cabíveis à repressão ao delito de violência doméstica e familiar contra a mulher eram devidamente limitadas.

Para comprovar essa ineficácia e limitação, basta analisar o artigo 72 da Lei em questão, que oferece a hipótese de não imposição da pena restritiva de liberdade, conforme palavras de Ramos (2006): “normalmente as partes envolvidas, ao comparecer à audiência de que trata o art. 72 da Lei nº 9.099/95, não solucionam o conflito, eis que, as opções destinadas à escolha da vítima não condizem com o seu anseio”.

Neste caso, em conseqüência dessas opções nada favoráveis à mulher vítima da violência doméstica e familiar, o agressor na maioria das vezes saía impune. Pode-se até mesmo afirmar que basicamente se livrava de qualquer punição rigorosa, à “altura” do delito praticado por ele, ou seja, as agressões eram incessáveis e o litígio tornava-se ainda mais agravado.

No tocante a tal fato, a vítima da violência doméstica, se nega a procurar auxílio policial, e só procura quando não existe outra saída, e em razão das opções desfavoráveis que o judiciário lhe oferece, se encontra desamparada e como diz a linguagem popular, a mesma decide “retirar a queixa”, em razão de não ter encontrado a prestação jurisdicional que tanto necessitava, logo, renunciando o seu direito (RAMOS, 2006).

 

Deve-se observar que a lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, obrigava a polícia judiciária permanecer de modo “inerte”, ou seja, a autoridade policial tinha de permanecer de “mãos atadas”, pois nem mesmo elaborava inquérito policial; a polícia judiciária se limitava a redigir termo circunstanciado, a ser encaminhado a juízo.

Para Dias (2007, p.71),

 

A Lei 9.099/1995 abrigou sob sua égide, considerando como de pequeno potencial ofensivo, as contravenções penais, os crimes a que a lei comina pena máxima não superior a dois anos, bem como os crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. A autoridade policial não elabora inquérito policial, limitando-se a redigir termo circunstanciado, a ser encaminhado a juízo.

 

É óbvio que a Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, e seus procedimentos eram ineficazes, insatisfatórios no combate ao delito de violência doméstica e familiar contra a mulher, pois o fato de a autoridade policial não elaborar inquérito policial e unicamente limitar-se a redigir termo circunstanciado. Como visto nas palavras da autora acima, tal fato propiciava que o agressor se livrasse de qualquer punição, justamente em razão de o diploma legal em questão não possuir dispositivos legais específicos à repressão ao delito de violência doméstica e familiar contra a mulher. 

Ainda no tocante ao termo circunstanciado, é interessante ressaltar que no dispositivo legal, precisamente artigo 69 da lei em questão, há a possibilidade de evidenciar mais uma ineficácia à repressão ao delito de violência doméstica e familiar, pois tal dispositivo impetrava a não imposição de prisão em flagrante e nem mesmo a exigência de fiança.  Diz Silva Júnior (2001):

 

Essa é a novidade legal: A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima [...] Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança.

 

Conforme dito acima, pode-se entender que, pelo fato de nem mesmo ter a possibilidade de impor prisão em flagrante ao agressor, constata-se mais uma “brecha” na Lei, assim propiciando que o agressor saia “ileso”e deste modo não tendo a punição à altura de sua prática delituosa.

Outro aspecto de notável relevância é o fato do pagamento de cesta básica, ou seja,

nas palavras de Ramos (2006), o acordo entre o Ministério Público e o autor do fato:

 

O acordo entre o Ministério Público e o autor do fato já popularmente conhecido como o “pagamento de cesta básica”, não proporciona à vítima a sensação de reparação pelo mal sofrido. Ela volta para o convívio com o agressor, sem solucionar o conflito e mais vulnerável ainda a novas agressões. A vítima não tem qualquer interferência na proposta de transação, que pode realizar-se independentemente de sua vontade.

