Prezados,
No questionamento sobre a incompatibilidade do Auditor (em todas as esferas do poder – Federal, Estadual e Municipal –, tratado no art. 28, VII, da Lei 8.906/94 – Estatuto da OAB –, que incompatibiliza a prática da advocacia privada por servidor público competente para lançar, fiscalizar e arrecadar tributos ou contribuições parafiscais), tem-se apresentado inúmeras respostas, as quais revelaram algumas imperfeições que gostaria de esclarecer.
A incompatibilidade para a prática da advocacia privada por Auditores consiste em impedimento absoluto à advocacia, mesmo em causa própria.
De acordo com a Lei 5.172/66 - Código Tributário Nacional –, o LANÇAMENTO é a única atribuição exclusiva de competência dos Auditores. Essa compreensão resulta da interpretação do que dispõe art. 7º do referido diploma legal. Vale observar que a arrecadação e a fiscalização podem ser delegadas a outro ente com a mesma natureza jurídica - Pessoa Jurídica de Direito Público. Nesse sentido, é possível ter uma autarquia com as atribuições de arrecadar e fiscalizar tributos de competência do Estado - competência por delegação. Necessário observar que a função de arrecadar, aqui citada, deve ser entendida como a função fiscal e não a arrecadação que os bancos fazem quando recebem os respectivos DARF's DAE's e DAM's.
Ademais, recentemente há casos de pessoas que se encontram na situação tipificada no referido dispositivo (art. 28, VII do EOAB) que vêm exercendo a advocacia privada por força de liminares.
Em alguns casos, são concedidas liminares com a quesitação da incidência do artigo como um incidente processual sobre a incompatibilidade do patrono. Dessa forma, as decisões têm demonstrado uma jurisprudência vacilante sobre essa particularidade.
Noutro sentido, várias foram as tentativas de promover alterações na redação desse dispositivo, como foi o caso do Projeto de Lei 4.529 de 1998, de autoria do Deputado Gonzaga Patriota. O Projeto de Lei foi analisado pela Câmara de Constituição e Justiça e de Cidadania em 2005, juntamente com os Projetos de Leis: 3.755/97, 926/99, 5.850/01, 1.373/03 e 4.913/05. Contudo, as justificativas para a rejeição ao Projeto 4.529 não atacaram o mérito, deixando sem a devida discussão e argumentação a necessidade da vedação absoluta.
A obra de GAMA, quando comenta o caput do art. 28, destaca três motivos que alimentaram tal incompatibilidade: (a) o conflito entre o interesse da advocatura e o interesse do cargo ocupado; (b) a dedicação ao interesse público e; (c) a remuneração pela função desenvolvida.
Em rápida leitura, percebe-se que todos os motivos citados para tornar o Auditor incompatível para a advocacia privada são, em verdade, para preservar os interesses da Administração Pública.
Nesse momento, conhecendo a base legal da questão, devemos observar que a proteção à Administração se dá de forma excessiva, em relação aos Auditores. O Auditor, na atividade que lhe é privativa – LANÇAMENTO –, exerce uma função vinculada. De acordo com o art. 3º do CTN in verbis:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constituía sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Ocorrido o fato gerador, ou seja, verificada a ocorrência fática da hipótese descrita para a incidência tributária, o Auditor deve lançar o tributo. Constituir o crédito tributário por meio do lançamento não admite juízo de conveniência e oportunidade – que são subjetivos e característica do ato discricionário.
A incidência no mundo fático do Fato Gerador – FG – obriga o Auditor no lançamento do tributo, sob pena de responder a processo administrativo por falta funcional. O que se vê é que a Administração já dispõe das ferramentas corretivas necessárias para evitar os desvios que possam ocorrer. E ainda, com o EOAB, a proteção à Administração Pública fica reforçada e não incompatível como imaginado, o que torna indevida a vedação absoluta.
Aqui, é bom deixar registrado que me filio a idéia de que o Auditor é, em verdade, IMPEDIDO de advogar. E desse entendimento decorrem três possíveis "Condutas Impeditivas": a Rígida, na qual a vedação ocorre em todas causas que envolvam tributos, ou ainda contra a administração pública; a Moderada, em que a vedação se aplica a todas as causas de tributos, podendo advogar contra o Estado em causas não tributárias; e a Flexível, cuja vedação se aplica somente em processos tributários que tratem de tributo que estejam dentro da competência de lançamento do patrono.
