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Considerações a respeito da audiência una em face da complexidade das relações de trabalho

Considerações a respeito da audiência una em face da complexidade das relações de trabalho

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1. INTRODUÇÃO

O mundo contemporâneo contempla atualmente um processo de profundas transformações no âmbito da economia mundial e brasileira, com reflexos diretos nas relações que envolvem o trabalho humano e as discussões trabalhistas levadas à apreciação do Judiciário.

Em virtude do acelerado desenvolvimento do processo de globalização, o Direito do Trabalho e as relações trabalhistas experimentam uma nova fase em que o uso das novas tecnologias – sobretudo as viabilizadas pelo desenvolvimento da informática – projetam uma inédita evolução nas formas de controle sobre o trabalho no interior do próprio ambiente laboral (além de redefinir o próprio conceito de ambiente de trabalho). (MELHADO, 2006. p. 105)

A verdade é que as mudanças tecnológicas que se desenvolveram com a informática e as telecomunicações implementaram grandes alterações na forma de execução da atividade laborativa, introduzindo inclusive novas modalidades de prestação de serviços à distância, trazendo à tona a necessidade de repensar o paradigma do contrato de trabalho clássico vivenciado no modelo de produção fabril.

Neste contexto de profundas modificações, é de fundamental relevância analisar a repercussão destas alterações no âmbito do processo do Trabalho, em particular, sopesar a forma pela qual tem acontecido a instrução processual no que tange ao procedimento da audiência de instrução e julgamento.

Com efeito, o presente ensaio pretende tecer breves considerações a respeito das dificuldades em conciliar a audiência una largamente praticada na Justiça Trabalhista com as novas feições globalizadas e complexas do Direito Trabalhista e das relações de trabalho, com base no pressuposto de que a prática tem demonstrado que a ânsia pela prestação jurisdicional célere muitas vezes é realizada em detrimento dos direitos constitucionais consolidados e das conquistas democráticas conquistadas por meio do devido processo legal.


2. A GLOBALIZAÇÃO E A COMPLEXIDADE DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

A globalização não é um fenômeno inédito na história, apenas assumiu ao longo do tempo conotações diversas. Como bem ilustra Diogo de Figueiredo Moreira Neto: "A globalização já foi cultural, pelo poder do exemplo, como se deu no mundo helênico; foi política, pelo poder da espada, como no mundo romano; foi econômica, pelo poder das riquezas, como no mundo ibérico dos descobrimentos; e religiosa, pelo poder da fé, como no mundo cristão". (MOREIRA NETO, 1998, p. 1)

O fenômeno da globalização que a sociedade mundial vivencia hodiernamente é o resultado de um acentuado grau de interdependência criado entre os Estados oriundo da Revolução Industrial, dos avanços tecnológicos e científicos, bem como, do desenvolvimento dos meios de comunicação e de transporte.

Esse processo de globalização está especial e intimamente ligado à mundialização da economia, mediante a internacionalização dos mercados de insumo, consumo e financeiro, marcando a ruptura com as fronteiras geográficas clássicas, o que tem limitado crescentemente a execução das políticas cambial, monetária e tributária dos Estados nacionais. (FARIA apud BARBOSA, 2006)

Contemporaneamente, a globalização assumiu uma forma mais profunda, arraigada no movimento conotado como a "Era do Conhecimento", por meio da qual indivíduos, grupos, sociedades e Estados interagem de forma cada vez mais próxima em função do apurado desenvolvimento científico e tecnológico. (BARBOSA, 2006) O capital transformou o mundo num lugar sem fronteiras, com economia e cultura mundializadas, em que as corporações transnacionais operam independentemente de Estados, sem nacionalidades, sob o comando do processo global capitalizado. (OLIVEIRA, 1999, p.23)

Um dos efeitos mais visíveis do processo de globalização, ou mundialização, são as profundas mudanças na estrutura industrial e na organização do trabalho, as quais se direcionam para novos paradigmas de poder e sujeição que implicam em impacto direto nas relações de trabalho.