 

No tocante a tal fato, nota-se que a ofendida, de acordo com o texto acima, mais uma vez se sentirá vitimizada, justamente em razão de que seu agressor sairá novamente ileso em virtude do benefício do artigo 76, parágrafo 2º da Lei em questão. Assim é possível constatarse que a Lei 9099, de 26 de setembro de 1995, nesse tipo de delito, permitia a cada cinco anos uma prática delituosa, pelo pagamento de uma cesta básica, o que não ocorre mais, em razão da vigência da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) que oferece dispositivos legais específicos ao combate e repressão aos delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

Há ainda os casos em que a Lei não permite a transação penal ou que o praticante do delito, no caso o agressor não aceita a proposta ofertada pelo Ministério Público, onde será oferecida denúncia, designada audiência de instrução e julgamento, e, percorridos os trâmites legais, ao final, havendo condenação, o resultado é simplesmente uma pena restritiva de direitos que irá consistir em prestação de serviços à comunidade ou ainda convertida em prestação pecuniária. Nesta situação, o ônus para o autor da prática delituosa é a integração de seu nome no rol dos culpados. Mas, mesmo assim, não trará benefício algum à vítima, que não será ressarcida em seu íntimo pelo mal sofrido (RAMOS, 2006).

 

A Lei 9099 de 26 de setembro de 1995, apesar de ser o único diploma legal a oferecer dispositivos legais aos delitos de violência doméstica e familiar contra a mulher, evidentemente, anterior à vigência da Lei 11.340, em razão de não tratar-se de uma legislação específica, propiciava que o agressor se “esquivasse” da punição à altura de sua prática delituosa. Em caso de condenação havia uma mera pena restritiva de direitos ao invés da pena restritiva de liberdade, ou seja, “a vítima era agredida e ficava por isso mesmo”.

 

2.4 A identificação criminal do agressor

 

No tocante a identificação criminal do agressor, feito o registro da ocorrência, a autoridade policial deve proceder para realização da mesma, de acordo com o artigo 12, precisamente, inciso VI da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

A questão que deve ser considerada, em relação ao relatado acima, é que a Constituição da República, no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, livra o indivíduo civilmente identificado de tal identificação criminal.

É evidente que existe ressalva a esse fato, nas palavras de Dias (2007, p.132):

 

A lei que regula a identificação criminal prevê as exceções, logo quem possui identificação civil, não irá sujeitar-se a identificação criminal, ficando as exceções condicionadas à previsão Legal. Somente algumas práticas delituosas impõem a identificação criminal, mesmo assim só se leva a efeito quando existe dúvida quanto à identidade civil do acusado.

 

No entanto, em relação ao que a Constituição da República afirma, tal fato só é possível se esses direitos e garantias não forem usados como escudo para práticas ilícitas. 

Para Moraes (2007, p.27),

 

Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.

 

Em relação ao texto acima, pode-se afirmar que a identificação criminal é indispensável nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, pois sem esse procedimento, pode-se dizer que o agressor “escape” ileso, ou seja, permaneça sem a punição digna de sua prática delituosa, portanto, estando civilmente identificado ou não, o agressor deve submeter-se a essa identificação.

Dias (2007, p.133) acrescenta:

 

Assim, em se tratando de violência doméstica, a identificação criminal deve ocorrer sempre, mesmo que não exista dúvida sobre a identidade do indiciado. Não é estabelecido qualquer requisito ou condição que limite ou afaste a necessidade de o agressor submeter-se à identificação criminal.

 

Caso a Lei 11.340 não implicasse no artigo 12, inciso VI, essa identificação, muitos agressores conseguiriam escapar de suas devidas punições e muitas outras vezes, em várias situações as agressões persistiriam de maneira contumaz, sem que esse tipo de delito sofresse uma exemplar repressão.

 

 

 

 

 

CAPITULO 3 – ASPECTOS GERAIS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E LEI MARIA DA PENHA

 

3.1 O perverso ciclo da violência

 

É patente que desde os tempos remotos a violência tem evoluído de maneira vultosa e, quando se trata de violência doméstica e familiar contra a mulher, é evidente que não foge a tal costume.

Nota-se que tal realidade muito possivelmente é um reflexo do comportamento de toda sociedade, como por exemplo, as chulas expressões empregadas como: “ele pode não saber por que bate, mas ela sabe por que apanha”, é muito provável que, em razão de expressões como esta, é que foi desencadeada tamanha impunidade e fatalmente, houve necessidade da existência de uma legislação específica ao combate a este tipo de delito, no caso, a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). Veja-se o exemplo citado por Scuro Neto (2000, p.109):

 

O policial tudo viu, porém nada fez quando o homem chutou a cabeça da mulher, sua esposa, que sangrava na calçada, esfaqueada pelo marido, no peito e no pescoço. O agente da lei ainda olhava quando o sujeito, dono de uma lanchonete muito freqüentada por policiais, entrou em casa, agarrou o filho, uma criança de três anos, saiu e, de passagem, chutou mais uma vez a cabeça da mulher.

