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    Aída Campos Domingo, 21 de agosto de 2005, 0h28min

    Prezada Ana

    Há pouco tempo atrás pesquisando na internet, neste mesmo site, encontrei um trabalho doutrinário da Dra. MARIA ANGÉLICA GASPARETTTO PEREIRA de excelente qualidade.

    Segue adiante todo o texto.

    Espero ter ajudado.

    Atenciosamente

    Aída Campos

    Execução hipotecária dos créditos vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação
    Maria Angélica Gasparetto Pereira
    1. INTRODUÇÃO
    A execução dos créditos vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação é regida pelo procedimento ditado pela Lei 5.741/71. Esta foi criada, especialmente, para viabilizar um procedimento mais célere, capaz de propiciar ao agente financeiro um retorno mais rápido do capital por ele investido no financiamento, face ao inadimplemento do mutuário. A justificativa para o procedimento mais célere está no caráter social dos financiamentos realizados sob o âmbito do Sistema Financeiro de Habitação.
    Isto porque a princípio, o fim maior do Sistema Financeiro de Habitação, criado com a Lei 4.380/64, era o de propiciar a aquisição da casa própria pelas populações de menor renda, a fim de combater o deficit habitacional, combate necessário à reforma urbana e que transforma os mutuários em eleitores. Entretanto, mesmo desvirtuado o sistema, a legislação em comento continua em vigor. Nesta, ressalte-se, face ao procedimento mais célere, supre-se algumas fases do procedimento executório regulamentar. Estas questões processuais representam, ainda hoje, o ponto polêmico desta legislação especial, questionando-se a sua constitucionalidade.
    Ocorre que a lei específica foi promulgada em momento peculiar da história política brasileira, visando não só aos benefícios sociais às populações de baixa renda, mas também ao crescimento do setor de construção civil brasileiro, demonstrando caráter puramente econômico.
    Assim, há de se analisar as questões relevantes tendo-se em conta o momento histórico da promulgação da lei e a harmonização desta com a Constituição Federal de 1988, além do Código de Processo Civil de 1973. Ressalte-se, ainda, que um dos intuitos do procedimento especial era desafogar o Judiciário do excesso de execuções comuns, com procedimentos extremamente morosos. Estas execuções comuns foram originadas do crescente inadimplemento dos mutuários, fato que permanece até hoje, demandando grande número de ações judiciais para a satisfação do crédito da financiadora.
    Tendo em vista o elevado número de mutuários inadimplentes, e a ampla utilização da lei especial, com as polêmicas que acarreta, procuramos elucidar ao menos uma parte deste emaranhado de entendimentos, visando não a beneficiar a um ou a outro, mas à aplicação mais justa da lei. Esclarecer as questões controversas é o objetivo do presente trabalho, relendo a lei específica em consonância com os princípios constitucionais.
    2. PROCEDIMENTO DA LEI 5.741/71
    A execução especial prevista nesta lei tem um procedimento mais rígido e mais ágil que a execução comum, justamente visando garantir ao credor o retorno mais rápido de seu crédito, viabilizando novos financiamentos no âmbito do SFH e mantendo o caráter social da legislação em comento. Este procedimento mais rígido da lei específica não só beneficia o credor, mas, pelos requisitos exigidos para a propositura da ação e pela intenção de desonerar integralmente o devedor da obrigação, também visa a beneficiar o mutuário, sobretudo em comparação com a execução extrajudicial do Decreto 70/66, que lhe era totalmente desfavorável.
    Nestas execuções de título extrajudicial de contrato de financiamento para aquisição de imóvel com fundos do SFH, o imóvel financiado é garantia da operação, pois se encontra hipotecado ao agente financeiro. Esse imóvel hipotecado corresponde à residência do mutuário, posto que a lei proíbe a aquisição, através de financiamento pelo SFH, por parte de pessoas que já possuam imóveis na mesma jurisdição, conforme o disposto no §1º do artigo 9º da Lei 4.380/64. Este parágrafo foi revogado pela Medida Provisória n.º 1.951-21, de 06.01.2000, DOU 07.01.2000, entretanto, anteriormente a esta data, o parágrafo encontrava-se plenamente em vigor, devendo o mesmo ser convertido em lei para ter sua validade plena.
    O Superior Tribunal de Justiça já firmou seu entendimento de que as execuções de financiamentos no âmbito do SFH devem seguir o rito previsto na Lei 5.741/71, de acordo com a decisão proferida no REsp 78365/RS. Neste ponto, cabe ressaltar a lição de José Vidal quanto à aplicação da legislação específica em detrimento ao Código de Processo Civil:
    “A execução prevista na Lei 5.741 constitui procedimento especial destinado a atender aos fins sociais, protegendo o financiamento de bens imóveis vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, bem como a própria economia do devedor. A sua aplicação é obrigatória, a fim de alcançar os fins previstos.
    Está o juiz obrigado a imprimir o procedimento determinado pela lei, ainda que as partes pretendam seguir outro diverso. No caso, há indisponibilidade procedimental. Se a lei fixou certo rito processual, foi porque o considerou como mais adequado à realização finalística do processo executório. Essa matéria é de ordem pública, não podendo ser derrogada pela vontade das partes, muito menos pelo juiz, que deve indeferir a petição inicial, quando o tipo de procedimento não corresponder à natureza da causa (n. V, do art. 295, do CPC).”