No cenário de avanços e de facilidades para comunicação a sujeição do trabalhador adquire uma nova aparência. É especialmente válido ilustrar que "A apropriação da mais-valia é feita através de processadores eletrônicos, células fotoelétricas, raios infravermelhos. É levada a efeito por meio da robótica, da pneumática. É calculada em bits." (MELHADO, 2006, p. 23-24)

Com efeito, o modelo contratual da era das primeiras Revoluções Industriais já não satisfaz as condições estabelecidas que o mercado de trabalho exige. Para desenvolver o trabalho na "era cibernética" misturam-se relações de emprego com institutos cíveis de parceria, arrendamento, terceirização, freelancers, além do uso do trabalho volante, trabalhadores itinerantes, "teletrabalhadores", entre muitos outros.

Ao transportar os reflexos da globalização nas relações de trabalho para o âmbito da Justiça Trabalhista é possível perceber que os conflitos trazidos à apreciação do Poder Judiciário encontram-se sobremaneira complexos à medida que a própria atividade laborativa se desenvolve por mecanismos diversos dos modelos tradicionais.

A conseqüência disso é que as demandas exigem cada vez mais dos juristas envolvidos reflexão e atenção apuradas para compreender os elementos fáticos a serem subsumidos pelas normas jurídicas.

Neste sentido, é importante analisar se os procedimentos comumente aplicados na Justiça do Trabalho nos processos de sua competência são congruentes ao objetivo magno de garantir a concretização da Justiça à luz dos princípios processuais constitucionais.


3. AS DIFICULDADES DE COMPATIBILIZAR A AUDIÊNCIA UNA COM RELAÇÕES TRABALHISTAS COMPLEXAS

Mesmo diante da complexidade em que têm se desenvolvido as relações de trabalho, as audiências na Justiça do Trabalho muitas vezes ocorrem de maneira "una", ou seja, com a concentração de todos os atos em uma só oportunidade processual. Esta é inclusive a recomendação contida no § 1º, do artigo 55 do Provimento Geral da Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, que indica a adoção desta prática em busca da celeridade na instrução processual.

Entretanto, embora tenha a aparência de ser mais célere, este novo contexto das relações laborais demonstra que nem sempre a audiência unificada atende aos princípios constitucionais processuais.

É imprescindível lembrar que à época da elaboração da Consolidação das Leis Trabalhistas as relações de trabalho e de emprego ocorriam de forma mais restrita e simples, motivo por que a solução dos litígios também se dava de modo mais facilitada.

Basta perceber que, em meados do século passado, o principal instrumento de trabalho do advogado não era o computador ou o notebook, mas a máquina de escrever que não possui a tecla delete nem backspace, nem as funções de "recorta e cola" do word.

Na prática atual, a linguagem da informática traduz-se juridicamente pelo fato de que o profissional do direito é capaz de produzir muitas mais petições trabalhistas em um menor espaço de tempo. As petições, além de mais variadas, tornaram-se mais extensas pela facilidade em obter informações via internet.

Ora, a tecnologia pode ser fantástica quando bem utilizada, o problema ocorre quando o advogado da parte demandante é surpreendido pelo conteúdo da contestação ao qual só tem acesso naquele momento, e dispõe de apenas 10 (dez) minutos para impugnar as alegações contidas nas incontáveis laudas e documentos colacionados à defesa.

O resultado é que, sem conhecer quais fatos serão realmente controvertidos na lide em questão, muitas vezes são levadas testemunhas desnecessárias, e, em outras ocasiões, sequer é possível conhecer e analisar todos os documentos com a amplitude necessária.

O mais grave, contudo, é que o exíguo tempo para conhecer do conteúdo da contestação e para realizar a impugnação dos fatos e documentos trazidos em Juízo dificulta a defesa técnica adequada e embaraça substancialmente a instrução em prejuízo do contraditório.

É necessário ressalvar que, muitos casos analisados na Justiça do Trabalho ainda são de simples resolução por meio da aplicação literal das normas trabalhistas, casos em que a audiência una pode efetivamente ser compatível com a celeridade e com os escopos jurisdicionais.

Em contrapartida, há que se atentar que a audiência una nem sempre corresponde aos ideais de justiça e do devido processo legal quando os casos concretos não se amoldam aos parâmetros clássicos de conflitos trabalhistas.