 

De acordo com este exemplo, pode-se entender que se encaixa perfeitamente, o ditado popular: “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. É evidente que tal conduta é um verdadeiro absurdo, pois o autor de uma prática delituosa como esta deveria ter uma punição devidamente exemplar não só em tempos remotos, mas principalmente nos dias atuais, o que é perfeitamente possível diante da Lei Maria da Penha.

É possível compreender que toda evolução deste ciclo perverso da violência é um problema sociológico, pois os crimes violentos contra a pessoa, normalmente, são motivados por forte emoção e também interesses, nas palavras de Scuro Neto (2000, p.108):

 

A relação íntima que acaba por caracterizar a maior parte dos delitos violentos contra a pessoa, que acaba tornando mais fácil o trabalho da polícia na descoberta do agressor, mas dificulta de forma incomensurável o controle deste tipo comportamental, que em inúmeras vezes é devidamente motivado por “triângulos amorosos”, brigas por propriedade, disputas por valores econômicos, que na maior parte de tais situações, envolve pessoas que se conhecem, que se gostam, e até mesmo, que se amam.

 

Em razão de tais afirmações, nota-se que a mulher, desde os primórdios, sempre foi discriminada, humilhada, desvalorizada e, principalmente, tratada como objeto, como propriedade, nas palavras de Dias (2007, p.15):

 

Desde o conceito de humanidade, a mulher é submetida a humilhações, discriminações e todo tipo de situação deplorável e degradante. Não há que se duvidar, que a violência sofrida pela mulher não é exclusivamente culpa do agressor e da sociedade estritamente “machista”. A sociedade, de forma lamentável, ainda cultiva valores que incentivam, incitam, a violência, o que impõe a necessidade de tomar consciência de que a culpa é de todos. Na realidade, o fundamento é cultural e decorre, justamente, da desigualdade no exercício do poder e que leva a uma relação de dominante e dominado.

 

Neste contexto, percebe-se que o ciclo da violência evoluiu desde os tempos mais remotos, e prossegue evoluindo até os dias atuais. Em razão de tal fato, é possível constatar-se que o diploma legal, Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha) foi devidamente eficaz no combate e repressão aos delitos de violência doméstica e familiar, e não só às práticas delituosas e aos agressores, mas à violência doméstica propriamente dita, pois, com dispositivos legais eficientes e que oferecem punições à altura da prática de tais delitos, os agressores não permanecem impunes como ocorria anteriormente.

Não se pode deixar de lembrar que a violência doméstica é das mais cruéis, de todas as formas de violência existentes, provavelmente, em razão do poder que todo homem acha que tem, que possui sobre a mulher, como demonstram Fonseca e Pacífico (2008):

 

Dentre outras formas de violência existentes, sem sombra de dúvida, a doméstica é uma das mais cruéis, tendo em vista que acontece justamente no local em que a vitima deveria estar mais protegida dos perigos oferecidos pela vida moderna, ou seja, o seu lar. A violência sofrida pela mulher no âmbito familiar se apresenta de forma cada vez mais intensa. Na grande maioria dos casos, a agressão acontece dentro de casa porque, ainda hoje, alguns homens acreditam exercer um poder em relação às mulheres.

 

Conforme as autoras acima, pode-se entender que em razão de toda sociedade ter ponto de vista extremamente machista, é muito provável que este fato tenha contribuído notavelmente para a evolução deste perverso ciclo da violência. Daí a necessidade de uma legislação específica para a proteção da mulher. 

 

3.2 Das práticas delituosas e aplicação das penas

 

Inicialmente, é possível destacar que a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), trouxe de forma notável significativas alterações nas maneiras de reprimir este tipo de delito, pois além de imprimir um caráter repressivo, um caráter preventivo e assistencial.

Um fator relevante foi a alteração efetuada no Código Penal, em que o legislador acrescentou mais uma circunstância agravante: quando o agente se prevalece das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, no entendimento de Dias (2007, p.99):

 

Independente do delito cometido, se o infrator tirar proveito das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade a pena será agravada. Ora, essa agravante já existia (Código Penal, artigo 61). A Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), veio acrescentar ao final desse dispositivo mais uma hipótese: “[...] com violência contra a mulher na forma da lei específica”. Dessa forma, o dispositivo obteve a seguinte redação: “São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: II- ter o agente cometido o crime: f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica”.

 

Em consonância com este entendimento, é possível perceber que o Diploma Legal em questão, não veio unicamente como um verdadeiro estatuto no combate à violência doméstica, mas veio acrescer medidas legais e mais eficientes ao combate a este tipo de delito, em determinados dispositivos já existentes.