    Esta aplicação se dá porque referido diploma legal se trata de procedimento especial, enquanto o processo de execução, no Código de Processo Civil, trata-se de procedimento geral, comum às medidas executivas. E havendo lei especial, esta se sobrepõe à lei geral. Havendo incompatibilidade entre a norma especial e a norma geral, o regramento especial se sobrepõe ao procedimento comum. A Lei 5.741/71, procedimento especial, encontra-se plenamente em vigor.
    O processo de execução do Código de Processo Civil se trata de norma comum a todos os processos de execução. Assim, no que a Lei 5.741/71 for omissa ou no que não houver colisão de disposição, aplicar-se-á, subsidiariamente à Lei 5.741/71, os dispositivos legais do Código de Processo Civil. Assim, não se cogita da aplicação ou não da lei especial, posto ser a mesma obrigatória às execuções em comento.
    Argumenta-se acerca, também, da constitucionalidade dos dispositivos constantes da Lei 5.741/71. Cremos que não há razão de ser para a dúvida, com exceção do artigo 5º no que tange às condições para atribuição de efeito suspensivo aos embargos, uma vez que claramente inconstitucional. No restante, constitucional a lei que rege o procedimento especial. Há quem entenda que a Lei 5.741/71 ab-rogou a execução extrajudicial do DL 70/66, face servirem para a tutela da mesma espécie de litígio. Entretanto, ambas as legislações convivem simultaneamente no nosso ordenamento, pois seus procedimentos não são incompatíveis. Ocorre que a utilização de um exclui a incidência do outro, como não poderia deixar de ser.
    Ainda, questiona-se se a execução hipotecária judicial não teria sido ab-rogada pelo Código de Processo Civil de 1973, se alguns pontos do procedimento colidem ou não com a normatividade do CPC/73, face este haver incluído a cobrança hipotecária em seu artigo 585, inciso III, na Seção que trata dos Títulos Executivos. Ocorre que este artigo refere-se tão somente a crédito hipotecário não vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, pelo que a legislação extravagante continua em vigor. E mais, esta foi adaptada ao Código de Processo Civil pela lei 6.014/73, como se constata da leitura de seu artigo 14.
    Quanto ao juízo competente para as execuções, a menos que a entidade financiadora seja a Caixa Econômica Federal, não haverá participação desta. Assim, sendo o contrato firmado com qualquer outro agente permitido que não a CEF, a competência será da Justiça Estadual, sem a intervenção desta. A não participação da Caixa Econômica nestas execuções decorre do fato de que não se trata de readequação do contrato ou revisão de sua cláusulas, mas tão somente de cobrança de prestações em atraso.
    3.1. REQUISITOS:
    O Código de Processo Civil no artigo 267, inciso VI, estabelece quais são as condições genéricas da ação, quais sejam: possibilidade jurídica do pedido, interesse de agir e legitimidade de parte, condições estas indispensáveis para o exercício de qualquer tipo de ação.
    Entretanto, face ao caráter da Lei 5.741/71, que possui rito mais célere e visa desonerar integralmente o devedor, o legislador entendeu por bem instituir-lhe condições especiais para o exercício deste tipo de ação. A imposição de condições específicas para este tipo de execução visa proteger o mutuário e sua família, além dos interesses do credor. Estes requisitos encontram-se elencados no artigo 2º da lei, que dispõe:
    “Art. 2º. A execução terá início por petição escrita, com os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil, apresentada em três vias, servindo a segunda e terceira de mandado e contrafé, e sendo a primeira instruída com:
    I - o título da dívida devidamente inscrita;
    II - a indicação do valor das prestações e encargos cujo não pagamento deu lugar ao vencimento do contrato;
    III - o saldo devedor, discriminadas as parcelas relativas a principal, juros, multas e outros encargos contratuais, fiscais e honorários advocatícios;
    IV - cópia dos avisos regulamentares reclamando o pagamento da dívida, expedidos segundo instruções do Banco Nacional da Habitação.”
    O primeiro requisito e mais fundamental é a mora do devedor. Se a razão da cobrança for outra que não a falta de cumprimento das obrigações a que se comprometeu o executado, a execução se processará pelo rito comum previsto no CPC, conforme expresso nos artigos 1º e 10 da Lei:
    “Art. 1º. Para a cobrança de crédito hipotecário vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação criado pela Lei n.º 4.380, de 21 de agosto de 1964, é lícito ao credor promover a execução de que tratam os artigos 31 e 32 do Decreto-Lei n.º 70, de 21 de novembro de 1966, ou ajuizar a ação executiva na forma da presente lei.
    Art. 10. A ação executiva, fundada em outra causa que não a falta de pagamento pelo executado das prestações vencidas, será processada na forma do Código de Processo Civil, à ação executiva de que trata esta lei.”
    Portanto, fundada a execução em outro motivo que não seja a mora, seguirá o rito do Código de Processo Civil. Ainda, a lei 8.004/90, que dispõe sobre transferência de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, no seu artigo 21, determinou que a execução fundada no Decreto-Lei 70/66 ou na Lei 5.741 só pode ser feita quando houver, no mínimo, três prestações em atraso.
    3.2. REQUISITOS ESPECÍFICOS:
    3.2.a. O título da dívida devidamente inscrita:
    Qualquer execução deve ser instruída com um título executivo. Neste caso, o título executivo é a contrato de financiamento firmado entre o mutuário e a financiadora, onde conste a garantia hipotecária do imóvel. No caso específico das execuções ora mencionadas, o título da dívida deve estar registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente, junto à matrícula do imóvel, e dele deve constar o gravame da hipoteca.