O que se vivencia hoje é um cenário de diversas metamorfoses econômicas, sociais e políticas no qual é inevitável constatar que as relações de trabalho adquiriram uma complexidade muito maior do que aquela antes experimentada nos sistemas de produção taylorista e fordista, exigindo dos operadores do direito uma conduta muito mais atenta para alcançar a justiça no caso concreto.

Corolário lógico de relações mais complexas é que os conflitos resistidos de valores tornam-se também mais abstrusos, bem como a instrução processual decorrente deles.

A tendência é a de que os gêneros diferenciados de relações jurídicas recorram à Justiça do Trabalho para obter a tutela de seus direitos, principalmente em razão da ampliação da competência da Justiça Trabalhista promovida pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Nessa busca de soluções apropriadas para os conflitos surgidos nas relações de trabalho faz-se mister que os operadores do direito reformulem os conceitos jurídicos a fim de tecer uma análise crítica e bem fundamentada das questões suscitadas a partir das premissas principiológicas do Direito do Trabalho.

Não se pode ignorar que a tecnologia e a economia globalizada trouxeram mudanças significativas no tamanho, peso e no alcance das funções e papéis do Estado (FARIA, 2002, p. 9), mas até que ponto é possível admitir que as alterações de paradigmas relativizem os direitos e garantias fundamentais asseguradas pelo Estado?

Com efeito, não basta a simples garantia formal do dever do Estado de prestar a Justiça; é necessário adjetivar esta prestação estatal, que há de ser rápida, efetiva e adequada. Esta última característica é que aqui interessa: almeja-se proporcionar uma tutela jurisdicional adequada.

Nesse diapasão, revela-se a imprescindibilidade de que o Poder Judiciário trabalhista esteja atento às mudanças das relações jurídicas laborais de maneira a adequar a audiência una trabalhista em prol de uma instrução célere, mas, principalmente garantidora dos direitos subjetivos dos trabalhadores.


4. CONCLUSÃO

O avanço das instituições, além do amadurecimento da Democracia, com o natural aumento no número e na complexidade das relações de trabalho decorrente do fenômeno da globalização, trazem consigo a necessidade de garantir que todas as partes envolvidas sejam respeitadas e seus direitos, atendidos.

Com relação à audiência uma na Justiça do Trabalho, é imperioso garantir aos sujeitos envolvidos na instrução processual que os procedimentos utilizados sejam condizentes com os pilares constitucionais sobre os quais foram erigidos.

É certo que há um desejo inafastável de que o desenvolvimento processual seja célere para efetivar as tutelas de direito. No entanto, a celeridade não deve implicar a abnegação de garantias processuais conquistadas ao longo de séculos.

O Judiciário Trabalhista precisa atentar para o fato de que nem sempre a conjugação dos atos processuais em uma única audiência atende aos princípios do ordenamento jurídico, principalmente no contexto contemporâneo em que se percebe o progresso cada vez mais rápido da informática e da tecnologia aplicada às relações de trabalho, assim como, a dinamização das relações humanas trabalhistas.

Por este motivo, antes de preconizar a celeridade como um fim em si mesmo, é preciso verificar se a instrução processual unificada atende aos princípios que norteiam o Direito do Trabalho, pois esta é a verdadeira finalidade da jurisdição trabalhista.


REFERÊNCIAS

BARBOSA, Sandra Pires. Direito à Informação e Controle Social da Atividade Econômica. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, nº 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2078>Acesso em 17.mai.2006.

FARIA, José Eduardo. Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002.

MELHADO, Reginaldo. Metamorfoses do Capital e do Trabalho: Relação de poder, Reforma do Judiciário e Competência da Justiça Laboral. São Paulo: LTr, 2006.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Globalização, Regionalismo, Reforma do Estado e da Constituição, in: Revista de Direito Administrativo., n 211. Rio de Janeiro: Renovar, jan/mar 1998.

OLIVEIRA, Odete Maria de. União Européia: processos de Integração e Mutação. Curitiba: Juruá, 1999.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIROTTA, Fernanda de Abreu. Considerações a respeito da audiência una em face da complexidade das relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1522, 1 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10356. Acesso em: 28 mar. 2024.