Também é de se salientar que a Lei Maria da Penha trouxe mais uma força ao combate e repressão a este tipo de delito ao incluir um parágrafo ao artigo 129 do Código Penal. Assim diz Dias (2007, p.101).

 

Com a inclusão de um parágrafo ao artigo 129 do CP, passou a ser mais severamente apenado quem pratica lesões corporais contra vítima portadora de deficiência. Nessa hipótese a pena é aumentada de um terço. Que ninguém sustente que a majorante incide, apenas, quando a pessoa portadora de deficiência é do sexo feminino.

 

No tocante ao entendimento referido acima, vê-se que o legislador “aproveitou” para incluir qualquer vítima que sofra esta prática delituosa, ou seja, aproveitou-se da Lei que protege a mulher, para incluir tal dispositivo em benefício de portadores de necessidades especiais. Deste modo é possível perceber a inovação que foi o aparecimento da Lei Maria da Penha.

No entanto, as inovações não foram unicamente no aspecto material, mas no aspecto processual também, como, por exemplo, o acréscimo do inciso IV ao artigo 313 do Código de Processo Penal, em relação à decretação da prisão preventiva. Entretanto, Nucci (2008, p.630), adverte:

 

Somente se pode decretar a preventiva se os requisitos do art.312 do CPP estiverem presentes. Por isso, é fundamental que o magistrado atue com cautela e bom senso. Ainda que a infração penal envolva violência doméstica contra a mulher (ex: lesão corporal simples), não há sentido em se decretar a prisão preventiva para um delito cuja pena varia de três meses a três anos de detenção.

 

Nesses fatores apresentados pelo autor, é possível perceber que, apesar de a Lei 11.340 ter sido uma notável inovação, exige das autoridades tanto policial, quanto judiciária, uma certa ponderação nas aplicações de determinados dispositivos legais, para que não sejam aplicados de forma contrária, ou em outras palavras, de forma injusta.

Ainda em consonância a este assunto, é relevante a assertiva de Souza e Kümpel (2008, p.154), 

 

É notável que ao efetuar essa inclusão, o legislador sinalizou que a violência doméstica e familiar contra a mulher, trata-se de vetor imperativo da repressão cautelar, ou em outras palavras, não exerce vinculação a concessão da medida cautelar de natureza pessoal à qualidade e quantidade da pena principal assim imposta, pois, nas diversas situações, essa vinculação, ou seja, a proporcionalidade, é imposta (nos demais casos, obtem-se o entendimento que a medida cautelar não pode ser mais gravosa que a principal). Em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, levando em conta que o dispositivo acima autoriza a prisão preventiva somente para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, forçoso obter a conclusão que o legislador apontou um desvinculo entre medida cautelar e medida principal.

 

Neste contexto mais uma vez é possível ter a percepção de que há realmente a necessidade da ponderação por parte das autoridades e principalmente, da autoridade judiciária, ou em outras palavras, do julgador na análise de cada caso concreto. Assim não ocorre aplicação indevida dos dispositivos legais, evitando-se um “efeito contrário” ao que se espera da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

Mais um aspecto relevante foi a alteração na Lei de Execução Penal, trazida pela Lei Maria da Penha, que veio impor um propósito em matéria de aplicação de penas, com base na inclusão do parágrafo único, do artigo 152 da Lei 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), segundo apresenta Nucci (2008, p.527):

Não se deve impedir a substituição de penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos, como por exemplo, a prestação de serviços à comunidade ou, por exemplo a limitação de fim de semana. Nesta última situação, foi incluso o parágrafo único ao artigo 152 da Lei de Execução Penal, com o intuito de proporcionar ao agente da prática delituosa cursos específicos à sua situação, é relevante salientar, de recuperação e reeducação no contexto de respeito à mulher e à família.

 

Neste contexto, é possível visualizar a notável inovação em aplicação de penas, trazida pela Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). Em relação a este aspecto, é fácil perceber que o Diploma Legal em questão, além de possuir um caráter punitivo, possui também um caráter de recuperação e de reeducação.

Para Souza e Kümpel (2008, p.154),

 

Trata-se de medida ressocializante e profilática no combate à violência contra a mulher, de cunho fundamentalmente educacional, e, portanto, abrese possibilidade de se aplicar a remição, ou seja, considerar, a cada três dias freqüentados pelo condenado, um dia cumprido de pena, o que, certamente, fará com que a providência ganhe efetividade.