    Se esta não estiver registrada, o Credor não será considerado carecedor de ação, pois trata-se de negócio jurídico que gera efeitos entre as partes desde a sua formação, mas a mesma não terá eficácia perante terceiros, como, por exemplo, no caso de expedição de mandado de desocupação contra terceiro ocupante do imóvel, que poderá opor embargos contra o desapossamento. Assim, a dívida hipotecária, para a própria segurança do credor, deve ser averbada à matrícula do imóvel.
    3.2.b. Apresentação de demonstrativos de cálculo referentes à dívida:
    Em tese, deve o Autor, para instrução da execução, juntar duas planilhas – uma com o valor das prestações em atraso e outra com o saldo devedor total, ainda pendente de pagamento. Isto é necessário pelo fato da execução servir de base para a cobrança das prestações que encontram-se em atraso. Nesta esteira, o executado é citado para, em 24 horas, pagar o que está sendo exigido, que corresponde ao valor das prestações inadimplidas. Pagos os valores, é sanada a relação contratual, permanecendo intacto o vínculo entre os contratantes. Entretanto, se não ocorrer o pagamento, o imóvel será levado a leilão, sendo que neste, o lance mínimo será o valor do saldo devedor da hipoteca. Por este motivo é que é necessária a demonstração dos dois valores, pois a citação é para pagamento das prestações em atraso e o valor para leilão é do saldo devedor total do contrato.
    3.2.c. Constituição em mora do devedor:
    É indispensável para a propositura da execução especial que haja inadimplemento contratual inequívoco do mutuário. Por se tratar de financiamento para aquisição de casa própria, há muitos interesses ligados à continuação do contrato. Deve-se comprovar a mora de forma incontroversa.
    A cópia dos avisos regulamentares é requisito do inciso IV do artigo 2º da lei 5.741/71. Estes têm a expedição regulamentada pelo BNH, através da Resolução 11, editada em 15/03/1972. Os itens 4.1 e 4.3, para fins de instrução da execução hipotecária, determinam o prazo para envio dos avisos, bem como regulamentam a expedição por via postal. Segundo esta resolução, o mutuário deve ser cientificado no mínimo por duas vezes do seu inadimplemento, tendo em vista que a lei especial fala em “avisos” no plural.
    Sobre o assunto há divergência da doutrina e jurisprudência, pois o item 4.4 da Resolução diz que, em inadimplemento superior a seis meses, basta somente a expedição de um único aviso. E alarga a possibilidade de somente um aviso para a hipótese de ser dada ao imóvel financiado finalidade outra que não seja a moradia do mutuário.
    Entretanto, a matéria é sumulada pelo STJ, através da Súmula 199, que estabelece:
    “Súmula 199: na execução hipotecária de crédito vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação, nos termos da Lei n.º 5.741/71, a petição inicial deve ser instruída com, pelo menos, dois avisos de cobrança.”
    O item 4.2 diz que a ciência deve ser pessoal, por carta entregue contra recibo, telegrama, etc., facultando ao credor a publicação dos avisos em jornal de circulação local, em casos de avisos coletivos envolvendo mais de um devedor. Neste ponto também há controvérsia. Alguns autores entendem que a notificação para constituição da mora deve ser pessoal. Assim, somente admitir-se-ia a publicação coletiva em jornal de publicação local nos casos de o mutuário não mais residir no foro da situação do imóvel. Atualmente, o que mais freqüentemente se utiliza é, efetivamente, a publicação, em jornal de grande publicação, de avisos coletivos, pois assim a expedição torna-se menos onerosa ao agente financeiro e também mais rápida.
    Ainda, o STJ, no julgamento do REsp 166340, entendeu que os avisos expedidos reclamando o pagamento da dívida devem mencionar o valor da mesma, sob pena de nulidade de tais avisos.
    Quanto à questão dos avisos coletivos, pode-se admitir que esta seria possível somente quando o credor não tivesse conhecimento do paradeiro do mutuário inadimplente, pois se este não está no endereço do imóvel mas tem outros endereços conhecidos, os avisos deveriam ser dirigidos a este outro endereço, na opinião de EVARISTO ARAGÃO FERREIRA SANTOS, em obra já citada. Entretanto, conforme a disposição da Resolução 11/72, entende-se como faculdade do credor a notificação pessoal ou coletiva, através da imprensa.
    3.2.d. Valor da Causa
    Segundo o artigo 259 do CPC, o valor da causa deve englobar a soma do principal, da pena e dos juros vencidos até a data da propositura da ação. Entretanto, nas execuções sob o âmbito do sistema financeiro de habitação, o valor da causa é o valor da dívida, englobando as prestações vencidas, acrescida de encargos contratuais e honorários advocatícios (Súmula 12 do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo), e não o valor do contrato. O executado, então, é citado para o pagamento da dívida, correspondente à prestações em atraso. Na hipótese do executado remir a dívida, pagando apenas as prestações em atraso, o contrato se convalesce, consoante artigo 8º da Lei 5.741, podendo ser passível de nova execução se ocorrer novo inadimplemento.
    4. CITAÇÃO
    Ajuizada a execução e despachada a inicial, o executado será citado para, em 24 horas, pagar o correspondente às prestações em atraso ou depositar em Juízo a quantia referente ao saldo devedor, sob pena de penhora do imóvel dado em garantia hipotecária.
