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Lei de execução fiscal.

Aspectos polêmicos

Lei de execução fiscal. Aspectos polêmicos

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Sumário: 1 Introdução. 2 Da adjudicação pela Fazenda dos bens penhorados. 2.1 Necessidade de revogação do Decreto nº 51.908, de 18-6-2007. 3 Da suspensão do prazo prescricional.


1 Introdução

A Lei de Execução Fiscal, Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, contém alguns dispositivos que geram controvérsias doutrinárias ou jurisprudenciais. Examinaremos neste estudo duas questões polêmicas relacionadas com os arts. 24 e 40, que se referem, respectivamente, à adjudicação pela Fazenda dos bens penhorados e à suspensão do prazo prescricional.


2 Da adjudicação pela Fazenda dos bens penhorados

O art. 24 da LEF possibilita à Fazenda adjudicar o bem penhorado em duas situações diversas: a) antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos; b) findo o leilão, se não houver licitante, pelo preço da avaliação, ou, em havendo licitante, com preferência, em igualdade de condições com a melhor oferta.

O parágrafo único desse art. 24 condiciona o deferimento do pedido de adjudicação pela Fazenda ao depósito da diferença, na hipótese de a avaliação ou o valor da melhor oferta for superior ao dos créditos tributários sob execução. Trata-se de preceito justo, que evita o enriquecimento da Fazenda em detrimento da perda patrimonial do executado.

Acontece que alguns autores estão entendendo que a adjudicação no bojo do processo de execução fiscal atenta contra o princípio da licitação pública, previsto no inciso XXI do art. 37 da CF, para contratação de bens e serviços.

Esse posicionamento, data vênia, equivocado vem encontrando respaldo nas decisões judiciais monocráticas e vem exercendo influência nos órgãos da administração pública.

2.1 Necessidade de revogação do Decreto nº 51.908, de 18-6-2007

O governo do Estado de São Paulo, por influência do equivocado entendimento que se formou em torno do art. 24 da LEF, editou o Decreto nº 51.908, de 18 de junho de 2007, vedando a adjudicação de bem penhorado em qualquer hipótese.

Não se fez a interpretação sistemática levando em conta todo o ordenamento jurídico-constitucional. Pergunta-se, como fica a Fazenda na hipótese de o único bem do devedor apenhado nos autos da execução fiscal não lograr arrematação por ausência de licitante? Se veda a adjudicação nessa hipótese, não haverá satisfação do crédito tributário!

Ora, o mesmo art. 37 da CF, em seu inciso XXII, declara com lapidar clareza que a administração tributária é atividade essencial do Estado, desenvolvida por servidores efetivos de carreiras especificas e com recursos prioritários. Por que? Porque cabe a ela fiscalizar e arrecadar os recursos necessários à consecução da finalidade estatal, propondo a cobrança coativa de tributos (execução fiscal) sempre que não houver pagamento voluntário pelo sujeito passivo da obrigação tributária. Por isso, a efetiva arrecadação (dinheiro no Tesouro) constitui um dos requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal, conforme art. 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Daí porque o art. 1º do Decreto nº 51.908/07, que proíbe, de forma genérica, a adjudicação de que cuida o art. 24 da LEF, viola o princípio da responsabilidade na gestão fiscal. O governante que, em função desse Decreto, causar prejuízo ao erário poderá ser enquadrado no inciso X, do art. 10 da Lei nº 8.429/92, o qual, define o ato de improbidade administrativa.

De fato, o processo de execução fiscal é mero instrumento para satisfação do crédito tributário mediante constrição do patrimônio material do executado. Sem arrematação ou adjudicação do bem apenhado, o processo não cumprirá a sua finalidade e a Fazenda ficará sem poder receber o crédito tributário sob execução.

Não é preciso muito esforço para saber que a adjudicação, no caso, tem o mesmo efeito de pagamento, isto é, de extinguir o crédito tributário (podendo haver diferença para mais ou para menos). Também não é preciso que ela conste do elenco do art. 156 do CTN, pois é próprio do processo de execução fiscal extinguir o crédito tributário por meio de cobrança coativa, vale dizer, por meio de expropriação de bens do devedor.

A adjudicação nada tem a ver com a aquisição voluntária de bens particulares sem processo licitatório, não bastasse o fato de que a alienação de quaisquer bens penhorados será feita em leilão público (art. 23 da LEF), que é exatamente a modalidade de licitação pública prevista no art. 22, V, § 5º da Lei nº 8.666/93.

Urge, pois, a revogação do Decreto nº 51.908/07 que, nos termos em que se acha redigido, pode induzir o administrador a uma situação de prejuízo irreparável ao erário.


3 Da suspensão do prazo de prescricional

Outra questão polêmica diz respeito à suspensão, por tempo indeterminado, da prescrição na hipótese do art. 40 da LEF.

Segundo esse dispositivo, enquanto não localizado o executado ou encontrados seus bens para penhora, o processo ficará suspenso, não correndo nesses casos o prazo de prescrição. Decorrido um ano, os autos serão arquivados (§ 2º). Encontrados que sejam o devedor ou seus bens, a qualquer tempo, os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução (§ 3º).

Além de conflitar com a própria finalidade do instituto da prescrição – estabilizar as relações jurídicas – em nome do princípio constitucional da segurança jurídica, o referido art. 40 avança sobre matéria sob reserva de lei complementar (art. 146, III, b da CF).

Aliás, o art. 174 e parágrafo único do CTN, que cuidam da prescrição, sequer reconhecem a figura da suspensão da prescrição, mas apenas a hipótese de sua interrupção.

Não é razoável cogitar de eternização do processo de execução fiscal por inércia da Fazenda, pelo que se impõe a contagem do prazo de prescrição intercorrente tão logo decorra o lapso temporal de suspensão do processo por um ano.

Aliás, nesse sentido é a jurisprudência do STJ que até sumulou a matéria: Súmula 314 do STJ; Resp. nº 67.254-PR, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 9-9-96, p. 32.328; Resp nº 208.345-PR, Relator Min. José Delgado, DJ de 1º-7-99, p. 154; Resp nº 255.118-RS, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 14-8-00, p. 156; AGResp nº 440.181-RO, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 28-10-02, p.252; Resp nº 239.535-MG, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 23-9-02, p. 301; Resp nº 257.694-RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 7-10-02, p. 212; AGResp nº 418.162-RO, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 11-11-02, p. 231; AGEDAG nº 446.994-RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ de 10-3-03, p. 111).


Autor

  • Kiyoshi Harada

    Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Lei de execução fiscal. Aspectos polêmicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1463, 4 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10086. Acesso em: 28 mar. 2024.