 

Outro aspecto de notável relevância, é referente ao direito que o agente da prática delituosa possui, em relação à suspensão condicional da pena, denominado sursis, em razão do delito de lesão corporal qualificado pela violência doméstica, ser de três meses a três anos. Dias (2007, p.108) pondera:

 

Como a pena do crime de lesão corporal qualificado pela violência doméstica é de três meses a três anos o agressor tem direito à suspensão condicional da pena, o chamado sursis (CP, art.77), que voltará a se revestir de importância ímpar nos delitos contra a mulher tutelados pela Lei Maria da Penha.

 

Assim, é possível verificar que a Lei 11.340 não veio para alterar todos os preceitos legais, como no tocante a sursis; a regra, ou seja, o preceito elementar foi mantido, como é possível perceber, conforme expôs a autora.

Ainda Dias (2007, p.108-109) acrescenta:

 

No entanto, a concessão deste benefício não está condicionado à natureza do delito, mas tão somente à quantidade da pena (não deve ter sido aplicada pena superior a 2 anos). Após a concessão do sursis, que este terá duração de dois a quatro anos, durante o primeiro ano, o réu ficará sujeito à limitação de fim de semana (CP, art. 78, parágrafo 1º). Tratando-se de réu que sofreu condenação por violência doméstica, posteriormente a concessão do sursis, a freqüência a programas de reeducação é obrigatória, nos termos do artigo 152, parágrafo único, da Lei 7.210 de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal).

Assim, constata-se que a Lei Maria da Penha é o mecanismo de proteção à mulher, mais eficiente e inovador que existe e já existiu, pois, o mesmo não se limita unicamente a impor punições simplesmente, mas também “exerce” seu caráter de reeducação, de acordo com os ditames da justiça.

 

3.3 A assistência judiciária

 

Em relação à assistência judiciária, a Lei 11.340, impõe a obrigatoriedade da presença de advogado no acompanhamento da vítima, até mesmo nas audiências criminais, conforme artigo 27 do diploma legal em questão. Isto se vê no parecer de Cunha e Pinto (2008, p.168):

 

É interessante o dispositivo obrigar a presença de advogado, acompanhando a vítima, inclusive nas audiências criminais. Desta forma, por exemplo, enquanto o artigo 68 da Lei 9099/95 obriga que um defensor esteja presente em prol do autor do fato, a Lei 11.340 de 7 de agosto de 2006 vai além, exigindo que a vítima esteja assistida por advogado em todos os atos processuais, sem prejuízo da presença do Ministério Público que é obrigatória. A ratio legis foi de garantir uma proteção significativa à vítima, preocupação esta que vem a manifestar-se também no artigo 16 da lei, que determina, se caso ocorrer renúncia ao direito de representação, deve ser expressado na presença do juiz, do membro do Ministério Público, e do advogado por força do dispositivo.

 

Em consonância ao entendimento dos autores acima, é de notar que, com a vigência da Lei 11.340 o novel diploma trouxe essa benesse à ofendida, pois, anteriormente à vigência do diploma legal em questão, só o agressor tinha acompanhamento de advogado. Percebe-se a notável evolução, pois a vítima é acompanhada por advogado em todos os atos processuais, sem prejuízo da presença do juiz e do representante do Ministério Público.

Nesse contexto, em relação à assistência judiciária segundo entendimento de Cunha e Pinto (2008, p.1988), é de notável relevância destacar a importância da Defensoria Pública criada pela Constituição da República de 1988.

A importância da Defensoria Pública é dimensionada com o tratamento, ao qual lhe confere a Constituição da República, em seu artigo 134, caput, quando menciona ser ela “instituição essencial à função jurisdicional do Estado, cabendo a mesma, a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV”. A criação da Defensoria Pública, portanto, pela CF/88, acaba se traduzindo pelo verdadeiro corolário da garantia constitucional assegurada à todos os cidadãos, o mais amplo acesso à Justiça (CUNHA; PINTO, 2008, p.169). 

Assim infere-se que o novel diploma não deixou e, por força de dispositivo constitucional, nem poderia deixar as classes menos favorecidas sem auxílio, em situação de violência doméstica e familiar; logo, é extremamente importante e indispensável a existência do órgão em questão, pois, sem a Defensoria Pública, as vítimas da violência doméstica e familiar, pertencentes às classes menos favorecidas provavelmente ficariam sem o devido amparo legal.