    Havendo o pagamento, convalida-se o contrato, que é a finalidade precípua destas execuções – manter o vínculo contratual. Se o mutuário for casado, seu cônjuge também deve ser citado. Apesar deste tipo de execução não ser considerada ação real, a mesma visa a expropriação de bem imóvel. Entende-se que, após a penhora, a execução especial ganha feições de ação real imobiliária, sendo, portanto, imprescindível a citação do cônjuge, sob pena de nulidade do procedimento.
    4.1. CITAÇÃO POR EDITAL
    O artigo 3º, §2º determina que a citação será pela via editalícia se o executado e seu cônjuge se acharem fora da jurisdição da situação do imóvel. Com jurisdição da situação do imóvel, a legislação quer dizer localização do imóvel.
    “Art. 3º: O devedor será citado para pagar o valor do crédito reclamado ou depositá-lo em juízo no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de lhe ser penhorado o imóvel hipotecado.
    §1º: A citação far-se-á na pessoa do réu e de seu cônjuge ou de seus representantes legais.
    §2º: Se o executado e seu cônjuge se acharem fora da jurisdição da situação do imóvel, a citação far-se-á por meio de edital, pelo prazo de 10 (dez) dias, publicado, uma vez, no órgão oficial do Estado e, pelo menos, duas vezes, em jornal local de grande circulação, onde houver.”
    Portanto, se os executados estiverem em outra comarca e se souber seu endereço, mesmo assim a citação se fará por edital. Tal é assim por dois motivos: inicialmente, porque os financiamentos visam à aquisição da casa própria, ou seja, o mutuário deveria morar no imóvel que lhe foi financiado. E também para se evitar maiores delongas com a expedição de várias Cartas Precatórias, que tornariam o processo de recuperação do crédito extremamente moroso, o que descaracterizaria o sistema. Por outro lado, se os executados não residirem no imóvel, mas tiverem endereço conhecido na mesma comarca deste, a citação far-se-á pessoalmente.
    Entretanto, apesar da letra clara da lei, o que se percebe atualmente é que há relutância em se permitir a citação por edital quando se tem conhecimento do endereço dos devedores, mesmo em outra comarca. Na prática, é determinado ao Autor que diligencie junto a órgãos públicos, tais como a COPEL, DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL, TELEPAR, para localizar outros endereços do mutuário. Se ainda assim não for possível a localização, aí sim admite-se a citação pela via editalícia. Esta consiste em outra desvirtuação da lei por parte dos magistrados. Ora, a lei foi criada com procedimento mais célere, visando à rapidez, e deveria o mutuário morar no imóvel financiado. Entretanto, na prática, a citação por edital é admitida com receios, para que, posteriormente, não se alegue a nulidade de citação.
    Ocorre que o procedimento especial assim determina, e desta maneira tem-se como válida a citação editalícia para os mutuários que não residem no imóvel financiado. Este deve corresponder à residência dos mutuários, posto que a lei proíbe a aquisição, através de financiamento pelo SFH, por parte de pessoas que já possuam imóveis na mesma jurisdição. Assim demonstra-se o caráter social da lei, pois contrariando-se o disposto na lei, desvirtua-se o sistema para a obtenção de crédito fácil para a aquisição de imóveis, o que não se pretende.
    Veja-se o que o advogado paranaense Evaristo Aragão Ferreira dos Santos aduz em sua colaboração à obra da Professora Tereza Arruda Alvim Wambier:
    “Isto significa afirmar, portanto, que a citação por edital somente terá lugar quando os executados não se encontrarem “na jurisdição da situação do imóvel”. Por outras palavras: basta que o executado não se encontre no imóvel e não tenha endereço conhecido na comarca em que se situa o bem, para possibilitar a citação por edital.
    A citação por edital, como não poderia deixar de ser, tem lugar quando o devedor não tem endereço conhecido ou quando, embora se tenha ciência de seu paradeiro, esteja ele fixado fora da comarca do imóvel. Na hipótese, todavia, de o devedor não ser encontrado no imóvel, mas ter endereço conhecido na mesma comarca, a citação deverá ser feita pessoalmente. Isto porque, como se estabeleceu pode haver a citação por edital na hipótese de o devedor não ser encontrado na “jurisdição do imóvel”, isso significa, conforme já decidiu o STJ, “que, se o devedor não estiver no endereço do imóvel financiado, mas residir na jurisdição da situação do imóvel, deve ser citado pessoalmente”.
    O mesmo já não ocorre na hipótese em que o mutuário não venha a ser encontrado na posse do imóvel financiado, mas tenha endereço fixo e conhecido em outra comarca. Neste caso, embora tenha paradeiro conhecido, estará, indiscutivelmente, “fora da jurisdição do imóvel”, o que afasta a possibilidade de se realizar a citação pessoalmente. Nesta situação, estando o mutuário fora da “jurisdição do imóvel”, não há que se falar em citação via carta precatória ou via postal. De acordo com o que determina o art. 3º,§2º, da lei 5.741/71, a citação deve ser realizada pela via editalícia.”
    No julgamento do AgIn 205.486, o Juiz César de Moraes, da 3ª Câmara Cível do 1º TACivSP, observou que: “a par de amplos benefícios que instituiu, cercou o crédito, advindo dos financiamentos destinados a custear o plano habitacional de maiores garantias. Se os financiamentos se destinam à aquisição de casa própria, não se compreende que o beneficiário não seja localizado, nos casos de execução, no imóvel que adquiriu. Daí a drástica medida prevista no art. 3º, §2º, da lei, possibilitando a citação por edital, com prazo exíguo, nas execuções hipotecárias. Demais disso, a execução do plano, como é curial, depende, em grande parte, do fiel cumprimento dos contratos subordinados ao Sistema Financeiro de habitação. São situações diversas, que o legislador deveria contemplar, mesmo, como o fez, de forma diversificada.(...) A citação por edital não padecia de qualquer vício, seja de ordem constitucional, seja de ordem legal. A nenhum título se justificava, então, a citação por precatória, que atenta contra o texto expresso da lei.”
