As vantagens do modelo semipresidencialista de governo para o Brasil

24/03/2022 às 18:50
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É preciso destacar que o desenho do sistema eleitoral brasileiro é demasiado caro e o próprio custo das eleições está por trás de boa parte dos esquemas de corrupção, sem mencionar a baixíssima representatividade obtida.

É sabido que o modelo de Estado Democrático de Direito está em crise nas democracias constitucionais, não apenas no Brasil, mas no contexto mundial, portanto, não é uma crise estritamente brasileira, mas sim vivenciada por este modelo histórico de Estado, e que em nosso país é majorada por situações muito próprias, relacionadas principalmente com a nossa cultura e a forma como fazemos a política.

Talvez a grande questão para que o Estado de Direito se encontre em agravada crise no país, com uma escalada autoritária e populista, vide o resultado das eleições em 2018, seja o mau uso do processo de impeachment (Lei nº 1.079/50) como um remédio constitucional, quando na realidade deveria ser a ultima salvaguarda para destituição de um Chefe de Estado.

A Constituição Federal, não por decisão dos próprios constituintes, mas por uma consulta através de Plebiscito (1993), adotou o Sistema Presidencialista de governo. Ao fazê-lo, adotou a matriz da Constituição Norte-Americana de 1787, onde as funções do Chefe de Estado e do Chefe de Governo estão cumuladas em uma única figura.

Por isso, ao contrário do que acontece nos Regimes Parlamentaristas, um Presidente da República não pode ser afastado por razões puramente políticas, a exemplo de um mau governo. No Presidencialismo é necessário que existam pressupostos jurídicos somados à uma avaliação política para que se possa afastar o Chefe do Executivo legitimamente eleito pelo voto majoritário.

Este processo de afastamento é denominado Impeachment, que nada mais é que um processo jurídico-político, sendo o seu julgamento político, porém, a sua base de fato há de ser jurídica. À luz da Constituição Norte-Americana, o Presidente só pode ser afastado do cargo, nos casos de high crimes, pressuposto este também recepcionado pela Constituição Federal, os denominados crimes de responsabilidade.

A Lei 1.079/50 afirma em seu art. 4º que o Presidente só pode ser afastado nos casos em que há um ato presidencial cometido dolosamente, ou seja, com ciência e lucidez do ilícito sendo cometido e que atente contra a Carta Magna, configurado algum dos crimes de responsabilidade tipificados no rol do art. 85 da CF/88.

Posto isso, é preciso destacar que o desenho do sistema eleitoral brasileiro é demasiado caro e o próprio custo das eleições está por trás de boa parte dos esquemas de corrupção, sem mencionar a baixíssima representatividade obtida.

No sistema atual com o voto proporcional em lista aberta para parlamentares, o eleitor definitivamente não sabe a quem elegeu, como também o próprio candidato não sabe por quem foi eleito. De modo que, o primeiro não tem de quem cobrar, e o segundo não tem a quem fazer sua prestação de contas.

Logo, é preciso que esteja em nosso projeto de país uma reforma política estrutural, que de fato acabe com privilégios e melhore a qualidade representativa do voto popular. Cito como exemplo a adoção de sistemas mais modernos como o voto distrital misto, dando azo a qualificação da representatividade, bem como a migração paulatina para um sistema semipresidencialista de governo.

Cumpre destacar que cada vez mais, ante ao cenário de polarização política no debate nacional, estou convencido de que a proposta de adesão ao sistema semipresidencialista de governo seria o melhor cenário politico em termos de governabilidade, harmonia e estabilidade entre os poderes, unindo o melhor dos regimes Presidencialista e Parlamentarista, isto somente em razão das características impostas pela formação cultural da nossa jovem democracia.

O regime semipresidencialista, não é puramente nem o hiper-presidencialismo norte-americano e tampouco o sistema parlamentarista inglês, mas sim algo que se assemelha mais aos modelos adotados na França e em Portugal, com o Presidente sendo eleito e um Primeiro-Ministro advindo de uma composição pela maioria dos parlamentares.

Neste sentido, não destoa das proposições do Prof. Dr. José Eduardo Martins Cardozo[1]:

[...] Sou parlamentarista, acho o presidencialismo um sistema que traz instabilidade política e insegurança. Então, pessoalmente, se pudesse, proporia para o país o semipresidencialismo, que acho que se ajustaria muito bem à realidade histórica e cultural brasileira, nos moldes que existe em Portugal e na França. E isso casa com o voto distrital misto, que é o sistema alemão. [...].

Em contrapartida no já desgastado regime presidencialista, vivenciado desde 1889 no Brasil, o Executivo também é eleito diretamente pelo cidadão, mas somente depois busca o apoio do Legislativo para formar as suas maiorias, a partir daí criando um cenário de governabilidade o popularmente chamado de presidencialismo de coalizão.

Ou seja, é um desenho institucional que impõe a coalizão ao governante como única forma possível de se governar, tornando Presidentes frágeis, e, muitas vezes, reféns do Congresso Nacional.