Ainda no tocante à assistência judiciária, deve-se ressaltar que o advogado é obrigado a aceitar a nomeação efetuada pelo juiz, pois, caso não o faça, está sujeito a prática de infração disciplinar, prevista no artigo 34, inciso XII, da Lei 8.906/94. 

Cunha e Pinto (2008, p.169), esclarecem:

 

Vale lembrar que o advogado é obrigado a aceitar a nomeação feita pelo juiz, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de infração disciplinar, nos termos do art. 34, XII, da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), que assim tipifica a falta: recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública.

 

Em razão deste procedimento, nota-se que as vítimas do delito de violência doméstica e familiar não mais irão ficar à mercê dos agressores como acontecia anteriormente. Pode-se observar que, nos dias atuais, as vítimas deste delito estão “protegidas em todos os sentidos”.

Ainda no contexto do artigo 28 da Lei Maria da Penha, é relevante salientar no tocante à defesa na fase policial:  

Relativamente complicado e, notável a dificuldade de sua implantação na prática, tal dispositivo garante à ofendida o acompanhamento de advogado, também na fase policial. É possível notar, inicialmente, que o Estatuto da Criança e do Adolescente, poderia ter sido aplicado por analogia (art.13), o mesmo não faz qualquer menção à presença de advogado no âmbito policial. A mesma omissão se faz presente no Estatuto do Idoso, outro diploma que também seria possível atuar subsidiariamente. O próprio Código de Processo Penal não faz referência alguma ao atendimento da ofendida pelos órgãos de segurança pública (CUNHA; PINTO, 2008, p.169-170).

Nota-se que a norma comentada pelo legislador é de certa relevância; o aspecto negativo é sua aplicação na prática, pois, diante da realidade presente neste país, talvez seja difícil tal aplicação, justamente em razão da falta de infraestrutura e da precariedade dos equipamentos policiais de atendimento ao público. Mas, se for possível sua aplicação na prática, é evidente que será extremamente benéfica e válida a proteção e o auxílio à ofendida.

 

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Devido ao grande avanço e progressão da violência, principalmente, tratando-se de casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, era evidente a necessidade da criação de uma legislação específica, voltada para o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Para preencher essa lacuna, surgiu a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

É possível perceber que a necessidade da existência de uma legislação específica ao combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, e porque não afirmar-se, para a proteção da mulher. É justamente em decorrência da postura e comportamento machista, empregado pela sociedade, pois a mulher, desde os tempos mais remotos, sempre sofreu e foi contumazmente submetida a várias formas de discriminação, ridicularização, humilhação, etc. Em resumo, a mulher sempre foi “colocada” em um patamar de desigualdade, de inferioridade ao homem, ou seja, sempre foi considerada um ser desprezível pela sociedade.

Logo, devido a este comportamento que sempre esteve presente em toda a sociedade, os índices de violência doméstica e familiar contra a mulher, ao longo do tempo, vieram a aumentar de forma significativa, desde os tempos mais remotos até os dias atuais.

Até hoje estão presentes os fatos ocorridos em Fortaleza-CE com a biofarmacêutica, Maria da Penha Maia Fernandes. Ela, vivendo em companhia do professor universitário Marco Antônio Herredia Viveros, seu marido e pai de suas filhas. Em 1983, o marido desferiu tiros em suas costas, causando-lhe paraplegia dos membros inferiores. Posteriormente, em uma segunda tentativa de homicídio, Marco tentou eletrocutá-la no banho. Foi a júri duas vezes; na primeira, os advogados conseguiram anular o julgamento, na segunda, Marco foi condenado a dez anos e seis meses, mas recorreu.

Analisando-se tais fatos, é possível concluir que, se na época da incidência dos fatos, existisse uma legislação específica como existe na atualidade, que oferecesse dispositivos legais eficientes na repressão e combate ao delito de violência doméstica e familiar contra a mulher, impondo penalidades rigorosas ao agressor, ele não teria ficado impune, teria sido punido com todo rigor da lei.

Assim, nota-se a importância e a necessidade da existência da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006(Lei Maria da Penha) para coibir os índices de violência doméstica e familiar contra a mulher. Caso contrário a violência, “fugiria” ao controle, e obviamente, os agressores permaneceriam sem uma punição à altura de sua prática delituosa.

Deve ser lembrado também que não haveria punições aos agressores porque, sem uma legislação específica ao combate e repressão a este tipo de delito, as autoridades tanto policial, como judiciária, permaneceriam inertes ou então limitadas, como acontecia quando eram aplicados os procedimentos da Lei 9099, de 26 de setembro de 1995(Lei dos Juizados Especiais).