    Assim, uma vez certificado pelo Sr. Oficial de Justiça que o devedor não se encontra no imóvel, já é suficiente para que o credor requeira a citação pela via editalícia, que deve ser deferida pelo Juiz, pois expresso na Lei 5.741/71. Visando à lei à concessão de moradias para as populações de menor renda, conclui-se que a única residência própria do mutuário deve ser o imóvel que o mesmo financiou junto ao credor. Portanto, exigir que o credor diligencie em diversos órgãos para localizar o devedor é lamentável, posto que este é que está em mora e não merece permanecer com o título de propriedade do imóvel que lhe foi financiado pelo credor.
    Ocorre que muitas pessoas agem de má-fé para com as financiadoras, pois conseguem financiar um imóvel para fins de locação. É este tipo de atitude que pretende a lei coibir. Não estando o mutuário morando no imóvel, entende-se que o mesmo encontra-se locado, e, na maior parte das vezes, sem a anuência do credor. Por este motivo é que justifica a citação por edital quando o mutuário não reside no imóvel. O caráter social do Sistema Financeiro de Habitação não poder dar azo a que pessoas de má-fé tenham a chance de fazer mais e mais financiamentos sob a alegação de que necessitam do imóvel para morar com suas famílias, para depois dar àqueles destinação diferente que não a residencial, inviabilizando que aquele imóvel seja repassado a uma pessoa que realmente necessite da morada para sua família.
    Assim, uma vez certificado pelo Sr. Oficial de Justiça que o devedor se encontra em lugar incerto e não sabido, basta para que o credor requeira a citação por edital, pois não existe lei que o obrigue a procurar o devedor inadimplente. Quanto ao prazo do edital, já há ponto controvertido com a legislação processual em vigor, tendo em vista que referido edital terá prazo de duração de 10 dias, enquanto que o Código de Processo Civil fala em prazo não inferior a 20 e não superior a 60 dias. Porém, como já salientado anteriormente, esta execução especial tem prazos menores para possibilitar uma maior rapidez na recuperação do capital investido nos financiamentos para mutuários inadimplentes.
    Decorrido o prazo do edital, o imóvel é penhorado e abre-se prazo para interposição de embargos. Nestes casos é obrigatória a intimação do Ministério Público para que se manifeste no feito, sob pena de nulidade.
    5. PENHORA
    Diz o caput do artigo 4º:
    “Art. 4º: Se o executado não pagar a dívida indicada no inciso II do artigo 2º, acrescida das custas e honorários de advogado ou não depositar o saldo devedor, efetuar-se-á a penhora do imóvel hipotecado, sendo nomeado depositário o exeqüente ou quem este indicar.”
    Efetivada a penhora sobre o imóvel hipotecado, devem os executados serem intimados do ato e, a partir de então, terão 10 dias para interpor embargos. Note-se que a lei determina que a penhora recaia sobre o imóvel especialmente obrigado, não facultando ao credor a possibilidade de se aceitar outros bens para liquidação da dívida. Assim, não cabe a alegação da impenhorabilidade do bem de família, posto tratar-se de garantia hipotecária e para saldar dívida do próprio imóvel. Ponto controvertido no caso é que, de acordo com a lei especial, a efetivação da penhora enseja a desocupação do imóvel e sua entrega ao exeqüente, com o imóvel estando ocupado pelo próprio mutuário ou por terceiro. Tal matéria será discutida separadamente.
    6. DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL
    Trata-se da questão mais controvertida referente à Lei 5.741/71 se tal dispositivo, expressamente autorizado pela referida lei, é constitucional ou não. Os parágrafos do artigo 4º dizem:
    “§ 1º: Se o executado não estiver na posse direta do imóvel, o juiz ordenará a expedição de mandado de desocupação contra a pessoa que o estiver ocupando, para entregá-lo ao exeqüente no prazo de 10 (dez) dias. § 2º: Se o executado estiver na posse direta do imóvel, o juiz ordenará que o desocupe no prazo de 30 (trinta) dias, entregando-o ao exeqüente.”
    Assim, o parágrafo 1º do artigo 4º da lei autoriza a desocupação quando o imóvel está sendo ocupado por terceiros que não os devedores. Já o parágrafo 2º trata da desocupação quando o próprio mutuário está de posse do imóvel. Victor A. Bomfim Marins defende a inconstitucionalidade do §1º do artigo, aduzindo que o terceiro na posse do imóvel pode estar investido de legitimidade, e que “...não será parte na relação jurídica material e na relação jurídica processual veiculada no processo executório.” Continua nos seguintes termos:
    “Outro aspecto digno de menção na Lei 5.741 é a oportunidade de expedição do malsinado mandado de desocupação: antes da arrematação ou adjudicação do bem penhorado, abstraindo-se até a hipótese do pagamento pelo executado, ou da prova dele, após o cumprimento do mandado (cf. art. 5º da mesma lei).
    ...
    Se a ocupação do imóvel por terceiro viola direito do adjudicatário ou do arrematante, cabe a este, após investido na titularidade do bem, promover, por via própria, a realização do seu direito.