Por fim, é importante destacar a argumentação para a rejeição do Projeto de Lei 4.529 pela Câmara de Constituição e Justiça e de Cidadania:
“Parece-me temerário admitir a advocacia privada a pessoas que têm trânsito extremamente facilitado junto aos magistrados e serventuários de Justiça, o que estimula o tráfico de influência, bem como àqueles que fariam de sua profissão principal meio de captação de clientela, colocando em risco sua isenção no exercício da função pública.”
(Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Votação do Projeto de Lei nº 2.300 de 1996, apensos os Projetos de Lei nºs: 3.755/97; 4.529/98; 926/99; 5.850/01; 1.373/03 e 4.913/05. Relator: Dep. Mendes Ribeiro Filho)
A argumentação, como citado, não ataca o mérito, não elucida e sequer analisa a contento a incompatibilidade aplicada. Dentre os motivos alegados, de pronto, verifica-se que o Auditor não tem acesso facilitado junto à magistrados – uma vez que trabalha no poder executivo e não no judiciário e em nada suas atividades tem relação com um juiz, senão quando chamado para prestar esclarecimentos, e isso é dever de todos.
Quanto ao tráfico de influência – num processo em que atue um advogado que é Auditor, considerando a situação de impedimento aqui defendida, nenhuma prova juntada ao processo poderia ter relação com tributo, porque está impedido de advogar em questões tributárias (vide comentário sobre as condutas: Rígida, Moderada e Flexível acima), não haverá o risco do tráfico de influência, uma vez que o Auditor não atua em causas tributárias.
No último ponto, é comentada a possibilidade de captação de clientes. Nesse aspecto, a OAB e a Administração estão protegidas, por não poder o Auditor agir em processos tributários, não há como captar clientes para tal fim, sem que possa agir no processo. Ademais, o EOAB e o Regime Jurídico dos Servidores Públicos fornecem mecanismos de controle eficiente que dão maior segurança. Cabe ainda o comentário de que a captação de clientes não se dá em função do cargo também, e principalmente em face de uma enorme evolução tecnológica, é cada vez menor o contato entre Fisco e Contribuinte – há uma relação virtual, com entrega de formulários pela internet. Para tanto basta observar a quantidade em 2009, e a evolução das declarações de IR feitas pela internet nos últimos anos.
Desse modo, mostra-se abusiva a vedação imposta com a Incompatibilidade no intuito de promover uma proteção à administração. Esta, de fato, já está devidamente protegida, e amparada por mecanismos legais satisfatórios para realização desse controle de conduta. A Administração Pública deve agir, fazer valer os seus princípios e punir com a instauração de Sindicâncias, e Processos Disciplinares. Vale lembrar que alguns orgãos possuem corregedorias - dando fundamental colaboração nesse sentido, qual seja: prevalência de um comportamento ético adequado.
Percebe-se que sobre o Auditor que advoga incidem dois controles de conduta - o primeiro realizado pela OAB e o segundo pela Administração Pública-, que o atingem de forma mais acentuada. Com isso o que se tem é uma dupla incidência de controle de conduta ética, que fazem com que o comportamento destes profissionais tenha um duplo controle (EOAB e Regime Jurídico do Servidor Público), sem esquecer que todos nós realizamos um controle ético pessoal, na medida em que respeitamos um código ético pessoal íntimo.
O que se vê praticar, com a imposição do Art. 28 VII, é a forma mais preguiçosa de controle de conduta, que é por meio do impedimento absoluto, sem a devida ponderação em cada caso - nesse sentido: há controle de conduta quando a prática é frustrada com a incompatibilidade?. O adequado seria o Impedimento - que é vedação relativa-, resultando em tratamento mais justo à todos abrangidos pelo inciso em comento. Como já dizia Aristótles, em sua obra Ética a Nicômaco: "Tornamo-nos justos praticando atos justos", mas se não os praticamos na verdade não há controle ético, tão somente vedação à prática de ato.
Referência Bibliográfica
GAMA, Ricardo Rodrigues. Estatuto da Advocacia e Código de Ética da OAB. 1ªed. Campinas: Russel Editores, 2009.
MACHADO, Hugo de Britto. Curso de Direito Tributário. 29ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo:Martin Claret,2007.