Assim, é indiscutível a importância e a necessidade da Lei Maria da Penha. Reconheça-se que tal diploma foi uma grande inovação no combate e repressão ao delito de violência doméstica e familiar contra a mulher.

É de se notar que na prática da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006(Lei Maria da Penha), há determinados lugares de mais incidência de sua aplicação, e outros menos. Por exemplo, Mato Grosso-MT, é um dos Estados com maior aplicabilidade da Lei Maria da Penha (MATO GROSSO, 2008).

Em razão de a Lei 11.340 ser uma legislação específica voltada à proteção da

mulher, é bem provável que sua aplicação será uniforme, em breve, em todo o país.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) comentada artigo por artigo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 

 

 

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais.2007. 

 

 

FONSECA, Antonio Cezar Lima da. Ministério Público e Lei Maria da Penha. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1268, 21 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol. com.br/doutrina/texto.asp?id=9305>. Acesso em: 02 nov. 2008.

 

 

FONSECA, Emanuelle Monteiro; PACÍFICO, Andrea Pacheco. As conseqüências para o Estado e para a sociedade civil da violência doméstica contra a mulher. Disponível em: <http://www.lfg.com.br.>. Acesso em: 01 jan. 2009.

 

 

FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.

 

 

MENDES, Christine Keler de Lima. Comentários à Lei 11.340/2006: violência doméstica e familiar. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 214. Disponível em: <http://www. boletim juridico. com.br/doutrina/texto.asp?id=1718>. Acesso em: 2 set. 2008.

 

 

MATO GROSSO é um dos Estados com maior aplicabilidade da lei Maria da Penha. Disponível em: <http://www.resumoonline. com.br/litarconteudo.asp? no_codigo= 5145&materia=MT-%C3%>.  Acesso em: 4 jul. 2009.

 

 

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

 

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

 

 

______. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2008.

 

 

PEREIRA, Júlio César. Violência doméstica contra a mulher. Disponível em: <http://www. evolutivo. com.br/verartigo.php?artid=100845>. Acesso em: 20 jul. 2009.

 

RABELO, Iglesias Fernanda de Azevedo; SARAIVA, Rodrigo Viana. A Lei Maria da Penha e o reconhecimento legal da evolução do conceito de família. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1170, 14 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol. com.br/ doutrina/ texto. asp?id =8911>. Acesso em: 07 set. 2008.

 

 

RAMOS, Lana Márcia. A violência contra a mulher no âmbito familiar vista sob a ótica da Lei 9.099/95. Disponível em: <http://www.direitonet. com. br/ artigos/x/26/13/2613/>. Acesso em: 10 fev. 2008.

 

 

SCURO NETO, Pedro. Manual de sociologia geral e jurídica: lógica e método do direito, problemas sociais, comportamento criminoso, controle social. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

 

 

SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Violência doméstica e Lei nº 9.099/95. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol. com.br/ doutrina/ texto. asp?id=2027>. Acesso em: 11 jan. 2009.

 

 

SOUZA, Luiz Antônio de; KÜMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/06. 2. ed. São Paulo: Método, 2008.

 

 

 

 

ANEXO: LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006

 

Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1o  Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Art. 2o  Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3o  Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1o  O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2o  Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

Art. 4o  Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

 

TÍTULO II DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

  1. - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
  2. - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
  3. - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Art. 6o  A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

CAPÍTULO II DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Art. 7o  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

  1. - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; 
  2. - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
  3. - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
  4. - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
  5. - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

TÍTULO III DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR  CAPÍTULO I DAS MEDIDAS INTEGRADAS DE PREVENÇÃO

Art. 8o  A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

  1. - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
  2. - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;
  3. - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1o, no inciso IV do art. 3o e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;
  4. - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
  5. - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
  6. - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades nãogovernamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
  7. - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;
  8. - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
  9. - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

CAPÍTULO II DA ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Art. 9o  A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1o  O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2o  O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

  1. - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;
  2. - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3o  A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual. CAPÍTULO III

DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL

Art. 10.  Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único.  Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11.  No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

  1. - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
  2. - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
  3. - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
  4. - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
  5. - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Art. 12.  Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

  1. - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; 
  2. - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
  3. - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
  4. - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; 
  5. - ouvir o agressor e as testemunhas;
  6. - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; 
  7. - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1o  O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

  1. - qualificação da ofendida e do agressor;
  2. - nome e idade dos dependentes;
  3. - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2o  A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3o  Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.