    ...
    Convém enfatizar que não se nega, aqui, a sujeição do imóvel penhorado e ocupado pelo terceiro à execução. O que se afirma é que a expedição de mandado de desocupação contra terceiro sem citá-lo previamente para responder a processo regular constitui violência contra a pessoa do estranho à relação processual de execução.”
    O que se discute é que, até a extinção da execução, com a adjudicação do imóvel pelo credor, a posse do mutuário ou de terceiro é legítima. A defesa a ser impetrada pelo terceiro possuidor de boa-fé deverá ser feita pela via dos embargos de terceiro. A Lei prevê a ordem de desocupação, estando o executado na posse do imóvel ou não, basta ser efetivada a penhora e o requerimento de desocupação deverá ser deferido por força de lei.
    E nem há como falar-se que está sendo violado o princípio do devido processo legal em face de eventual ocupante do imóvel, posto que este deve escolher as vias adequadas para o exercício de seu direito. Ou seja, se o ocupante do imóvel entender que algum direito seu está sendo violado, que procure as vias judiciais para se defender, pois a Constituição Federal consagra tal direito no artigo 5º, inciso XXXV.
    No julgamento do Mandado de Segurança 0005184.95, a 1ª Câm. Cível do TJDF declarou que a constitucionalidade do artigo 4º da Lei 5.741/71, bem como de seus parágrafos, foi reconhecida pelo STF, bem como pelo STJ, no julgamento do Agravo de Instrumento 19394081, que possui a seguinte ementa:
    “EXECUÇÃO HIPOTECARIA - LEI N. 5741.71 - DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL - INCONSTITUCIONALIDADE: NÃO OCORRÊNCIA. “
    Em consulta à Lei n.º 5.741/71 contida no Código de Processo Civil do Professor Theotonio Negrão, em notas ao artigo 4º e seus parágrafos está contido:
    “Art. 4º: 2. Este parágrafo não é inconstitucional (JTAERGS 88/198).
    “Art. 4º: 3. Pouco importa, no caso, que a penhora recaia em bem na posse de terceiro: a diferença reside, unicamente, no prazo para desocupação, conforme distinguem os §§ 1º e 2º (STF-RT 607/238).”
    Assim, não pairam dúvidas acerca da constitucionalidade e aplicabilidade dos parágrafos do artigo 4º da Lei 5.741/71.
    7. EMBARGOS À EXECUÇÃO
    O artigo 5º da Lei dispõe que só em dois casos os embargos podem suspender a execução: caso se pague a divida ou se comprove sua quitação:
    Art. 5º. O executado poderá opor embargos no prazo de dez (10) dias contados da penhora e que serão recebidos com efeito suspensivo, desde que alegue e prove:
    I - que depositou por inteiro a importância reclamada na inicial;
    II - que resgatou a dívida, oferecendo desde logo a prova da quitação.
    Ainda, seu parágrafo único determina que os demais fundamentos de embargos, fundados no art. 741 do CPC, não terão efeito suspensivo. Tal preceito é cristalinamente inconstitucional, tendo em vista o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Por outro lado, é expresso no CPC no artigo 739, §1º, que diz que os embargos serão sempre recebidos com efeito suspensivo.
    Apesar de termos falado da impossibilidade do Juiz imprimir ao feito outro procedimento que não aquele adotado pela legislação especial, ressaltamos que há de fazer-se uma nova leitura desta legislação, frente à Constituição Federal de 1988, que consagrou a inafastabilidade de apreciação pelo poder Judiciário de lesão ou ameaça a lesão de direito. Assim, deve-se considerar em vigor as disposições da lei especial naquilo em que não conflitarem com as normas do CPC. Havendo conflito, e sendo este de caráter geral, deve prevalecer a sua utilização.
    A lei determina que os executados, para que os embargos sejam recebidos no efeito suspensivo, deveriam provar que depositaram por inteiro a importância reclamada na inicial (inciso I do artigo em referência) ou que resgataram a dívida, comprovando a quitação (inciso II do mesmo artigo).
    Em que pese tal dispositivo, frente à nova ordem constitucional, e visando assegurar os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, os embargos sempre devem ser recebidos com efeito suspensivo. Este é o entendimento mais recente de vários dos nossos Tribunais, visualizando a questão sob o prisma das garantias constitucionais do indivíduo.
    Os defensores da não suspensividade dos embargos se não atendidos os requisitos do artigo 5º, assim argumentam face à anterioridade da lei especial, que deveria prevalecer em face da lei geral posterior .
    Contudo, o entendimento mais recente do STJ é pela suspensividade dos embargos, uma vez que a determinação do artigo 5º consiste em ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional de lesão ou ameaça de lesão ao direito, restando flagrante sua inconstitucionalidade :
    “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO HIPOTECÁRIA. EMBARGOS DO DEVEDOR. EFEITOSUSPENSIVO. LEI 5.741/71 (ARTS. 5º E 6º). CPC (ART. 739, § 1º). 1. Sendo os embargos do devedor ação autônoma de defesa do executado, nada impede sejam recebidos no efeito suspensivo a fim de evitar dano de difícil reparação à parte. Inteligência dos art. 5º e 6º da Lei 5.741/71 c/c § 1º do art. 739/CPC. 2. Recurso especial conhecido, porém, improvido“. Outra questão que surge ao caso é justamente sobre o prazo para a interposição dos embargos. Isto porque o artigo 738 do Código de Processo Civil, em seu inciso I, determina que o prazo para a interposição dos embargos começa a fluir da juntada aos autos da prova da intimação da penhora. Entretanto, o caput do artigo 5º da lei 5.741 é expresso ao dizer que o executado poderá opor embargos no prazo de 10 dias contados da penhora, e não da juntada aos autos da prova de sua intimação.