Sobre o tema alvitra o Prof. Dr. Michel Temer[2]:

Saliente-se, como escrevi no meu Democracia e Cidadania (Ed. Malheiros, p. 43), que no Brasil o presidente é eleito pela maioria do povo, mas por uma minoria partidária. Depois é preciso costurar o apoio político congressual, o que acarreta inúmeras críticas aos partidos políticos e ao Legislativo. Diria, sem medo de errar, que o Executivo e o Legislativo praticamente se antagonizam, na medida em que, de um lado, se exige a independência absoluta do Legislativo, como se este também não fosse governo, e, de outro, quando o presidente consegue montar sua base de apoio, ele o faz sob a acusação de fisiologismo e outras práticas condenáveis.

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Contudo, quando se é necessário negociar com inúmeros partidos políticos no Brasil são mais de trinta siglas acaba-se por ter de abrir mão de medidas muitas vezes fundamentais para o povo e que comumente foram postas como ponto de honra no momento da campanha eleitoral, colocando o próprio mandato em risco.

Ao longo dos últimos governos, foram recebidos quase trezentos pedidos de impeachment, sendo este um dos motivos principais para a adoção do semipresidencialismo, proposição ancorada, inclusive, por notáveis juristas como os Ministros do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso e Gilmar Ferreira Mendes, o advogado e Prof. Dr. Lênio Luiz Streck, o Ex-Ministro da Justiça Prof. Dr. José Eduardo Martins Cardozo e o Ex-Presidente da República Prof. Dr. Michel Temer.

Pelas motivações expostas, em uma eventual adesão ao semipresidencialismo no Brasil, o Presidente permanece como o Chefe de Estado, sendo responsável pela imagem do Brasil junto ao exterior, a mantença de boa relação institucional, o comando das forças armadas e a nomeação de embaixadores e ministros dos Tribunais Superiores. Por sua vez, o Primeiro-Ministro seria o Chefe de Governo, escolhido com base nas eleições legislativas dentre os seus pares, vindo a formar o seu gabinete junto a base aliada.

Desta forma, é natural e automático que a oposição igualmente se articule formando uma outra grande força, e assim passaríamos a ter, ao menos conceitualmente, apenas dois partidos no Congresso Nacional, formados pelos blocos de oposição e situação.

Portanto, o Chefe de Governo e da administração pública seria o Primeiro-Ministro, ele é quem viveria as turbulências da vida política, e quem poderia vir a perder sustentação, em razão de que pode facilmente ser trocado em caso de perda da maioria do apoio no Congresso Nacional. Ao passo que, o Presidente eleito por prazo certo, não faz varejo político, e é o fiador da estabilidade.

A esse respeito, o Ministro Luís Roberto Barroso[3]:

O semipresidencialismo é a síntese de experiências políticas diversas vividas por inúmeras democracias contemporâneas maduras. Por ser um sistema híbrido, desenvolvido racionalmente, tem a possibilidade de conciliar aspectos positivos de cada um dos modelos puros, com o expurgo de algumas de suas disfunções. Isso o torna um sistema especialmente adequado para países de democratização mais recente, ainda afetados por instabilidades políticas sucessivas e que não completaram integralmente os ciclos do amadurecimento institucional. Além das virtudes que apresenta, abstratamente consideradas, a fórmula apresenta importantes potencialidades quando inserida nas condições concretas da vida política brasileira.

E finaliza o Prof. Dr. Michel Temer[4]:

Ora bem, no semipresidencialismo o primeiro-ministro, como chefe de governo, com sede no Parlamento, faz, naturalmente, essa articulação. Quando lhe falta a confiança do Parlamento, põe-se em pauta um voto de desconfiança. E se ele cai, naturalmente as forças políticas, com a participação do presidente da República, compõem um novo Ministério. Sem traumas. E sempre formando, naturalmente, maioria política.

Desta forma, não haveria mais vazão para um novo trauma de processo de impeachment na história brasileira, pois, no modelo semipresidencialista pelo qual se advogada neste artigo, quem sofre a represália por perda de apoio é o Primeiro-Ministro, que cairia de forma orgânica, visto que a sua destituição pode se dar por mero voto de desconfiança.

Por derradeiro, destaca-se que no semipresidencialismo a substituição do Chefe de Governo se dá sem quaisquer traumas político-institucionais ao país, ao passo que no presidencialismo o processo de afastamento traz consigo instabilidade política e ruptura institucional.

  1. Operadores do ordenamento jurídico falharam com a lava jato, diz Cardozo, por Emerson Voltare; 17/05/2020.

  2. TEMER, Michel; p. 02, O Semipresidencialismo, artigo publicado pelo jornal Estado de S. Paulo, 11/07/2019; Fundação Ulysses Guimarães.

  3. BARROSO, Luís Roberto, p. 27

  4. TEMER, Michel, O Semipresidencialismo, artigo publicado pelo jornal Estado de S. Paulo, 11/07/2019; Fundação Ulysses Guimarães.

Sobre o autor
Luis Ricardo Saavedra

Advogado. Mestrando em Direito Constitucional pelo IDP-DF - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (2024). Pós-Graduado em Direito Constitucional pela ABDConst - Academia Brasileira de Direito Constitucional (2023). Graduado em Direito pela Faculdade Cesusc (2020). Pesquisador do GConst/UFSC - Grupo de Pesquisa em Constitucionalismo Político da Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Perspectivas Contemporâneas da Jurisdição Constitucional do IDP-DF, sob a orientação do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Prof. Dr. Gilmar Ferreira Mendes e do Prof. Dr. Victor Marcel. Membro das Comissões de Direito Constitucional e de Direito Eleitoral da OAB/SC.

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