TÍTULO IV DOS PROCEDIMENTOS  CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 13.  Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher aplicar-se-ão as normas dos Códigos de Processo Penal e Processo Civil e da legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não conflitarem com o estabelecido nesta Lei.

Art. 14.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único.  Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 15.  É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I - do seu domicílio ou de sua residência; II - do lugar do fato em que se baseou a demanda; III - do domicílio do agressor.

Art. 16.  Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

Art. 17.  É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

 

CAPÍTULO II DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA  Seção I Disposições Gerais

Art. 18.  Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas:

  1. - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência;
  2. - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso;
  3. - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis.

Art. 19.  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.

§ 1o  As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

§ 2o  As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.

§ 3o  Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

Art. 20.  Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único.  O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Art. 21.  A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único.  A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.

 

Seção II Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

  1. aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite

mínimo de distância entre estes e o agressor;

  1. contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de

comunicação;

  1. freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e

psicológica da ofendida;

  1. - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
  2. - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1o  As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2o  Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3o  Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4o  Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Seção III Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida

Art. 23.  Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

  1. - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
  2. - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
  3. - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
  4. - determinar a separação de corpos.

Art. 24.  Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: 

  1. - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
  2. - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
  3. - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
  4. - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único.  Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.

CAPÍTULO III DA ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Art. 25.  O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas causas cíveis e criminais decorrentes da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 26.  Caberá ao Ministério Público, sem prejuízo de outras atribuições, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando necessário:

  1. - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros;
  2. - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas;
  3. - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

 

CAPÍTULO IV DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Art. 27.  Em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, ressalvado o previsto no art. 19 desta Lei.

Art. 28.  É garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da lei, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado.

TÍTULO V DA EQUIPE DE ATENDIMENTO MULTIDISCIPLINAR

Art. 29.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.

Art. 30.  Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, e desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.

Art. 31.  Quando a complexidade do caso exigir avaliação mais aprofundada, o juiz poderá determinar a manifestação de profissional especializado, mediante a indicação da equipe de atendimento multidisciplinar.

Art. 32.  O Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, poderá prever recursos para a criação e manutenção da equipe de atendimento multidisciplinar, nos termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

TÍTULO VI DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS

Art. 33.  Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada pela legislação processual pertinente.

Parágrafo único.  Será garantido o direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento das causas referidas no caput.

 

 

TÍTULO VII DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 34.  A instituição dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher poderá ser acompanhada pela implantação das curadorias necessárias e do serviço de assistência judiciária.

Art. 35.  A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências:

  1. - centros de atendimento integral e multidisciplinar para mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
  2. - casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar;
  3. - delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar;
  4. - programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar; V - centros de educação e de reabilitação para os agressores.

Art. 36.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a adaptação de seus órgãos e de seus programas às diretrizes e aos princípios desta Lei.

Art. 37.  A defesa dos interesses e direitos transindividuais previstos nesta Lei poderá ser exercida, concorrentemente, pelo Ministério Público e por associação de atuação na área, regularmente constituída há pelo menos um ano, nos termos da legislação civil.

Parágrafo único.  O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz quando entender que não há outra entidade com representatividade adequada para o ajuizamento da demanda coletiva.

Art. 38.  As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.

Parágrafo único.  As Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça.

Art. 39.  A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no limite de suas competências e nos termos das respectivas leis de diretrizes orçamentárias, poderão estabelecer dotações orçamentárias específicas, em cada exercício financeiro, para a implementação das medidas estabelecidas nesta Lei.

Art. 40.  As obrigações previstas nesta Lei não excluem outras decorrentes dos princípios por ela adotados.

Art. 41.  Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Art. 42.  O art. 313 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:

“Art. 313.  .................................................

................................................................ 

IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” (NR)

Art. 43.  A alínea f do inciso II do art. 61 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 61.  .................................................. 

.................................................................

II - ............................................................ 

................................................................. 

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

........................................................... ” (NR)

Art. 44.  O art. 129 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 129.  .................................................. 

.................................................................. 

§ 9o  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

.................................................................. 

§ 11.  Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.” (NR)

Art. 45.  O art. 152 da Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 152.  ................................................... 

Parágrafo único.  Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação.” (NR) Art. 46.  Esta Lei entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua publicação.

Brasília,  7  de  agosto  de 2006; 185o da Independência e 118o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA 

Dilma Rousseff

 

 

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