    Poder-se-ia argumentar que o prazo para interposição de embargos é matéria processual, e que a Lei 5.741/71 não pode ser aplicada em relação a tal porque foi revogada pela Lei 8.953/94. Entretanto, este entendimento entendemos não ser o mais correto. Se o financiamento do imóvel foi realizado sob o âmbito do sistema financeiro de habitação, a execução deve seguir o rito previsto pela Lei 5.741, conforme já salientado anteriormente.
    Desta feita, consoante artigo 5º, caput, da referida Lei, o prazo para interposição de embargos conta-se da penhora.
    “Artigo 5º - O executado poderá opor embargos no prazo de 10 (dias) contados da penhora ...”
    Assim, o prazo conta-se da intimação da penhora, e não da juntada aos autos da prova da intimação da penhora, posto aplicar-se o contido na legislação especial, e não as disposições do Código de Processo Civil. Ao caso em comento, como dito acima, aplica-se a Lei 5.741/71 e, subsidiariamente e desde que não haja conflito, o Código de Processo Civil. Tal aplicação se dá porque referido diploma legal se trata de procedimento especial, enquanto o processo de execução, no Código de Processo Civil, trata-se de procedimento geral, comum às medidas executivas. E havendo lei especial, esta se sobrepõe a lei geral. O procedimento comum somente se aplica à lei especial quando esta for omissa sobre determinada questão ou quando regular a questão de forma distinta daquela prevista no procedimento comum. O processo de execução do Código de Processo Civil se trata de norma comum a todos os processos de execução. Assim, no que a Lei 5.741/71 for omissa ou no que não houver colisão de disposição, aplicar-se-á, subsidiariamente à Lei 5.741/71, os dispositivos legais do Código de Processo Civil.
    Ocorre que, como visto acima, a Lei 5.741/71, em seu artigo 5.º, dispõe expressamente sobre o prazo para interposição de embargos e que este será contado da data da penhora. Dispondo o Código de Processo Civil de forma distinta, que o prazo para interposição de embargos conta-se da data da juntada aos autos da prova da intimação da penhora, em seu artigo 738, inciso I, existe uma colisão entre as normas.
    Sendo a Lei 5.741/71 procedimento especial derroga ela, através de seu artigo 5.º, o artigo 738, inciso I do Código de Processo Civil. Destaca-se ainda que mesmo sendo o Código de Processo Civil de 1973, posterior portanto a Lei 5.741/71, não tem força para se sobrepor ao procedimento especial ali definido. A lei geral posterior (Código de Processo Civil) não revoga a lei especial anterior, consoante o disposto no artigo 2º, parágrafo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro: Conclui-se, portanto, que não se aplica a regra contida no artigo 738, inciso I do Código de Processo Civil, mas sim o artigo 5.º da Lei 5.741/71, contando-se o prazo para embargos da intimação da penhora. O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento de que nas execuções regidas pela Lei 5.741/71, conta-se o prazo para embargos da intimação da penhora efetivada sobre o imóvel especialmente obrigado, e não da juntada aos autos da prova de sua intimação, no caso, o mandado de penhora e intimação. Desta maneira, prevalece o prazo da lei especial em detrimento àquele determinado pelo Código de Processo Civil.
    8. DESNECESSIDADE DE AVALIAÇÃO
    Rejeitados ou não opostos embargos, o juiz determinará a venda do imóvel penhorado, em praça única, por preço nunca inferior ao do saldo devedor total do contrato. Aqui deparamo-nos com outro pontos polêmicos, qual seja a dúvida sobre a necessidade ou não de avaliação do imóvel a ser levado a hasta pública. Rezam os artigos 6º e 7º:
    “Art. 6º: Rejeitados os embargos referidos no caput do artigo anterior, o juiz ordenará a venda do imóvel hipotecado, em praça pública, por preço não inferior ao saldo devedor, expedindo-se edital pelo prazo de 10 (dez) dias.”
    “Art. 7º: Não havendo licitante na praça pública, o juiz adjudicará, dentro de quarenta e oito horas, ao exeqüente o imóvel hipotecado, ficando exonerado o executado da obrigação de pagar o restante da dívida.”
    A letra da lei determina que o imóvel seja levado a leilão pelo preço mínimo do saldo devedor da dívida hipotecária, sem mencionar avaliação do imóvel, uma vez que pretende-se exonerar completamente o devedor.
    A questão funda-se na relação saldo devedor X valor do imóvel. Se acaso o saldo devedor é menor que o valor do imóvel, o credor adjudica este pelo valor do saldo, o que ocasionaria enriquecimento ilícito do credor. Entretanto, pode-se determinar que o credor devolva ao devedor a quantia equivalente à diferença de valores entre a avaliação e o saldo devedor. Entretanto, se a avaliação é menor que o saldo devedor, e o imóvel fosse a leilão pelo valor da avaliação, o devedor ainda permaneceria em dívida para com o credor. Esta não é a intenção da lei, que, ao declarar que o imóvel será adjudicado pelo saldo devedor, pretende exonerar o executado de quaisquer outras obrigações, incluindo custas processuais e honorários advocatícios.
    Na visão de EVARISTO ARAGÃO FERREIRA DOS SANTOS, abre-se mão do crédito remanescente pela agilidade do procedimento, ou seja, o credor não recebe tudo aquilo a que tem direito (seu crédito integralmente), mas a desnecessidade de avaliação ocasiona procedimento mais rápido, com a conseqüente adjudicação mais célere do imóvel. Assim, o imóvel poderá, mais rapidamente, ser repassado a outro mutuário, que, supostamente, não será inadimplente, pagando em dia suas prestações e ocasionando a manutenção do sistema.
    Apesar da calorosa discussão acerca do tema, a avaliação é dispensável para este tipo de procedimento, sendo o lance mínimo da praça o correspondente ao valor do saldo devedor da hipoteca. O STJ assim decidiu:
    “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇAO HIPOTECÁRIA. LEI NUM. 5.741/71. AVALIAÇÃO. – 1 – A jurisprudência está assentada, por larga maioria, no sentido de que, em se tratando de execução hipotecária regulada pela Lei num. 5.741/71, não há necessidade de avaliação prévia do imóvel para que ocorra o preço. 2 – Conforme determinado no art. 6º da referida lei, o lance mínimo deverá corresponder ao valor do saldo devedor, sendo o imóvel adjudicado ao exeqüente, se não houver licitantes. 3 – Recurso provido.”
    Ainda, nesta mesma esteira, tem-se o entendimento da Súmula 207 do antigo Tribunal Federal de Recursos, a seguir transcrita:
    “Súmula 207: Nas ações executivas regidas pela Lei 5.741, de 1971, o praceamento do imóvel penhorado independe de avaliação.”
    Confirmando este entendimento, o STJ já decidiu que “o lance mínimo deverá corresponder ao valor do saldo devedor. Torna-se, portanto, irrelevante a avaliação do imóvel, posto que este deve ser arrematado/adjudicado pelo saldo devedor da operação, sendo que cumpre ao credor, anteriormente à realização da praça, juntar aos autos planilha demonstrativa do saldo devedor atualizado da dívida hipotecária.
    9. CONCLUSÃO
    Podemos observar que, efetivamente, trata-se de procedimento que visa a possibilitar o retorno mais célere do capital investido em financiamentos do Sistema Financeiro de Habitação. Vislumbrando-se o momento histórico da promulgação da lei, percebe-se que alguns de seus dispositivos, à luz da nova ordem constitucional vigente, não podem ser aplicados, sob pena de se estar impedindo o acesso do mutuário ao poder Judiciário, garantia constitucional de todo cidadão. É o caso do artigo 5º da Lei.
    Entretanto, quanto aos outros dispositivos, se não houver confrontação com a Constituição, entendemos que deve haver a aplicação da legislação especial, posto tratar-se de lei específica ao caso em comento, uma vez que a lei geral posterior (Código de Processo Civil) não derroga a lei específica anterior.
    Contudo, apesar dos quase 30 anos de promulgação daquela lei, sua aplicação é, até hoje, amplamente discutida, principalmente pela alegação de que seus dispositivos seriam contrários ao texto da Constituição Federal de 1988, mais especificamente aqueles que referem-se ao prazo para interposição de embargos, à aplicação da lei específica, à desnecessidade de avaliação do imóvel e à possibilidade de desocupação imediata.
    Assim, com o presente trabalho cremos haver atingido o objetivo almejado, qual seja demonstrar os variados entendimentos e aplicações atuais da Lei 5.741/71, posto não haver entendimento consolidado em certo sentido.
    Diante de todo o exposto, percebe-se que a legislação especial para execução dos créditos vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação é questão extremamente controvertida. Assim, a jurisprudência pátria tem aplicado-a com certa cautela, preferindo-se o prosseguimento da execução pela sistemática do Código de Processo Civil, propiciando maiores oportunidades de defesa aos executados.
    Todavia, há de se levar em consideração que nem todos os dispositivos são prejudiciais ao executado. Assim, a não aplicação da lei especial, mas sim do Código de Processo Civil somente trata-se de desvirtuação do procedimento criado especialmente com o intuito de desonerar o mutuário inadimplente.
    Desta maneira, acreditamos que o procedimento especial criado com aquela lei deve ser atendido, excetuando-se o caráter de não suspensividade com a interposição dos embargos, pois trata-se de disposição claramente inconstitucional. Em todos os demais casos, em que pese o inconformismo de alguns com o rigorismo da lei, esta deve ser aplicada, sob pena de desvirtuação de sua finalidade, bem como de todos o sistema processual criado para a sobrevivência do sistema.
    7. BIBLIOGRAFIA
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    -MILLER, Cristóvão Colombo dos Reis. Execução extrajudicial. RT, v. 532, São Paulo, p. 52, fev. 1980.
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    -SANTOS, Evaristo Aragão Ferreira dos. Uma abordagem critica da execução dos créditos vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, In Processo de Execução e Assuntos Afins. Tereza Arruda Alvim Wambier (org.). 1ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998.
    -VASCONCELLOS, Pedro. Execução extrajudicial e judicial do crédito hipotecário no Sistema Financeiro de Habitação. 1. Ed. São Paulo: Edições Francisco Alves, 1976.
    -VIDAL, José. A praça pública da Lei 5.741. Revista de Processo, n.º 23, São Paulo, p. 147-8, jul./set. 1981.
    -ZVEITER, Waldemar. Aspectos jurídicos e econômicos do crédito imobiliário. São Paulo: Angra dos Reis, 1994.

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